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Lélia González, Abdias Nascimento, Esperança Garcia e Beatriz Nascimento – Nomes que simbolizam nossas lutas e os projetos educacionais e o compromisso do governo Lula com a equidade racial

A educação é um instrumento essencial para prover as mudanças que desejamos na sociedade, e uma educação mais digna, humana e diversa, propicia esta inclusão e maiores oportunidades na sociedade. (Anielle Franco-Ministra da Igualdade racial do Brasil)

 

Os Dados Estatísticos apresentados no Censo do IBGE de 2022 pelo IBGE, destaca que a maioria da população no país se declara parda com 45.3%, bem como destaca o crescimento da população preta no país em 10, 2 %, um crescimento significativo em relação ao ano de 1991, que era de 7.6%. Uma variação importante quanto aos crescimentos da população negra no Brasil, representados por negros e pardos, segundo critérios adotados pela Instituto, que apontam para uma maioria composta por 56 % da população brasileira. O que já se consideraria justificativa e prioridade suficientes para formulação e implementação de inúmeras políticas públicas destinadas a este contingente populacional com a finalidade de combater as desigualdades estruturais e sistêmicas que vitimam, excluem e empurram a população negra cada vez mais para a pobreza e a miséria absoluta ao longo de décadas, através de um “racismo mascarado e consentido” como afirmava Abdias do Nascimento em seu Livro “O genocídio da População Negra”.  

Concretamente, só podemos perceber algumas iniciativas no campo institucional no sentido de reparar parte das desigualdades históricas a partir do governo Lula em 2003 e da Presidenta Dilma Roussef em 2011, com a criação de Plano Nacional de Políticas para a Igualdade Racial- PLANAPIR e a criação da Secretaria Nacional de Igualdade Racial- SEPPIR, criada em 2003, mas que logo foi interrompida estas ações com o Golpe em 2016. Entretanto, cabe destacar que todos estes avanços e conquistas foram méritos da luta e combatividade das entidades e coletivos do movimento negro brasileiro e outras entidades. lideranças políticas e movimentos sociais.  

 Outro destaque importante, que merece ser feito para compor nossa análise, são os dados no quesito gênero e raça, pois as mulheres negras são as mais afetadas em todas as escalas de exclusão, violência e abandono, pois enfrentam  diariamente o preconceito racial e o sexismo que estrutura e hierarquiza ainda mais as relações de poder e desigualdade para este grupo social , pois o racismo e sexismo são presentes no cotidiano das mulheres negras e reproduzem todas as formas de violência, apagamento e invisibilidade de seus corpos, subjetividade e história  que resultam na exclusão de direitos e oportunidades, seja no mercado e trabalho, saúde, moradia e educação, entre outros setores e áreas de atuação. 

Na área da educação, apresentamos um bom desempenho em relação ao nível de escolaridade, donde saímos do nível de (5,6), anos de estudo em 1999 para um crescimento (7,8%) em 2009. Estando à frente dos homens negros com (6,8), mais que comparado aos anos de escolaridade das pessoas brancas, homens (8,8) e mulheres brancas (9,7), ainda estamos em desvantagens.  Entretanto, podemos destacar que na Pós-graduação, este percentual apresenta bons resultados, sendo as mulheres negras o grupo mais representativo nas instituições superiores de todo os Brasil. 

Apresento estes enunciados e dados estatísticos para dialogar sobre a importância de termos políticas públicas e ações afirmativas necessárias para a mudança desta realidade, e que efetivamente passam pelo compromisso e prioridade do Estado tanto na formulação, implementação e execução, destas políticas, como também de investimentos de recursos em áreas prioritárias para ampliar o acesso de oportunidades a jovens negros e negras, como no caso da educação.  E sempre importante salientar uma das políticas públicas, que demonstram resultados consolidados e comprovados no campo educacional foi a implementação das Políticas de Cotas na Educação, Lei 12. 711/2012, que determinava que 50% das vagas dos estudantes das Universidades e Institutos Federais, fossem destinadas as pessoas negras, indígenas e Pessoas com Deficiência.  Lei que recentemente em 24 de outubro de 2023, após 10 anos de vigência, foi aprovada pelo Senado Federal que renovou a sua vigência por mais 10 anos e atualizou alguns critérios importantes, como a inclusão de estudantes quilombolas, neste segmento. Uma importante Vitória e conquista do movimento negro e suas lideranças políticas. 

Mas vou me dedicar neste texto, as  iniciativas implementadas no campo da educação,  pelo recriado  Ministério da Igualdade Racial ( MIR), no governo Lula, que tem sido bem recebida e objeto de grandes expectativas e entusiasmo, o que acreditamos   que vai contribuir significativamente para ampliar o acesso e a formação de estudantes, profissionais da educação, pesquisadores (as),  e advogados (as) no início da  carreira Jurídica e Magistratura, como os programas Caminhos Amefricanos,  Atlânticas-Beatriz Nascimento, Abdias Nascimento e Esperança Garcia, que ao nosso ver são políticas que contribuem para reduzir os déficits  educacionais e a falta de acesso e oportunidades para garantias da  equidade racial para a população negra, principalmente no campo educacional, cientifico  e profissional.  No qual vou dividir em dois momentos, este texto trago as informações sobre os Programas “Caminhos Amefricanos Lélia Gonzáles e Atlânticas- Beatriz Nascimento” e posteriormente em outro texto a segunda parte do texto sobre os demais programas lançados pelo Ministério da Igualdade Racial em parceria com outros órgãos do Governo Federal. 

O programa Caminhos Amefricanos, lançado em 23 de agosto de 2023, na Cidade de Moçambique na África do Sul, tem por finalidade promover intercambio para o fortalecimento de uma prática educativa antirracista, através de troca de conhecimentos, experiências e políticas públicas em países africanos e afro diaspóricos. E será executado conjuntamente entre o Ministério da Educação- MEC e o MIR e as Universidade de Maputo em Moçambique, que irão receber os estudantes e professores que farão parte do programa, parte do Intercâmbio Sul -Sul. O público a ser atendido neste programa são estudantes e professores das Licenciaturas das instituições públicas de ensino.  Segundo o Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo, Yuri Silva, o programa vai fortalecer a promoção da igualdade racial e construir uma educação antirracista para as futuras gerações”. Com o apoio do novo Governo Federal, pretendemos estreitar laços com os países africanos. O Caminhos Amefricanos vai fortalecer a promoção da igualdade racial e construir uma educação antirracista para nossas futuras gerações”. 

O programa está previsto para iniciar em agosto de 2024, segundo edital 34/2023 entre o MIR e a CAPES, e está com inscrições abertas até 04 de janeiro de 2023. O programa pretende ampliar e fortalecer os laços com países do Sul Global, dentre eles países do Continente Africano e América Latina que por décadas na história estas relações foram pautadas em bases e concepções colonialistas e eurocêntricas do ponto de vista acadêmico, cultural e científico, hegemonizando pensamentos, práticas e territórios que reforçaram este campo epistemológico. 

E neste sentido pautar outra perspectiva em outro viés do conhecimento e produzir uma contra colonialidade como nos ensinava o escritor, poeta, filosofo e liderança quilombola Nego Bispo, falecido em 03 de dezembro de 2023, onde afirmava da necessidade de romper com esta visão sistêmica e ocidentalizada que produziu um genocídio epistêmico e um apagamento e invisibilidade da cultura e nossas raízes ancestrais. É vital e fundamental para construção de novos paradigmas. Como bem afirmou a Ministra Anielle Franco no ato de formalização deste acordo, “Estar em Moçambique e uma oportunidade de reconstruir a história de nossos ancestrais. Fortalecer a história e memória e as conexões e os vínculos diaspóricos entre estes países”.  E esta deve ser a essência deste novo processo político e institucional. Este programa é uma aposta segura e fundamental para inserir os estudantes negros neste processo acadêmico e científico, ampliar os horizontes formativos e epistêmicos em outra visão afrocentrada e possibilitar conhecer a histórias e contribuições de países Africanos numa relação de troca, aprendizados e intercâmbios. 

Outro programa fundamental na promoção da equidade de gênero e raça é o  Programa Atlânticas – Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência,  lançado pelo MIR em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas, Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério das Mulheres, CNPq e CAPES, em julho deste ano na Universidade Federal do Pará, e visa conceder bolsas de doutorado – sanduíche e pós-doutorado no exterior á mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas inserida nos espaços da educação superior. O programa prevê auxílios financeiros para a obtenção de passaporte e vistos, possibilitando o fortalecimento de diversas trajetórias acadêmicas e cientificas nesta etapa acadêmica e formativa. A proposta visa fortalecer o acesso de mulheres negras na ciência e nos espaços acadêmicos e científicos, ampliando a presença das pesquisadoras negras nestes ambientes ainda por vez elitizados, masculino e branco. 

O programa está com inscrições abertas, até 31 de janeiro de 2024, e será o primeiro programa implementado pelo Governo Federal que tem as mulheres negras, indígenas e ciganas como foco principal nas diversas áreas de conhecimento e com amplas possibilidades de intercâmbio acadêmico e científico. Segundo a Ministra Anielle Franco do MIR, a educação é um instrumento essencial para prover as mudanças que desejamos na sociedade, e “uma educação mais digna, humana e diversa, propicia esta inclusão e maiores oportunidades na sociedade”. 

O nome do programa, presta uma justa homenagem a escritora, professora, historiadora, Beatriz Nascimento, intelectual negra e ativista dos direitos das mulheres negras e dos direitos humanos que morreu assassinada provenientes de um caso de feminicídio ao defender sua amiga, do agressor em julho de 1995. Beatriz tornou-se referência na luta em defesa dos quilombos e dos direitos e acesso à terra, além ser uma voz ativa e altiva na denúncia e combate ao racismo e ao mito da democracia racial, que imputava aos negros as piores condições de vida, humilhação e privações de direitos e consequentemente dificuldades e limitações ao acesso aos bens públicos.

Com base nos objetivos e no ineditismo da proposta apresentada, acreditamos que o programa vai propiciar maior acesso, qualificar e instrumentalizar mais mulheres negras, nos espaços acadêmicos e científicos, produzindo mais conhecimentos, ciência e tecnologias de qualidade. Pois os dados demostram um número bastante reduzido de pesquisadoras negras e nos programas de Pós-graduação e sem dúvida nenhuma, esta oportunidade vai ampliar e fortalecer as ações já existentes no âmbito acadêmico e profissional. Por isso, não fiquemos de fora desta oportunidade inédita e que vai trazer muitas experiências, conhecimentos e oportunizar crescimento fenomenal em todas as áreas da vida acadêmica, profissional e pessoal, especialmente as mulheres negras.

