Categorias
Clarissa Paiva Colunistas Destaque

Um natal feliz

Vejo a cena de olhos fechados. Em Israel, uma mulher corre livre, sorrindo e brincando com o vento, enquanto seus cabelos dançam um baladi no ritmo do seu vestido, que é solto como os seios da sua dona.
Ela é dona das suas coisas, de sua história, das suas escolhas. Enquanto faz o que quer, ninguém a incrimina. Em cada parte do planeta, em contextos distintos, cada um busca quebrar uma barreira adoecedora.
Todos resolveram se vacinar contra a intolerância. É Natal! A regra é renascer. Cada um sai do seu próprio nascedouro blindado contra tudo que já causou mal a si e aos outros: a tríplice viral protege contra a superioridade, o egocentrismo e a ira. A gotinha imuniza o coração do pânico; e aquela injeção mais dolorida blinda a gente do desânimo – mesmo em dias e situações enferrujadas.
Talvez sintamos alguma reação a princípio… Não é simples combater tanto estrago. Mas em 2022 estaremos prontos para a reconstrução.  Livres. Todos nós.
Que se renovem todas as coisas, e haja tinta nova, fluorescente, para desenharmos um novo código de amor, a linguagem mais potente que poderá existir.
Categorias
Ady Canário Colunistas Destaque

Descolonizar pensamento e linguagem: o que podemos aprender com bell hooks

 

“Temos de desenvolver estratégias para obter uma
avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos
obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias
estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em
nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por que o trabalho intelectual é raramente considerado revolucionário e como uma forma de ativismo?

São questões colocadas e que podem parecer inquietantes para muitas pessoas comprometidas socialmente com a transformação do mundo, mas trata-se de uma “pedagogia insurgente” ensinada por bell hooks (Gloria Jean Watkins), escritora, intelectual negra norte-americana, que neste mês nos deixou. Recentemente meditávamos no seu texto “Intelectuais negras” para essa escrita e, quando recebemos a notícia, estávamos numa reunião acadêmica com professores.

bell hooks parte deixando um imensurável legado, sobretudo para nós mulheres negras. Ela nos mostra que trilhar o caminho intelectual foi sempre uma opção “excepcional” e “difícil”, sendo para muitas, mais um chamado do que vocação, em que muitas mulheres negras não escolhem esse trabalho em razão do racismo e do sexismo.

Num país anti-intelectual, ser mulher negra e intelectual, conforme bell hooks é enfrentar a descolonização e libertação de mentes por que o trabalho intelectual é extremamente necessário nas lutas cotidianas e de esforços de grupos oprimidos e marginalizados. Ou até mesmo professoras negras, mulheres negras acadêmicas que superam as desconfianças em razão do racismo institucional. Nesse mundo de dominação colonial, o que podemos aprender com bell hooks a esse respeito?

Eis algumas “estratégias” que podemos desenvolver e que podem nos ajudar a acreditar mais na nossa capacidade. Destaco quatro pontos, como ela nos ensina (HOOKS, 2005, p.464-478):

a) afirmar sempre que o trabalho que fazemos tem impacto significativo na luta;
b) valorizar o trabalho intelectual advindo de grupos marginalizados como atividades úteis;
c) compreender que o trabalho intelectual é necessário para libertação de mentes;
d) ler, escrever, citar pensadoras, escritoras, mulheres negras e intelectuais contemporâneas.

Nesse sentido, conforme a teórica feminista negra: “Para contrabalançar a baixa estima constante e ativamente imposta às negras numa cultura racista/sexista e anti-intelectual, aquelas entre nós que se tornam intelectuais devem estar sempre vigilantes. Temos de desenvolver estratégias para obter uma avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por fim, vale a pena ler o texto de bell hooks “Intelectuais negras”, Revista de Estudos Feministas, vol. 3, nº2, Florianópolis, UFSC, 1995, pp.464-478. Fica a dica o e link https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16465

Acreditemos na nossa capacidade de aprender.

Grata, bell. Gratidão.

Categorias
Cultura Destaque

Mesa de Glosas e o protagonismo das mulheres do Pajeú na poesia improvisada

A cantoria de viola, a mesa de glosas, a arte do repente, tem um improviso que canta e encanta sobre os fatos e o dia a dia do nosso povo. Ora como expressão de felicidade, ora como lamento, ora como registro histórico, ora como diversão. Todavia, ao longo do tempo, esse segmento cultural da cantoria de viola, do repente, da literatura de cordel foi dominado pela figura masculina. Poetas, repentistas e escritores de cordel sempre existiram em grande quantidade. Mulheres, nesse ambiente, sempre foram algo raro de se encontrar, não porque não existia, mas por serem invisibilizadas.

É do Pajeú, território sertanejo localizado no Estado de Pernambuco que conta com dezessete municípios (todos referência quando estamos falando de poesia), que sai parte das vozes femininas do repente e que vêm se destacando pelo Brasil afora. Não à toa, o território é identificado por sua efervescência poética como “pajeúnica”. Trata-se de uma identidade histórica, tendo em vista que do Pajeú saíram outros nomes na arte de improvisar, tais como Severina Branca, Isabelly Moreira, Luzia Batista, Mocinha de Passira, que inclusive são nomes que as glosadoras da nova geração também levam junto para os espaços que ocupam atualmente. Nomes que são apresentados por meio de declamações de seus versos, para mostrar que as glosadoras mulheres sempre ocuparam esse espaço, mas que foram ofuscadas.

Luna Vitrolira, idealizadora do “Mulheres de Repente” / Foto: Damariz Galvez

Representatividade, existência, empoderamento, escrevivência, é tudo o que representa o projeto “Mulheres de Repente”, idealizado pela multiartista Luna Vitrolira, que já se revela como um dos instrumentos que vem dando um novo contexto a este cenário poético e mostrando a potência das glosadoras do sertão pernambucano na arte do improviso. As poetisas Francisca Araújo, Dayane Rocha, Elenilda Amaral e Erivoneide Amaral, com a mediação de Luna Vitrolira, já participaram do espetáculo “Mulheres de Repente”, no Centro Cultural do Grajaú, em São Paulo (SP); já estiveram em Salvador, no Museu de Arte; em Teresina (PI); na Festa Literária das Periferias e no Rio de Janeiro. Essas são oportunidades que marcam não só a carreira dessas mulheres como também a construção de um novo cenário dentro da poesia improvisada.

