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Importunação sexual e assédio sexual: o que diferencia um do outro?

Os dois institutos penais acontecem na prática com frequência.  De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, até 2022, 78 mil casos de importunação sexual foram registrados. Estima-se que o número pode ser maior, considerando que muitas mulheres não conseguem identificar quando estão sendo vítimas dessas situações. 

Apalpar as nádegas, tocar nos seios ou em outras partes íntimas da mulher, tentar um beijo forçado, esfregar o pênis no corpo da mulher, além de ejacular são algumas das práticas que caracterizam o crime de importunação. 

De acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça, até junho de 2023, os Tribunais receberam 26 mil ações do crime de Importunação Sexual. Esse delito foi incluído na legislação penal, através da Lei n°13.718/18, que surgiu para dar uma resposta depois de um caso ocorrido em 2017. Na situação, uma mulher dentro de um ônibus foi surpreendida com a conduta de um passageiro ao se masturbar, chegou a ejacular em seu pescoço. O homem foi preso em flagrante, mas colocado em liberdade logo em seguida. Na justificativa, a conduta não tratava de estupro, mas de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Decreto-lei nº 3.688/41), e não autoriza, isoladamente, a decretação da prisão preventiva (art. 313 do CPP). Ao ser colocado em liberdade, após 4 dias, o homem é flagrado mais uma vez praticando o mesmo ato. A partir de toda uma pressão midiática e uma discussão a respeito da correta tipificação da conduta do agressor, entra no Código Penal o Art. 215-A que determina: 

Código Penal – Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Importunação sexual (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

 

Praticar qualquer ato de conotação sexual com objetivo de satisfazer a lasciva pessoal ou de um terceiro em que não há o consentimento da vítima, sem que aconteça a conjunção (nesse caso acontece o crime de estupro), é tipificado como importunação. Atos dessa natureza podem acontecer em ambiente de trabalho, como em transportes públicos, parques, lojas, cinema, nos mais diferentes ambientes. O sujeito ativo, ou seja, a pessoa que comete o crime pode ser qualquer pessoa, o que torna o crime comum.

Em quais situações teríamos o crime de assédio sexual? Assim como o tipo penal já mencionado nesse texto, a doutrina entende que existe a necessidade de proteção à liberdade sexual, dignidade sexual e das relações trabalhista-funcionais (De SOUZA, 2021). O Anuário de Segurança Pública divulgou, em junho deste ano, que os casos de denúncia de assédio sexual no ano de 2022 aumentaram para 49,7%.

O crime de assédio entrou no ordenamento jurídico com a Lei n°10.224/01, com o surgimento então do art. 2016-A que diz: 

Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

  • 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).

 

Uma das diferenças essenciais entre a importunação e o assédio está em quem pratica o segundo tipo penal. O assédio sexual exige a condição de hierarquia, mais frequente nas relações de trabalho, em que alguém na posição de superioridade constrange o outro a ter algum tipo de relação íntima. De acordo com Luciano Anderson, “… a figura delituosa exige por parte do agente um aproveitamento da condição de superioridade hierárquica ou ascendência inerente ao cargo”. 

Algumas das situações que caracteriza o crime de assédio sexual é o chefe que convida a vítima para manter relação sexual condicionado a promoção dentro do cargo. Por ser um crime de forma livre, podem acontecer por meio de mensagens escritas, gestos e etc. o sujeito ativo no crime de assédio sexual é alguém que está numa posição de superioridade em relação a vitima, o que torna o crime próprio (são aqueles em que se exige uma qualidade ou característica especial do sujeito ativo). 

Uma realidade mostrada com os dados aqui apresentados é que mulheres brasileiras, constantemente, são vítimas dos dois tipos penais. Especialistas afirmam que mulheres ainda sentem medo de procurar ajuda e principalmente de realizarem a denúncia. 

As mulheres que passarem por alguma das situações descritas, podem buscar uma delegacia especializada em atendimento às mulheres ou nos crimes de gênero. Também é possível fazer a denúncia por meio do Disque 180. 

 

Referência: 

Direito penal / Luciano Anderson de Souza. Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2022.

Site TJDF: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/importunacao-sexual-x-assedio-sexual

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Violência Patrimonial: como reconhecer e buscar ajuda?

Finalizada as atividades do Agosto Lilás, foi possível perceber que muitas mulheres ainda seguem em dúvida quando o assunto é violência doméstica e familiar. Para muitas, a violência só acontece quando deixa marcas visíveis, através da violência física. E se para algumas mulheres é difícil reconhecer a violência psicológica, imagina  a violência patrimonial.
Apresentada a partir do artigo 7°, inciso IV, a violência patrimonial pode ser entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. E para quem é vítima, atitudes que caracterizem esse tipo de violência, nem sempre é fácil identificar.

Para esclarecer como de fato acontece segue alguns exemplos: quando a mulher trabalha, mas o esposo retém toda a remuneração sem deixar que essa mulher tenha autonomia financeira nenhuma ou, sequer, tenha conhecimento sobre valores que ganham; quando o marido, em um ato de violência, danifica algum instrumento de trabalho de sua esposa, como uma máquina de costura, por exemplo. Quanto aos casais que são casados em regime de comunhão parcial de bens – um dos regimes de casamento mais comuns realizados nos cartórios brasileiros –  os bens adquiridos por cada um após o casamento, é considerado comum ao casal e, no caso de separação, será partilhado de forma igualitária entre os dois, independente de quem contribuiu para sua aquisição.

Lembrando que há casos em que, na tentativa de ocultar bens da esposa, o homem compra carros, casas e outros objetos de valores em nome de terceiros. E assim, num eventual divórcio do casal, essa mulher precisará através da apresentação de provas, comprovar que aquele bem foi adquirido por seu ex-cônjuge durante a constância do casamento.

Vale ressaltar que, esse tipo de violência não está presente apenas nas relações entre companheiros, ou seja, marido e mulher, mas pode acontecer com outros membros da família. Recentemente veio a tona a situação envolvendo os pais da atriz famosa Larissa Manoela, que mesmo após completar 18 anos, permaneceu sem saber de forma detalhada sobre os bens e valores administrados por seus pais e estes não prestavam informações sobre valores ganhos em contratos e limitavam o acesso da atriz ao dinheiro que ela ganhava.

Inicialmente, é necessário que nessas situações a vitima procure orientação de um profissional especializado para buscar ajuda, seja um advogado (a) e defensor ou defensoria pública para possíveis esclarecimentos. A vítima deve procurar uma Delegacia Especializada em Atendimento as Mulheres (DEAM) e fazer um Boletim de Ocorrência. A partir daí, um inquérito policial será instaurado e a denúncia será apurada, sendo ouvida também a outra parte. De imediato, medidas judiciais já podem ser tomadas no sentido de resguardar a integridade da pessoa violentada.

Ao ficar evidente a existência desse tipo de violência, é possível dar entrada em medida protetiva de urgência para suspender toda e qualquer procuração dada aos pais, esposo ou outro familiar responsável pela lesão patrimonial além da restituição imediata dos bens.

