Autor: Ady Canário
Pesquisadora sobre linguagem social, análise do discurso, ações afirmativas, educação das relações étnico-raciais e culturais na perspectiva inclusiva. Egressa do Curso de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente é professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Cidadã de Mossoró onde mora com sua família e é natural de São Miguel/Apodi-RN. É organizadora dos livros “Programa Conexões de Saberes na UFERSA: saberes e cidadania”, “Economia Feminista: mulheres rurais e políticas públicas”, “Políticas Públicas e Direitos Humanos: perspectivas de análise a partir dos objetivos de desenvolvimento sustentável” e de vários artigos.
A sanção presidencial, neste novembro/2023, atualizando a política de ação afirmativa de cotas para o acesso à educação de grupos étnico-raciais, tais como: pobres, pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência às universidades públicas, traz consigo mais abertura de ingresso de jovens de comunidades populares, sem dúvidas.
Desde o ano de 2012 que a Lei de Cotas nas universidades e institutos federais gerou oportunidades para mais de 1,1 milhão de brasileiros em instituições públicas, segundo aponta o INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
A Lei 12.711 é uma importante ação que destina vagas para ex-alunos de escola pública de ensino no nosso país, sendo um de seus requisitos e a recente sanção atualiza a legislação, que passa a valer no próximo ano de 2024, com as seguintes novidades:
-muda o modo de ingresso;
-reduz a renda familiar para um salário mínimo;
-inclui estudantes quilombolas;
-prevê monitoramento anual;
-prioridade no auxílio estudantil;
-extensão da política para a pós-graduação.
Com certeza, isso significa reparação histórica para pessoas que necessitam de igualdade de oportunidades, sobretudo as descendentes de povos que foram escravizados ao longo de séculos e, que, na atualidade ainda padecem de exclusão. Toda a política afirmativa articulada pelo poder público e com a participação da sociedade para a efetiva implementação e acompanhamento.
Nesse sentido, a cota é reparação histórica e é muito importante como uma conquista coletiva para eliminação de desigualdades raciais e sociais. É fazer valer a ação afirmativa em prol das vozes, pois como diz a letra da canção: “É a voz que ecoa do tambor/Chega junto, venha cá/Você também pode lutar, é/ E aprender a respeitar!/Porque o povo preto veio para revolucionar/Cota não é esmola!”(Bia Ferreira). Uma década e ainda temos muito a reparar!
A inclusão do 20 de novembro, “Dia Nacional da Consciência Negra”, no calendário escolar completa seu 20º aniversário. Momento para celebrar a história e a luta dos descendentes de povos que foram escravizados contra as desigualdades. Importante ato na inserção social, objeto da Lei nº 10.639, de 9 janeiro de 2003, que colocou na Lei da Educação Nacional o ensino obrigatório da “História e Cultura Afro-Brasileira”, possibilitando que todas as pessoas conheçam, respeitem e valorizem as raízes culturais afro-brasileiras, heranças africanas.
Esse marco, de extrema relevância, resulta de reflexões advindas a partir do Movimento Negro pelo conjunto de ações de brasileiros e brasileiras que construiram e constróem a história do povo preto em sua ancestralidade.
Na formação discursiva escolar, é um dos mais importantes dias. Vem se consolidando como um dispositivo de poder e resistência pela garantia de direitos. Para além do calendário, é pautar o incentivo à implementação da Lei enquanto uma política afirmativa. Com destaque, o princípio da diversidade cultural na educação.
O “Dia Nacional da Consciência Negra” compreende, há duas décadas, atividades de promoção da igualdade racial. Nesse sentido, uma das datas que mais impulsionou ações educativas, bem como o chamamento para toda sociedade.
Também potencializa o olhar no que diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, ao Plano de Implementação e às Orientações e Ações, dentre outras movimentações articuladas por grupos, núcleos, coletivos, comunidades e instituições em projetos.