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NOVEMBRO NEGRO E O MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA – É TEMPO DE AQUILOMBAR

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É tempo de reafirmar a resistência do povo brasileiro
“Precisamos colocar a história no seu devido lugar”.
(Regina Lúcia- Lider do MNU, 2018)

Olá, pessoas lindas e de lutas, mais um novembro negro bate as nossas portas e com ele chega uma diversidade de atividades, informações e eventos para celebrar nossas lutas, resistências e conquistas. Além de reverenciar a memória de Zumbi, herói negro, assassinado em 1695, que foi o grande líder da resistência e luta do povo negro contra a escravidão e a colonização que durou 388 anos. Ele governou e liderou com os seus irmãos negros a resistência no Quilombo de Palmares durante 100 anos em conjunto com sua companheira Dandara dos Palmares, Lider do exército no Quilombo, no qual teve um destacado papel a frente da resistência e libertação dos negros e negras escravizados (as) no Brasil. Neste texto, vou apresentar um pouco da origem da data e as celebrações em memória a Zumbi e Dandara e porque comemoramos e evidenciamos neste mês a consciência negra. Além de trazer alguns eventos planejado para este mês e como podemos ampliar estas discussões em nossas escolas e espaços em que atuamos para além do dia 20 de novembro, pois precisamos pautar a luta antirracista o ano todo.

Como todos nós sabemos a “pseudo.” libertação dos (as) escravos (as), ocorrida em 1888, nada foi planejado e implementado para que houvesse uma política de reparação e inclusão da população negra após a “abolição da escravidão” que foram tempos de intenso, perverso e brutal processo de desumanização, exploração e degradação humana. Ou seja, o ato de “libertação” dos (as) escravos (as), não passou de um fato político para constar nos feitos históricos da burguesia que se viu obrigada a proclamar o fim deste modelo econômico e político e o fim do tráfico de escravos africanos para o Brasil em 04 de setembro de 1850, com a promulgação da Lei 581 do Império, conhecida como Eusébio de Queiroz. Sendo o Brasil o último pais a acabar com o tráfico de escravos e a procrastinar seu cumprimento que só assim o fez devido as sanções comerciais impostas pela Inglaterra.

Você sabia que foram traficadas quase 5 milhões de pessoas escravizadas do Continente Africano para o Brasil? Sendo o Brasil que mais recebeu escravizados no mundo? Sabia que desde 13 de março de 1827, foi proibido o tráfico de escravos africanos para o Brasil, e que somente foi cumprida esta decisão após 27 anos posterior, por atender os interesses dos escravocratas da época que exigiam da coroa portuguesa a manter ativo o tráfico negreiro, para manter sua economia e riqueza a base da exploração dos negros e negras cativos. E por isso a Lei Feijó foi apelidada de “Lei para Inglês ver”, pois mesmo sendo homologada oficialmente em 13 de março de 1827, veio ser cumprida em 1850. Pois o tráfico ilegal e clandestino perdurou mesmo assim por muitos anos depois e que autoridades da época faziam vista grossa para este fato.  E que desde 1850 até a Lei Eusebio de Queiroz se passaram 33 anos para que fosse oficialmente promulgada a dita “libertação dos escravos” em 1888.

O Cais do Valongo no Rio de Janeiro foi considerado o que mais recebeu as pessoas escravizadas vindas de África? Sabia ainda que a província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em 1884, liderado pela revolta dos jangadeiros em 1881, que teve a frente deste feito histórico. Chico Matilde conhecido pelo Dragão do Mar. Todos estes fatos são importantes para refletirmos sobre o quanto este processo de libertação dos escravos foi custoso, árduo e resultante de inúmeros conflitos entre os escravocratas, abolicionistas e o movimento negro.

Ou seja falar dos indicadores socio- econômicos de exclusão, abandono e pobreza que vivem a população negra na atualidade está totalmente relacionado a ausência de políticas de reparação e valorização da população negra que nuca houve, pois foram abandonados, marginalizados e entregues à própria sorte após o fim dos quase 400 anos de escravidão de exploração econômica do colonialismo no Brasil. Além de intenso processo de apagamento de nossa história  e trajetória através de políticas de  embranquecimento da população, denominada de eugenia, bem como o  mito da democracia racial que constituía o ideário que presumia a convivência pacífica, ordeira  entre brancos e negros, pressupondo uma sociedade igualitária entre ambos com direitos e oportunidades iguais, atribuindo aos negros a incompetência e incapacidade de não ocupar os espaços por falta de interesse e vontade própria. O que o intelectual e ativista Abdias Nascimento, primeiro senador negro eleito no Brasil, denominou de “racismo mascarado e consentido” utilizado para legitimar a ideia e imagem negativa sobre o negro na sociedade brasileira.

Importante destacar que em todo o período da história, o movimento negro, sempre foi protagonista e sujeito da sua própria história, resistiu, lutou e apresentou propostas, como forma de enfrentar o preconceito racial, garantir o acesso à educação, debater e propor melhores condições de vida a população negra, além da valorização da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.  Organizações do movimento negro como a Frente Negra Brasileira em 1931, deram os primeiros passos para reivindicar o direito à educação, preservação da cultura e o combate ao preconceito racial como mola propulsora das mudanças, que teríamos hoje no campo das Políticas Afirmativas no Brasil, nomes como Arlindo Veiga dos Santos, Sebastiao Rodrigues Alves, Abdias Nascimento, Lélia González, Solano Trindade, Luis Gama entre outras lideranças do movimento contribuíram neste processo, inclusive criando  outras entidades como o Teatro Experimental do Negro- TEM (1944) e o Movimento Negro Unificado -MNU (1978).

No marco da abertura democrática, temos contribuições do movimento negro, intelectuais e ativistas e criação de outras importantes entidades como O coletivo de Mulheres Negras Nzinga (1980), criado por Lélia González; e o Geledés (1988), criado por Suely Carneiro, ratificando que as mulheres negras sempre estiveram presentes na luta antirracista e tiveram um importante papel   na luta contra o racismo e em defesa da igualdade racial.

A articulação e atuação do movimento negro na Constituição de 1988, trouxe conquistas significativas para a população negra, instituindo o racismo como crime; a igualdade de direitos sem distinção de cor, raça, religião ou condição econômica. Direito as terras Quilombolas. O que levou a Deputada constituinte Benedita da Silva (PT), a falar nas audiências de formulação da Constituinte “Queremos proclamar a nossa abolição. Não é ódio, nem rancor, apenas um grito de liberdade”. O que simboliza muito bem todo este processo histórico carregado de inverdades e injustiças.

É no governo Lula da Silva a partir de  2003 e Dilma Roussef em 2011,  que se efetiva algumas políticas mais consistentes e concretas como a  criação da Secretaria Nacional de Igualdade Racial- SEPPIR, a implementação da Lei 10.639/2003,  a criação de Plano Nacional de Políticas para a Igualdade Racial- PLANAPIR; Criação do Estatuto da Igualdade Racial  (2010) e a Lei de Politicas de Cotas em 2012 (revisada em 24/10/2023);  e a Lei 12.990 de 2014, que reserva 20% das vagas no serviço público federal para  inserção da população negra nos concursos públicos.  Foram muitas iniciativas e políticas afirmativas que fizeram a diferença na vida do povo preto deste país, mas que logo foi interrompida com o Golpe da Presidente Dilma Roussef em 2016. O escritor Laurentino Gomes afirma que “o Brasil precisa de uma segunda abolição, “já que a maioria da população pobre é negra, sem acesso à educação, saúde e empregos decentes”. E por isso lutamos e realizamos as lutas necessárias para que haja uma maior conscientização racial na sociedade e que o racismo e preconceito sejam apenas uma das chagas apertas que precisa ser corrigida.

DIA DE ZUMBI E DA CONSCIÊNCIA NEGRA.

E com base nesta trajetória de lutas e resistências que comemoramos o Dia 20 de Novembro e o Mês da Consciência Negra, dedicada a memória de Zumbi dos Palmares, data que foi instituída pelo movimento negro em 1995 na Marcha Zumbi contra o Racismo pela Igualdade e pela Vida”, ato que lembravam a morte de Zumbi dos Palmares, seu legado de luta e resistência. O movimento reivindicava o reconhecimento da data como símbolo da luta contra o racismo e a emancipação da população negra em contra- posição ao dia 13 de maio de 1988, da “falsa abolição da escravidão”, pois não representava e nem dialogava com os reais anseios e emancipação do população negra por não ser acompanhada de uma verdadeira inclusão politica e social.

20 de Novembro

O dia 20 de novembro, foi instituído através da Lei 12.519, oficializa a Lei do “Dia Nacional de Zumbi e da  Consciência Negra” pela  Ex Presidente Dilma Roussef, atendendo a reinvindicação do movimento negro que marca oficialmente o reconhecimento e compromisso do governo brasileiro para a promoção da Igualdade racial na pauta institucional , além das  comemorações  e agendas realizadas pelo movimento negro e coletivos antirracistas que promovem debates, atos  e intervenções sobre a discriminação racial, o combate ao racismo, sexismo e sobre o papel e protagonismo negro  na história e a importância das políticas e ações afirmativas para a efetiva inclusão e garantia de direitos e cidadania.

Que papel tem educadores e pessoas antirracista neste processo?

Todos nós podemos fazer nossa parte no combate ao racismo e o preconceito racial, desde o poder público, profissionais das diversas áreas, profissionais da educação, gestores, família e sociedade. Pois o racismo estrutural e institucional promove a discriminação e a negação dos direitos das pessoas negras nos espaços sociais e para tanto precisa de conscientização e mudanças nas concepções e práticas arraigadas na estrutura institucional. E o que podemos fazer em nossas instituições educacionais para promover esta conscientização racial.