“A gente, hoje, marca muito forte a nossa existência. Somos nós contando a nossa própria história a partir das nossas próprias narrativas. Então, quando a gente amplia os espaços das mulheres na literatura, a gente está falando de uma voz que entra no espaço de disputa de narrativa para contar a sua versão da história, a sua perspectiva de mundo, a sua escrevivência, a partir do seu corpo, de suas marcas, de suas experiências, de seu lugar de fala”, destaca Luna.

O “Mulheres de Repente” surge para marcar o protagonismo feminino na arte do improviso. Ele nasce da vontade de difundir a poesia feita de improviso no sertão do Pajeú, no momento em que, segundo Luna, houve uma grande explosão da poesia falada, vinda das diversas periferias de todo o Brasil. A partir desse contexto, a multiartista começou a questionar sobre o porquê da literatura oral, da literatura de cordel, da cantoria de viola, da mesa de glosas, toda essa arte produzida no Pajeú, não poderia se projetar no meio dessas oportunidades e chegar aos vários estados brasileiros, considerando que o sertão é uma grande periferia também, um território que tem um contexto histórico difícil, e que é um território de povos originários, povos negros.

“A nossa cultura e nossa poética são totalmente fundamentadas nessa ancestralidade. Então eu comecei a perceber que, mesmo com toda a projeção da poesia falada, da poesia oral, da poética das vozes em vários territórios pelo Brasil, a partir desse lugar da periferia, o sertão, ele continuava sendo marginalizado, invisibilizado, como um território periférico, que realmente não é visto, não e considerado. A gente sabe que o Nordeste, e o sertão, sobretudo, ele ainda sofre o peso de muitas caricaturas a partir dessa imagem de seca, de miséria que foi criada. Então, pouco se olha pra nossa poética, para nossa cultura, para o que a gente tem de vida, de poesia, de vitalidade e de ebulição”, explica. Foram esses questionamentos que inspiraram Luna a fazer o “De Repente Uma Glosa”, projeto de circulação nacional, da mesa de glosas, mas que eram mesas mistas, com homens e mulheres.

Glosadoras do Pajeú durante espetáculo em São Paulo / Foto: Damariz Galvez

Quando começaram a circular, em 2016, existiam poucas mulheres nesses espaços, poucas mulheres glosadoras ocupando a mesa. “Então a gente começou em mesas mistas com Elenilda Amaral e Dayane Rocha, e aí foram surgindo outras poetisas improvisadoras e glosadoras, como Francisca Araújo, Erivoneide Amaral, Milene Augusto, Thaynnara Queiroz, e foi aí que a gente começou a sentir a necessidade de fazer mesas de glosas onde o protagonismo fosse feminino”, destaca.

Das modalidades poéticas, sobretudo a literatura que é feita no sertão, e mais ainda quando se fala da arte de improvisar, os homens são maioria, e por ser um espaço ocupado majoritariamente por homens, são poucas as mulheres que se sentem à vontade e que conseguem exercer a sua arte em meio a tantas opressões. A partir dessa realidade várias questões foram sendo observadas. “A gente foi percebendo que quando as pessoas construíam os motes (que são os assuntos, estrutura de dois versos a partir do qual as poetisas glosam), não se pensava a questão de gênero. Eram criados motes masculinos para as meninas glosarem no masculino. E a gente sabe que se o mote vem no masculino existe uma questão muito forte que é a limitação da rima. Se o adjetivo ou substantivo vem no masculino, para a mulher glosar ela vai usar uma voz masculina que não é a voz dela, não é a voz feminina. Então, começou a se questionar muitas coisas, na própria sistemática da mesa de glosa, a partir da questão de gênero”, detalha.

Percebendo o machismo durante as apresentações, segundo Luna, em alguns momentos foi necessário chamar a atenção dos improvisadores homens. Foi necessário pedir que atentassem para a representação das mulheres, alertando-os para o cuidado com os assuntos, o cuidado com os temas, para que não sejam temas misóginos, machistas, que vão desvalorizar a mulher, que não sejam motes apenas que tragam a voz masculina. “O que acontecia muitas vezes era a subversão do mote. Dayane Rocha muitas vezes encarou um mote que vinha num gênero masculino, ela transgredia, transformava o mote no gênero feminino e mudava todo o esquema de rima. Então ela fazia um improviso que se diferenciava na estrutura métrica dos outros, dos homens. Porque ela adaptava para a voz feminina, para a voz dela”, explicou.

Ainda sobre a importância do projeto, a idealizadora frisa a relevância de incentivar outras mulheres que queiram ecoar suas vozes, amplificar seus discursos. “Na mesa de glosas ampliamos esse debate de gênero pensando nas pessoas não binárias, que querem participar e que ainda se sentem limitadas e oprimidas como se aqueles espaços não lhe pertencessem. A gente vem buscando cada vez mais esse debate para trazer mais mulheres para dentro desse processo. Inclusive, temos feito projetos de formação pensando nisso”, relata.

Desafios enfrentados pelas improvisadoras quando a mesa de glosas é mista

Luna constata que existe um diferencial na questão do respeito e da cumplicidade que existe quando é uma mesa feminina, o que acaba não existindo quando a mesa é mista. “Mesmo que alguns poetas homens se esforcem, não consegue se ter uma cumplicidade de fato, real. Entre eles tem uma dinâmica e quando tem mulheres na mesa é como se eles não conseguissem lidar com a dinâmica diferente da deles. Então são muitos os conflitos, são muitas as barreiras que muitas vezes só sente a potência dessas barreiras quem está sentado à mesa. Ou seja, as mulheres glosadoras é que sentem na prática essas barreiras”, diz. Um exemplo vivenciado pelas meninas tem relação com o tempo de criação e elaboração de cada uma. Segundo ela, existe uma postura muito desrespeitosa com algumas glosadoras com relação ao tempo que elas levam para elaborar suas estrofes e isso gera um discurso de que os homens são mais ágeis, mas não avaliam o fato de que os homens estão há décadas glosando em atividade e com uma bagagem de tempo de experiência muito maior quando comparado com as mulheres que começaram a glosar há pouco tempo. “São dois pesos e duas medidas para a gente poder ter mais cuidado ao pensar nesse protagonismo feminino na mesa de glosas”, reconhece.

