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Colunistas Destaque Diana Duarte

O olhar e o rastro

Ontem à noite, sobre a longa calçada das praças iluminadas por luzes artificiais a mitigar a  escuridão do céu noturno, caminhava um pouco apressadamente a fugir dos dissabores urdidos pela  fatalidade do destino. 

A longa e irregular estrutura do asfalto me cansava o corpo e o susto de pouco antes me  entorpecia os sentidos. Ainda embriagada pelas ocasiões violentas acometidas contra mim, a rapidez de minhas pernas se comparava a velocidade dos heróis caídos em desgraça, minha casa,  transformar-se-ia em esconderijo à revolta do aliciamento. 

A vista turva e embaçada pelos olhos lacrimejantes, pude observar um homem vir em minha  direção. A distância de nossos corpos, ainda bastante significativa, e o isolamento de nós dois  provocados pelo instante do segundo, me alimentaram a neurose.  

Rapidamente furtei meu próprio caminho, me pus entre os carros ordenadamente  estacionados e segui a contramão de meu indesejado companheiro, até que nos cruzarmos e,  finalmente, nos distanciarmos. 

Olhei para trás, tratava-se de um jovem negro, caminhando e esguicheirando-se dos olhares  da depredação e desumanização racistas, tais como o meu. 

A culpa que eu sentia em ser algoz no campo do intolerável compete somente a quem a  sente. A humilhação em reconhecer à própria violência desperta a dura consciência da realidade  narcísica a qual buscamos esconder, evitando a todo custo, seu surgimento fatalmente silencioso. Segui meu percurso enevoada não mais pelo medo e revolta, mas agora acrescido pela penitência,  balbuciando justificativas atenuantes a meu crime simbólico. 

O destino final do meu curto e torturante trajeto estava ao alcance de minha mão, mas antes  de conquistá-lo, ouço passos rápidos a pesar por detrás de minhas costas, meu coração encheu-se de adrenalina, contorci o corpo instintivamente a direção contrária e, quem diria, era o jovem rapaz.  Trocamos olhares comunitários onde não cabem sorrisos. 

Ele continuou a suar e correr 

E eu, nem tanto.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Linguagem social para as relações étnico-raciais em “Pele negra, máscaras brancas”

O livro “Pele negra, máscaras brancas”, de Frantz Fanon nos possibilita refletir acerca da relação entre linguagem e relações de étnico-raciais na contemporaneidade.
Com apenas 27 anos de idade, Fanon escreveu essa obra. São textos para uma leitura literária fascinante sobre negritude e de autoria negra.
Organizado em sete capítulos versando sobre:
“O negro e a linguagem”,
“A mulher de cor e o branco”,
“O homem de cor e a branca”,
“Sobre o suposto complexo de dependência do colonizado”,
“A experiência vivida do negro”,
“O negro e a psicopatologia”,
“O negro e o reconhecimento “.
Causa impacto ao ler cada parte de uma escrita que flui pelos efeitos de sentidos decoloniais. No sentido, linguístico, discursivo, literário e artístico.
Dentre outros olhares. O que mostra o livro? O que diz seu autor? Por que sua obra foi censurada nos anos 1960?
Um pouco sobre Fanon, nascido em 1925, na então colônia Martinica, estudioso de biologia, física e química. Entre os anos 1949 e 1951.
Fez psiquiatria e residência na área, tendo coordenado o hospital psiquiátrico da Argélia, no contexto colonial francês.
Nos anos 1956, Fanon rompe com o regime, segue para a Tunísia. Lutou por libertação, foi palestrante e escritor.
 Impulsionou uma literatura que chamou de combatente. Mesmo atacado pelo sistema opressor, escreveu seus livros e resisteu.
Na obra “Pele negra, máscaras brancas”, destacamos discursividades nas relações étnico-raciais. A leitura, linguagem e negritude.
Numa leitura, perpassam compreender a importância do diálogo entre as ciências. Na história e memória discursiva de desigualdades sociais e raciais.
Essas acentuadas pelos variados modos do dispositivo do racismo, fenômeno perverso no cotidiano. Nas relações de subjetividade, instituições e pelo poder da estrutura do Estado.
No brilhante prefácio: “Fanon, existência,  ausência”, Graça Kilomba produz uma discursividade narrativa muito interessante. Conta que conheceu Fanon e sua obra por meio de uma professora de psicanálise que lhe emprestou o livro.
Enquanto vamos lendo, o texto vai inspirando, pois há um efeito leitura/autor/leitor(a) potentes.
Uma escrita de Fanon, do seu tempo, mas que, no presente, nos permite analisar e atualizar sobre o discurso das ausências.
Essas ausências quanto à gêneros, trans-identidades negras, no dizer de Kilomba: “Este é um erro que ele nos deixa para ser ocupada pela nossa existência” (2020, p.16).
Podemos questionar com Grada: “Mas as mulheres negras estão incluídas ou excluídas de Fanon, quando ele escreve “o negro é um homem negro…”?
Entretanto,  a escrita de Fanon é tida como revolucionária. A leitura do livro é indicada aos e às que se interessam e precisam se insurgir. Para lutar à existência. Ou para sonhar na reexistência.
Com certeza, a obra tem fundamentos importantes para discutirmos o papel da linguagem na sociedade.
Somos na resistência na/para/pela linguagem. “Existe no domínio da linguagem uma potência extraordinária” (Fanon, 2020, p. 32).
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Ady Canário Colunistas Destaque

MULHERES QUILOMBOLAS: territórios de existências negras femininas

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Tendo como organizadora Selma Dealdina, “Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas”, foi publicado em 2020 pela Editora Jandaíra. Um livro do Selo Sueli Carneiro, coordenado por Djamila Ribeiro. Discorre sobre uma temática impactante no que diz respeito à luta das mulheres de distintas comunidades quilombolas brasileiras a partir de histórias de vida, narrativas, discursividades de lutas e resistências.