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O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero: um novo olhar dentro do judiciário

A Constituição consagra em seu texto o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Contudo, mesmo após deixar evidente que não existe distinção entre gêneros, outras leis precisaram ser colocadas no ordenamento jurídico, para que, de fato, o princípio fosse respeitado. Um exemplo recente foi à criação da Lei da Igualdade Salarial, que apresenta bases para o estabelecimento de igualdade salarial/remuneração entre homens e mulheres que exercem a mesma função e que se equiparam em jornada de trabalho e exercício de função. A Lei introduziu mecanismo como multa, além do estabelecimento de medidas de transparência para verificação e fiscalização do cumprimento da norma.

Seguindo uma tendência nacional e internacional de mudança, no que diz respeito à questão de gênero, documentos como o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero e outras medidas afirmativas, têm sido criadas para romper com anos de condutas machistas que violam o acesso de meninas e mulheres aos direitos sociais básicos. Condutas estas que podem ser exemplificadas nas relações de trabalho, na distribuição das atividades domésticas dentro do lar, onde é comum cargas excessivas de responsabilidades serem repassadas as mulheres, assim como a participação das mulheres na vida pública, visto que, só houve um aumento da quantidade de mulheres em pleitos eleitorais devido a aprovação de leis que obrigam partidos e coligação a destinarem um percentual mínimo a candidatura de mulheres.

O fato é que, um país fortemente marcado pelas desigualdades de gênero, dentro e fora do lar, construiu um judiciário dentro de um viés também machista, que por muitas vezes olhou para as condutas masculinas com complacência e criminalizou ou não deu a devida atenção quando partia de mulheres. Se socialmente estamos cercadas de práticas que privilegiam os homens de algum modo, essas ações serão levadas para dentro de qualquer instituição. Inclusive para dentro do judiciário.

O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero mostra-se como um documento necessário para uma mudança na postura dos julgadores. Com ele, exige-se dos tribunais brasileiros que levem em conta, nos julgamentos, determinadas especificidades. Ou seja, que tenha um olhar diferenciado sobre as demandas daquelas que, por anos, foram cerceadas da obtenção de direitos. Esse documento se mostra como emancipatório quando utilizado por magistrados e magistradas no sentido de promover a igualdade entre grupos que socialmente permaneceram em desequilíbrio.

O documento dispõe de conceitos indispensáveis como definição de sexo, gênero, identidade de gênero, sexualidade e como o poder se manifesta nas questões assim relacionadas. Todos esses conceitos são apresentados na primeira parte do documento. Na segunda, podemos encontrar um direcionamento através de ferramentas e instruções que vão orientar os magistrados e magistradas no cotidiano forense. É importante frisar que os advogados e advogadas podem em suas peças (iniciais) recorrer ou mencionar o protocolo para alcançar um olhar diferenciado dentro de determinada demanda.

Outro aspecto de suma importância é que o protocolo apresenta orientações que são aplicadas ao direito do trabalho, direito de família, direito penal, eleitoral e militar. Diferentes esferas do judiciário são contempladas por essa visão nova, por uma perspectiva que alcance a emancipação de mulheres.

É simples pensar na importância do protocolo com exemplos: imagina uma mulher, mãe, lactante que foi intimada para participar de uma audiência em que ela será ouvida como testemunha. Imagina também que essa mulher será ouvida no mesmo dia em que outras 2, 3 ou 4 testemunhas também serão ouvidas. Poderia ser dado a essa mulher a ordem de preferência na realização do trabalho nesta vara? O magistrado (a) e o advogado (a) que atuam com um olhar atento ao que menciona o protocolo indicariam preferência no testemunho dessa mãe. São práticas simples e complexas que podem aproximar o judiciário da perspectiva de gênero e trazer um olhar mais humanizado.

Um caso recente em que se é possível visualizar a aplicação da perspectiva de gênero, tratou-se de uma mãe, que vivia com filhos pequenos, sendo, portanto, a única responsável por cuidar e sustentar as crianças através do trabalho de catadora. Ao ser processada pelo crime de tráfico, a prisão domiciliar, prevista para os casos em que a mulher é a responsável por cuidar dos filhos, na situação específica, não permitiria a essa mãe levar os filhos para escola e buscar o sustento da família. A partir dessa situação, foi aplicada a prisão domiciliar com condições especiais. Ou seja, um olhar do julgador sobre as questões relacionadas à vida dessa mulher e mãe, foi possível apresentar uma solução entre a aplicação de uma pena e a realidade de uma mãe solo.

De modo objetivo, o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero mostra-se necessário na busca entre o equilíbrio de gênero nas decisões judiciais. Mulheres, em muitas ocasiões buscam no judiciário soluções para os mais variados conflitos e em muitos casos são silenciadas em audiências, se deparam com o sofrimento desnecessário através da revitimização e não encontram soluções que atendam suas perspectivas.

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Mulheres na política e o pioneirismo potiguar

Entender todo o processo histórico, que por anos excluiu a mulher da vida pública, é necessário para compreender a conjuntura atual das relações de gênero dentro e fora da política. Predominantemente, desde revolução industrial, com o surgimento da classe burguesa, a mulher foi direcionada a assumir papéis dentro da vida privada com quase nenhuma participação em espaços de poder.

As funções de cuidado com a casa, filhos e marido, atribuições da vida privada, se tornaram a base do modelo social a ser seguido por gerações. As mulheres ao longo dos anos foram submetidas a funções que atenderiam ao interesse do Estado, da igreja e ao interesse capitalista.

Os primeiros questionamentos feminino a respeito das funções que exerciam surgiram em publicações durante o século XIX, entre tais, algumas exibidas pelo “O Jornal das Senhoras”, que tinha entre uma de suas finalidades a reflexão sobre o tratamento que era dado as esposas por seus maridos, no aspecto de valorização a mãe e esposa.

Incialmente a participação feminina em demandas de ordem política, começou exercendo funções auxiliares, de financiamento as bases de movimentos. A consagração feminina vai ganhar poder mais efetivo na política, com a Constituição de 1988, que tem como marco e base a igualdade entre as pessoas (gêneros) e demais características, homens e mulheres tem igualdade nas relações civis e sociais. Menciona o texto da Constituição Federal de 1988: 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). 

Na prática, foi necessário muita luta para que a igualdade, de fato, acontecesse. De acordo com a editora “O Sexo Feminino” apontava e defendia que o exercício de ensinar era de responsabilidade da mulher como uma forma de extensão das funções de nutrição e mesmo maternal. Contudo, outra editora que chegou a defender questões relacionadas ao divórcio e ao voto feminino, foi a Josefina Azevedo.

Inicialmente em 1910, a Deolinda Dalho, professora e feminista, fundou o partido Republicano feminino e também promoveu uma passeata com quase 100 mulheres com objetivo de reivindicar o voto feminino.

No ano de 1918, a Berta Lutz, ativista e bióloga brasileira, que no futuro se tornou a segunda parlamentar eleita, criou no Rio de Janeiro a organização chamada Liga para Emancipação Intelectual da Mulher. Também em 1922 a Berta Lutz, organizou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, ampliando as discussões a respeito da participação da mulher na vida pública. 