O diferencial de quando a mesa de glosas é composta só por mulheres existe também no que diz respeito aos temas abordados. Temas que nunca foram pautas nesse espaço como a maternidade, o machismo, liberdade da mulher, agora estão sendo trazidos para as mesas. “Muita coisa muda, mexe na estrutura, e se impede, inclusive, que motes, que são chamados de motes de gracejos, se utilizem da imagem da mulher para ‘tirar uma onda’, uma piada. É muito importante marcar esse lugar e honrar as várias mulheres repentistas que tiveram que passar por tantos desafios, para conseguir conquistar o direito de exercer sua sensibilidade artística, ser poeta, cantadora de viola, ser improvisadora e ser glosadora”, frisa.

Luna faz uma referência às repentistas que tiveram que enfrentar maiores desafios para se firmar nesses espaços, como Mocinha de Passira, uma renomada cantadora de viola de Pernambuco, que teve que fugir de casa para ser cantadora; e Luzia Batista, também uma repentista reconhecida, que teve sua viola de cantoria quebrada pelo marido e foi proibida de cantar. “Quando a gente vê hoje mulheres fazendo improviso na mesa de glosa e viajando por vários Estados do Brasil, isso é muito revolucionário”, festeja Luna.

A presença das mulheres na mesa de glosa ainda é considerada tímida. “Não somos poucas escritoras, escritoras somos várias, mas na mesa de glosa, hoje, somos apenas seis mulheres. Estamos com muita força, enfrentando desafios, enfrentando, às vezes, muito desrespeito, mas sempre com muito profissionalismo, marcando nossa presença com muita dignidade, com nossa integridade e sem permitir que sejamos subalternizadas nesse processo. A gente não se submete a absolutamente nada, a gente se posiciona. Quando a gente faz isso a gente se torna referência para outras mulheres que vão desejar estar e ocupar esses espaços e isso vai provocar essa ampliação, que é o que a gente busca”, fala a multiartista.

Sobre a circulação do projeto e a receptividade nos Estados brasileiros

O projeto já circulou em vários Estados brasileiros. Para a idealizadora as oportunidades de fazer o “Mulheres de Repente” são experiências gratificantes. “Em muitos lugares fora e até mesmo em Pernambuco muitas pessoas nunca ouviram falar e nunca assistiram uma mesa de glosas. Nunca testemunharam esse rebento do sagrado que é o improviso, então quando as pessoas se deparam com a mesa de glosas existe um encantamento muito forte. As pessoas ficam impressionadas. Existe uma contemplação muito bonita de perceber no público que fica esperando e observando as poetas pensando, elaborando, esperando que a poesia nasça e torcem muito por isso e sempre que o improviso é declamado existe uma vibração muito forte da plateia. Ficam impactadas”, discorre.

Em alguns espaços por onde passaram o projeto não houve, inicialmente, uma receptividade positiva, como no Sudeste, por exemplo. Segundo ela, em alguns lugares foi possível sentir um tratamento que veio junto com um certo preconceito, com uma visão pejorativa do popular. No entanto, apesar da primeira impressão vir de forma negativa, quando assistiam, tudo mudava, ficavam impressionados. Luna comenta que: “Já aconteceu de a gente chegar a espaços e ser muito bem recebidas, muito bem acolhidas, das pessoas amarem, vibrarem, comprarem os livros, seguirem as redes sociais e manterem contato com a gente, pesquisarem sobre outras poetas e sobre a região; e já aconteceu de a gente impressionar as pessoas dessa forma: não darem valor aquilo ali, e depois acham incrível.

Os desafios são muitos, porém, cientes da importância que tem o projeto as improvisadoras não tem baixado a cabeça. “É muito difícil às vezes lidar com essas oscilações. A gente entende demais como é que os nordestinos, pernambucanos, sertanejos, são vistos nesses lugares, porque existe uma ignorância muito grande sobre quem somos e ao mesmo tempo existe uma marginalização da nossa literatura, porque existe uma questão chamada epistemicídio mesmo e uma subalternização de toda literatura que é pautada na oralidade. Quando isso se soma a região, a raça, gênero, classe social, território, geografia, sotaque, a gente acaba tendo que enfrentar muitas barreira, mas a gente nunca abaixa a cabeça porque sabemos de nossa missão, sabemos o que estamos indo fazer e sabemos da importância desse projeto, importância de nossa resistência nossa voz”.

Origem da mesa de glosas e sua formação e sistematização

A mesa de glosa – glosar significa improvisar – surgiu das rodas de glosa. Essas rodas aconteciam depois que terminavam as apresentações de cantoria de viola. “Os poetas guardavam as violas, se juntavam em rodas na mesa do bar, alguém dava um mote, e eles faziam rodadas de improviso sem a viola; apenas como uma brincadeira de improvisar”, explica Luna.

Tabira foi a cidade que formalizou e sistematizou a mesa de glosa como um espetáculo de poesia improvisada com regras de funcionamento, em 1997. O fato aconteceu na missa do poeta. “A missa do poeta era feita em homenagem a Zé Marcolino em Serra Talhada, e quando a missa migra para Tabira, vira uma semana de celebração, uma semana de festividade em que a mesa de glosa se torna uma das atividades em homenagem a Zé Marcolino, que também era improvisador”, conta.