Selma dos Santos Dealdina é mulher quilombola do Angelim III, Território do Sapê do Norte, no Espírito Santo, Assistente Social e vem atuando enquanto referência articuladora de movimentos de mulheres negras e de comunidades quilombolas e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “É preciso expressar nossas narrativas múltiplas para que as pessoas saibam quem somos, o que pensamos, o que produzimos em nossos territórios, assim como nosso modo de lidar com a terra, com o meio ambiente, com as ervas medicinais, com as sementes, com a devida salvaguarda dos nossos saberes e dos nossos conhecimentos ancestrais”, argumenta Dealdina em seu prefácio (2020, p. 14).

A obra, em doze capítulos, é um passeio em territórios de dezoito mulheres quilombolas que são sinônimos de resistência. Nas narrativas conhecemos aspectos linguísticos, sociais e étnico-culturais para a construção de novos saberes emancipatórios a partir de trajetórias de vida contra as opressões do racismo e na busca pelas políticas públicas com igualdade e equidade.  O que é ser mulher quilombola? O livro é fundamental para olhar a realidade e vivências de mulheres contra o racismo, o machismo que escrevem  acerca com carinho sobre variadas pautas em seus pertencimentos.

“Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas” também trata da história do povo negro quilombola e mostra o longo caminho percorrido e a percorrer para emancipação e dignidade no contexto econômico e de desigualdade social. Um mote que traz uma forte discursividade, destacamos: quando diz que “Toda mulher negra é um quilombo”.

Ou seja, os passos que vêm de longe por liberdade e contra todas as formas de violência. Por conseguinte, mostra o quilombo como lugar de valores educacionais, sociais, culturais no qual as mulheres quilombolas assumem importante papel.

Mais que um livro, “Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas” é visibilidade e direitos para as mulheres negras e quilombolas. Uma importante obra para o debate na sociedade. A escrita feminina de autoria negra que flui e nos mostra possibilidades para a inclusão das mulheres negras em espaços de poder. Uma obra que ressalta para o público a ancestralidade em processos de construção da identidade e subjetividade. Vale ler.

Referência: DEALDINA, Selma dos Santos (Org.).”Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas”. São Paulo: Sueli Carneiro: Jandaíra, 2020.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Ler Angela Davis, letramento racial e representatividade

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Neste 26 de janeiro, Angela Davis completou 80 anos. Ler a professora, filósofa, ativista pelos direitos civis e pensadora crítica contemporânea nos fortalece. Livros de extrema relevância e que nos posiciona no conhecimento da trajetória de luta antirracista, abolicionista e revolucionária de uma pesquisadora negra. Um exemplo de importante intelectual.
 Nascida em Birmingham, Alabama, Estados Unidos ela foi vítima do racismo no período segregacionista da Ku Klux Klan, vale conhecer a sua história. Entretanto, prosseguiu nos estudos, na luta política e feminista.
Angela Davis, uma excelente referência para compreendermos as práticas discursivas de letramento racial. Essas, que entrelaçam variadas análises de estruturas racistas, sociais e patriarcais. Seus escritos nos ajudam na atualidade e na realidade brasileira. Sobremodo contra o preconceito e discriminação social/racial e pelos direitos das mulheres negras.
Em sua vasta produção intelectual, a pensadora nos instiga e inspira! Ler, por exemplo, “Mulher, Raça e Classe”, um dos primeiros livros de Davis que tivemos acesso. De escrita tocante, no Brasil, por meio da tradução de Heci Regina Candiani. Sem dúvidas, trouxe imensa contribuição para o letramento racial.
Por meio dessa obra, podemos adentrar sobre a escravidão, o imperialismo e as opressões raciais. Em especial o sofrimento e as lutas de mulheres negras. Nesse período, o corpo da mulher negra era visto pelos patrões como propriedade, eles usavam de açoites quanto de abusos sexuais. Algo que nos atravessa em tempos atuais. Toda a obra nos leva a estabelecer relações com o Brasil.
A autora mostra a necessidade de considerar raça, classe e gênero nas práticas sociais, que nos constituem, e sem hierarquizar as opressões. Além de modos de sobrevivência e resistência numa perspectiva histórica.
Conforme a escritora, “classe informa a raça. Mas raça, também informa classe. E gênero informa classe”. Também temos reflexões sobre população negra, encarceramento, racismo, sexismo, direitos reprodutivos, dentre outros temas.
Ler Angela Davis é potente. Uma escrita densa e poderosa. O conteúdo é muito forte. Com narrativas de mulheres negras a partir de vivências e trajetórias. Impossível não se emocionar durante a leitura com relação aos conflitos e depoimentos. Vamos lendo e nos movendo. Uma perspectiva de luta por inclusão e emancipação.
Ler a autora Angela Davis é sempre atual! É ler uma escrita de autoria feminina negra. É reconhecer e valorizar o papel da representatividade na luta pela igualdade em todo o mundo.
Viva Davis e todas que vieram antes de nós! Sigamos na luta, constantemente!
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Colunistas Destaque Socorro Silva

Lélia González, Abdias Nascimento, Esperança Garcia e Beatriz Nascimento – Nomes que simbolizam nossas lutas e os projetos educacionais e o compromisso do governo Lula com a equidade racial

A educação é um instrumento essencial para prover as mudanças que desejamos na sociedade, e uma educação mais digna, humana e diversa, propicia esta inclusão e maiores oportunidades na sociedade. (Anielle Franco-Ministra da Igualdade racial do Brasil)

 

Os Dados Estatísticos apresentados no Censo do IBGE de 2022 pelo IBGE, destaca que a maioria da população no país se declara parda com 45.3%, bem como destaca o crescimento da população preta no país em 10, 2 %, um crescimento significativo em relação ao ano de 1991, que era de 7.6%. Uma variação importante quanto aos crescimentos da população negra no Brasil, representados por negros e pardos, segundo critérios adotados pela Instituto, que apontam para uma maioria composta por 56 % da população brasileira. O que já se consideraria justificativa e prioridade suficientes para formulação e implementação de inúmeras políticas públicas destinadas a este contingente populacional com a finalidade de combater as desigualdades estruturais e sistêmicas que vitimam, excluem e empurram a população negra cada vez mais para a pobreza e a miséria absoluta ao longo de décadas, através de um “racismo mascarado e consentido” como afirmava Abdias do Nascimento em seu Livro “O genocídio da População Negra”.  