A primeira prefeita eleita no Brasil foi Alzira Soriano de Souza, na cidade de Lajes, no estado do Rio Grande do Norte. Sua participação na politica, mesmo antes da promulgação do Código Eleitoral de 1932 pelo presidente Getúlio Vargas, só foi possível porque o estado permitia a participação da mulher na politica potiguar. 

Após aprovação da Lei n°660, em 25 de outubro de 1927, o mesmo que permitiu a participação de Alzira nas eleições municipais de Lajes, a professora Celina Guimarães Vianna, entraria para história como a primeira mulher a se alistar e a votar, tornando não somente a primeira no Brasil, mas em toda América Latina. A trajetória profissional de Celina revela o pioneirismo na ocupação de espaço público e na influencia que o seu feminismo exerceu na expansão da participação feminina na política.

Em 1933, Carlota de Queirós, é eleita a primeira deputada federal do país pelo Partido Constitucionalista de São Paulo. Na constituinte integrou a Comissão de Saúde e Educação, dedicando-se a alfabetização e ao serviço social. Sua história, como médica e professora, são marcados pelo serviço prestado a mulheres e fez voz aos anseios femininos ao chegar ao congresso.

A primeira mulher negra a conquistar uma vaga na Assembleia de Santa Catarina,  Antonieta de Barros, marcou a história da passagem feminina na politica brasileira, por se tornar a primeira parlamentar negra.  Tinha entre suas bandeiras a educação para todos. Dentro da experiência como professora, acreditava que era preciso combater o analfabetismo, pois a educação seria um instrumento capaz de libertar os menos favorecidos. 

Para o cargo de senadora, o destaque de conquistar e o pioneirismo ficou para a Eunice Michiles. Como mulher que ingressava em um espaço totalmente ocupado homens, enfrentou diversos desafios, entre entre estes, na própria estrutura do local, que precisou construir um banheiro para a senadora. Além dos desafios relacionados ao machismo, que enfrentou por parte dos colegas. Os projetos apresentados por Eunice tinham como principal objetivo garantir proteção aos direitos das mulheres

A primeira mulher ministra no Brasil, tinha por responsabilidade a pasta da educação. Entre os anos de 1982 a 1985, Esther de Figueiredo Ferraz, como professora e advogada abriu as portas para uma geração de mulheres não somente na politica, mas em seu trabalho de lecionar. 

Foi em 1985 que ocorreu a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, órgão atualmente vinculado ao Ministério da Justiça e que tem entre seus objetivos a promoção de políticas para eliminar as formas de discriminação contra a mulher, bem como assegurar a participação das mulheres nas atividades políticas, econômicas e culturais. 

No ano de 1989, ocorreu a primeira candidatura de uma mulher para presidência da republica e teve como candidata Maria Pio de Abreu, pelo Partido Nacional.

Através do voto popular, Roseana Sarney, foi à primeira mulher escolhida para ser governadora de um estado durante quatro mandatos no Maranhão. 

Uma das maiores consagrações da história e dos movimentos populares que buscaram a inserção da mulher na política, veio com a chegada da mulher na presidência da República. Em 2011 Dilma Rousseff torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo político mais importante da nação

Embora a história comprove os avanços que já aconteceram em relação a participação da mulher na política, ao longo dos anos, ainda há uma sub-representação e é necessário que sejam adotados mecanismos legais para que a mulher continue a seguir na vida pública e que essa participação possa aumentar ao longo dos anos.

Mesmo com a afirmação da Constituição Federal de 1988 trazendo em seu texto a clara igualdade entre homens e mulheres, outros mecanismos legais foram necessários para dar continuidade e crescimento a participação de mulheres no maior símbolo do sistema democrático que é as eleições. 

Um dos primeiros movimentos sufragistas, realizado em 25 de outubro de 1927, tinha como pauta o alistamento eleitoral feminino no Estado do Rio Grande do Norte. Foi então que através da Lei n°660, artigo 77, sancionada pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros, determinando assim que qualquer pessoa que cumprisse as condições necessárias exigidas, sem haver para isso a distinção de sexo, poderia então votar e ser votado. Esse fato contou com a participação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

No ano de 1995, a Lei 9.100/95 foi criada como forma de atender a participação do Brasil na Plataforma de Ação Mundial IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim. No qual estabeleceu 20% (vinte por cento), no mínimo da lista de cada partido ou coligação a serem preenchidas com candidatas. 

Art. 11. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara Municipal até cento e vinte por cento do número de lugares a preencher.

  • 1º Os partidos ou coligações poderão acrescer, ao total estabelecido no caput, candidatos em proporção que corresponda ao número de seus Deputados Federais, na forma seguinte:

I – de zero a vinte Deputados, mais vinte por cento dos lugares a preencher;

II – de vinte e um a quarenta Deputados, mais quarenta por cento;

III – de quarenta e um a sessenta Deputados, mais sessenta por cento;

IV – de sessenta e um a oitenta Deputados, mais oitenta por cento;

V – acima de oitenta Deputados, mais cem por cento.

  • 2º Para os efeitos do parágrafo anterior, tratando-se de coligação, serão somados os Deputados Federais dos partidos que a integram; se desta soma não resultar mudança de faixa, será garantido à coligação o acréscimo de dez por cento dos lugares a preencher.
  • 3º Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres.
  • 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior à meio, e igualada a um, se igual ou superior.

Em 1997, outra importante Lei Eleitoral é aprovada: a n° 9.504, que institui percentual de cotas proporcionais para mulheres aos cargos de Deputadas Estaduais e Federais. 

Lei N.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (DOU 01/10/97)

Artigo 10. Do Registro de Candidatos – “Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher.”.

  • 1º No caso de coligação para as eleições proporcionais, independentemente do número de partidos que a integrarem, poderão ser registrados candidatos até o dobro do número de lugares a preencher.
  • 2º Nas unidades da Federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder de vinte, cada partido poderá registrar candidatos a Deputado Federal e a Deputado Estadual ou Distrital até o dobro do das respectivas vagas; havendo coligação, estes números poderão ser acrescidos de até mais cinquenta por cento.
  • 3º, Do Registro de Candidatos – “Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar no mínimo trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”. 

Artigo 80 Das Disposições Transitórias – “Nas eleições a serem realizadas no ano de 1998, cada partido ou coligação deverá reservar, para candidatos de cada sexo, no mínimo, 25% por cento e, no máximo, 75% por cento do número de candidaturas que puder registrar”.

(grifo nosso)

Desde a aprovação da Lei n° 9.504/97, e as eleições que se seguiram a partir de 1998, partidos têm lançado mulheres a cargos na esfera municipal, estadual e federal, contudo, em eleições mais recentes, candidatas se queixaram da falta de recursos direcionados a elas durante pleitos, ocorrendo uma desproporcionalidade entre recursos fornecidos pelo partido, direcionados a mulheres e homens que concorreram a cargos públicos em 2022. Esses atos foram considerados como uma forma de violência e desrespeito às candidatas. 