Obviamente, por ser relativamente recente, ainda há muito o que ser feito no objetivo de desconstruir atitudes e posturas. Inclusive, mostrando-se a necessidade de celebração da Consciência Negra.
Nesse sentido, transcrevemos dois pontos, no âmbito das diretrizes, que afirmam os desafios e perspectivas das relações raciais: o primeiro: “valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; o segundo: “participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.”
Vivas aos 20 anos do “Dia Nacional da Consciência Negra”. Por reconhecimento, reparação histórica e o direito à memória. Salve! A luta continua!
Mulheres negras e reparação
Era papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto
Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.”
“Carolina Maria de Jesus, em Antologia pessoal. (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996”
- A taxa de desemprego geral ficou em 9,3% no segundo trimestre de 2022. Entre as mulheres negras, o indicador ficou em 13,9%. Já entre os homens negros a taxa é menor que taxa nacional: 8,7%. Já entre as mulheres brancas, o desemprego constatado foi de 8,9%; e os homens brancos, 6,1%, a menor taxa entre os grupos.
- Sobre o rendimento, enquanto o homem branco recebeu em média R$ 3.708 e a mulher branca R$ 2.774, a trabalhadora negra ganhou, em média, R$ 1.715, e o homem negro, R$ 2.142. A mulher negra recebeu 46,3% do rendimento recebido pelo homem branco. Para o homem negro, essa proporção foi de 58,8%.
- E segue mostrando, acerca de trabalho desprotegido, entre os ocupados em trabalho desprotegido, entre a população negra o índice era de 47,1%, mas entre as mulheres negras chegava a 47,5%, e entre os homens negros, a 46,9%.
- Também revela, que em cargos de direção e gerência, mais uma vez, as mulheres negras têm o menor índice de ocupação nessas funções: 2,1%. Os homens negros têm 2,3%. Entre as mulheres brancas, o índice chega a 4,7%, e entre os homens brancos, a 5,6%.
- Dado em destaque: as mulheres negras têm maior participação em serviços domésticos: no comércio e em educação, saúde humana e serviços sociais, contudo, frisamos, em atividades domésticas. Vejam bem: no caso dos serviços domésticos, a proporção (16,4%) é quase o dobro em relação à participação das mulheres brancas (8,8%). Já no segmento de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas, as mulheres brancas têm maior participação (14,3%) em comparação às negras (9%).
Portanto, não há como fugir dessa luta constante. Diante desse contexto, reafirmamos que as mulheres negras têm o direito à reparação, sim, pois ainda somos as mais prejudicadas no mercado de trabalho dado o racismo. Esse é o desafio para mais conquistas.
Para conseguirmos a eliminação de desigualdades raciais e de gênero em todas as suas transversalidades torna-se mais que necessário uma política pública na articulação entre as mulheres negras, entidades, coletivos e instituições. Que possamos fazer valer a vida e os direitos de todas as mulheres negras. Reparação é possível e necessária!
Uma das conquistas do Movimento Negro, por meio da Lei 12.519/2011 instituindo o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”, o 20 de novembro é um momento propício para reforçar a luta contra o racismo estrutural. O racismo se dá nas estruturas sociais de poder e em variadas dimensões. Nesse sentido, precisamos assumir uma postura ética e política nesse processo.
Entender o funcionamento do racismo na sociedade é uma etapa importante na atual conjuntura. São diversos episódios assustadores da violência racista contra negros/as. Quem não lembra:
– O ataque ao humorista Eddy Júnior com ameaça à vida;
– O assassinato brutal do jovem congolês Moïse Kabamgabe;
– Seu Jorge sofre racismo durante um show num clube;
– Jovens negros sendo vítimas diariamente de racismo em escolas;
– 66% das mulheres assassinadas eram negras.
São números muito tristes. Sem contar que, atualmente, no Brasil, uma pessoa negra sofre três vezes mais risco de ser assassinada do que qualquer outra. Esse contexto mostra a situação do racismo no país. Muito embora o debate racial tenha avançado, inclusive com a ressignificação da data, infelizmente somos um país fortemente racista.