Concretamente, só podemos perceber algumas iniciativas no campo institucional no sentido de reparar parte das desigualdades históricas a partir do governo Lula em 2003 e da Presidenta Dilma Roussef em 2011, com a criação de Plano Nacional de Políticas para a Igualdade Racial- PLANAPIR e a criação da Secretaria Nacional de Igualdade Racial- SEPPIR, criada em 2003, mas que logo foi interrompida estas ações com o Golpe em 2016. Entretanto, cabe destacar que todos estes avanços e conquistas foram méritos da luta e combatividade das entidades e coletivos do movimento negro brasileiro e outras entidades. lideranças políticas e movimentos sociais.  

 Outro destaque importante, que merece ser feito para compor nossa análise, são os dados no quesito gênero e raça, pois as mulheres negras são as mais afetadas em todas as escalas de exclusão, violência e abandono, pois enfrentam  diariamente o preconceito racial e o sexismo que estrutura e hierarquiza ainda mais as relações de poder e desigualdade para este grupo social , pois o racismo e sexismo são presentes no cotidiano das mulheres negras e reproduzem todas as formas de violência, apagamento e invisibilidade de seus corpos, subjetividade e história  que resultam na exclusão de direitos e oportunidades, seja no mercado e trabalho, saúde, moradia e educação, entre outros setores e áreas de atuação. 

Na área da educação, apresentamos um bom desempenho em relação ao nível de escolaridade, donde saímos do nível de (5,6), anos de estudo em 1999 para um crescimento (7,8%) em 2009. Estando à frente dos homens negros com (6,8), mais que comparado aos anos de escolaridade das pessoas brancas, homens (8,8) e mulheres brancas (9,7), ainda estamos em desvantagens.  Entretanto, podemos destacar que na Pós-graduação, este percentual apresenta bons resultados, sendo as mulheres negras o grupo mais representativo nas instituições superiores de todo os Brasil. 

Apresento estes enunciados e dados estatísticos para dialogar sobre a importância de termos políticas públicas e ações afirmativas necessárias para a mudança desta realidade, e que efetivamente passam pelo compromisso e prioridade do Estado tanto na formulação, implementação e execução, destas políticas, como também de investimentos de recursos em áreas prioritárias para ampliar o acesso de oportunidades a jovens negros e negras, como no caso da educação.  E sempre importante salientar uma das políticas públicas, que demonstram resultados consolidados e comprovados no campo educacional foi a implementação das Políticas de Cotas na Educação, Lei 12. 711/2012, que determinava que 50% das vagas dos estudantes das Universidades e Institutos Federais, fossem destinadas as pessoas negras, indígenas e Pessoas com Deficiência.  Lei que recentemente em 24 de outubro de 2023, após 10 anos de vigência, foi aprovada pelo Senado Federal que renovou a sua vigência por mais 10 anos e atualizou alguns critérios importantes, como a inclusão de estudantes quilombolas, neste segmento. Uma importante Vitória e conquista do movimento negro e suas lideranças políticas. 

Mas vou me dedicar neste texto, as  iniciativas implementadas no campo da educação,  pelo recriado  Ministério da Igualdade Racial ( MIR), no governo Lula, que tem sido bem recebida e objeto de grandes expectativas e entusiasmo, o que acreditamos   que vai contribuir significativamente para ampliar o acesso e a formação de estudantes, profissionais da educação, pesquisadores (as),  e advogados (as) no início da  carreira Jurídica e Magistratura, como os programas Caminhos Amefricanos,  Atlânticas-Beatriz Nascimento, Abdias Nascimento e Esperança Garcia, que ao nosso ver são políticas que contribuem para reduzir os déficits  educacionais e a falta de acesso e oportunidades para garantias da  equidade racial para a população negra, principalmente no campo educacional, cientifico  e profissional.  No qual vou dividir em dois momentos, este texto trago as informações sobre os Programas “Caminhos Amefricanos Lélia Gonzáles e Atlânticas- Beatriz Nascimento” e posteriormente em outro texto a segunda parte do texto sobre os demais programas lançados pelo Ministério da Igualdade Racial em parceria com outros órgãos do Governo Federal. 

O programa Caminhos Amefricanos, lançado em 23 de agosto de 2023, na Cidade de Moçambique na África do Sul, tem por finalidade promover intercambio para o fortalecimento de uma prática educativa antirracista, através de troca de conhecimentos, experiências e políticas públicas em países africanos e afro diaspóricos. E será executado conjuntamente entre o Ministério da Educação- MEC e o MIR e as Universidade de Maputo em Moçambique, que irão receber os estudantes e professores que farão parte do programa, parte do Intercâmbio Sul -Sul. O público a ser atendido neste programa são estudantes e professores das Licenciaturas das instituições públicas de ensino.  Segundo o Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo, Yuri Silva, o programa vai fortalecer a promoção da igualdade racial e construir uma educação antirracista para as futuras gerações”. Com o apoio do novo Governo Federal, pretendemos estreitar laços com os países africanos. O Caminhos Amefricanos vai fortalecer a promoção da igualdade racial e construir uma educação antirracista para nossas futuras gerações”. 

O programa está previsto para iniciar em agosto de 2024, segundo edital 34/2023 entre o MIR e a CAPES, e está com inscrições abertas até 04 de janeiro de 2023. O programa pretende ampliar e fortalecer os laços com países do Sul Global, dentre eles países do Continente Africano e América Latina que por décadas na história estas relações foram pautadas em bases e concepções colonialistas e eurocêntricas do ponto de vista acadêmico, cultural e científico, hegemonizando pensamentos, práticas e territórios que reforçaram este campo epistemológico. 