Primeiro, se informe sobre o movimento negro, suas lutas e conquistas. Leia autores e intelectuais negros que tratam  sobre o fim da escravidão e a luta contra a discriminação racial no Brasil na versão afrocentrada, autores como Clovis Moura, Abdias Nascimento, Joel Rufino, Lélia González, Neusa Santos, Luiz Gama, Beatriz Nascimento, Kanbegele Munanga; Amailton Magno Azevedo; Laurentino Gomes, Nilma Lino Gomes, Karla Akotirene, Alex Ratts, Ana Flávia Magalhaes, Petronilha  Beatriz entre tantos escritores que tem feito uma papel fundamental de conscientização e reflexão acerca destas temáticas.

Segundo, convide pessoas que tenham formação no tema para fazer capacitação em sua escola, realize visitas a Museus e espaços de cultura e valorização da cultura Afro-indígena e brasileira. E por fim, assuma a causa antirracista, lute contra o preconceito racial e o racismo em todos os espaços que você ocupe, participe de eventos e apoie as atividades que são realizadas neste mês por escolas, sindicatos, organizações estudantis e coletivos e organizações negras.

Deixo algumas dicas de eventos, links e redes sociais para você visitar e participar das atividades que serão promovidas por estas entidades. Excelente mês da Consciência Negra para todos nós e viva a luta do movimento negro por dignidade, direitos e respeito!

Links/ Redes sociais e eventos:

@negedi_ifrn- NEGEDI- VI novembro Negro do NEGEDI (22/11)

@yalodeafroacademia- Instituto Yalode Afroacademia Lélia González

@coletivonegras – Projeto: Educação Antirracista nas Comunidades. Ebooks- Combate a prática de racismos em tempo de Pandemia.

@noskilombo- Organização Negra do Rio Grande do Norte

@gdm. ifrn – Grêmio Estudantil Djalma Maranhão

@coeppirn- Coordenadoria de Políticas de promoção da Igualdade Racial/Plano Estadual da Igualdade Racial

@ REGIF- Rede de Grêmios do IFRN

@neabi. mossoró – Nucelo de Estudos Afro-Brasileiros-Campus Mossoró

@REDE DE MULHERES NEGRAS DO NORDESTE

@obirinajagum – Organização de Mulheres Negras do RN

@lenteufrn- LENTEUFRN- CAICÓ (Seminário de Aprendizagens Antirracistas do Seridó- 20 e 21/11)

@contatoabpn Associação Brasileira de pesquisadores (as) Negras (os)               @ivcopenenordeste IV COPENENORDESTE (IV Congresso de Pesquisadores/as Negros/as do Nordeste)

@impressoesdemaria- Blog de Livros antirracistas

@história_preta- Memória histórica da população negra no Brasil

 

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A importância de espaços que promovam a educação antirracista e não discriminatória em nossas escolas

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Este texto tem por objetivo, contar um pouco sobre a trajetória de 10 anos de existência do núcleo, mas também dialogar com você educador e educadora, sobre a importância de criação de espaços educacionais inclusivos e que promovam a diversidade e o respeito na escola.  Em 2013 criamos o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Diversidade – NEGEDI no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), fruto de um projeto de extensão e nosso propósito era promover a visibilidade e destaque a questões relacionadas a mulheres, negros e negras, LGBTQIAPN+, indígenas e pessoas com deficiência que já estavam organizados em coletivos estudantis, experiências acadêmicas, ensino, extensão e pesquisa acadêmica.

Pois acreditamos ser importante ter um espaço para propor e debater temas relacionados a mulheres, negros e negras, lgbtqiapn+, indígenas e pessoa com deficiência, essa foi a principal bandeira do NEGEDI desde sua fundação, por entender que estes assuntos deveriam incidir política e institucionalmente nas pautas do Instituto e não de forma secundária ou apenas em pautas de eventos institucionais.

Ribeiro (2019), em seu livro “Lugar de Fala”, destaca a importância de não abordar as particularidades e temas relacionados a grupos minoritários de forma universal e homogênea, para evitar a invisibilidade ou generalização de suas problemáticas. Em outras palavras, torna-se necessário conceber ações e medidas específicas para os estudantes que ingressam em nossas instituições educacionais, considerando suas diversas origens socioeconômicas, identidades étnicas, orientações sexuais, identidades de gênero e deficiências.

Portanto, não é apropriado formular propostas uniformes em relação à categoria “estudantes” para garantir o acesso ao ensino, pesquisa e extensão, sem levar em conta as múltiplas opressões que esses indivíduos enfrentam devido ao racismo, machismo, LGBTfobia e capacitismo. Torna-se fundamental reconhecer as interseções cruciais entre as categorias de gênero, raça, etnia, sexualidade e classe neste debate, a fim de direcionar ações afirmativas e iniciativas que combatam todas as formas de opressão e preconceito no ambiente escolar.

bell hooks (2017), em seu livro “Ensinando a Transgredir- Educação como Prática da Liberdade”, afirma que “apesar de o multiculturalismo está atualmente em foco em nossa sociedade, especialmente na educação, não há nem de longe, discussões práticas suficientes acerca de como o contexto da sala de aula, pode ser transformado de modo a fazer do aprendizado uma experiencia de inclusão”. Neste sentido, entendemos que a sala de aula deve ser um ambiente de partilhas, aprendizados e respeito, um espaço de diferentes culturas e liberdades de credos e crenças.  E com base nesta perspectiva e compreensão que o NEGEDI forjou sua identidade, e defende desde sua existência a necessidade de constituirmos ambientes educacionais  livre de todas as formas de discriminações e preconceitos. E para tanto se faz necessário que de fato a escola, planeje e priorize a inclusão e a diversidade sexual, étnico-racial e de gênero como parte de seu processo educacional, envolvendo desde os currículos educacionais, a metodologia de ensino, a formação de seus profissionais e os procedimentos adotados no campo da pesquisa e dos projetos de ensino e extensão.

O NEGEDI  ao longo de seus 10 anos tem promovido importantes debates no interior do IFRN, realizando inúmeras atividades como cursos, palestras, seminários, projetos de extensão e pesquisa, atividades artísticas, culturais  e audiovisuais para impulsionar esta temática  no campo formativo, político e acadêmico, bem como apoiando  as pautas dos coletivos  estudantis e da categoria, em parceria com os grêmios, coletivos estudantis contribuindo no seu fazer político e social, bem como  outras instituições parceiras do movimento social e institucional, além de  lideranças políticas e sociais do Estado, o que nos oportunizou ter nossa luta e trajetória reconhecida pela sociedade potiguar como o prêmio JATOBÁ em 2022, honraria concedida a pessoas e organizações que desenvolvem trabalhos educacionais e sociais em defesa da educação e da equidade racial.

Você educador(a), também pode criar um espaço de diversidade e inclusão na sua escola, um núcleo de estudos e pesquisas, clubes de leituras, espaços de formação e estudos, para favorecer o acolhimento, diálogo e o respeito as diferenças, tornando o ambiente seguro e inclusivo para seus alunos/as, onde o preconceito, racismo, machismo e a LGBTfobia e o anticapacitismo não tenham lugar. E os profissionais da educação tem papel fundamental nesta mudança de paradigmas.

Nós do NEGEDI seguimos avançando em defesa de uma educação pluriversal que reconhece e considera saberes, conhecimentos e trajetórias oriundas das diversas culturas e tradições dos povos que formaram nossa nação como negros e indígenas e outras populações tradicionais. Ampliando o espaço do conhecimento e o aprendizado além da escola formal. Conceber outras epistemologias afro-indígenas no contexto escolar e não apenas uma única historiografia contada e reconhecida como válida no processo educacional vigente.

O NEGEDI foi pioneiro como primeiro núcleo de estudos nesta temática no IFRN e a se constituir como referência no tema da Rede Federal na educação profissional no Nordeste. Por isso temos muito orgulho de nossa trajetória e seguiremos   articulados (as), fortalecendo conjuntamente estas pautas e iniciativas em prol de uma educação pluriversal e sem preconceitos e discriminações e convidamos você a se juntar nesta luta conosco!

Viva Os 10 anos de existência do NEGEDI!

#Negeditudodebom

#negediantirracista

#negedicontraahomofobia

#Negedicontraaviolenciadomestica

#Negedicontraocaapcitismo

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25 de julho- Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha- Por que continuamos em marcha por reparação e o bem viver?

O projeto feminista negro desde sua criação, trabalha o marcador racial para superar os estereótipos de gênero, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global (Akotirene, 2019).

 

Ocupar espaços em todas as áreas e sermos reconhecidas pela nossa competência e profissionalismo, seja no mercado de trabalho, academia ou espaços sociais e políticos que ocupamos, não é uma tarefa fácil, principalmente quando falamos das mulheres, negras de classe socialmente desfavorecida, oriundas da classe trabalhadora, onde convivemos diariamente com o racismo, machismo, sexismo, dentre outras formas de preconceitos e discriminações. 

A escritora e Antropóloga Lélia Gonzalez afirmava que “a gente não nasce negro, a gente torna-se negro”, pois diariamente o sistema heteropatriarcal, de origem branca, racista, machista e LGBTfóbico, mostra as diferentes condições de oportunidades e acesso entre brancos e negros, homens e mulheres.  Aliás este tem sido o perverso legado da escravidão no Brasil. Onde a população negra foi abandonada a própria sorte sem políticas de inclusão, reparação ou valorização no “pós-escravidão” ou “falsa abolição”, e as mulheres negras foram e continuam sendo as maiores vítimas deste processo de exclusão e marginalização social.

Este ano, completamos 31 anos desde o 1º Encontro de Mulheres Negras ocorrida em Santo Domingo na República Dominicana em 1992, quando a partir daí o 25 de julho passou a ser considerado pela ONU como uma data histórica e de luta, que representa as reivindicações das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas por reparação e superação das desigualdades de gênero e raça.    Os dados estatísticos comprovam o fosso da desigualdade social e racial existente no Brasil, seja na área de trabalho, renda, habitação, saúde e educação etc. ou seja, uma população excluída, ignorada e desprovida de políticas públicas e sociais, ao longo de décadas, por vários governos que deixaram no limbo da marginalidade e do descaso a população negra. 