Essa questão tem provocado movimentos de conscientização sobre a importância de valorizarmos a luta contra o racismo, uma vez que é importante denunciarmos tal fenômeno enraizado na cultura. Trata-se de assumirmos a responsabilidade. Por isso, a consciência negra antirracista é ação afirmativa, sim. Isso implica tratar a questão racial também do ponto de vista da igualdade de oportunidades e justiça, especialmente para mulheres negras.
Precisamos, sim, construir uma consciência negra. Conhecer mais sobre a história positiva dos africanos e negros. Consciência negra é construir relações étnico-raciais. É se orgulhar pelo pertencimento negro. Necessitamos desse dia para vivenciarmos com quem temos muito a aprender. A levar a raça a sério. Uma consciência nas dimensões de classe, classe, gênero, sexualidade, pessoas com deficiência, dentre outras diversidades!
Portanto, um intenso desafio para a prática e sonhos. Consciência antirracista e inclusiva. Por isso, precisamos aprender sobre a nossa história. Consciência negra é ação afirmativa da negritude. E precisa fazer sentido para todas as pessoas. É uma luta que não cessa para a superação das desigualdades raciais.
Cotas raciais e política
O tema das cotas raciais na política vem à tona na agenda atual. Isso porque assistimos ao aumento de candidaturas negras. Algo importante e representativo para nós. Por mais políticas de promoção da igualdade racial, especialmente para as mulheres negras nesses espaços.
No entanto, em meio a essa situação, presenciamos a circulação de discursos e práticas, por parte de candidaturas brancas, ocupando posições que não são suas. Por algum motivo, utilizam de ações afirmativas para a manutenção de seus privilégios brancos em razão de sua ancestralidade.
Queremos reafirmar a luta e as conquistas do Movimento Negro brasileiro para a garantia das ações afirmativas aos que realmente necessitam de inclusão social. Pela liberdade e contra o racismo. Cotas é reparação histórica.
Compreender as questões acerca do que vem a ser negro é de suma importância numa sociedade extremamente racista. Afinal, quem são os reais beneficiários das cotas raciais? Obviamente que estamos nos referindo que elas foram criadas para reparação à população negra.
Esses quesitos produzem sentidos, não tão simples, conforme critérios do IBGE no tocante a considerar negros, a soma dos pretos e pardos. Portanto, ser pardo é ser negro. Trabalhamos com a perspectiva do Estatuto da Igualdade Racial, tidos como negros, os pretos e pardos!
Agora, se assumir pardo e, na realidade social, não ser pertencente à comunidade negra ou ser tratado como tal, como afirma a jornalista Etiene Martins (2022) em sua rede social:
“…ser negro não se resume a autodeclaração não. Na nossa sociedade, ser pardo não tem nada a ver com ter vó, tio ou pessoa preta ou indígena na família e sim ser reconhecido e tratado como negro e negra socialmente”.
Nesse sentido, é uma questão de consciência ou de afroconveniência? Na atualidade, vermos pessoas brancas candidatas se autodeclarando negras. Usarem de má fé, como refletem os antropólogos Gilson Rodrigues e Thullo Siqueira, na live “Tá na moda ser prete? uma conversa sobre afroconveniência”(2020). Ou seja, essas pessoas findam prestando uma informação falsa.
Seria isso uma afroconveniência?
É muito difícil lidar com esse processo. Até por que muitas delas, quando questionadas, sabemos que ignoram totalmente. Algo inaceitável no alto de seus privilégios de brancura. Quem é branco, assuma sua branquitude. Ocupe seu lugar. Autodeclarar-se pardo, não o faz pessoa negra.
É inaceitável se utilizar de ação afirmativa para obtenção de determinados benefícios. Precisamos urgentemente de comissões de verificações, também no âmbito eleitoral. Precisamos fazer valer e fortalecer as ações afirmativas como um todo, bem como a ação política militante.
“Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar” – Nelson Mandela
Em 23 de agosto celebra-se o “Dia Internacional para a memória do tráfico de escravos e sua abolição”. A UNESCO, organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura destaca a importância da rememoração pelas vítimas da escravidão no mundo.
Esse marco produz sentidos de seu papel no passado, presente e futuro cuja data nos lembra do Levante de 1791 em São Domingos, atual República do Haiti na luta abolicionista do tráfico transatlântico de escravos. Uma referência histórica que traz vínculo com a violência racista.
Nesse sentido, relembrar esse “Dia Internacional em Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição”, na Década Internacional de Afrodescendentes, obviamente, não apaga as marcas do sofrimento imposto ao povo negro, mas se torna necessário, pois é crucial quebrar o silêncio por conta do racismo legado da escravidão e que ainda persiste no Brasil.
É muito difícil lidar com esse processo. Até por que, fomos o país onde mais demorou esse perverso sistema. E, especialmente para as mulheres negras reduzidas nas suas condições de classe e raça, como descreve Ângela Davis.
Segundo dados apontam entre 1995 a 2021 mais de 55 mil trabalhadores foram resgatados em trabalho análogo à escravidão. Ou seja, a abolição se deu, contudo o racismo continuou e segue se reconfigurando.
Por mais doloroso que seja, lembrar da escravidão é refletir no presente sobre quebrar as correntes desse racismo. Sobremodo, para que todos os descendentes de povos escravizados sejamos verdadeiramente livres.
Ao destacarmos nossa memória e história, lançamos olhares para o enfrentamento às variadas formas de preconceito na sociedade. Precisamos quebrar todas as correntes que ainda nos aprisionam nas relações de poder coloniais e no silêncio pelas vidas ceifadas até hoje. Racismo que nos violenta e mata todo dia.
A luta pela liberdade continua! Por mais reparações para a população negra e pelo fim das desigualdades raciais. Precisamos aprofundar e falar do legado da escravidão negra!
Neste mês de julho, alusivo à Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, em memória de Tereza de Benguela, é importante refletir sobre as desigualdades de raça no Brasil, sobretudo neste ano no qual teremos eleições, quando se questiona: qual a presença das mulheres negras nos espaços da política brasileira?
De acordo com o relatório da Oxfam Brasil e Instituto Alziras, por exemplo, “pela primeira vez na história, as candidaturas negras foram a maioria (51,5%) para as câmaras municipais, com o bom resultado de 45,1% entre as eleitas. Mais de 50% da população brasileira é negra, e 25,4% são mulheres negras. No entanto, há no país apenas 6,3% de vereadoras negras. Atualmente, 57% dos municípios do Brasil não têm vereadoras negras.” É urgente investir em ações afirmativas e lideranças femininas negras, sobretudo pretas.
Nesse sentido, mesmo sabendo que temos um longo caminho pela frente de lutas, desafios e tensões, defendemos o fortalecimento da visibilidade de mulheres, mulheres negras, em todas as suas diversidades nos espaços decisórios e na ampliação dessa representação, especialmente no empoderamento daquelas historicamente invisibilizadas. Como nos ensina Angela Davis, em “Mulheres, Cultura e Política”: “Devemos começar a criar um movimento de mulheres revolucionário e multirracial, que aborde com seriedade as principais questões que afetam as mulheres pobres e trabalhadoras” (p. 18).