A estrutura é uma mesa retangular, onde as poetizas se sentam uma ao lado da outra. Além das poetas glosadoras, existe também uma mediadora coordenadora da mesa, que vai ser responsável por elaborar e dar os motes e conduzir a mesa durante toda a apresentação. Nessa estrutura, Luna explica que a quantidade de poetas é igual à quantidade de motes, que é igual à quantidade de rodadas. “Hoje existem seis mulheres glosadoras no Pajeú. Uma mesa com seis, serão seis motes e seis rodadas. Na mesa de glosas fazemos na estrutura de décimas, ou seja, estrofe de dez versos, com sete silabas poéticas na estrutura de rima. Aí, dessa estrutura de rima, os dois últimos versos fecham a décima: é justamente o mote. Então as poetas escrevem oito versos, e fecham a décima com o mote que são os dois versos restantes”, detalha.

Mulheres de Repente preparam livro, documentário e site

Além do espetáculo da mesa de glosas que corre pelo País, as poetisas estão para produzir um livro sobre a mesa de glosa que vai abordar a sua origem, funcionamento, as mulheres de repente e, junto com o livro, a criação de um “site” onde será disponibilizado material de acesso para as pessoas que queiram conhecer mais sobre as poetisas, sobre o repente, sobre a glosa, o improviso, sobre o Pajeú. A ideia é tornar acessível a arte que é produzida no Pajeú. Também será produzido um documentário sobre o “Mulheres de Repente” e a sua atuação. Fora tudo isso, existe o projeto de formação destinado às mulheres que queiram aprender a glosar, que tenham interesse em escrever, que queiram aprender mais sobre a técnica do improviso ou apenas conhecer a modalidade.

O sucesso do projeto Mulheres de Repente segue caminho e já tem as próximas paradas para o ano de 2022: participarão na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e na Festa Literária das Periferias (FLUP).

Categorias
Destaque Política

Carta aberta ao Presidente da Câmara Municipal de Mossoró, excelentíssimo senhor vereador Lawrence Amorim

A revista Matracas lança Carta Aberta, direcionada ao presidente da Câmara Municipal de Mossoró, sobre a postura machista, misógina e homofóbica do vereador Raério Araújo, em seu discurso na sessão da Câmara na manhã desta terça-feira (14/12).

Senhor presidente,

O Brasil é marcadamente um país violento. Lamentavelmente, as maiores vítimas da violência são pobres, negros, população LGBTQUIA+ e mulheres, não necessariamente nessa ordem. Esse fato mostra, inegavelmente, que grande parte dos atos violentos são perpetrados tendo como motivadores a discriminação e o preconceito.

A partir da mobilização de setores progressistas da sociedade, o país deu um importante passo para tentar coibir a violência contra as mulheres. O advento da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, qualificou o crime de feminicídio, sendo aquele cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. 

A despeito dessa grande conquista, começamos a ter retrocessos, representados no aumento do número de feminicídios e de casos de violência doméstica. O crescimento da violência contra a população LGBTQUIA+ também assusta.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, foram registrados nada menos que 1.350 feminicídios no país, aumento de quase 1% em relação a 2019. Já a violência letal contra a população LGBTQUIA+ cresceu quase 25% em relação ao ano anterior. 

São crimes que ocorrem potencializados pelo discurso machista, misógino, discriminatório e preconceituoso, como o proferido hoje pelo vereador Raério Araújo (PSD).

É assustador, senhor presidente, que de onde se espera que venham projetos, ações e proposições que contribuam para minimizar esse grave problema, se originem comentários maldosos, com discriminação de gênero, que colocam as mulheres inferiorizadas, indignas de legitimidade na fala pública. 

Observe, senhor presidente, que a própria lei afirma que o crime de feminicídio é caracterizado quando “envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Existe algo mais nauseante de que um representante do povo se referir à postura de um adversário utilizando uma expressão retrógrada, ultrapassada e ultrajante como “mulher ruim”?

Não menos chocante foi o vereador ter utilizado o termo “baitola”, clara afronta à população LGBTQUIA+ e com o inegável propósito de desqualificar, menoscabar e marginalizar essa importante parcela da sociedade.

O discurso de hoje do vereador Raério Araújo, senhor presidente, precisa e deve ser repreendido. Não apenas porque já se tornou corriqueiro o seu destempero verbal carregado de preconceito e discriminação, mas principalmente porque ultrapassou todos os limites de civilidade. 

Deixar passar tamanho disparate equivale a dizer que a Câmara Municipal de Mossoró concorda com a postura do parlamentar.

Entre todos os agravantes da conduta preconceituosa do vereador em comento está o fato de ser ele presidente da mais importante comissão do Legislativo, sem nenhum demérito às demais.

A Comissão de Redação, Constituição e Justiça, presidida por Raério Araújo, tem, entre outras funções, a de garantir que as matérias a ela chegadas não firam a Constituição Federal da República do Brasil (CFRB). 

Nossa Carta Magna, digno presidente, nos alerta, em seu artigo 5º, “que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Absurdo que os comentários mais desairosos, as falas mais estapafúrdias, os discursos mais violentos venham sendo proferidos por aquele que deveria ser, na Câmara Municipal de Mossoró, guardião da “Constituição Cidadã”.

Se é absurdo que o presidente da Comissão de Redação, Constituição e Justiça tenha se constituído em contumaz maculador de um dos mais importantes princípios constitucionais, ainda pior será se o Legislativo mossoroense quedar silente aos arroubos nefastos e desproporcionais do vereador Raério Araújo. Ele não está acima da Constituição. Mesmo que a desrespeite reiteradamente.

Por todas as mulheres que sofrem diariamente com a violência sexista, com a discriminação, com o preconceito, pagando com suas vidas o descaso das autoridades;

Por toda a população LGBTQUIA+, agredida diariamente em sua existência e profanada em sua dignidade, exigimos do Poder Legislativo Municipal de Mossoró a adoção de medidas legais que punam o agressor e contribuam para que atos e fatos tão lamentáveis jamais voltem a acontecer.

 

 

Categorias
Colunistas Destaque Natalia Santos

MAID: A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA

Lançada em 1 de outubro desse ano, Maid superou a marca de O Gambito da Rainha e tornou-se a minissérie mais vista da Netflix até o momento. Para além de números e audiência, trata-se de uma história indispensável para todos. Inspirada no livro autobiográfico de Stephanie Land (Superação: trabalho duro, salário baixo e o dever de uma mãe solo) a série nos apresenta Alex, interpretada pela jovem e promissora atriz Margaret Qualley, uma mulher que trabalha como faxineira para pagar suas contas e sustentar a filha Maddy.