E neste sentido pautar outra perspectiva em outro viés do conhecimento e produzir uma contra colonialidade como nos ensinava o escritor, poeta, filosofo e liderança quilombola Nego Bispo, falecido em 03 de dezembro de 2023, onde afirmava da necessidade de romper com esta visão sistêmica e ocidentalizada que produziu um genocídio epistêmico e um apagamento e invisibilidade da cultura e nossas raízes ancestrais. É vital e fundamental para construção de novos paradigmas. Como bem afirmou a Ministra Anielle Franco no ato de formalização deste acordo, “Estar em Moçambique e uma oportunidade de reconstruir a história de nossos ancestrais. Fortalecer a história e memória e as conexões e os vínculos diaspóricos entre estes países”.  E esta deve ser a essência deste novo processo político e institucional. Este programa é uma aposta segura e fundamental para inserir os estudantes negros neste processo acadêmico e científico, ampliar os horizontes formativos e epistêmicos em outra visão afrocentrada e possibilitar conhecer a histórias e contribuições de países Africanos numa relação de troca, aprendizados e intercâmbios. 

Outro programa fundamental na promoção da equidade de gênero e raça é o  Programa Atlânticas – Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência,  lançado pelo MIR em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas, Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério das Mulheres, CNPq e CAPES, em julho deste ano na Universidade Federal do Pará, e visa conceder bolsas de doutorado – sanduíche e pós-doutorado no exterior á mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas inserida nos espaços da educação superior. O programa prevê auxílios financeiros para a obtenção de passaporte e vistos, possibilitando o fortalecimento de diversas trajetórias acadêmicas e cientificas nesta etapa acadêmica e formativa. A proposta visa fortalecer o acesso de mulheres negras na ciência e nos espaços acadêmicos e científicos, ampliando a presença das pesquisadoras negras nestes ambientes ainda por vez elitizados, masculino e branco. 

O programa está com inscrições abertas, até 31 de janeiro de 2024, e será o primeiro programa implementado pelo Governo Federal que tem as mulheres negras, indígenas e ciganas como foco principal nas diversas áreas de conhecimento e com amplas possibilidades de intercâmbio acadêmico e científico. Segundo a Ministra Anielle Franco do MIR, a educação é um instrumento essencial para prover as mudanças que desejamos na sociedade, e “uma educação mais digna, humana e diversa, propicia esta inclusão e maiores oportunidades na sociedade”. 

O nome do programa, presta uma justa homenagem a escritora, professora, historiadora, Beatriz Nascimento, intelectual negra e ativista dos direitos das mulheres negras e dos direitos humanos que morreu assassinada provenientes de um caso de feminicídio ao defender sua amiga, do agressor em julho de 1995. Beatriz tornou-se referência na luta em defesa dos quilombos e dos direitos e acesso à terra, além ser uma voz ativa e altiva na denúncia e combate ao racismo e ao mito da democracia racial, que imputava aos negros as piores condições de vida, humilhação e privações de direitos e consequentemente dificuldades e limitações ao acesso aos bens públicos.

Com base nos objetivos e no ineditismo da proposta apresentada, acreditamos que o programa vai propiciar maior acesso, qualificar e instrumentalizar mais mulheres negras, nos espaços acadêmicos e científicos, produzindo mais conhecimentos, ciência e tecnologias de qualidade. Pois os dados demostram um número bastante reduzido de pesquisadoras negras e nos programas de Pós-graduação e sem dúvida nenhuma, esta oportunidade vai ampliar e fortalecer as ações já existentes no âmbito acadêmico e profissional. Por isso, não fiquemos de fora desta oportunidade inédita e que vai trazer muitas experiências, conhecimentos e oportunizar crescimento fenomenal em todas as áreas da vida acadêmica, profissional e pessoal, especialmente as mulheres negras.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Cotas como reparação necessária

A sanção presidencial, neste novembro/2023, atualizando a política de ação afirmativa de cotas para o acesso à educação de grupos étnico-raciais, tais como: pobres, pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência às universidades públicas, traz consigo mais abertura de ingresso de jovens de comunidades populares, sem dúvidas.

Desde o ano de 2012 que a Lei de Cotas nas universidades e institutos federais gerou oportunidades para mais de 1,1 milhão de brasileiros em instituições públicas, segundo aponta o INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

A Lei 12.711 é uma importante ação que destina vagas para ex-alunos de escola pública de ensino no nosso país, sendo um de seus requisitos e a recente sanção atualiza a legislação, que passa a valer no próximo ano de 2024, com as seguintes novidades:

-muda o modo de ingresso;

-reduz a renda familiar para um salário mínimo;

-inclui estudantes quilombolas;

-prevê monitoramento anual;

-prioridade no auxílio estudantil;

-extensão da política para a pós-graduação.

Com certeza, isso significa reparação histórica para pessoas que necessitam de igualdade de oportunidades, sobretudo as descendentes de povos que foram escravizados ao longo de séculos e, que, na atualidade ainda padecem de exclusão. Toda a política afirmativa articulada pelo poder público e com a participação da sociedade para a efetiva implementação e acompanhamento.

Nesse sentido, a cota é reparação histórica e é muito importante como uma conquista coletiva para eliminação de desigualdades raciais e sociais. É fazer valer a ação afirmativa em prol das vozes, pois como diz a letra da canção: “É a voz que ecoa do tambor/Chega junto, venha cá/Você também pode lutar, é/ E aprender a respeitar!/Porque o povo preto veio para revolucionar/Cota não é esmola!”(Bia Ferreira). Uma década e ainda temos muito a reparar!

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Colunistas Destaque Suziany Araújo

Importunação sexual e assédio sexual: o que diferencia um do outro?