Corroboramos com essas questões e relembramos as especificidades das mulheres negras preconizadas pelo Estatuto da Igualdade Racial (2010, p. 8, 29, 36):
“[…] desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais. […] Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meio rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras […] O Estado assegurará atenção às mulheres negras em situação de violência, garantidas a assistência física, psíquica, social e jurídica […]”
A ampliação da ação afirmativa é um modo em potencial para o enfrentamento ao racismo estrutural, institucional e do cotidiano visando à inclusão social das mulheres negras, como estratégia numa sociedade racista, sexista e capitalista. Por uma presença negra, democrática e forte contra todas as formas de violências. Pela ampliação da ação afirmativa no mercado de trabalho e demais esferas de poder. Salve todas as mulheres negras, latino-americanas e caribenhas! Temos na demanda sóciopolítica “[…] a oportunidade real de ampliar nossas lutas, com a garantia de que um dia seremos capazes de redefinir os elementos básicos da nossa opressão como inúteis resquícios do passado”(DAVIS, 2017, p. 24).
No momento em que li sobre racismo linguístico desvelou-se uma abordagem de diversos aspectos da linguagem social. Pensamos nas relações entre mulheres negras e brancas por que vivemos no cotidiano de nossas vidas inúmeros acontecimentos que vão se naturalizando por meio da linguagem e em suas intersecções. Como uma noção chave no âmbito do racismo epistêmico, o racismo linguístico nos conduz para além das vivências, mas nos coloca diante de tensões e enfrentamentos diários.
Todos os dias assistimos episódios produzidos e reproduzidos como este do Programa “É de Casa”, exibido no sábado, dia 11/06, que gerou ampla repercussão nas mídias digitais e jornalísticas com análises trazendo a discussão do racismo estrutural. Certamente, temos posições sujeitos entre uma mulher branca para com uma mulher negra. Isso faz reaparecer enunciados já ditos e não ditos numa ordem discursiva. Daí vem a pergunta: por que esse enunciado e não outro em seu lugar? Sem dúvida, mais uma vez, a mídia mostrando a sua influência em naturalizar práticas de racismo e suas variadas faces sistêmicas.
Isso se dá pela linguagem e sua relação entre saber e poder. É o racismo (re)abre em nós as marcas, as dores. E como diz Grada Kilomba “por vezes dói sempre, por vezes infecta e outras vezes sangra”. Isso abrange professores em ascensão social, professores, estudantes e militantes pela promoção da igualdade racial. Será que se a dona Silene fosse branca, teria sido pedido a ela para servir?
Nesse sentido, o racismo na dimensão linguística, abre a compreensão do papel da linguagem e das práticas discursivas. É importante e assume lugar central, pois são nos usos que discriminamos direta ou indiretamente. Vamos validando a construção ou desconstrução de discursividades e enunciados racistas. É por meio da e na língua que o sujeito negro, as mulheres negras encampam uma luta constante e enuncia a resistência, a liberdade e contra a dominação. Essa dominação vem desde o Brasil colônia e se perpetua até os dias de hoje. Como nos diz a filósofa Angela Davis, as mulheres resistentes e desafiando a escravidão o tempo inteiro e a repressão sofrida. Todavia temos atos de resistência, já nos mostra Lélia Gonzalez.
O professor Gabriel Nascimento faz uma contextualização teórica e analítica, defendendo uma perspectiva raciolinguístico. Isso nos fornece as condições históricas, linguísticas e sociais acerca da relação entre raça, discurso e racismo. Evidencia o que é racismo linguístico e os modos como ocorre. Considerando o universo da linguagem, preconceito que se constituem pelas línguas e seus usos. Para nós mulheres negras, o tema se reatuliza no fardo e luta pela igualdade, pois numa sociedade opressora, a desumanização persiste.
Em síntese, nós mulheres negras também vivenciamos o racismo linguístico. São situações nas quais nossos conhecimentos são postos em dúvidas ou tidos como menos válidos na sociedade. Esse racismo linguístico, portanto, vai normatizando práticas discursivas na vida pessoal e profissional. A fim de que estabeleçamos a necessária articulação entre linguagem, discurso, raça e racismo em nossos processos educativos é evidente que, o trabalho é todo dia. Lutamos (nos indignamos) pela desconstrução de discursos eurocêntricos de base excludente. A luta é todo dia.