Quando analisamos os dados no quesito gênero e raça, esta situação se agrava ainda mais, pois as mulheres negras são mais afetadas em todas as escalas de exclusão e violência,  além de conviverem diariamente com o preconceito racial, sexual e institucional que tem resultado  na exclusão de direitos e oportunidades, como descreveu a Filosofa Sueli Carneiro. O documento Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça, publicado pelo IPEA em 2015, revela o quanto a vulnerabilidade social e econômica é um componente presente na vida destas mulheres negras. Esta desigualdade de gênero e raça se acentou ainda mais no período da Pandemia de Covid de 2019, onde segundo o Informe 2 da ONU, Diretrizes sobre a Inclusão de Mulheres e Meninas da Resposta à Pandemia Covid-19, publicado em 15 de outubro de 2020, revela que a crise global provocada pela Pandemia ampliou as desigualdades de gênero e raça em todos os níveis da vida social, causando o empobrecimento e exclusão desta população, além de serem as mais atingidas pela pandemia. 

Na área econômica, as mulheres negras estão em sua maioria na condição de vulnerabilidade e pobreza, pois representam o maior quantitativo de trabalhadoras no mercado informal e precarizado, sem carteira assinada e com precárias ou nenhumas relações ou vínculo trabalhista. Além de representarem o maior contingente da população em extrema pobreza, que corresponde a mais de 38% deste percentual, de mulheres na extrema pobreza, dados acentuando no pós- pandemia.  Inclusive que no período da pandemia continuaram na base da pirâmide sendo as que auferiram 44% a menos da metade dos salários recebidos pelos homens brancos, conforme destacada no Informe 02 da ONU. 

Nossos melhores resultados estão na área da educação, em relação ao nível de escolaridade, donde saímos de (5,65%) em 1999 para um crescimento (7,8%) em 2009. Inclusive estamos a frente dos homens negros (6,8%), mais que comparado aos anos de escolaridade de homens (8,8%) e mulheres brancas (9,7%), ainda estamos em desvantagens. Mas importante ressaltar que estes indicadores positivos se devem as políticas de Cotas e de Ações Afirmativas implementadas no Brasil em 2012.  

O Relatório da UNIFEM e IPEA, destacam que a população negra é a maioria da população brasileira e que a metade desta, são compostas pelas mulheres negras, que representam mais de 23,4% do total da população no Brasil. Porém, são elas que sofrem com o fenômeno da discriminação em conjunção do racismo e do sexismo que como aponta o documento” resultam em uma espécie de asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas as dimensões da vida”. Desta forma pensar, formular e propor políticas públicas pelo estado brasileiro para reparação dos direitos e a superação das desigualdades de gênero e raça, o que nos motiva a continuar em Marcha. 

Lélia Gonzalez, (1988), já nos dizia que era necessário caracterizar o racismo como um componente político e ideológico, pois suas práticas se materializam através das suas ações de discriminação racial. E que neste sentido nós mulheres negras sofremos com as várias   discriminações de (raça, sexo, classe, orientação sexual), e ainda etarismo e discapacidade, são múltiplas discriminações e muitos desafios que temos que superar diariamente e de forma coletiva.

Por isso, promover o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, no dia 25 de julho e o Julho das Pretas, ressignifica nossa luta e fortalece a nossa pauta por direitos e reparação, além de evidenciar o protagonismo das mulheres negras em todas as áreas, porque sim, fazemos parte destas conquistas e avanços nas lutas por reparação, dignidade e bem viver.

#Viva a luta das Mulheres Negras

#Viva Tereza de Benguela

#Viva Tereza Maria da Conceição

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Expectativas, cenários e desafios para as políticas para as mulheres no governo Lula

Oi, gente, mês de março começando, denominado pelo movimento feminista negro como março de lutas, evidenciando o protagonismo, pautas   e a luta das mulheres e eu não podia deixar de começar com este assunto.  Um mês que promete muitos debates, manifestações e resistências do movimento feminista. 

O ano de 2023, chegou   trazendo grandes mudanças, desafios e muitas expectativas, renovando nossas  esperanças  e confiança em um Brasil com mais oportunidades, inclusão e dignidade para o povo brasileiro, especialmente para nós mulheres que somos a maioria da população, tanto na sua diversidade e representatividade, e reforçando o lema das pessoas com necessidades especiais “Nada de Nós sem Nós”, ou seja, nada deve ser discutido ou aprovado sem a participação efetiva  e a  contribuição das mulheres.  

O governo Lula que tomou posse em 1ª de janeiro de 2023, chega trazendo um cenário de possibilidades e oportunidades para o conjunto da sociedade brasileira, especialmente para nós mulheres. É sobre estas possibilidade e expectativas que vamos nos propor a refletir neste texto.  Pois bem, retomo a discussão e que não se esgota aqui obviamente, sobre o que esperar do governo Lula, no campo das políticas públicas para as mulheres? Quais as nossas expectativas? Quais os cenários postos e os desafios que temos pela frente neste campo político e social! A filosofa e escritora Djamila Ribeiro, enfatiza que “ é importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade é preciso tirá-la da invisibilidade”.  

É bem verdade, que não posso iniciar minha reflexão sobre este tema, sem destacar a importância e relevância do governo Lula ter retomado pautas fundamentais e essenciais para a consolidação e fortalecimento de políticas públicas para mulheres, negros e negras, indígenas, LGBTQI+, pessoas com necessidades especiais e direitos humanos. Políticas que foram suprimidas, desvirtuadas de sua finalidade no governo anterior, relegadas a um papel secundário ou marginal, devido a falta de compreensão e foco na sua concepção, além da ausência de recursos para viabilizar sua execução, como foi os casos da política de saúde da mulher ou de combate à violência contra a mulher. Onde os casos de feminicídio triplicaram sem nenhuma atenção ou política de enfrentamento.                                                                                       

Assevero que a criação/recriação de pastas fundamentais como o Ministério de Políticas para as Mulheres (SPM) , criado em 2003, no 1º governo do presidente Lula, que se constituiu uma política basilar para a formulação de políticas públicas para as Mulheres em todo o país, resultando nos I e II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e na realização de Conferências Públicas em   diversas instâncias, que privilegiaram a participação democrática e popular dos segmentos de mulheres. Retomar esse processo é fundamental para fortalecer a democracia, os direitos e a cidadania das mulheres.

Outro órgão vital e de grande importância foi a criação do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, que tem à frente, o Filosofo e Advogado Silvio Almeida que possui um vasto currículo no campo dos direitos humanos e do combate ao racismo e que irá contribuir significativamente na temática. O ministério tem um papel central na elaboração e formulação de políticas e proteção aos direitos humanos, atuando em uma perspectiva interministerial, interseccional e transversal.  

Destaco ainda o Ministério da Igualdade Racial, que aponto como essencial e relevante para a promoção da igualdade racial e combate ao racismo. Criado em 2003 (SEPPIR), no 1º governo Lula e atualmente tem a Jornalista e Ativista dos direitos humanos, Anielle Franco como Ministra da pasta, o qual vou dialogar melhor sobre a importância desse Ministério, suas finalidades e proposta de trabalho em uma próxima postagem. Além do novíssimo e de grande importância para garantia dos direitos da população indígena, o Ministério dos povos indígenas com a líder indígena e professora Sônia Guajajara.

O que estes  ministérios têm em comum? São organismos de planejamento, formulação, assessoramento e acompanhamento de políticas públicas em suas respectivas áreas. Atuando de forma transversal e intersetorial juntos aos demais ministérios. Não apresentam autonomia financeira, com recursos próprios para execução das políticas, devido ao seu escopo institucional, mas tem autonomia política e institucional para apresentarem e acompanharem as demandas advindas destes segmentos nas diversas áreas como saúde, educação, habitação, trabalho entre outros. 

Voltando para o tema proposto, apresentaremos o Ministério das Mulheres,  sua atual gestora e problematizar sobre algumas expectativas para a pasta e demandas urgentes, outras nem tanto, mas que carecem de planejamento e prioridade na sua execução como o combate ao assédio sexual, o estupro, a violência e a importunação sexual que tem crescido assustadoramente, de acordo com as  pesquisas apresentadas pelo  Instituto Patrícia Galvão, além dos casos de  violência contra mulher, que tem escalonado patamares elevados de violência a cada dia, além de outro tema urgente que é o  enfretamentamento a pobreza, miséria e precarização do trabalho das  mulheres, principalmente as mulheres negras, que constituem o grupo mais vulnerável socialmente e que estão no topo da pirâmide . Enfim, são tantas demandas que haja recursos e políticas para dar conta de reduzir minimamente estas questões, sem falar em outras áreas tão esquecidas e subjugadas como a educação, saúde e o trabalho. Nossa proposta aqui e apontar algumas iniciativas e   refletir sobre os desafios desta conjuntura no contexto das políticas para as mulheres no governo atual.

A Ministra Aparecida Gonçalves, conhecida como Cida Gonçalves, e Especialista em gênero e combate à violência contra a mulher, não é nova na pasta, ela integrou a equipe da SPM, no 1º governo de Lula em 2003. Ocupou a pasta como Secretária Nacional de Enfretamento a Violência contra as mulheres nos governos de lula e Dilma entre 2003 e 2016. E teve grande contribuição na elaboração da Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, já que compunha a época a equipe que tratou destes temas e projetos como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e o Programa Mulher Viver sem Violência, que será retomado pelo governo atual.

Em seu discurso de posse, ocorrido no dia 03 de janeiro de 2023, enfatizou que o Ministério das Mulheres, será de todas as mulheres, tanto as que votaram e que não votaram no governo Lula. Destacou ainda, que a diversidade e a pluralidade das mulheres que compõe nossa sociedade será o Norte nas decisões na formulação e planejamento das políticas definidas em sua totalidade.  Enfatizou que a inserção da mulher no mercado de trabalho e o combate à violência contra as mulheres, são os objetivos prioritários durante sua gestão. A casa da Mulher Brasileira e o fortalecimento das redes de apoio as mulheres vítimas de agressão e violência sexual, bem como a recuperação do Ligue 180, canal que serve como meio de informação, orientação e denúncia, serão suas prioridades. 

  Uma das ações neste sentido que reputo como fundamental e que vai em sintonia com as prioridades apresentadas pela Ministra Cida Gonçalves, foi a reunião ocorrida em 16 de janeiro deste ano, entre o Ministério da Mulheres e o Conselho Nacional de Justiça, presidida pela Ministra Rosa Weber, que tratou sobre o tema da garantia dos direitos das mulheres. Como resultado deste encontro definiu- se a   realização de um   mapeamento das ações e políticas desenvolvida pelos três poderes de ações que promovam a equidade de gênero, visando integrar e garantir a articulação e fortalecimento das redes que atuam no âmbito dos direitos das mulheres. 