Os dois institutos penais acontecem na prática com frequência.  De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, até 2022, 78 mil casos de importunação sexual foram registrados. Estima-se que o número pode ser maior, considerando que muitas mulheres não conseguem identificar quando estão sendo vítimas dessas situações. 

Apalpar as nádegas, tocar nos seios ou em outras partes íntimas da mulher, tentar um beijo forçado, esfregar o pênis no corpo da mulher, além de ejacular são algumas das práticas que caracterizam o crime de importunação. 

De acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça, até junho de 2023, os Tribunais receberam 26 mil ações do crime de Importunação Sexual. Esse delito foi incluído na legislação penal, através da Lei n°13.718/18, que surgiu para dar uma resposta depois de um caso ocorrido em 2017. Na situação, uma mulher dentro de um ônibus foi surpreendida com a conduta de um passageiro ao se masturbar, chegou a ejacular em seu pescoço. O homem foi preso em flagrante, mas colocado em liberdade logo em seguida. Na justificativa, a conduta não tratava de estupro, mas de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Decreto-lei nº 3.688/41), e não autoriza, isoladamente, a decretação da prisão preventiva (art. 313 do CPP). Ao ser colocado em liberdade, após 4 dias, o homem é flagrado mais uma vez praticando o mesmo ato. A partir de toda uma pressão midiática e uma discussão a respeito da correta tipificação da conduta do agressor, entra no Código Penal o Art. 215-A que determina: 

Código Penal – Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Importunação sexual (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

 

Praticar qualquer ato de conotação sexual com objetivo de satisfazer a lasciva pessoal ou de um terceiro em que não há o consentimento da vítima, sem que aconteça a conjunção (nesse caso acontece o crime de estupro), é tipificado como importunação. Atos dessa natureza podem acontecer em ambiente de trabalho, como em transportes públicos, parques, lojas, cinema, nos mais diferentes ambientes. O sujeito ativo, ou seja, a pessoa que comete o crime pode ser qualquer pessoa, o que torna o crime comum.

Em quais situações teríamos o crime de assédio sexual? Assim como o tipo penal já mencionado nesse texto, a doutrina entende que existe a necessidade de proteção à liberdade sexual, dignidade sexual e das relações trabalhista-funcionais (De SOUZA, 2021). O Anuário de Segurança Pública divulgou, em junho deste ano, que os casos de denúncia de assédio sexual no ano de 2022 aumentaram para 49,7%.

O crime de assédio entrou no ordenamento jurídico com a Lei n°10.224/01, com o surgimento então do art. 2016-A que diz: 

Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

  • 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).

 

Uma das diferenças essenciais entre a importunação e o assédio está em quem pratica o segundo tipo penal. O assédio sexual exige a condição de hierarquia, mais frequente nas relações de trabalho, em que alguém na posição de superioridade constrange o outro a ter algum tipo de relação íntima. De acordo com Luciano Anderson, “… a figura delituosa exige por parte do agente um aproveitamento da condição de superioridade hierárquica ou ascendência inerente ao cargo”. 

Algumas das situações que caracteriza o crime de assédio sexual é o chefe que convida a vítima para manter relação sexual condicionado a promoção dentro do cargo. Por ser um crime de forma livre, podem acontecer por meio de mensagens escritas, gestos e etc. o sujeito ativo no crime de assédio sexual é alguém que está numa posição de superioridade em relação a vitima, o que torna o crime próprio (são aqueles em que se exige uma qualidade ou característica especial do sujeito ativo). 

Uma realidade mostrada com os dados aqui apresentados é que mulheres brasileiras, constantemente, são vítimas dos dois tipos penais. Especialistas afirmam que mulheres ainda sentem medo de procurar ajuda e principalmente de realizarem a denúncia. 

As mulheres que passarem por alguma das situações descritas, podem buscar uma delegacia especializada em atendimento às mulheres ou nos crimes de gênero. Também é possível fazer a denúncia por meio do Disque 180. 

 

Referência: 

Direito penal / Luciano Anderson de Souza. Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2022.

Site TJDF: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/importunacao-sexual-x-assedio-sexual

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Colunistas Destaque Luane Fernandes

Carta aberta às pessoas negras

Pessoas negras, adquirir consciência negra é uma tarefa diária e árdua. Não adianta saber-se negro, é preciso entender que existe um pacto narcísico da branquitude em que as pessoas brancas em liderança continuam a reforçar um sistema no qual elas vão estar sempre no topo, e nós, sempre subalternizados.

20 de Novembro é uma data simbólica que nos convida a lembrar da importância do aquilombamento. Foi assim que Zumbi dos Palmares, junto de sua companheira Dandara, conseguiu resistir em um dos maiores Quilombos do mundo. Foi assim também que, o Movimento Negro Unificado conseguiu lutar por políticas públicas de reparação para a negritude.