A mais recente Lei aprovada que tem por objetivo reprimir e combater a violência politica de gênero, altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), nos mais diversificados espaços onde aconteçam atividades relacionadas ao exercício dos direitos políticos. Os mecanismos de defesa as mulheres apresentadas por essa Lei, não se restringem apenas aos períodos de pleitos eleitorais, mas busca resguardar o respeito e a proteção das mulheres no exercício de suas funções públicas, além de proteção para fora e dentro do campo virtual, incluindo assim:

LEI Nº 14.192, DE 4 DE AGOSTO DE 2021

Art. 1º Esta Lei estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.

Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.

Parágrafo único. As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários.

Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.

Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.

“Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

(grifo nosso)

 

Embora exista uma ideia de progresso e avanço com as leis que já foram aprovadas antes e após Constituição de 1988, com os percentuais de cotas estabelecidas e com um percentual de 53% do eleitorado do Brasil, todas essas ações afirmativas que representam apenas o início da ampliação da participação da mulher na politica brasileira, não colocaram o país em índice mais elevado. Em comparação com outras nações, a tardia entrada da mulher na política garantiu ao Brasil, segundo a ONU, em 142º lugar no ranking de representação feminina entre 191 nações citadas no mapa Global de Mulheres na Política da Organização das Nações Unidas. E em termos de América Latina, ficou em 9° lugar de 11 países. 

As ações afirmativas realizadas até os dias presentes podem ser consideradas o início de uma mudança que vai ocorrer com gerações futuras. As mulheres representam mais de 50% (cinquenta por cento) dos eleitores do Brasil, contudo, ainda falta representatividade expressiva nos cargos públicos, o que demonstram que mulheres ainda estão votando, em grande parte, em homens. É necessário um trabalho educacional e social de conscientização das mulheres que exercem o poder de votar. 

As pautas femininas sobre questões reprodutivas, os avanços no combate as expressivas formas de violência que ainda marca a vida da mulher brasileira, em casa e no trabalho, as reivindicações sobre creches, escolas e tantas outras que impactam diretamente a vida das mulheres, só entraram em evidência em Comissões, Câmaras, Assembleias ou Congresso Nacional se outras mulheres estiverem ocupando esses espaços

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Evas e Marias: As mulheres que receberam o papel de vilã

Esse texto é para uma coluna, e como tal, tenho a liberdade de tecer minhas próprias impressões e interpretações sobre fatos passados ou presentes. É comum trazermos fatos com base em dados, pesquisas e com certa relevância científica. O texto de hoje ficará no plano mais interpretativo de fatos e histórias narradas ao longo dos anos. E, principalmente, a interpretação sobre as escolhas femininas que ganharam ao longo da história mais condenações do que aprovação social.

Para entender a própria história da mulher, isso de qualquer mulher, é preciso voltar no tempo e encontrar em personagens femininas a marca do patriarcado. A origem de tudo, como tudo começou. Lendo esses dias sobre processo evolutivo, a ciência tem provas de que outras espécies semelhantes às já existentes já passam um tempo habitando a terra e que por alguma circunstância natural chegaram à extinção. Foi o que o cientista Charles Darwin chamou de seleção natural. A vida seleciona os que ficam para procriar e exclui os menos adaptados para enfim serem extintos por algo maior. A ciência hoje tem evidências através de pesquisas, fósseis e uma série de outros elementos, que afirmam, sim, partimos de um ponto em comum e os anos passados na terra nos moldaram, nos transformaram em outras espécies. Mas esse texto é sobre a interpretação que envolve as escolhas femininas, os papéis que ocupamos e como chegamos até aqui.

E onde fica a teoria criacionista que diz que Deus criou todas as espécies, incluindo Adão e Eva, o primeiro casal?

Vamos falar sobre Eva, sobre as falas que são produzidas diante dessa personagem. Ao perguntarmos a qualquer pessoa, isso inclui também mulheres, quem foi Eva? Observe bem as respostas. Algumas são: “foi a primeira pecadora”, “foi aquela que induziu Adão ao erro”, “por conta de Eva hoje sinto cólicas e dores no parto, tudo por conta da escolha de Eva”. Podemos ouvir inúmeras afirmações desse tipo, mas antes de continuar esse texto, eu pergunto: Eva escolheu engravidar por você? Creio que a gestação é uma escolha individual e que não tem relação com personagens históricos.

Vamos mais além, se perguntarmos a pessoas ligadas a alguma religião, talvez as respostas se tornem as piores possíveis. Contudo, precisamos voltar um pouco na história, voltar ao jardim do éden e precisamos avançar para entender que todas as escolhas seguem um fluxo natural e que todas as escolhas geram consequências. Existiam vários frutos no jardim e Deus afirmou que o casal poderia comer qualquer um desses frutos, menos o fruto do conhecimento, esse era o fruto proibido, assim expresso em Gênesis 2:15-17 “Tomou, pois, Deus Jeová o homem, e o pôs no jardim do éden para o lavrar e guardar. Ordenou Deus Jeová ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim podes comer livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”

Veja bem, o nome da árvore mencionada por Deus, árvore do conhecimento. Eva comeu o fruto proibido e ofereceu ao seu companheiro. E depois disso, ambos tomaram conhecimento sobre o bem e o mal.

Eva, de acordo com a teoria criacionista foi o primeiro ser humano a provar o fruto do conhecimento. Vocês nunca pararam para pensar na importância desse fato? A primeira pessoa na terra a tomar conhecimento foi uma mulher. Curioso é que no próprio texto bíblico existe uma passagem que diz: “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” em João 8:32. E o conhecimento está posto para nos dizer que ele liberta. Nos liberta do falso discurso, da ignorância, do erro. E atualmente a título de execução penal o conhecimento adquirido através de estudo tem possibilitado uma progressão mais rápida da pena e, consequentemente, sair mais rápido do sistema prisional.

A moral da vida é que o conhecimento é a porta para muitas liberdades, mas no caso de Eva foi apenas à porta para sua eterna condenação ao longo da história e sendo essa condenação repetida por várias mulheres ao longo de gerações: “tenho dores no parto por culpa de Eva”. Pouco se fala sobre o fato de que Eva abriu as portas do conhecimento. Mas a interpretação cruel sobre as escolhas de uma mulher não se limitava a Eva. Quantas personagens femininas foram culpadas por escolhas masculinas? Um tempo atrás li uma nova interpretação sobre a Medusa, historicamente colocada como monstro, mas que os livros esconderam a intepretação de que ela havia sofrido violência sexual. Quando falamos em Dom Casmurro, obra de renome de Machado de Assis, que interpretação tem a personagem Capitu? A memória histórica reconhece os feitos de Cleópatra? Suas habilidades de liderança e como falava vários idiomas, ou foi preferível marcá-la na história exclusivamente por sua sensualidade? Aqui também, não poderíamos deixar de falar sobre a mulher que largou o marido abusivo para então se unir ao cangaço. A Maria Bonita provou dos amargos atos de violência doméstica e familiar. Juntou-se a Lampião, e por sua escolha, veio à renegação e desaprovação social. Ela agora é bandida.