Do mesmo modo, o Ministro da Justiça e  Segurança Pública Flávio Dino em conjunto com o Ministra das Mulheres Cida Gonçalves,  definiram em reunião  a retomada da Casa da Mulher Brasileira em várias cidades brasileiras e o disque 180, serviço de enfrentamento à violência contra a mulher, bem como o  relançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que prevê a entrega de viaturas policiais para serem utilizadas nas delegacias da mulher e nas patrulhas especializadas em casos da Lei Maria da Penha e o fortalecimento do Pacto nacional de enfrentamento ao Feminicídio. Medidas devem ser anunciadas oficialmente no dia 08 de março, dia dedicado a luta das mulheres.

Todas essas medidas apresentadas, são de fundamental importância e necessidade para a garantia de direitos e promoção da cidadania das mulheres brasileiras, mas tem que lidar com um orçamento inexistente para estas políticas, já que Bolsonaro cortou 70% de recursos destinados a políticas para as mulheres no orçamento de 2023, em relação ao ano anterior. E necessário ainda esclarecer como vai acontecer a intersecção entre o viés raça, classe, gênero e sexualidade, nas políticas apresentadas. Pois ainda não ouvi da ministra uma sinalização em priorizar ações para combater o racismo institucional e estrutural, e o trabalho precário e informal  que envolvem majoritariamente as mulheres negras, pois entendo que o componente  raça, classe e sexualidade   devem ser considerados na formulação e condução destas políticas, pois as mulheres negras e de comunidades tradicionais devem ser inseridas neste processo, afinal de contas são a  maioria das mulheres vítimas da violência, feminicídio exclusão , miséria e desigualdade social  que afetam as mulheres negras e pobres deste pais . Outro desafio que aponto e a necessidade de fortalecer iniciativas no campo da educação, como a inclusão de mulheres no mercado de trabalho, através da formação profissional, o cumprimento das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que obriga o ensino da história afro brasileira e africana e indígena  nas escolas, bem como a retomada dos Planos de Políticas para as Mulheres que tem a   promoção de uma educação, igualitária e antissexista, não homofóbica e não racista nas escolas como eixo prioritário.    

Pois creio, que um dos maiores desafios que a SPM, tem pela frente é a retomada das políticas afirmativas e inclusivas no campo educacional nesta perspectiva de gênero, devido ao debate ideológico e enviesado que se produziu no governos Temer e Bolsonaro com a fatídica  “ideologia de gênero”, que precisa ser novamente apresentado e ressignificado na sua dimensão teórica, política e conceitual.   Além da pauta do aborto e dos direitos sexuais e reprodutivos que tem sido o calcanhar de Aquiles de muitos governos, inclusive os progressistas, devido ao debate moral, ético e religioso que circundam esta questão. 

Me coloco na torcida para que essas políticas sejam efetivadas e que as mulheres possam ser objeto central dessas mudanças na garantia de direitos e cidadania, tao almejada por todos nós!

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Brincadeira de criança: Como educar para a igualdade a partir dos brinquedos.

A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente. (2004, Chimamanda Ngozi)

 

Por que devemos educar meninos e meninas para igualdade de gênero? Por que devemos educar homens e mulheres para serem mais felizes, livres de preconceitos e discriminações que tanto inferiorizam as mulheres e subalternizam as relações entre ambos? Precisamos criar nossos filhos e filhas de maneira diferente? Mas, por que, precisamos de uma educação que promova a igualdade de gênero e raça? Você, também, considera importante esta premissa, de que a educação igualitária, pode contribuir para mudanças de relacionamentos e comportamentos entre homens e mulheres?  E o que a simples, escolha de brinquedos para meninos e meninas, podem influenciar nesta mudança? E por onde começamos?

Então, é sobre este e outros temas que envolvem a educação para a igualdade de gênero, que vou me reportar neste texto. Dialogar sobre a importância da construção social do conceito de gênero em nossa sociedade, e como este produz os preconceitos e estereótipos através dos processos formativos que desenvolvemos E como educarmos meninas e meninas desde sua infância. Além de destacar como os brinquedos, que são destinados a eles, são instrumentos eficientes, de disseminação de ideias, valores que perpetuam e reproduzem as desigualdades entre homens e mulheres, desde muito cedo e contribuem para reforçar e legitimar estes estereótipos e preconceitos que refletem os padrões e valores culturais engendrados na sociedade. É bem verdade, que eles não são os únicos a contribuir neste processo, mas tem sua parcela de influência e colaboração. 

Início minhas reflexões, a partir das reflexões apresentadas pela autora Nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em seu livro, “Sejamos todos feministas” (2014), no qual discute sobre as bases das desigualdades entre homens e mulheres, a partir dos conceitos chaves do feminismo, sua relação com o conceito de gênero e as diferenças estabelecidas a partir do mesmo; onde afirma que, “o problema de gênero e que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero.” (p.9). Neste sentido, desconstruir esta formação e os valores inculcados ideologicamente no que se refere ao conceito de gênero e suas implicações, se faz necessário; leva tempo e requer disposição concreta para efetivar estas mudanças, pois devemos iniciar nossa incursão neste processo tão difícil e árido, nos questionando, sobre qual seria nosso papel, como pais, mães, educadores (as), avós, tios etc. Pois em nossa sociedade, temos  vários tipos de família, e neste sentido, devemos considerar todos aqueles e aquelas que lidam com a formação cotidiana de nossas crianças. 

Portanto, devemos iniciar nossa reflexão, nos perguntando, como podemos contribuir para “educar para igualdade”? Como promover uma educação livre ou isenta de preconceitos e estereótipos, ou seja, nos assentarmos sobre outros parâmetros e valores, conforme nos diz Chimamanda (2014), “é importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente”. E como devemos educar meninos e meninas, para um mundo mais justo e igualitário, e digo mais, sem preconceitos, de gênero, raça, sexualidade ou etnia. Pois, todos os preconceitos estabelecidos por estes marcadores sociais, geram prejuízos irreparáveis para a vida social, cultural e política destes grupos sociais. 

E neste sentido, devemos refletir sobre como educamos e ou “deseducamos”, os meninos e meninas em nosso meio social. Seja na escola, na família, na igreja, em clubes e associações e todos os espaços sociais que nos organizamos, estamos educando; e inclusive através dos brinquedos que compramos, e que muitas vezes se mostram inofensivos, uma diversão, um mimo para nossos(as) pequenos(as). Mas que no fundo, eles traduzem valores e reproduzem as assimetrias de gênero, bastante profundas em nossas vidas. E para isso precisamos indagar, sobre quais valores ou ideias reafirmamos nossa visão sobre os papeis que devem ocupar homens e mulheres em nossa sociedade?

Acreditamos que homens e mulheres, tem direitos iguais e que as mulheres, são sujeitos políticos de direitos e livres em suas escolhas, que precisam ser respeitadas e valorizadas? A escritora bell hooks, que nos deixou recentemente, falecida em 15 de dezembro de 2021. Uma grande referência na luta contra o racismo, em defesa do feminismo negro, escritora respeitada intelectualmente e reconhecida por sua atuação na luta dos direitos das mulheres, especificamente as mulheres negras; nos fala com bastante propriedade sobre o tema do feminismo e sua importância para esta educação igualitária.  Quando afirma que na maioria das vezes pensam que o feminismo, são um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens. Mas, que não compreendem, que o Feminismo, é a luta das mulheres por direitos, e direitos iguais. (hooks,2019).  Fato este, que gera, críticas e controvérsias por alguns que não reconhecem e compreendem a importância do movimento e seus objetivos, que é ação política das mulheres pela transformação social das relações de poder entre homens e mulheres em busca da igualdade de direitos no campo político, econômico, social e cultural. 

E por que, trouxe o tema do Feminismo, para este contexto? Para suscitar nossa compreensão sobre o assunto. As mulheres ao longo de décadas de história, buscam construir outras relações sociais, contra o sexismo, machismo e o racismo, fato este, que invisibiliza a luta das mulheres e suas conquistas por direitos. Pois existe um sistema patriarcal, que molda e legitima nossas ações, e subordina as mulheres as condições de inferiorização e submissão desta pseudo hegemonia. Ou seja, passamos a agir, a partir deste sistema, perfeito e reprodutor das desigualdades, onde “tudo que fazemos na vida está fundamentado em teoria. Seja quando conscientemente exploramos as razoes para termos uma perspectiva especifica, seja quando tomamos uma ação especifica, há um sistema implícito moldando pensamento e prática. (bell hooks, 2019, p.41).    

Portanto, devemos mudar estas relações de poder instituída e estruturadas na subalternidade e opressão das mulheres. Para que possamos fazer escolhas políticas e ideológicas de forma conscientes e assim contribuir para a igualdade de gênero, construindo um mundo, sem sexismo, racismo, machismo e todas as formas de preconceito e discriminação que tanto violam nossa autonomia e subjetividade. E nossas escolhas passam desde a escolha de uma linguagem não sexista e inclusiva na escola, baseada nas brincadeiras, leituras, bem como a escolha de brinquedos para nossos filhos e filhas! 

De fato, educar de forma consciente, requer mudanças de paradigmas e rupturas com as velhas e arcaicas tradições e valores herdados de nossos pais, resultados de uma sociedade sexista e machista na sua genealogia, provenientes das desiguais relações de gênero.  Pois, segundo afirma Camurça, (2004),

Gênero é um conceito útil para explicar muito dos comportamentos de mulheres e homens em nossa sociedade, nos ajudando a compreender grande parte dos problemas e dificuldades que as mulheres enfrentam no trabalho, na vida pública, na sexualidade, na reprodução e na família.  

 

Ou seja, os reflexos da desigualdade entre homens e mulheres, a incidência de violência contra as mulheres, a desigualdade salarial e a atribuições do trabalho doméstico as mulheres, entre outros resultados, nos dizem muito desta relação desigual em que as mulheres são submetidas, originada tanto deste perverso sistema econômico capitalista que vulnerabiliza e precariza o trabalho das mulheres, como das relações de gênero provenientes deste modelo machista e sexista que bem conhecemos. Pois as partir das representações de gênero segundo a autora, se estabelecem os papeis a serem cumpridos por homens e mulheres, entre as mulheres e a relação entre os homens, onde a sociedade cria as “relações de gênero”, gerando desta forma as assimetrias de gênero e a hierarquização do poder, pois as relações de gênero produzem relações desiguais de poder. E seguindo este raciocínio das relações de gênero e de poder. Atribuímos valores e prestigiamos a comportamentos e características masculinas em detrimento da feminina. O que vimos se reproduzir nas profissões, nos espaços políticos, nos cargos nos topos das gerencias e na academia, ou seja a hegemonia masculina no topo. Mas ainda bem que estamos mudando esta realidade e hoje ocupamos lugares diversos e plurais, estamos rompendo aos poucos com estas representações desiguais de gênero.   