A jovem mãe solo lida diariamente com problemas financeiros e familiares, um relacionamento abusivo com o pai de Maddy e demonstra, apesar de tudo, um desejo latente por desenvolver sua escrita como maneira não só de produzir arte, mas de enfrentar os próprios demônios. Embora tenhamos uma história ambientada nos Estados Unidos, a semelhança com a vida das mulheres brasileiras é escandalosa, ao ponto de ter conquistado o público do nosso país e ter alcançado por semanas o top 10 na Netflix.

Maid mostra as diversas camadas e ciclos da violência doméstica que vemos ser perpetuada por séculos de uma maneira que é quase impossível não sofrer junto com Alex todas as suas dores. Torcemos por ela, nos enxergamos nas situações pelas quais ela passa e entendemos suas falhas e quedas. Durante os 10 episódios da minissérie, experimentamos viver um pouco do drama pessoal de uma mulher que poderia muito bem ser alguém próximo de nós e enxergamos como a violência pode aparecer sob as mais diversas facetas. 

É incrível e doloroso acompanhar a jornada de crescimento e libertação de Alex, e uma das frases que mais ficou na minha cabeça após terminar a série é quando a protagnista, em certo momento, fala sobre o ex-companheiro: “quero que ele veja que eu não tenho mais medo dele”. A série aborda de maneira incisiva a violência doméstica psicológica, tão nociva e ao mesmo tempo difícil de ser provada nos tribunais ou mesmo fora deles, uma realidade que, infelizmente, sabemos não estar assim tão longe de nós.

 É uma forma de violência doméstica muito comum, mas que infelizmente tem pouca visibilidade. Para se ter uma ideia, somente em 2021 foi sancionada a lei que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra mulher: A Lei nº 14.188, de 29 de julho de 2021, que adiciona o artigo 147–B ao Código Penal. 

Maid conta com um roteiro esplêndido, uma direção certeira e um elenco que rende atuações magníficas, sendo, talvez, uma das melhores produções da Netflix nesse ano. A mensagem, para mim, é clara: mulheres são muito mais do que um dia os homens disseram que elas poderiam ser.

¹SILVA, Mateus Rocha da. Maid: minissérie da Netflix supera audiência de O Gambito da Rainha. Techmundo, 2021. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/227265-maid-minisserie-netflix-supera-audiencia-gambito-da-rainha.htm>. Acesso em 9 de dez. de 2021.

²BRASIL. Lei 14188 de 29 de julho de 2021, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm>. Acesso em 13 de dez. de 2021.

Categorias
Destaque Política

Movimenta Mulheres RN participa de audiência sobre Violência Política de Gênero na Câmara de Natal

“Não serei interrompida” – Marielle Franco

As situações de violência política de gênero são recorrentes no Brasil e acontecem em todas as esferas do poder. Intimidação, constrangimento, tentativa de silenciá-las, de desqualificá-las em suas falas, são exemplos de agressões sofridas pelas mulheres que ocupam os espaços de poder, sejam elas prefeitas, vereadoras, deputadas, senadoras. Uma realidade que, além de afetar as mulheres em seus mandatos, impactar a democracia, contribui para o distanciamento de outras do ambiente político, um lugar que se mostra cada vez mais hostil.

Os desafios são muitos e a caminhada ainda é longa, porém, as mulheres seguem juntas para mostrar que o lugar delas é, também, na política. Foi essa temática que levou militantes do Movimenta Mulheres RN a ocuparem a Câmara Municipal de Natal, na manhã desta quinta-feira (09/12), a partir de uma proposição do Movimenta, junto ao mandato da vereadora Ana Paula e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Natal.

De acordo com uma das presidentas do Movimenta Mulheres, Isabella Lauar, o grupo lançou, juntamente com a vereadora Ana Paula Araújo e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara,  o Observatório para mapear os casos de violência política de gênero, servindo também de canal de denúncias para a pauta.

Segundo Isabella, o debate é oportuno, considerando que os casos são cada vez mais recorrentes e invisibilizados. “Discutir a violência política de gênero é falar sobre estatísticas invisíveis, relativas a um fenômeno que ainda não é muito debatido, embora já tenhamos a tipificação do crime de Violência Política de Gênero. Por outra parte, é falar de um delito que influencia diretamente tanto na participação das mulheres na política e nos espaços institucionais de poder, quanto na própria atuação dessas mulheres que, em virtude desta violência, correm riscos até de vida (Feminicídio Político de Estado, cujo maior exemplo no Brasil é Marielle Franco).

Ela reforça ainda que “é, também, uma das causas da sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e decisão e prejudica a democracia no país. Sendo assim, precisamos falar sobre isso, para garantir que as mulheres possam exercer seus mandatos e erguer suas vozes em prol da democracia e de políticas públicas interseccionais e representativas”, frisa.

Na mobilização da Câmara ocorrida hoje, estiveram presentes as Presidentas do Movimenta Mulheres RN, Karenina Hentz da Cunha Lima, Isabella Lauar e Caroline Maciel, além de autoridades como Wanessa Fialho, subsecretária da Secretaria de Estado das Mulheres da Juventude da Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEMJIDH/RN).

Categorias
Destaque Violência contra mulher

Uma patrulha em defesa de muitas Marias

Atender a pedidos de socorro, conter situações de violência, deter agressores, aconselhar, orientar, proteger. Essas são as principais tarefas da Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Mossoró. Um serviço que acaba de completar um ano de criação, mas que já é referência quando o assunto é a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Uma patrulha composta por 18 agentes civis mulheres e 18 homens que atuam com serviço 24 horas com um único objetivo: proteger as mulheres das violências. Não importa o local e o horário, os pedidos de socorro podem chegar de Marias, Joanas, Franciscas, Márcias, Antônias, Luzias e muitas outras mulheres que encontram na patrulha Maria da Penha um apoio e, em muitos casos, a salvação de suas vidas.