Voltando um pouco a Eva, hoje e graças à escolha de Eva, podemos escolher o que seguir se o bem ou o mal. Temos o conhecimento e no final de tudo fazemos as escolhas. É o chamado livre arbítrio. Santo Agostinho nos ensina que cabe a nós o poder de decisão.

Então hoje ao decidir se enfrentarei as dores de um parto normal ou se farei uma Cesária não é culpa de Eva, Maria, Joana ou qualquer outra mulher. Precisamos ganhar consciência sobre nossas escolhas e ficamos dispostos a aceitar as consequências. A física trata muito bem dessa parte, para cada ação existe uma reação. Para cada escolha uma consequência.

Quando as primeiras sociedades humanas foram se formando, quando a maternidade era considerada algo místico, as mulheres eram o verdadeiro centro de valorização social, pelo poder de gestação.  Até hoje existem controvérsias sobre a existência das sociedades matriarcais.

Outro dia conversando com uma amiga sobre o processo evolutivo do gênero Homo, alguns daqueles grupos perceberam a inteligência da mulher e sobrecarregaram-nas com diversas funções. E nesse ponto menciono que isso foi uma ideia muito particular.

Finalizo esse texto com um convite especial a todas as mulheres. Que interpretem com mais sororidade as dores, angústias e sofrimento de outras mulheres. Não caia no erro de fazer julgamento a partir do ponto de vista masculino, ou mesmo do ponto de vista do machismo. Precisamos dar uma interpretação mais empoderada sobre as atitudes de mulheres que marcaram um tempo histórico da humanidade.

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Aborto Legal e a nova onda de fake news após a fala da nova ministra das Mulheres

O óbvio também precisa ser dito e esclarecido, principalmente, dentro do meio digital, local onde mais se propagam as falsas notícias, as chamadas Fake News. As disseminações de notícias de conteúdo duvidoso ganharam um campo mais fértil a partir de 2018, ano das eleições que levou a vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro. Entre seus apoiadores, era comum o cenário de divulgação de mentiras, tanto que em setembro de 2019 foi criada uma comissão Parlamentar Mista de Inquérito, presidida pelo Senador Ângelo Coronel, com a finalidade de investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, bem como a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições do ano de 2018.

Quem acompanhou o cenário político de perto em 2018, percebeu como uma grande massa populacional foi influenciada por informações falsas e o risco que elas oferecem a qualquer sistema democrático no mundo. Após quatro anos de governo e com uma pandemia que se espalhou no mundo todo, profissionais tiveram que enfrentar o vírus que ocasionou a morte de mais de 500 mil brasileiros e a desinformação sobre medidas de segurança e controle da doença. Tinham-se duas batalhas coabitando um mesmo espaço.

Vacinas foram alvos de informações inverídicas, produzidas pelo próprio presidente da República, reproduzindo informações contidas em sites negacionistas. Em 2021, Bolsonaro afirmou que pessoas completamente vacinadas contra a covid-19 teriam risco de infecção pelo HIV, que causa Aids. Uma mentira que ganhou espaço com o apoio de seus seguidores.

Toda essa escala de produção de conteúdo das Fake News não parou. Podemos afirmar que mudou apenas de foco. Nessa primeira semana de janeiro, o que ganhou destaque em vários portais de notícia foram trechos do discurso da fala da nova Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que afirmou ser uma das pautas a defesa do aborto legal. O fato é que, após as primeiras declarações da Ministra sobre a revogação de portarias que foram estabelecidas nesses últimos anos, com claro objetivo de dificultar que mulheres vítimas de violência sexual possam realizar procedimento de forma segura, sites e portais de noticiais, páginas com conteúdo de cunho religioso, criaram um verdadeiro alarde em cima da expressão “aborto legal”, como se ele não existisse, como se fosse algo que seria implantado agora pelo novo governo e que finalmente teríamos clínicas especializadas em “matar bebês”. Nesse cenário de desinformação de todos os tipos e com as mais variadas intenções, se faz necessário trazer esclarecimentos jurídicos do que, de fato, seria aborto legal e desde quando ele existe.

O Direito Penal protege a vida extrauterina e a intrauterina, ou seja, nessa última classificação a vida que está em formação no útero materno tem proteção prevista em nosso ordenamento jurídico. Aborto legal refere-se aos casos em que a lei permite que o procedimento seja realizado de forma segura para a mulher. Existem situações especificas em que o procedimento de aborto é autorizado pela legislação brasileira. O código penal brasileiro criminaliza o aborto praticado pela mulher com ou sem a ajuda de profissionais de saúde, mas em três situações específicas não se torna crime à realização do procedimento: em caso de estupro, nos casos em que há risco a vida da gestante (a mulher pode morrer caso continue a gravidez) e nos casos em que há um diagnóstico de anencefalia do feto, esse ultimo caso após decisão declarada pelo STF.

Falar sobre o aborto legal requer responsabilidade. O tema não surgiu ontem na nossa legislação. São previsões expressas e definidas por lei. Mesmo com previsões legais para situações especificas, de acordo com informações apresentadas pelo site https://mapaabortolegal.org/, brasileiras que passaram por situação de violência sexual, enfrentam dificuldades em realizar a interrupção da gravidez. Muitas vezes precisam se deslocar para outros hospitais para então realizarem o aborto.

Questões que envolvem o tema aborto no país devem ser discutidas no Congresso Nacional através de Projeto de Lei, não cabe ao poder executivo decisões que alterem o que a lei determina sobre as condições de realização do aborto. De acordo com reportagem do site generonumero.media a Câmara dos Deputados tem seguido com projetos contra o aborto, caminhando para o lado oposto do que vem acontecendo em outros países da América Latina. O Gênero e Numero afirma que “em 2019, 43% (12) dos projetos de lei que mencionavam a palavra aborto eram contrários à interrupção da gravidez”. Dificilmente teremos projetos que avancem sobre aborto e outras questões reprodutivas com a casa congressista composta em sua maioria por homens. Pensar no avanço de pautas femininas requer maior representatividade e participação das mulheres em processos eleitorais.

Em síntese, é importante frisar mais uma vez que o aborto já existe na nossa legislação para atender situações especificas e que o combate a desinformação deve partir de todos que tenham o mínimo de responsabilidade social.  A propagação de Fake News já mostrou os efeitos devastadores em processos democráticos e na própria ciência.

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Medidas protetivas de urgência: o que devo saber?

É muito comum os jornais, blogs entre outros diferentes meios de comunicação e divulgação de notícias, ao relatar um crime de feminicídio, destacarem entre os detalhes do crime que a vítima em questão estava amparada pela medida protetiva e que também já havia feito várias denúncias sobre o ex-companheiro, namorado ou marido em delegacias especializadas de atendimento à mulher e, mesmo assim, teve sua vida encerrada pela violência. Sabemos que a violência começa de forma sutil e, em grande parte dos casos, acaba tomando grandes proporções.  O fato é que, de acordo com Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe, o Brasil está entre os países com maiores índices de feminicídio. Estatística que torna o tema sempre em pauta e que chama a atenção de todos para a responsabilidade de combater esse problema social.