E, mesmo sabendo da dificuldade, parafraseio Carolina Maria de Jesus “se é que existem reencarnações, eu quero voltar sempre preta”. Mesmo sabendo que o racismo perpassa a nossa vida em todas as instâncias possíveis, nas instituições, nas estruturas, na nossa psique. Ainda assim, sobrevivemos em meio a estatísticas que só nos entristecem, mas ainda estamos aqui e compomos a maior parte deste país. Muito embora os dados sobre negritude sejam sempre pessimistas. Ser negro é uma dualidade, pois ainda resistimos, ainda somos bravos, mesmo quando não queremos ser. Mesmo quando só queremos existir, não conseguimos. Porque o ideal de ego e de existência na sociedade é branco. As roupas, os comportamentos, os espaços, e as oportunidades são todas brancas e para os brancos.
Por isso, é tão importante adquirir essa consciência racial e perceber que essa é uma luta coletiva e contínua. É preciso continuar o trabalho do MNU, o trabalho de Zumbi e Dandara. Pois não me interessa representar ninguém nos espaços, não me interessa ser a única pessoa negra conquistando algo. Me interessa romper com a farsa da democracia racial, me interessa expor que o racismo no Brasil é descarado. Me interessa, um dia, superar tudo isso e alcançar uma equidade racial. Uma equidade que possibilite que não tenhamos mais que nos preocupar se vamos conseguir voltar com vida quando saímos de casa. Me interessa uma realidade em que o Estado não nos veja como inimigo a ser aniquilado. Me interessa um mundo em que as relações sejam mais leves e que os traumas raciais não nos sabotem mais.
Me interessa viver celebrando a existência, não mais me entristecendo porque os índices socioeconômicos todos apontam que as pessoas negras são as menos escolarizadas. Se não estamos nas escolas, os dados apontam que somos a maior parte do sistema carcerário, o maior índice de homicídios em conflitos policiais. Eu perdi meu pai aos 13 anos, e perdi minha mãe aos 23 anos. Tudo isso, também, por conta de uma necropolítica que negligência a saúde das pessoas negras e busca nos eliminar.
Por isso, desde já, pensemos em estratégias de fuga às violências que atingem nossos corpos e o nosso psicológico, pensemos em estratégias não só de sobrevivência, mas de fortalecimento da nossa autoestima. Eu não quero mais existir em um mundo em que não sei até quando vou viver, ou sobreviver. Quero uma vida plena para pessoas negras e por isso é tão importante lutarmos juntos, em aquilombamento, assim como nossos ancestrais. Que possamos pensar, então, a importância de agrupar-se em negritude para lembrar o passado, refletir o presente, e construir um futuro possível no qual crianças negras poderão ser apenas crianças, sem perder sua infância por começar a trabalhar tão cedo. Que possamos sonhar em construir um mundo no qual jovens negros tenham perspectivas de futuro para sonharem em serem o que quiserem, sem precisar faltar a escola porque necessitam ajudar a família, ou porque não há incentivo ou amparo.
Me pergunto quantos sonhos mais serão destruídos por esse sistema narcísico e branco? É preciso sapiência, estratégia e força coletiva para driblar, para ir contracorrente desse padrão hegemônico que nos coloca sempre para baixo. E é preciso ter em mente que a ascensão individual nunca será uma ascensão de fato. Do que me adianta ser sozinha, a única negra nos espaços?
Eu sonho com um mundo em que as nossas potências serão reverenciadas ao máximo, e sonho também que os nossos sonhos se tornarão, de fato, realidade. É assim que damos sentido à nossa existência, sonhando coletivamente os caminhos possíveis. Emancipar o povo negro, reinventar o Brasil. Essa é a nossa luta coletiva.
“O quilombo é um avanço, é produzir ou reproduzir um momento de paz. Quilombo é um guerreiro quando precisa ser um guerreiro. É também o recuo quando a luta não é necessária. É uma sapiência, uma sabedoria. A continuidade de vida, o ato de criar um momento feliz, mesmo quando o inimigo é poderoso, e mesmo quando ele quer matar você. A resistência. Uma possibilidade nos dias de destruição” – Beatriz Nascimento (2018)
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NOVEMBRO NEGRO E O MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA – É TEMPO DE AQUILOMBAR

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É tempo de reafirmar a resistência do povo brasileiro
“Precisamos colocar a história no seu devido lugar”.
(Regina Lúcia- Lider do MNU, 2018)

Olá, pessoas lindas e de lutas, mais um novembro negro bate as nossas portas e com ele chega uma diversidade de atividades, informações e eventos para celebrar nossas lutas, resistências e conquistas. Além de reverenciar a memória de Zumbi, herói negro, assassinado em 1695, que foi o grande líder da resistência e luta do povo negro contra a escravidão e a colonização que durou 388 anos. Ele governou e liderou com os seus irmãos negros a resistência no Quilombo de Palmares durante 100 anos em conjunto com sua companheira Dandara dos Palmares, Lider do exército no Quilombo, no qual teve um destacado papel a frente da resistência e libertação dos negros e negras escravizados (as) no Brasil. Neste texto, vou apresentar um pouco da origem da data e as celebrações em memória a Zumbi e Dandara e porque comemoramos e evidenciamos neste mês a consciência negra. Além de trazer alguns eventos planejado para este mês e como podemos ampliar estas discussões em nossas escolas e espaços em que atuamos para além do dia 20 de novembro, pois precisamos pautar a luta antirracista o ano todo.

Como todos nós sabemos a “pseudo.” libertação dos (as) escravos (as), ocorrida em 1888, nada foi planejado e implementado para que houvesse uma política de reparação e inclusão da população negra após a “abolição da escravidão” que foram tempos de intenso, perverso e brutal processo de desumanização, exploração e degradação humana. Ou seja, o ato de “libertação” dos (as) escravos (as), não passou de um fato político para constar nos feitos históricos da burguesia que se viu obrigada a proclamar o fim deste modelo econômico e político e o fim do tráfico de escravos africanos para o Brasil em 04 de setembro de 1850, com a promulgação da Lei 581 do Império, conhecida como Eusébio de Queiroz. Sendo o Brasil o último pais a acabar com o tráfico de escravos e a procrastinar seu cumprimento que só assim o fez devido as sanções comerciais impostas pela Inglaterra.

Você sabia que foram traficadas quase 5 milhões de pessoas escravizadas do Continente Africano para o Brasil? Sendo o Brasil que mais recebeu escravizados no mundo? Sabia que desde 13 de março de 1827, foi proibido o tráfico de escravos africanos para o Brasil, e que somente foi cumprida esta decisão após 27 anos posterior, por atender os interesses dos escravocratas da época que exigiam da coroa portuguesa a manter ativo o tráfico negreiro, para manter sua economia e riqueza a base da exploração dos negros e negras cativos. E por isso a Lei Feijó foi apelidada de “Lei para Inglês ver”, pois mesmo sendo homologada oficialmente em 13 de março de 1827, veio ser cumprida em 1850. Pois o tráfico ilegal e clandestino perdurou mesmo assim por muitos anos depois e que autoridades da época faziam vista grossa para este fato.  E que desde 1850 até a Lei Eusebio de Queiroz se passaram 33 anos para que fosse oficialmente promulgada a dita “libertação dos escravos” em 1888.