Em apenas um ano de atuação em Mossoró, a única patrulha Maria da Penha do Rio Grande do Norte já conseguiu atender e proteger de violências, mais de 360 mulheres. Do total de vítimas que solicitaram o serviço da patrulha, nenhum caso de feminicídio foi registrado. 

A coordenadora geral da patrulha Maria da Penha, Jamille Silva, conta que percebe uma grande aceitação e um sentimento de gratidão e segurança por parte das mulheres que pedem através do serviço. “A partir do momento que uma mulher, vítima de violência, solicita o nosso serviço, nós percebemos que a nossa ação é muito bem-vinda e que as vítimas se sentem seguras com nossa presença e nossa atuação”, detalhou Jamille. 

A patrulha Maria da Penha foi criada no dia 7 de dezembro de 2020, desde então o serviço vem conseguindo salvar muitas vítimas de agressões e garantindo o cumprimento de medidas protetivas concedidas pela justiça a mulheres que sofrem agressões dos parceiros ou familiares. O trabalho da patrulha inclui: acompanhamento de medidas judiciais, prisões de agressores, orientação, aconselhamento e encaminhamento de vítimas para abrigos. “Nós sabemos da importância do serviço da patrulha para as mulheres não só aqui em Mossoró, mas em todas as cidades do Brasil onde existe o serviço e isso nos motiva a trabalhar para garantir a proteção e a vida das mulheres que sofrem violência”, destacou.

O PROJETO – Elaborado pela Guarda Civil Municipal de Mossoró com o auxílio da GC Lilian Cynthia e do GC Nathan Lopes, o projeto para a criação da patrulha Maria da Penha foi submetido a um edital do Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça. O projeto recebeu aprovação e os recursos para equipar a guarda foram enviados pelo Governo Federal.

A patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal é subordinada à Secretaria Municipal de Segurança Pública, Defesa Civil, Mobilidade e Trânsito. Disponibiliza serviço de atendimento 24 horas que podem ser solicitados pelos seguintes números: 153 e WhatsApp: (84) 9 8631-7000 através dos quais a vítima pode mandar mensagem ou a localização do fato.

O serviço prestado pela patrulha Maria da Penha consiste na realização de visitas periódicas às residências de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, com o objetivo de verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas pelo Juizado da Violência contra a Mulher, além de reprimir atos de violência. Todas essas designações da patrulha, que defende mulheres em situação de violência, estão previstas na Lei Maria da Penha, que dá nome ao serviço.

O serviço desenvolvido pela patrulha Maria da Penha também se estende à zona rural do município. Segundo a GC Lilian Cynthia, que é responsável pelos projetos de conscientização e orientação sobre casos de violência, muitas mulheres sequer têm conhecimento que são vítimas de violência. “A patrulha Maria da Penha desenvolve um trabalho de conscientização que visa levar ao conhecimento das mulheres os vários tipos de violência. Muitas mulheres não percebem que sofrem violência psicológica e que esse tipo de violência também é crime e o nosso trabalho também se estende a levar essas orientações às mulheres”, reforçou Lilian Cynthia.

 

Fotos: Wilson Moreno

 

Categorias
Destaque Gerais

E o Futebol Feminino é Campeão

Ontem no Estádio do Corinthians, que já possui o nome fantasia, mas aqui vou chamar de Estádio do Corinthians, nem arena, nem arena com nome de indústria farmacêutica, foi realizada a Final Paulista Feminino. Ainda acredito no futebol da alegria, da diversidade, da inclusão, da popularização da FESTA, que não cabe naming rights.

O primeiro jogo da final do Paulistão ocorreu no Estádio do Morumbi e o público foi baixo para uma decisão. Não chegou a 5 mil pessoas, segundo Lucas Lins, que atravessa a cidade pelo seu time do coração. O São Paulo venceu a partida por 1×0 e foi para o segundo jogo com certa vantagem. As duas equipes foram impecáveis no campeonato e o Corinthians, invicto, perdeu apenas o jogo para o São Paulo. A equipe do Morumbi só havia perdido para o Corinthians nas fases classificatórias. É preciso ser dito que não há justiça no futebol, essa justiça abstrata que conhecemos por aí, mas a final se fazia “justa” às duas melhores equipes disputando o título.

A garoa rasgando a carne num verão típico da cidade de São Paulo, mas as crianças se fizeram presentes, famílias inteiras, avós, netas, irmãs, amigas. É impensável numa final de campeonato masculino que esteja presente uma família com dois adultos e três crianças, por exemplo. Sem exageros, a conta seria no mínimo uns 500 reais. Ou seja, ver famílias inteiras no estádio é cena rara no futebol masculino espetacularizado. Imagine no futebol feminino. Mas vi mulheres demostrando amor ao seu time e afeto a suas companheiras, os casais de mulheres eram maioria no setor onde assisti à partida. As tradicionais torcidas fizeram-se presente, davam o tom da festa, incentivavam e não fizeram distinção ao gênero. Era o time do coração, da vida da história daquelas(es) que ocupavam a arquibancada. É preciso ser dito que há tempos estamos vivendo a lei do rei pelado. Isto é, nos jogos entre times da mesma cidade, os famosos derbis, não se permite torcida das duas equipes. É torcida única. E como em todo jogo de torcida única, lá estavam as(os) infiltradas(os), torcedoras(es) do time rival, segurando o grito, a raiva, a alegria, em silêncio, se fazendo invisível, pra que ninguém notasse o que estava estampado na alma.

O jogo começou com as jogadoras do São Paulo apáticas, era o frio, a torcida, a pressão de uma final, não sei, mas só deu Corinthians. Além dos dois gols de Gabi Zanotti, teve bola na trave e uma defesa incrível de Carla. Corinthians dominava a partida, porém estamos falando de uma final de campeonato e, aos 45 minutos do primeiro tempo, o São Paulo marca pelos pés de Naná.

No telão a narradora anuncia, temos na torcida a skatista Rayssa Leal, corintiana. Com sua família no camarote, a adolescente corria entre as cadeiras e uma sala que compõe o camarote. Ninguém havia notado a campeã. Após o anúncio, os pedidos de foto para quem estava próximo foi inevitável. Eu, como uma criança que pede um doce, acenava das cadeiras inferiores. Mas não, ela não me viu. Eu clamei apenas por um aceno, mas não fui notada.