Sabemos que houve um avanço em termos de legislação que visa dar mais proteção e segurança a mulher, contudo, ressaltamos que nesse processo de combate a prática de violência de gênero, embora as leis sejam de grande importância, não são os únicos caminhos. A cultura e a educação, também, devem ser aliadas a esse propósito.

Em termos de Medidas Protetivas de Urgência do surgimento expresso na Lei Maria da Penha até os dias atuais, podemos mencionar alterações como a criação da Lei 13.641/2018, que passou a considerar como crime o ato de descumprir medidas protetivas de urgência, a partir da inclusão do Art. 24-A, § 1° que determina: “Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: § 1o  A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas”. Assim, também, menciona a possibilidade da prisão em flagrante.

Outro importante tema relacionado às Medidas Protetivas e que seguiram até o plenário do STF, diz respeito à possibilidade dessas medidas serem autorizadas por policiais e delegados. Isso porque não devemos limitar a realidade da violência contra a mulher apenas aos grandes centros urbanos, mas também as cidades remotas, com poucos habitantes, que muitas vezes tem apenas uma delegacia funcionando durante a semana, e mesmo aquelas cidades que não são sede de nenhuma comarca. Nessas pacatas cidades interioranas a violência contra a mulher também é realidade e precisa de atenção.

Através desse entendimento, o STF, por unanimidade, declarou constitucionais dispositivos da Lei Maria da Penha que autorizam autoridade policial (delegados e policiais) a afastar o suposto agressor do domicílio ou de lugar de convivência com a vítima quando verificada a existência de risco à vida ou à integridade da mulher. No mesmo dispositivo que apresenta essa alteração temos: 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24h e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

Outra informação que ainda não é de amplo conhecimento diz respeito a finalidade das medidas protetivas, ou seja, dependendo da situação específica, temos duas situações diferentes (objetivos): as medidas protetivas que obrigam o agressor a determinadas condutas, por exemplo, restrição do porte de arma, se aproximar da vítima, filhos ou outros parentes. Incluindo, também, testemunhas. Proibição de frequentar lugares predeterminados, proibição de contato e de comparecer a programas de recuperação ou reeducação. E as medidas com objetivo de proteger a mulher, como acompanhamento policial para que possa recolher suas coisas em casa, encaminhamento dos filhos para um abrigo, garantindo a proteção deles. Além do afastamento da casa, sem que ela perca seus direitos sobre o bem.

Por último, recentemente, o STJ reconheceu que o cônjuge que for acusado de violência doméstica com medida protetiva decretada em seu desfavor, não tem direito a receber aluguel do imóvel ocupado pela mulher (vítima).

Com tudo que já foi aprovado, alterado e com jurisprudência consolidada, podemos acreditar veemente naquela matéria que noticiou um caso de feminicídio e que a vítima tinha medidas protetivas. Essas medidas não funcionam?  Como uma possível resposta, compartilhamos experiências de assistentes sociais, que lidam constantemente em sua rotina de trabalho, com as vítimas. Para essas profissionais, as Medidas têm sido aliada das mulheres no combate a violência doméstica e evitado que o agressor volte a procurar a mulher (vítima).

É importante destacar ainda que, para solicitação da Medida Protetiva não é necessário a existência de um Boletim de Ocorrência. A mulher que está sendo vítima de violência, caso considere necessário solicitar a MP como mecanismo de proteção, pode contratar um (a) advogado (a) que deverá solicitar diretamente a medida ao juiz. E o profissional contratado para auxiliar essa mulher, deverá fornecer todas as informações possíveis sobre seus direitos, com clareza, ética e responsabilidade.

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MÃES NO CÁRCERE

O número de mulheres apenadas vem crescendo nos últimos anos. De acordo com a conectas.org, um levantamento nacional feito em 2018 já apontava o Brasil como o quarto país com mais mulheres presas no mundo. Dois dados importantes apresentados nesse levantamento são:  a idade dessas mulheres, entre 18 e 29 anos (50%), e mais da metade são mulheres negras, cerca de 62%.

Dentro dessa realidade, muitas mulheres estão entrando no sistema prisional em fase de gestação ou com filhos menores. Crianças que precisam do amparo, proteção e presença da mãe. O que precisa ser questionado é: Qual a realidade sobre o tratamento dado a essas mulheres durante o cumprimento da pena? Quais os direitos previstos para a mulher gestante que cumpre pena? Sabemos que o direito a saúde é um dever Constitucional do Estado e para as pessoas encarceradas esse direito se apresenta tanto de forma preventiva quanto curativa. Também são garantidos por lei aos internos o atendimento médico, odontológico e farmacêutico.

A mais recente aprovação foi a Lei 14.326/22, que prevê um tratamento mais humanitário as mulheres grávidas que estão sobre a tutela do Estado, confiram: “§ 4º Será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao poder público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido”.

A Lei de Execução Penal apresenta alguns direitos destinados à mulher apenada como:

Acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido, como consta no Art. 14, § 3°.

Estabelecimentos penais dispondo de berçário, para que as mães possam cuidar dos filhos e amamentá-los, no mínimo, até os 6 meses de idade, conforme o art. 83, § 2.

Penitenciária de mulheres serão dotadas de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável está presa, como consta no Art. 89, Id. Palácio do Planalto. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal.

É importante a informação de que, todos os direitos e garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que diz respeito ao direito a saúde, abrange a mãe que cumpre pena e precisa está em convívio com seu bebê. Dessa forma, existe no texto legal a previsão de condições adequadas para que as mães que se encontram em Unidades Prisionais possam amamentar os seus filhos, como estabelece o ECA, art.9.

O Decreto DECRETO Nº 8.858/16, determina: “Art. 3º É vedado emprego de algemas em mulheres presas, em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional, durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar, após o parto e durante o período em que se encontrar hospitalizada.”.

A violação de direitos e ao princípio da dignidade da pessoa humana, reforça cada vez mais a necessidade de deixar todas as formas de tratamento direcionadas à interna gestante estabelecido em lei.

Algumas das previsões legais acima citadas representam garantias de um tratamento mais humanitário à mãe que cumpre sua pena. Contudo, parte do que está estabelecido na lei ainda não é cumprida em todos os sistemas prisionais do país. Faltam lugares adequados dentro de alguns presídios para que a mãe possa ter uma maior convivência com os filhos, por exemplo.

Enquanto o sistema prisional não estiver completamente preparado/adaptado para essas realidades e demandas, o acesso a direitos previstos na Lei de Execução Penal vai estar comprometido.

O que fazer nos casos em que as unidades prisionais não oferecem o mínimo possível as mães, gestantes e lactantes que cumprem pena? Ou seja, nos casos de completa ausência de estrutura para fornecer a essas mulheres e filhos o convívio necessário para o desenvolvimento?

Em situações que sejam comprovadas o mínimo de condições e tratamento digno para as mães encarceradas, é possível solicitar uma prisão domiciliar.