O Cais do Valongo no Rio de Janeiro foi considerado o que mais recebeu as pessoas escravizadas vindas de África? Sabia ainda que a província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em 1884, liderado pela revolta dos jangadeiros em 1881, que teve a frente deste feito histórico. Chico Matilde conhecido pelo Dragão do Mar. Todos estes fatos são importantes para refletirmos sobre o quanto este processo de libertação dos escravos foi custoso, árduo e resultante de inúmeros conflitos entre os escravocratas, abolicionistas e o movimento negro.

Ou seja falar dos indicadores socio- econômicos de exclusão, abandono e pobreza que vivem a população negra na atualidade está totalmente relacionado a ausência de políticas de reparação e valorização da população negra que nuca houve, pois foram abandonados, marginalizados e entregues à própria sorte após o fim dos quase 400 anos de escravidão de exploração econômica do colonialismo no Brasil. Além de intenso processo de apagamento de nossa história  e trajetória através de políticas de  embranquecimento da população, denominada de eugenia, bem como o  mito da democracia racial que constituía o ideário que presumia a convivência pacífica, ordeira  entre brancos e negros, pressupondo uma sociedade igualitária entre ambos com direitos e oportunidades iguais, atribuindo aos negros a incompetência e incapacidade de não ocupar os espaços por falta de interesse e vontade própria. O que o intelectual e ativista Abdias Nascimento, primeiro senador negro eleito no Brasil, denominou de “racismo mascarado e consentido” utilizado para legitimar a ideia e imagem negativa sobre o negro na sociedade brasileira.

Importante destacar que em todo o período da história, o movimento negro, sempre foi protagonista e sujeito da sua própria história, resistiu, lutou e apresentou propostas, como forma de enfrentar o preconceito racial, garantir o acesso à educação, debater e propor melhores condições de vida a população negra, além da valorização da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.  Organizações do movimento negro como a Frente Negra Brasileira em 1931, deram os primeiros passos para reivindicar o direito à educação, preservação da cultura e o combate ao preconceito racial como mola propulsora das mudanças, que teríamos hoje no campo das Políticas Afirmativas no Brasil, nomes como Arlindo Veiga dos Santos, Sebastiao Rodrigues Alves, Abdias Nascimento, Lélia González, Solano Trindade, Luis Gama entre outras lideranças do movimento contribuíram neste processo, inclusive criando  outras entidades como o Teatro Experimental do Negro- TEM (1944) e o Movimento Negro Unificado -MNU (1978).

No marco da abertura democrática, temos contribuições do movimento negro, intelectuais e ativistas e criação de outras importantes entidades como O coletivo de Mulheres Negras Nzinga (1980), criado por Lélia González; e o Geledés (1988), criado por Suely Carneiro, ratificando que as mulheres negras sempre estiveram presentes na luta antirracista e tiveram um importante papel   na luta contra o racismo e em defesa da igualdade racial.

A articulação e atuação do movimento negro na Constituição de 1988, trouxe conquistas significativas para a população negra, instituindo o racismo como crime; a igualdade de direitos sem distinção de cor, raça, religião ou condição econômica. Direito as terras Quilombolas. O que levou a Deputada constituinte Benedita da Silva (PT), a falar nas audiências de formulação da Constituinte “Queremos proclamar a nossa abolição. Não é ódio, nem rancor, apenas um grito de liberdade”. O que simboliza muito bem todo este processo histórico carregado de inverdades e injustiças.

É no governo Lula da Silva a partir de  2003 e Dilma Roussef em 2011,  que se efetiva algumas políticas mais consistentes e concretas como a  criação da Secretaria Nacional de Igualdade Racial- SEPPIR, a implementação da Lei 10.639/2003,  a criação de Plano Nacional de Políticas para a Igualdade Racial- PLANAPIR; Criação do Estatuto da Igualdade Racial  (2010) e a Lei de Politicas de Cotas em 2012 (revisada em 24/10/2023);  e a Lei 12.990 de 2014, que reserva 20% das vagas no serviço público federal para  inserção da população negra nos concursos públicos.  Foram muitas iniciativas e políticas afirmativas que fizeram a diferença na vida do povo preto deste país, mas que logo foi interrompida com o Golpe da Presidente Dilma Roussef em 2016. O escritor Laurentino Gomes afirma que “o Brasil precisa de uma segunda abolição, “já que a maioria da população pobre é negra, sem acesso à educação, saúde e empregos decentes”. E por isso lutamos e realizamos as lutas necessárias para que haja uma maior conscientização racial na sociedade e que o racismo e preconceito sejam apenas uma das chagas apertas que precisa ser corrigida.

DIA DE ZUMBI E DA CONSCIÊNCIA NEGRA.

E com base nesta trajetória de lutas e resistências que comemoramos o Dia 20 de Novembro e o Mês da Consciência Negra, dedicada a memória de Zumbi dos Palmares, data que foi instituída pelo movimento negro em 1995 na Marcha Zumbi contra o Racismo pela Igualdade e pela Vida”, ato que lembravam a morte de Zumbi dos Palmares, seu legado de luta e resistência. O movimento reivindicava o reconhecimento da data como símbolo da luta contra o racismo e a emancipação da população negra em contra- posição ao dia 13 de maio de 1988, da “falsa abolição da escravidão”, pois não representava e nem dialogava com os reais anseios e emancipação do população negra por não ser acompanhada de uma verdadeira inclusão politica e social.