Roberta Pereira

Começa o segundo tempo e o São Paulo voltou imbatível. O gol deu ânimo à equipe, que atacou e chutou mais ao gol e nos lembrou que estávamos num clássico!!! O jogo ganhava ares dramáticos, se terminasse 2×1 teríamos PENALTIS, SIM pênaltis! Aquilo né, não é caixinha de surpresas nem sorte, a galera treina muito, mas na hora de bater são muitas variantes em jogo e aqui não estamos falando de máquinas nem robôs, são seres humanos, então de fato tudo pode acontecer.

Jogo se arrasta, jogadoras exaustas nas duas equipes, cãibras e desgaste físico, estamos em dezembro do segundo ano de pandemia. Mesmo as atletas podem dizer, “fora do storys”, ninguém tá bem. Ponto importante o condicionamento físico das atletas está muuuuuito superior ao de anos atrás, mostra das melhores condições de trabalho, isso não foi opinião somente dessa colunista eufórica, mas das(os) corintianas(os) Rafaela e Henrique. Para não dizer que não falei das desigualdades, certamente isso se aplica a times maiores e com mais estrutura, visto que há equipes que não possuem o mínimo para a prática do futebol.

O jogo em campo e o coração na chuteira deixavam as(os) torcedoras(es) em agonia. Entre insultos, a juíza era xingada no masculino, e gritos de é Jogo da Vida é Sangue no Olho é Tapa na Orelha, o jogo ia chegando ao final. E de novo aos 45 minutos Adriana marca para o time do Povo. No telão a hasteg #respeitaasminas.

41 mil ingressos trocados, a entrada era gratuita, os ingressos encerraram três dias antes da partida. Público presente: 30 mil pessoas numa quarta-feira fria. Em campo juízas. No jornalismo mulheres (repórteres), não sei como foi a transmissão, mas imagino que foi narrado e comentado por uma mulher. Mas na direção, dois técnicos à beira do campo. Eu quero festa, quero gol e quero mulheres em todos os espaços e funções. Posto isso, o Futebol Feminino foi Campeão, um jogo histórico com recorde de público.  Eu, que sou de arquibancada, afirmo: um recorde de público diverso, de público inclusivo.

Em tempo, sim o Corinthians foi campeão e levou a tríplice coroa. Em 2021 a equipe feminina foi Campeã Paulista, Brasileira e da Libertadores.

Categorias
Destaque Gerais

Márcia Eurico fala sobre sua pesquisa e livro “Racismo na Infância”

 

Os danos psicológicos decorrentes da violência racista vivida na primeira infância são invisibilizados, mas o fato é que essa violência marca a história das crianças e adolescentes negras para toda a vida. O racismo, desde as expressões mais explícitas às mais sutis, chega nas crianças negras logo na primeira infância e, apesar da gravidade social que essa realidade sustenta, o debate ainda é tímido.  

Para falar sobre o racismo na infância, recorremos à pesquisadora e assistente social Márcia Campos Eurico, autora do livro “Racismo na Infância”, publicado pela Editora Cortez e lançado em 2020 (link da live de lançamento – https://www.youtube.com/watch?v=e3f_-taoshQ), que debate a intersecção entre racismo e infância. Uma obra essencial, fruto de sua tese de doutorado, e que já é referência quando precisamos dialogar sobre essa questão e os impactos dela na vida das crianças e adolescentes negras. Um livro que chegou dando voz às crianças negras que são silenciadas em suas vivências, focando no racismo estrutural e institucional.  

O racismo na primeira infância e juventude ainda é pouco discutido. Essa é uma constatação de Márcia que é professora, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP e pós-doutoranda pela PUC-RJ. Segundo ela, a obra tem uma proposta de ser um instrumento de trabalho que possa levar a sociedade a pensar em como estamos vendo as crianças negras, com uma proposta de ampliar o debate sobre essa realidade, considerando que há um silêncio que permeia a violência racial na primeira infância e que isso tem consequências graves.  

O livro nos chama a atenção para o fato de que as crianças e adolescentes negras institucionalizadas precisam muito mais do que os cuidados práticos e objetivos. Ela enfatiza que “é preciso que essas crianças sejam vistas como sujeitos em totalidades, que precisam de afeto, de atenção, que tem deveres, mas também vontades”. Essa observação da pesquisadora baseia-se, entre outras constatações em relação ao sistema da política de assistência, nas constantes declarações que ouviu durante o processo de pesquisa: a de que as crianças nesses espaços estão seguras porque  têm comida, têm um teto, têm uma cama para dormir, o que para a pesquisadora é importante, porém “é o mínimo que essas crianças precisam ter”.

Foram várias inquietações que motivaram a pesquisadora. Questionamentos como: “por que crianças e adolescentes negras são as mais institucionalizadas no Brasil? Por que elas têm menos possibilidades de adoção?” Umas das questões recorrentes é que as famílias não querem crianças negras. Segundo Márcia “uma parcela expressiva de famílias ou de candidatos e candidatas à adoção, no momento de preencher o formulário, o cadastro de adoção, elas referem que não querem uma criança negra, mas que muitas vezes aceitam uma criança parda, como se a criança parda não portasse essas mesma negritude”, frisa. 

A partir dessa realidade, a professora começou a questionar “como é que essas essas crianças se sentem vendo outras crianças chegarem e partirem, ou de volta pros seus lares ou pra uma família adotiva, e essas crianças estão ali de alguma maneira e silenciosamente, percebem que elas estão ali por conta da cor da pele, por conta da sua origem  racial. esse foi o disparador”, conta.  