Acompanhando estas representações de gênero e seus efeitos na sociedade, vamos refletir sobre nossas opções pelos brinquedos e ver como eles se encaixam nestas representações? Você é daqueles e daquelas que compram para as meninas, bonecas, panelinhas, conjunto de cozinha, ferro de passar entre outras coisas que reforçam o papel da mulher no trabalho doméstico e o cuidado da família; que reservam a elas o espaço privado do lar e o papel de cuidados na família. Já comprou aquele bebê branco, onde as meninas são ensinadas a dar banho, trocar fralda e dar mamadeira, reproduzindo mais uma vez os estereótipos, do lugar da mulher, em casa e cuidando dos filhos? Vamos refletir, será que estas brincadeiras e brinquedos, reforçam e reproduzem estigmas e estereótipos quanto aos papeis sociais desempenhados pelas mulheres na sociedade e reproduzem as desigualdades e diferenças?

E os brinquedos dados aos meninos? são carros, bonecos de guerra, de filmes, heróis de quadrinhos sempre fortes e imbatíveis, além de miniaturas de tanques de guerra, castelo, posto de gasolina, campo de futebol, bolas e armas. O porquê destas escolhas? De onde saiu sua opção por estes brinquedos, selecionados por gênero e sexo? Por que os brinquedos dos meninos, simbolizam força, coragem, inteligência e perspicácia e o brinquedo das meninas traduzem, fragilidade, meiguice, cuidados e amabilidade? Já parou para pensar que estas características definem os papeis, características e habilidades que eles devem   apresentar ao longo da sua vida? 

A escritora bell hook nos dizia que a maioria de nós mulheres fomos socializadas para aceitar os pensamentos sexistas, desde cedo somos educadas que homens e mulheres ocupam papeis e lugares diferentes em nossa sociedade. E os brinquedos reproduzem estes modos de pensar, agir e se comportar. Eles nos ensinam que as mulheres são para cuidar da família, e por isso desde muito cedo, os brinquedos servem como pequenos laboratórios para ensinar o “ofício” de ser mãe, dona de casa e cuidadora do lar. As panelas nos ensinam a cozinhar, a fazer as prendas do lar, as miniaturas das máquinas de costura, nos ensinam a costurar, ou seja, “tarefas exclusivamente femininas”. Reafirmando o que disse Camurça (2004), “As relações de gênero determinam os comportamentos masculinos e femininos que devemos ou não devemos ter em cada etapa da vida.” E os brinquedos são uma extensão desta modelagem em uma etapa de nossa vida.

E porque os meninos não são atribuídos estas responsabilidades desde cedo. Eles crescem sabendo que o papel destes cuidados da casa e da família, é único e exclusivamente da mãe, avô, irmã, tia. Ou seja, de uma mulher, nunca de um homem. Eu penso, que já temos mudanças significativas neste processo, em que já temos alguns homens, assumindo esta responsabilidade das tarefas de casa e cuidados da família, mas ainda são tão ínfimas as mudanças, o que ainda vemos com frequência é   a sobrecarga do trabalho doméstico e da dupla jornada, ainda sobrecai sobre os ombros das mulheres.

A matéria publicada no Correio Braziliense, denominada “Não diferenciar brinquedos de meninos e meninas é ferramenta para igualdade”, das especialistas, Valeska Zanelo- Psicóloga e Andreia Ono-Educadora. No texto elas destacam que “da construção social dos papeis masculinos e femininos surgem preconceitos que se refletem no uso dos brinquedos.  É o que chamam de estereótipos de gênero: a crença de que certos comportamentos e certos objetos são naturalmente; de meninas; e outros; de meninos;”. É de fundamental importância, que os brinquedos possam refletir outros valores e ideias, que possam ser diversos e que não limitem as possibilidade e potencialidades que os meninos e meninas expressam na sua infância e nem gerem e reproduzam estereótipos. Como nos disse Camurça, gênero e um conceito socialmente e culturalmente construído e que deve ser desconstruído, promovendo uma educação igualitária e sem restrições ou estigmas. 

A psicóloga Valeska Zanelo, afirma que é a reprodução da  já conhecida tecnologia de gênero” da  escritora americana Teresa de Lauretis ,onde afirma que a tecnologia de gênero, são produtos culturais que não só representam diferenças e estereótipos em relação ao gênero como incitam essas diferenças e criam realidade”. Zanelo também destaca que observa que um dos maiores fatores de desempoderamento da mulher é o dispositivo amoroso; na nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas. As mulheres são ensinadas a amar os homens”.  E o que nos lembra Chimamanda Ngozi, quando afirma que “Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente”.

Que tal começarmos por aí, construindo espaços mais saudáveis, interativos, e criativos, com brinquedos que estimulem a criatividade, inteligência, coragem e a responsabilidade entre meninos e meninas. Sem definição de rótulos e estereótipos de gênero, raça, sexualidade, sem denominar “coisas de meninos e meninas”. Uma sociedade igualitária começa desde a infância, com práticas, experiências e comportamentos que estimulem a igualdade e o respeito na prática em seu cotidiano. Só assim poderemos sonhar com uma sociedade de homens e mulheres “mais felizes”. Livres de amarras e preconceitos!

 

Referências:

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

hooks, bel. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução Ana Luiza Libânio. – 4 ed. -Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. 2019. 176p.; 21cm.

 Não diferenciar brinquedos de meninos e meninas é ferramenta para igualdade. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2018/10/08/interna_revista_correio,711080/nao-diferenciar-brinquedos-de-meninas-e-de-meninos-promove-igualdade.shtml. Acesso  em 18 de novembro de 2021.  

CAMURÇA. Silvia; GOUVEIA, Taciana. O que é Gênero.4ª ed. – Recife: SOS CORPO. Instituto Feminista para a Democracia. 2004. 40p. – (Cadernos SOS CORPO. v I.). 

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Qual o lugar ocupado pelas mulheres negras na sociedade?

As mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher não tem reconhecido, assim como não tem dado conta da diferença qualitativa que o efeito da opressão sofrida teve e ainda tem na identidade feminina destas mulheres. (Carneiro, Sueli, 2019, p. 313).

 

Inicio este texto, trazendo a reflexão da escritora Sueli Carneiro, no que se refere ao peso das opressões que as mulheres negras carregam, decorrente das múltiplas discriminações e preconceitos, resultantes do racismo e sexismo, marcas da brutal exploração e violência praticada pelo colonialismo contra as mulheres negras, o que subordinou e hierarquizou as   relações de gênero e raça na sociedade. Construindo a partir daí, o processo de objetificação e coisificação dos corpos das mulheres negras, conforme afirma Carneiro (2019), “a violência sexual colonial, é também o cimento de todas as hierarquias de gênero e raça, presentes em nossa sociedade”.  Em que as mulheres negras, foram vítimas do abuso sexual e das inúmeras violações de direitos que resultaram nas desigualdades sociais e estruturais que conhecemos hoje, invisibilizando desta forma, suas lutas e conquistas!

Falar sobre a ausência das mulheres negras na sociedade e o seu não lugar nos espaços sociais, requer recuperar a história e trajetória destas mulheres, vítimas das discriminações e preconceitos devido ao seu pertencimento racial, o que provocou o silenciamento e a subalternidade nas relações sociais, no contexto de uma cultura cisheteropratriarcal, que não reconhece os diferentes e a pluralidade existentes nestes processos de luta e resistência. Como afirmava Lélia Gonzalez (1982), “ser negra e mulher no Brasil, repetimos, é ser objeto de tripla discriminação, uma vez que os estereótipos gerados pelo racismo e sexismo a colocam no mais baixo nível de opressão”. O que culmina para a exploração da mão de obra, a dupla jornada de trabalho, bem como a precarização e a desvalorização de seu trabalho. 

É necessário compreender que “as mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher não tem reconhecido, assim como não tem dado conta da diferença qualitativa que o efeito da opressão sofrida teve e ainda tem na identidade feminina destas mulheres” (CARNEIRO, 2019).  Reconhecer estas diferenças e o processo de exploração vivenciado por estas mulheres, nos ajudam a compreender as origens das desigualdades sociais  e políticas  em áreas como emprego e renda, educação, saúde moradia, representatividade política, dentre outros. Buscando elucidar e combater estas opressões, “o projeto feminista negro desde sua criação, trabalha o marcador racial para superar os estereótipos de gênero, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global (Akotirene, 2019).

 Precisamos conhecer e analisar estas desigualdades, com base em uma perspectiva feminista interseccional, entendida antes de tudo “como uma lente analítica sob a interação estrutural em seus efeitos políticos e legais” (AKOTIRENE, 2019), no sentido de compreender quais os efeitos dos estereótipos de gênero, raça e classe na construção das desigualdades e como atuam para exclusão e invisibilidade destas opressões. O que Carneiro (2019), já nos alerta em que “o que não depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histórica hegemonia masculina, mas exige também a superação das ideologias complementares deste sistema de opressão, como no caso do racismo. Fato este que corrobora apara acentuar os níveis de desigualdades e o privilégio de classes obtido pelas mulheres brancas em várias situações como podemos destacar nos dados seguintes. 

Os  dados estatísticos do  Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), de 2019, destaca que as mulheres negras ainda ocupam as piores condições de trabalho como, o subemprego, o trabalho informal e precarizado, com direitos trabalhistas flexibilizados, como ocorre no caso do trabalho doméstico, onde as mulheres correspondem a 92% da força de trabalho e em sua maioria mulheres negras, que sofrem com a baixa escolaridade, visto que são  oriundas das classes empobrecidas e vulnerabilizadas  socialmente. Sendo que, deste percentual de trabalhadoras doméstica somente 30% possuem carteira assinada, o que precariza ainda mais suas relações sociais e de trabalho.