Para ter seus direitos preservados é necessário que a mãe procure através de profissionais como defensores públicos e/ou advogados a devida orientação e formalização de algumas soluções específicas vivenciadas dentro do sistema prisional. A convivência familiar é um dos importantes direitos sociais expressos na Constituição de 1988, afirmação que vamos encontrar no Art. 227 que estabelece: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, o respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O Estado deve garantir meios para que mães que cumprem pena nas unidades prisionais possam ter o convívio com seus filhos. Elemento indispensável para a formação da criança e para o fortalecimento dos laços familiares.

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Aborto: duas histórias e o que determina a legislação brasileira

Na penúltima semana de junho veio à tona dois fatos que marcaram e impactaram a vida de duas mulheres. Histórias com realidades sociais distintas, mas com alguns elementos semelhantes, principalmente pela ótica do julgamento e de como uma menina ou uma mulher são tratadas diante de um tema ainda bastante polêmico: o aborto.

No dia 20 de junho jornal The Intercep Brasil, divulgou uma matéria com um caso que chamou a atenção de diferentes instituições, pessoas e novamente uma grande polêmica gerada. De acordo com  informações divulgadas pelo jornal, à juíza Joana Ribeiro Zimmer, titular da Comarca de Tijucas, juntamente com um membro do Ministério Público, tentava convencer uma menina de 11 anos a desistir de um procedimento de aborto, que no caso da menina, era legal. A menina,  vítima de estupro, ao procurar o hospital para a realização do aborto, foi informada que, devido ao avanço da gravidez, tempo gestacional de vinte duas semanas,  precisaria de uma autorização judicial para realização do procedimento. Contudo, não existe hoje na legislação, na jurisprudência, ou mesmo doutrina, um tempo gestacional estabelecido para realização do aborto.

O conceito da palavra aborto, o define como a interrupção do processo de gravidez. O aborto (de ab-ortus) transmite a ideia de privação do nascimento, com a morte do produto da concepção. Do ponto de vista médico, aborto é a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou, ainda, segundo alguns, quando o feto mede até 16,5 cm. (A LEGISLAÇÃO SOBRE O ABORTO E SEU IMPACTO NA SAÚDE DA MULHER)

A enciclopédia jurídica determina: “Rigorosamente, malgrado a pragmática linguística consolidada e a terminologia legal adotada, existe distinção entre os vocábulos “aborto” e “abortamento” (“partus abactus, crimen procurati abortus”). Croce e Croce Jr1 esclarecem que “abortamento” corresponde ao ato de abortar, isto é, ao conjunto de meios e manobras empregado para interrupção da gravidez, enquanto que “aborto” (do latim ab + ortus = privação de nascimento; de aboriri = desaparecer) identifica o produto da concepção, morto ou inviável, dali resultante”. (ENCICLOPEDIA JURIDICA).

O penalista Heleno Cláudio Fragoso (1986) diz que “o aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto”. A partir disso, não podemos considerar que a interrupção de uma gravidez que já está com 22 duas semanas é um homicídio, como foi afirmado pela magistrada que conduzia as discussões sobre o caso da garota de 11 anos.

Existe na legislação uma clara definição do que seria o crime de aborto e o homicídio. Bittencourt apresenta a seguinte lição: “A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco aminiótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio.”.

A doutrina define como homicídio, quando em ocasião violenta alguém resolve tirar a vida do outro, será a eliminação da vida extrauterina, ou seja, de forma simplificada, é colocar um fim a vida de quem já nasceu.

No Brasil, em regra, o aborto é crime, tanto o auto-aborto ou aborto provocado por terceiros. Fazer um aborto ilegal pode acarretar em prisão de um a três anos para a mãe ou quem deu permissão para o ato. Contudo, existem três hipóteses em que o aborto é permitido: na gravidez resultante de estupro, essa situação é precedida de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal; quando põe em risco a saúde da gestante e nos casos em que o feto é anencéfalo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, decidiu que em casos de anencefalia, quando o feto tem má formação na calota craniana ou no cérebro, a mulher também pode interromper a gravidez. Na época o entendimento por parte dos os ministros é que um feto com anencefalia é natimorto e, assim sendo, a interrupção da gravidez nessa situação não é considerado aborto.

A pesquisadora Debora Diniz afirma: “O diagnóstico da má formação fetal é, sem sombra de dúvida, uma das experiências mais angustiantes que uma mulher grávida pode experimentar.”.

Após essa matéria a respeito da negativa da juíza, outras informações sobre a gravidez da menina vieram a público. De acordo com o inquérito e divulgação em outros portais de notícia, a menina teve relações sexuais de forma consentida com o filho do padrasto, um menino de 13 anos. Nessa circunstancias não se pode falar em crime de estupro, por dois motivos, primeiro pelo consentimento e o segundo ponto é que se o ato entre a criança e o adolescente não fosse consentida, teríamos um ato infracional, não mais um crime de estupro de vulnerável. Contudo, o consentimento e a idade dos envolvidos mudou tudo. Haveria algum impedimento para a realização do procedimento do aborto? Embora não sendo gerado por ato de violência sexual, tinha-se uma situação atípica, um problema familiar que precisava de amparo e uma solução por parte do Estado. Os envolvidos são pessoas em formação, que muito provavelmente não tenha conhecimento das consequências do que estavam fazendo. Em um momento na audiência a magistrada pergunta a menina se ela sabia como engravidava e a resposta foi não.

A segunda personagem dessa semana polêmica é a atriz de 21 anos, Klara Castanho, que teve sua vida íntima violada e com isso veio a público esclarecer especulações em torno de uma gravidez e colocação de criança para adoção. Uma coisa perceptível é que cada vez que uma mulher expõe uma violência sexual sofrida (nesse caso um estupro), percebemos o quanto essa mulher é atacada, julgada e condenada socialmente pelas decisões que em torno da violência sofrida. Para uma parte significativa das pessoas a culpa é sempre da vítima.  Klara Castanho foi obrigada, depois de diversas especulações, a expor que foi vítima de estupro o que resultou em uma gravidez.

A atriz não realizou o procedimento de aborto. De acordo com seu relato, só descobriu a gravidez quando estava próximo do bebê nascer. Por não desejar permanecer com a criança, resultado de uma experiência traumatizante, procurou uma advogada para proceder com os trâmites legais e assim entregá-la para adoção.

Também é relatada pela atriz a falta de empatia do médico que a atendeu que a obrigou a ouvir os batimentos cardíacos da criança e disse no atendimento que ela deveria amá-lo por carregar parte do seu DNA. Como também após o parto, ainda no hospital, foi procurada por jornalistas (buscavam informações sobre o fato), que só chegaram ao hospital após a falta de ética de alguns profissionais.

Quando a notícia de que uma mulher havia entregado uma criança para adoção, mesmo sendo divulgado junto com essa informação o fato de que essa mulher havia sido vítima de uma violência sexual, não foi poupada de julgamentos. Novamente um cenário de discussões foi estabelecido nas redes sociais. Debate sem fundamentação teórica, sociológica ou mesmo jurídico.

A atriz procurou uma advogada e pelos meios legais entregou a criança para adoção. O que diz a nossa legislação sobre a entrega de uma criança para adoção? A atriz cometeu crime ao assim fazer? Houve abandono de incapaz? Como levantando por algumas pessoas.