A pesquisa foi feita em duas instituições de acolhimento em São Paulo, com quatro equipes, durante oito meses. A metodologia utilizada foi a Grupo Focal, com o grupo operacional dessas instituições, profissionais dos serviços que são executados diretos com as crianças, tendo em vista que estes eram os que tinham maior vivência e relação de proximidade com essas crianças e adolescentes. Foram ouvidos profissionais de todos os níveis de atendimento e, a partir do conhecimento do cotidiano dessas instituições, dos relatos dos entrevistados, a pesquisa conclui que, entre outras falhas na política de assistência, falta debate racial, falta formação dos profissionais no sentido de que, nem todos os profissionais que chegam as instituições de acolhimento estão preparados para cuidar de uma criança e de um adolescente que tiveram situações de violência, de abandono, de negligência ou que foram invisibilizadas pelo racismo e caíram no serviço de acolhimento institucional. “Falta verba para pensar o cotidiano e estrutura mínima, falta espaço para ser escutado enquanto profissional”, acrescenta. 

Para Márcia foram realidades duras de ouvir e constatar. Com o cuidado de deixar claro que o livro não tem a intenção de desqualificar o trabalho exercido pelas instituições de acolhimento, ela reforça que a ideia é contribuir com o debate em torno do cuidado na infância e adolescência, ampliando a dimensão racial e de gênero. 

“A violência racial atinge todas as faixas etárias, mas a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento, que precisam de afeto, que exigem o cuidado do adulto. Quando o cuidado vem recheado de preconceito, de discriminação, de descaso, em relação a esse corpo, por ser um corpo negro, a gente não faz ideia das dores que vão sendo produzidas na trajetória dessa criança e desse adolescente”, destaca. 

Márcia afirma ainda que, a importância de se discutir a violência racial na infância está relacionada ao fato de que todas as outras discussões como, encarceramento na juventude, ato infracional, medida socioeducativa, medidas de internação são debates que precisam considerar o racismo na infância.  

O título vem mostrar o quanto a sociedade está errando no cuidado com uma criança negra, quando se percebe, conforme explica a pesquisadora, que o mesmo direito que uma criança branca tem de permanecer pouco tempo na institucionalização, a criança negra também tem. Márcia enxerga essa realidade, a partir de seus estudos, que a estrutura racista continua vendo os corpos da criança e adolescente negros como são corpos que suportam a dor. 

A obra também aborda a questão de que as famílias mais punidas pelo sistema de garantias de direitos são as famílias negras e, conforme ressaltou, os sujeitos mais punidos são as crianças e os adolescentes negros. 

A pesquisadora finaliza dizendo que a análise do racismo é fundamental para que se entenda que racismo não é bullying. “As duas formas de violência precisam ser coibidas, rechaçadas, mas o racismo tem mecanismo de letalidade, de destruição, da vida, não só da morte, porque produz marcas”, diz.  

 Sobre a autora e o movimento #MarciaFica

Márcia Eurico, mulher preta e periférica, é referência no debate sobre a questão racial pela sua trajetória de pesquisa. Atualmente é professora na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus da Baixada Santista, e recentemente recebeu o prêmio Benedicto Galvão, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-São Paulo), que dá destaque à obra o “Racismo na Infância”.  

Em 2018 a PUC-SP ficou ocupada pelos alunos por quase uma semana, no movimento intitulado #MarciaFica! A mobilização reivindicava a permanência da professora no Curso de Graduação em Serviço Social, ao denunciar como o racismo institucional está impregnado nas universidades. 

O movimento trazia à tona a dura realidade de que o Curso de Serviço Social nunca teve em seu corpo docente uma professora (o/e) efetiva (o/e) negra (o/e) em seus mais de 70 anos de existência.

 

Categorias
Clarissa Paiva Destaque

Dilemas à porta dos 40 – O peso de uma coroa

Se foi para homenagear a experiência da mulher madura, o termo coroa acabou tendo um peso extra sobre nossas cabeças.
A temida curva chega para todos; e se os ‘coroas’ ganham ares de galãs, no feminino é aquele ‘Deus nos acuda’.
Sabe a música tosca do mais tosco ainda Sérgio Reis? “Não me interessa se ela é coroa…panela velha é que faz comida boa”. Fiz o esforço de escrever isso aqui porque, enfim, há leitoras mais jovens que podem não conhecer o sucesso nacional amplamente tocado e dançado por aí. Pois é… A gente perde o colágeno, a cor dos cabelos, mas não perde o posto de ‘objeto’.
Pra não cair na mesmice da reclamação e das explicações óbvias de que não há graça alguma em ser assediada, vou mudar o tom aqui. Deixo um recado para as manas de vinte e poucos anos:
Amores, vocês estarão prontas; não temam envelhecer. Seus pescoços e ombros já estarão fortes para o peso da coroa. É possível que vocês já tenham carregado, até lá, muitas circunstâncias, pessoas e projetos que te deram o tônus e a experiência necessária. Comemorem! Vistam a coroa com toda alegria, e elevem suas cabeças. Certamente seu caminhar estará mais suave, seu sorriso mais fácil, e seu olhar mais confiante. Seus passos serão mais seguros; e mesmo em meio a caminhos escorregadios, habilidades intrínsecas surgirão como mágica.
Se você resolver recomeçar, saiba que as voltas da vida são espirais, e ainda que pareça estar no mesmo lugar, haverá sempre a experiência, te fazendo ver a partir de um novo ângulo.
O tempo já não passará despercebido; e isso é ótimo. Mesmo assim, haverá dias (espero que sejam muitos) em que você voltará a ser criança. Essa é outra vantagem: a gente descobre que nunca estará pronta; que sempre haverá novos sonhos, e que se você não encontrar ‘roupa’ para a ocasião especial, poderá ir de qualquer jeito; já que o som da opinião alheia tem menos volume, a cada ano que passa, enquanto a vontade de viver simplesmente aumenta.
Outro dia uma amiga querida exemplificou as fases da mulher como uma matrioska (boneca russa que guarda várias outras dentro de si, como em camadas). A gente deixa de ser uma, mas mantém a anterior dentro da gente. Achei muito sábia essa analogia. É assim com todo mundo. Vamos nos preenchendo de nós mesmos, e não é má ideia nos abrirmos vez ou outra para brincar com todos os nossos outros eus.
Voltando à coroa… não hesite em arremessá-la no engraçadinho que te importunar. Use força suficiente para derrubá-lo.
Cate a coroa.
Siga em frente.