  Ainda, sobre os dados estatísticos, os indicadores sociais das mulheres no Brasil do IBGE de 2019, comprovam a segregação e a exclusão das mulheres negras no acesso à educação, onde ainda persiste as diferenças, oriundas dos marcadores de gênero, raça e classe. Como no caso do atraso escolar, proveniente da repetência e ou abandono escolar, entre jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, onde as mulheres brancas, representam 19,9, e as negras de 30, 7% deste atraso escolar. Isso significa dizer, que as mulheres negras tardam muito mais a completar seus anos de estudo, decorrente de inúmeras situações, como cuidados da casa, falta de condições materiais e estruturais para manter-se na escola, a necessidade de trabalhar para ajudar na renda da família desde muito cedo, já que necessitam garantir sua subsistência e de sua família, sendo que, estes fatores contribuem sobremaneira, para o sucesso ou abandono escolar e a repetência. 

Realidade esta que se repete no ensino superior, onde as mulheres brancas têm o dobro do percentual (23,5), do que as mulheres pretas e pardas que representam (10,4), referente ao curso superior completo. Outro fato importante, apresentado na pesquisa, é a diferença quanto aos homens negros, que no total representam 7,0 deste percentual mencionado aos homens brancos com 20, 7%. O que mais uma vez constatamos o peso do racismo estrutural. Vale ressaltar que nesta conjuntura educacional as mulheres negras formam maioria nas universidades brasileiras, segundo pesquisa PNAD do IBGE, onde elas representam 27% deste contingente universitário. Fato este, que podemos atribuir, sem dúvida nenhuma a Lei 12.711 de 2012, a chamada Lei das Cotas Raciais, que promoveu o acesso a população negra e pobre de nosso país ao acesso ao ensino superior.

 As Políticas Afirmativas são fundamentais para promover a inclusão social e reparar as desigualdades históricas e sociais oriundas desde o processo de escravidão até os dias atuais. 

No que se refere a representatividade política das mulheres negras, ainda estamos bem distantes do que deveria representar a realidade brasileira, já que as mulheres são maioria da população brasileira, e as mulheres negras representam 25% deste percentual, sendo o maior grupo da população no Brasil, tendo em vista que a população negra corresponde a 56% desta população, um percentual bastante representativo e que merece refletirmos sobre estes dados.  Infelizmente os dados representados, ainda estão bem distantes do real, no campo da representatividade política, onde as mulheres negras representam apenas 3% dos (as) parlamentares eleitos (as) na Câmara Federal em 2018, segundo o relatório “Democracia Inacabada- um retrato das desigualdades brasileiras, da Oxfam Brasil. Do total de 513 Deputados (as) na Câmara Federal, apenas 12 mulheres negras foram eleitas e 01 apenas no Senado, o que demonstra a falta de sintonia com os números da maioria geográfica e ainda o reconhecimento  de sua identidade racial.

Neste quesito da participação das mulheres no parlamento nacional, o Brasil ocupa a 133ª posição no Ranking Mundial, dentre os 192 países participantes neste acompanhamento. O que reflete a baixa representatividade das mulheres na política.  Apesar de algumas ações afirmativas criadas para estimular a participação feminina e o aumento da representatividade política, como a Lei de Cotas de 1997, que garantiu uma reserva de no mínimo 30% das vagas para mulheres nos partidos e coligações. Outro fator importante foi a decisão do TSE de 2018, que estabeleceu um repasse do valor de 30% das verbas do fundo partidário para candidaturas femininas, bem como o aumento no tempo de propaganda eleitoral. Iniciativa bastante positiva e que contribuiu significativamente para o aumento da representatividade das mulheres nas eleições de 2018, mas que ainda não vimos impactar numericamente nos dados concernentes a presença das mulheres na política, inclusive as negras, que ainda veem o peso do racismo estrutural e do sexismo definindo a ocupação destes espaços.

A Carta da Mulheres Negras aprovadas em 2015, na Marcha Nacional das Mulheres Negras, destaca que “as mulheres negras e seu legado civilizatório, precisam ganhar visibilidade, para além dos estereótipos correntes, capaz de conferir a elas o estatuto de humano”. O que se percebe, no nível de aprofundamento das desigualdades estruturais enraizadas no campo institucional e político, o que reflete a falta do reconhecimento de suas identidades, saberes, conhecimento e sua cultura.  “A ausência das mulheres negras nas raias do poder deriva diretamente da falta de reconhecimento de sua capacidade de partilhar o comum, de sua plena humanidade, que a faz partícipe da coisa pública”. (Carta MN, 2015).

Em 2015, a ONU proclamou o período de 2015 a 2024, como a “Década Internacional dos Afrodescendentes”, como forma de exigir da comunidade internacional e dos organismos públicos, o reconhecimento, a justiça e a Democracia, deste segmento, cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos. Significa, exigir dos governos locais, a reparação das desigualdades historicamente construídas desta população, em especial as mulheres negras que constituem o grupo mais vulnerabilizado socialmente em decorrências do racismo e sexismo, que estruturam as relações sociais.    

Promover ações de visibilidade das mulheres negras, suas trajetórias, experiências e o reconhecimento de seus saberes e sua humanidade, nos permitem construir novos alicerces éticos e políticos, engendrados nas desconstruções do racismo, sexismo, da misoginia, LGBTfobia e tantos outros marcadores sociais que excluem, oprimem e silenciam nossos corpos. Precisamos construir um mundo do bem comum, da equidade racial, dos valores do bem viver, da justiça social e da solidariedade. Só assim, podemos lograr melhores resultados de inclusão e participação das mulheres negras em nossa sociedade. E assim, responder com mais segurança, sobre qual o lugar que as mulheres negras ocupam na sociedade.

 

Referências:

Akotirene, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 

Carneiro. Sueli. Enegrecer o Feminismo: A situação da mulher negra na América Latina, a partir de uma perspectiva de gênero. In: Pensamento Feminista; conceitos fundamentais, et al. Organização Heloisa Buarque de Holanda.  Rio de Janeiro.  Bazar do Tempo, 2019.440 p.

AMNB. Carta das Mulheres Negras contra o Racismo. Brasília. 2015. Disponível em:  http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Carta-das-Mulheres-Negras-2015.pdf

IBGE- Estatísticas de Gênero- Indicadores sociais das mulheres no Brasil- Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e socioeconômica. 38. Brasília. 2019.

González. Lélia. A mulher negra na Sociedade brasileira. In: O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Organização de Madel T. Luz. Rio de Janeiro. Edições Graal. Coleção Tendências. vol. 1. 1982.

Oxfam Brasil. Relatório Democracia Inacabada- um retrato das desigualdades brasileiras. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/democracia-inacabada/. Acesso em 22 de out de 2021.