20 de Novembro

O dia 20 de novembro, foi instituído através da Lei 12.519, oficializa a Lei do “Dia Nacional de Zumbi e da  Consciência Negra” pela  Ex Presidente Dilma Roussef, atendendo a reinvindicação do movimento negro que marca oficialmente o reconhecimento e compromisso do governo brasileiro para a promoção da Igualdade racial na pauta institucional , além das  comemorações  e agendas realizadas pelo movimento negro e coletivos antirracistas que promovem debates, atos  e intervenções sobre a discriminação racial, o combate ao racismo, sexismo e sobre o papel e protagonismo negro  na história e a importância das políticas e ações afirmativas para a efetiva inclusão e garantia de direitos e cidadania.

Que papel tem educadores e pessoas antirracista neste processo?

Todos nós podemos fazer nossa parte no combate ao racismo e o preconceito racial, desde o poder público, profissionais das diversas áreas, profissionais da educação, gestores, família e sociedade. Pois o racismo estrutural e institucional promove a discriminação e a negação dos direitos das pessoas negras nos espaços sociais e para tanto precisa de conscientização e mudanças nas concepções e práticas arraigadas na estrutura institucional. E o que podemos fazer em nossas instituições educacionais para promover esta conscientização racial.

Primeiro, se informe sobre o movimento negro, suas lutas e conquistas. Leia autores e intelectuais negros que tratam  sobre o fim da escravidão e a luta contra a discriminação racial no Brasil na versão afrocentrada, autores como Clovis Moura, Abdias Nascimento, Joel Rufino, Lélia González, Neusa Santos, Luiz Gama, Beatriz Nascimento, Kanbegele Munanga; Amailton Magno Azevedo; Laurentino Gomes, Nilma Lino Gomes, Karla Akotirene, Alex Ratts, Ana Flávia Magalhaes, Petronilha  Beatriz entre tantos escritores que tem feito uma papel fundamental de conscientização e reflexão acerca destas temáticas.

Segundo, convide pessoas que tenham formação no tema para fazer capacitação em sua escola, realize visitas a Museus e espaços de cultura e valorização da cultura Afro-indígena e brasileira. E por fim, assuma a causa antirracista, lute contra o preconceito racial e o racismo em todos os espaços que você ocupe, participe de eventos e apoie as atividades que são realizadas neste mês por escolas, sindicatos, organizações estudantis e coletivos e organizações negras.

Deixo algumas dicas de eventos, links e redes sociais para você visitar e participar das atividades que serão promovidas por estas entidades. Excelente mês da Consciência Negra para todos nós e viva a luta do movimento negro por dignidade, direitos e respeito!

Links/ Redes sociais e eventos:

@negedi_ifrn- NEGEDI- VI novembro Negro do NEGEDI (22/11)

@yalodeafroacademia- Instituto Yalode Afroacademia Lélia González

@coletivonegras – Projeto: Educação Antirracista nas Comunidades. Ebooks- Combate a prática de racismos em tempo de Pandemia.

@noskilombo- Organização Negra do Rio Grande do Norte

@gdm. ifrn – Grêmio Estudantil Djalma Maranhão

@coeppirn- Coordenadoria de Políticas de promoção da Igualdade Racial/Plano Estadual da Igualdade Racial

@ REGIF- Rede de Grêmios do IFRN

@neabi. mossoró – Nucelo de Estudos Afro-Brasileiros-Campus Mossoró

@REDE DE MULHERES NEGRAS DO NORDESTE

@obirinajagum – Organização de Mulheres Negras do RN

@lenteufrn- LENTEUFRN- CAICÓ (Seminário de Aprendizagens Antirracistas do Seridó- 20 e 21/11)

@contatoabpn Associação Brasileira de pesquisadores (as) Negras (os)               @ivcopenenordeste IV COPENENORDESTE (IV Congresso de Pesquisadores/as Negros/as do Nordeste)

@impressoesdemaria- Blog de Livros antirracistas

@história_preta- Memória histórica da população negra no Brasil

 

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Ady Canário Colunistas Destaque

Os 20 anos do “Dia Nacional da Consciência Negra” na formação discursiva escolar

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A inclusão do 20 de novembro, “Dia Nacional da Consciência Negra”, no calendário escolar completa seu 20º aniversário. Momento para celebrar a história e a luta dos descendentes de povos que foram escravizados contra as desigualdades. Importante ato na inserção social, objeto da Lei nº 10.639, de 9 janeiro de 2003, que colocou na Lei da Educação Nacional o ensino obrigatório da “História e Cultura Afro-Brasileira”, possibilitando que todas as pessoas conheçam, respeitem e valorizem as raízes culturais afro-brasileiras, heranças africanas.

Esse marco, de extrema relevância, resulta de reflexões advindas a partir do Movimento Negro pelo conjunto de ações de brasileiros e brasileiras que construiram e constróem a história do povo preto em sua ancestralidade.

Na formação discursiva escolar, é um dos mais importantes dias. Vem se consolidando como um dispositivo de poder e resistência pela garantia de direitos. Para além do calendário, é pautar o incentivo à implementação da Lei enquanto uma política afirmativa. Com destaque, o princípio da diversidade cultural na educação.

O “Dia Nacional da Consciência Negra” compreende, há duas décadas, atividades de promoção da igualdade racial. Nesse sentido, uma das datas que mais impulsionou ações educativas, bem como o chamamento para toda sociedade.

Também potencializa o olhar no que diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aPlano de Implementação e às Orientações e Ações, dentre outras movimentações articuladas por grupos, núcleos, coletivos, comunidades e instituições em projetos.

Obviamente, por ser relativamente recente, ainda há muito o que ser feito no objetivo de desconstruir atitudes e posturas. Inclusive, mostrando-se a necessidade de celebração da Consciência Negra.

Nesse sentido, transcrevemos dois pontos, no âmbito das diretrizes, que afirmam os desafios e perspectivas das relações raciais:  o primeiro: “valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; o segundo: “participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.”

Vivas aos 20 anos do “Dia Nacional da Consciência Negra”. Por reconhecimento, reparação histórica e o direito à memória. Salve! A luta continua!