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Colunistas Socorro Silva

A FEMINILIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM DESCOMPASSO COM A VIDA DAS MULHERES

“Precisamos encorajar mais mulheres a se atreverem a mudar o mundo”.
(Chimamanda Adichie Ngozi)
Recebi com muita honra o convite pela Revista Matracas, para contribuir com o debate, político e teórico a partir de nossas experiências e reflexões sobre o tema da educação, analisadas em contexto das diversas interseções que cruzam nosso papel político e pedagógico, em nosso fazer docente. Questões, que são atravessadas por decisões políticas e conjunturais, que de conjunto invisibilizam e excluem a participação das mulheres, suas lutas e conquistas das tomadas de decisões. E dentre tantos temas que circundam minha militância profissional e política, iniciei minha escrita, falando justamente desse lugar que as mulheres ocupam no magistério, sua importância, e representatividade na profissão, além de ressaltar o descompasso dessa maioria representada com sua realidade. Espero que nos acompanhem neste diálogo e que nos enviem, sugestões e contribuições sobre os temas propostos, para estabelecermos essa troca dialética entre os textos aqui apresentados.
Pois, bem, início o texto destacando a citação da escritora Nigeriana
Chimamanda Ngozi, onde ela destaca a importância de incentivarmos mulheres a mudar o mundo, o que precisamos estabelecer diariamente como princípio de nossas ações em todos os espaços que ocupamos, para que mais mulheres estejam presentes e representadas. e que assim, contribuam para transformar esta realidade tão adversa e desigual que as mulheres se encontram, apesar das significativas mudanças, políticas e estruturais já conquistadas.
As mulheres são maioria no magistério brasileiro, todos nós sabemos disso, pois, representam mais de 83% das professoras no magistério na Educação Básica, segundo os dados do Censo Escolar de 2019. O que precisamos saber é se, sendo a maioria no magistério, elas possuem alguma atenção e valorização referente as questões que envolvem sua vida cotidiana na profissão, como o tema do trabalho doméstico e a vida profissional, relacionados à saúde e ainda quanto a valorização profissional. Estas questões permeiam seu cotidiano escolar e ficam na
invisibilidade dos órgãos públicos quanto a atenção e prioridade que deveriam ter por serem maioria na profissão.
O documento “Perfil do Professor da Educação Básica”, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), em 2018, que teve como base o Censo Escolar de 2017, afirma que as mulheres representam 81% do segmento profissional, configurando- se como maioria, desde a Educação infantil até as etapas finais do Ensino Fundamental. Sendo que no ensino Médio este percentual vai se modificando com a presença masculina neste nível de ensino, onde, elas representam 59% deste contingente profissional nesta etapa escolar. O que nos cabe refletir sobre este contexto, e o que gera esse fenômeno da feminização do magistério? Como se forma esta maioria e por que o magistério se torna uma profissão prioritária para estas mulheres? E como este fenômeno se articula com a vida das mulheres? E o que vamos buscar dialogar sobre o tema em questão.
Começo destacando que a feminização do magistério, tem bases históricas e políticas, e se acentuou no Brasil, a partir da década de 90, quando da entrada das mulheres na profissão. Louro (2009), afirma que nas décadas finais do século XIX, apontam, pois: para a necessidade da “educação da mulher”, vinculando-a a modernização da sociedade, a higienização da família, e a construção da cidadania e dos jovens. É neste contexto, que surge a “educação da mulher”, associada aos “cuidados da família”, como responsável pela educação dos filhos e filhas, providas de valores morais e cristão, se configurando como pilar e sustentáculo da família, cabendo a ela a harmonia neste ambiente.
É muito interessante que as mulheres foram “permitidas” ao ingresso na carreira do magistério na época, desde que cumprissem com estes requisitos, definidos como essenciais para ela ingressar na profissão, o que não era exigido na mesma proporção aos homens professores que assumiam o magistério à época. Além do que, as escolas femininas, as chamadas “Escolas Normais”, apresentavam disciplinas nos seus currículos que reforçaram ainda mais este papel e concepção
do magistério, vinculada ao cuidado doméstico e da família. As disciplinas como psicologia, puericultura e economia doméstica, dentre outras, estabelecendo o diferencial na formação profissional entre homens e mulheres, ratificando o magistério como uma extensão da maternidade, (Louro, 2019), sendo compreendido como uma aptidão natural e quase vocacional do cuidado das mulheres com as crianças. E a partir daí iniciamos o processo de feminilização do magistério com a
predominância feminina em todas as áreas de ensino, especialmente na educação infantil.
O que podemos comprovar atualmente, através dos dados apresentado pelo INEP, em 2018, onde destaca que 96% do magistério na educação infantil é do sexo feminino. Por que será que a maioria são mulheres, neste nível de ensino? Será que ainda hoje estes valores e características, estão vinculados às “aptidões femininas”, que tem este requisito para acesso a este nível de ensino? Ou as aptidões como os cuidados com as crianças e adolescentes, ainda estão vinculados a figura materna que as mulheres expressam na educação? O que pode vir a responder pelo número expressivos de mulheres na profissão.
Neste sentido, de acordo com LOURO (2019), o magistério passou a ser uma profissão tipicamente feminina, onde as mulheres, “apresentavam” as características necessárias para o exercício da docência como “ paciência, amorosidade, bondade e afetividade.ao exercício da profissão, fundamento este que levou muito dos homens a justificarem sua saída da profissão e buscar outras profissões que fossem mais rentosas, abrindo o campo para a feminilização do magistério e consequentemente a desvalorização da profissão, com a pouca atratividade e interesse pela mesma, inclusive nos dias de hoje! O que apesar de se tornar um reduto majoritariamente feminino, não está isenta das desigualdades e discriminações que ocorrem nas outras profissões, relacionadas a pirâmide ocupacional, como aponta, Bruschini e Amado (2018).
Exemplificamos, para isso, a consequente redução das mulheres professoras no magistério superior, segundo dados do INEP de 2019, justamente onde os salários são maiores, inclusive contrariando os dados referentes à formação superior, onde as mulheres representam 46%8 dos formados, tanto nos cursos de Graduação e Pós-graduação. Por isso, nos questionamos, por que as mulheres, que têm o maior nível de escolaridade e formação, não são maioria nesses níveis de ensino?
Pois bem, precisamos avançar neste debate e incidir efetivamente em defesa e apoio das políticas públicas junto a estes segmentos, pois quando problematizamos no que se refere, a feminização do magistério, e o descompasso com a vidas das mulheres, nos referimos a essas desigualdades estabelecidas no campo social, político e cultural, fato estes que afetam sobremaneira a vida das mulheres professoras, principalmente as professoras negras, que ainda vem o peso do racismo estrutural, hierarquizando e pautando as opressões e discriminações de
gênero, que vivenciam em seu dia a dia e que bem conhecemos. Neste sentido, destacaremos alguns dos fatores, responsáveis por estas desigualdades e que impulsionam esta realidade; como as desigualdades salariais, a sobrecarga do trabalho doméstico vinculado à jornada de trabalho; a falta de representatividade política nos cargos de gestão, todos estes associados às desigualdades de gênero e raça.
O Censo Escolar de 2020, publicado pelo INEP, mostra claramente as
desigualdades, salariais entre homens e mulheres na educação, o que destoa frontalmente, da realidade apresentada, quanto ao percentual feminino, maioria na Educação Básica, onde os salários são mais baixos em relação aos pagos no ensino médio e no magistério superior, onde a maioria é composta por professores homens. Sendo que na educação básica os salários são mais baixos e dependendo da região, isso pode ser bem pior, onde muitas vezes nem o Piso Salarial do Magistério hoje no valor pago é de 2.886,24. Onde muitas prefeituras não pagam o salário-mínimo devido as justificativas de “receitas”. E quem vai sair em desvantagem são as professoras que atuam neste nível de ensino.
Outro descompasso com a vida das mulheres professoras, é a sobrecarga de trabalho doméstico, onde mulheres já trabalhavam mais de 8,1 horas semanais do que os homens, conforme informe da ONU Mulheres de 2019, conciliando o trabalho remunerado, exercido fora do lar com os afazeres domésticos e os cuidados pessoais com a família e outros dependentes, a chamada “dupla/ tripla jornada”, situação esta, que nesta pandemia chegou a duplicar essas horas de trabalho, em que a jornada média das mulheres passou a ser de 24 horas semanais em relação a 12 horas em média ocupada pelos homens, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019.
A pesquisa denominada “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia realizada pela organização Gênero e Número e SOF- Sempreviva Organizaçao Feminista, publicada em 2020, destaca o quanto a vida das mulheres seguiu impactada pela crise sanitária e o isolamento social, que segundo os resultados apresentados, ressalta que “50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém nesta pandemia; 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco; 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena e que 58% das desempregadas são negras”. Estes dados revelam o quanto a vida das mulheres sofre com o peso das desigualdades, que estruturam esta realidade, contribuindo para a precarização e a informalidade das mulheres negras, sem contar que o tema do trabalho doméstico precisa ser inserido nas dinâmicas reais de políticas públicas destinadas às mulheres, em especial as mulheres negras.
Em relação ao magistério, as mulheres professoras chegaram a ser impactadas profundamente em até 82,4%, de sua jornada de trabalho, demonstrando como esta sobrecarga afetou sobremaneira o trabalho docente no ensino remoto. A Revista Mátria de 2020, publicada pela Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE), destaca no artigo denominado “A pandemia impacta a vida das professoras em todo o país”, em que a matéria relata que, “A complexidade mostrada diz respeito não apenas ao ensino remoto, mas a pontos relacionados à falta de formação adequada para o novo contexto, à sobrecarga de trabalho e ao próprio sentimento em relação ao momento vivido”. Importante ressaltar que a maioria destes profissionais da educação, são mulheres que atuam na educação básica e que notadamente, a sobrecarga de trabalho, acompanhada do aumento do trabalho doméstico, como já vimos acima, recairá sobre elas.
Entendendo que a sobrecarga de trabalho, no magistério, refere.se neste caso, segundo a reportagem, a falta de limitações para o exercício do trabalho docente que passou a não ter limitação de horários, em decorrência das demandas de atendimento dos alunos(as), durante o dia, a noite, se estendendo pelos finais de semana, conforme relatou a professora entrevistada na matéria, “Para nós, professoras mulheres, a jornada de trabalho triplicou. O cansaço físico e mental foi desgastante e sinalizou várias vezes, de forma negativa, na saúde mental e na relação com as pessoas que compartilham a vida debaixo do mesmo teto”. Esse relato exemplifica como a vida das professoras sofreram profundas mudanças nesta pandemia, que desestruturaram sua rotina e sua vida pessoal, além de evidenciar a falta de compromisso dos governos locais com esta categoria, pois não planejaram suporte algum, em apoio político, pedagógico, psicológico e financeiro, para atender as demandas provenientes desta pandemia. E muito menos conseguem compreender esta realidade, onde as mulheres são maioria no magistério e onde não são maioria deveriam ter um tratamento diferenciado devido às especificidades que vivenciam por serem mulheres.
Outro fator que destacamos como parte do descompasso neste processo e a baixa representatividade das mulheres nos cargos de gestão da educação brasileira, que ainda apresenta resultados não satisfatórios, comparados com a representação das mulheres na sociedade. Pois, representamos mais de 52% da população brasileira, 52% do eleitorado, 68,3% de docentes na educação básica, maior nível de formação superior do que os homens. Porém, no cômputo geral, em relação a ocupação dos cargos na administração pública, somos minoria, conforme aponta o documento denominado “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, publicado pelo IBGE em 2019, onde representamos, 39,1 % dos cargos ocupados contra 60,9% dos ocupados pelos homens. Na área da educação as mulheres são maioria ocupando cargos de gestão da rede municipal, como diretoras, porém no que concerne a esta representação na Rede Estadual, Educação Profissional e na Educação Superior, não chegamos a ocupar 3% nos cargos na gestão, pública, e quanto mais altos os cargos, mais reduzida fica nossa  presença neste setor.
Embora percebamos um crescimento gradativo nestes percentuais ao longo dos anos, o que se deve, às mulheres estarem mais presentes na vida pública, com maior engajamento e participação nas decisões de cunho administrativo, acadêmico e político em suas instituições. E O que louro (2018), destaca “que a escola é atravessada pelos gêneros; é impossível pensar sobre a instituição sem que se lance mão das reflexões sobre as construções sociais e culturais de masculino e feminino”, associando a estes temas o racismo, machismo e sexismo, fatores que são estruturantes nestes espaços escolares, que cuidam de invisibilizar as mulheres e limitam sua capacidade para ocupar estes espaços como deveriam.
Como podemos acompanhar durante estes apontamentos, é que o magistério na educação básica é uma profissão, ainda de predominância de mulheres, brancas e com formação superior completa como a maioria dos professores na educação brasileira, sendo que as professoras negras e indígenas, ainda são sub-representação nesta categoria, apesar de apresentarem formação superior adequada. Destacamos ainda que no magistério brasileiro, em outros níveis de ensino, como a educação superior e na educação profissional, sendo essencialmente composto em sua maioria por homens, brancos, que ocupam o topo da pirâmide na gestão pública e dos mais altos salários na profissão. Observando que o gênero e a cor/raça, são determinantes para ocupação e hierarquia nas estruturas de poder na educação brasileira.
Estas reflexões nos remetem a pensar urgentemente, em ampliar e garantir nossas vozes e mobilizações para modificar este quadro na educação. Ampliando as lutas das mulheres na sua pluralidade e diversidade, neste status social educacional na qual estamos ainda invisibilizadas, silenciadas e excluídas dos processos de poder e decisão não só na educação, mas em todos os outros espaços da vida pública. Superar as desigualdades ainda existentes entre homens e mulheres, principalmente no que se refere à cor, raça, sexualidade, classe social e etnia é um dos compromissos prioritários na construção da igualdade e equidade em nossa sociedade.

 

Obs: imagem disponível em https://www.geledes.org.br/estudo-analisa-mulheres-e-negras-na-educacao-brasileira/