Na nossa legislação não é crime colocar a criança para adoção, mesmo que a gravidez não tenha sido resultado de um crime de estupro. A previsão legal de entrega voluntária de bebês para adoção foi incluída no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 2017, entrando em vigor assim o artigo 19-A. Trata-se de um mecanismo que procura proteger as crianças e evitar práticas que não são permitidas no Brasil, como aborto fora das hipóteses previstas em lei, abandono de bebês e adoção irregular. Em caso de violência sexual, a lei dispõe que a mulher pode realizar o procedimento de interrupção da gravidez, independentemente de semanas gestacionais.

A mãe que assim manifestar interesse na entrega do filho deve procurar desses lugares, postos de saúde, hospitais, conselhos tutelares ou qualquer órgão da rede de proteção à infância. A mulher será então encaminhada à Vara da Infância e da Juventude, onde será ouvida por profissional da equipe técnica composta de psicólogos, assistentes sociais, que em conjunto analisarão se ela realmente está convicta e em condições de tomar a decisão, considerando-se inclusive eventuais efeitos do estado gestacional ou puerperal.

Sobre o crime de abandono de incapaz se caracteriza quando alguém tem o dever de cuidar de um menor, mas o deixa sozinho, sem a menor capacidade de se defender de eventuais riscos. Recentemente um pai deixou a filha de 6 anos dormindo sozinha em um apartamento que ficava no 12° andar, o que terminou com a morte da criança.  A título de reflexão, houve uma grande repercussão sobre o fato? E se fosse uma mãe que deixasse uma filha de 6 anos sozinha e tivesse saído com o namorado? O nosso Código Penal não tipifica os crimes levando em consideração uma pena maior ou menor pelo critério se foi o pai ou a mãe. A lei seria aplicada da mesma forma independentemente do gênero.  Se você deixou seu filho sozinho, não importa se você é homem ou mulher, será devidamente responsabilizado. Mas e as pessoas, a sociedade, usaria/usam a mesma medida para apontar os erros paternos e maternos?

Conforme o Código Penal, o crime de abandono de incapaz se caracteriza quando uma pessoa que está sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade de terceiros é abandonada e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se de riscos, (Art. 133, CP).

A atriz, como relatado em seu perfil, procurou um profissional e os órgãos responsáveis para realizar a entrega da criança, formalizando assim pelos meios legais e não simplesmente abandonando o incapaz a desconhecidos.

A conclusão tirada a partir dos dois fatos que ganharam destaque nacional é que, as pessoas ainda cobram muito pouco dos reais responsáveis por crimes de abuso ou violência sexual. A mão do julgamento, das ofensas, ainda recai exclusivamente sobre a mulher. Não se percebe tanto interesse em identificar aqueles que violam uma mulher e que esses através do devido processo legal cumpram uma pena. Klara fez o que a maioria das pessoas ligadas a alguma entidade religiosa, apontam como solução para os casos em que a mulher engravida após sofrer violência sexual, ou seja, não fez o aborto e entregou para adoção. Preservou a vida. Mas, quantas páginas, entidades de cunho religioso manifestou apoio a Klara e disse “muito bem, você fez o certo, você poupou uma vida ao não realizar o aborto”, quantas? Eu, pelo menos, não vi nenhuma. O fato é que, uma parte da nossa sociedade permanece com o pensamento medieval de que se existe o DNA da mãe naquele feto, mesmo oriundo de uma violência sexual, essa mulher deve desenvolver o “instituto materno”, deve ter o sentimento de perdão e misericórdia e permanecer em convívio com o fruto da violência que sofreu. Por conta meramente genética a atriz ou qualquer mulher tem por obrigação amar aquela criança em formação.

Temos uma cultura que odeia as mulheres.  Tivemos duas provas essa semana, duas provas que revelaram as duas faces de um mesmo problema. A menina que é estuprada e procura atendimento para realizar o aborto recebe como veredito a condenação. E não muito diferente, a mulher que resolve ter o bebê e disponibilizá-lo, de forma legal, para adoção, recebe da nossa sociedade o mesmo tratamento. Não importa o que a mulher faça, ela na maioria das vezes vai estar errada. Porque para estar certa você precisa apenas, geneticamente, nascer com o cromossomo XY.

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Lei Maria da Penha: Como identificar se já fui vítima de violência doméstica?

A violência doméstica e familiar tem sido responsável pelo fim da vida de muitas mulheres brasileiras.  Esse tipo de violência quando não chega ao extremo, que é o feminicídio, deixa danos, que são os traumas ou marcas que ficam no corpo e na memória de quem vivenciou. Em alguns casos a violência deixa de ser psicológica, evolui para física e, consequentemente, resulta em crime de feminicídio.

O abuso nas relações segue um ciclo, que muitas vezes se inicia com palavras de xingamentos, proibições do uso de uma determinada roupa e de não poder entrar em contato com amigas (os) ou familiares. Parece surreal, mas isso compõe a rotina de quem está inserido no ciclo de violência doméstica e familiar, tendo em vista que o agressor sente a necessidade de manter o controle sobre a companheira, sobre suas escolhas, que vão desde a escolha da cor de um batom ao contato com outras pessoas.

A Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida popularmente pelo nome da mulher que impulsionou a sua criação, a Maria da Penha Fernandes, é sem dúvida um instrumento essencial no combate as práticas de violência contra mulher. Antes da existência dessa Lei algumas das penas eram revertidas em cestas básicas, considerando que a violência doméstica era tratada como crime de menor potencial ofensivo e enquadrada na Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais).

Da sua aprovação aos dias atuais, algumas alterações importantes já foram feitas. Recentemente os ministros da 6ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam, por unanimidade, que os mecanismos de proteção previstos na legislação devem ser igualmente assegurados, também, as mulheres trans.

O caso analisado pelo STJ era de uma mulher transexual constantemente agredida pelo pai que não aceitava o fato de ela se identificar com outro gênero. A decisão cabe para o caso especifico, mas estende-se para demais situações semelhantes.

Conforme afirmou o relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz: “Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

O fato é que, mesmo completando mais de uma década, mulheres desconhecem os tipos de proteção prevista na lei e essa falta de conhecimento ocasiona a aceitação de determinadas condutas por parte do parceiro sem saber que se trata muitas vezes de crime.

Por meio desse texto, seguem os cinco tipos de violência doméstica e familiar que são previstos na Maria da Penha e alguns exemplos práticos do cotidiano.

A violência física, que compreende qualquer ato de ação ou omissão que coloque em risco a integridade física da mulher. Negligenciar prestar socorro à mulher em situação de risco. Também fica configurado a violência física, neste caso, por ato de omitir assistência ou socorro a vítima. (Lei 11.340/06, art. 7°, I). Quando seu companheiro empurra você ou aperta seu braço, são exemplos de violência física.

A violência psicológica, configura-se como qualquer conduta que viole sua condição emocional, causando-lhe dano. Situações que diminua a autoestima, que prejudique o desenvolvimento pessoal, ou que degrade suas emoções, são exemplos dessa forma de violência. Além disso, qualquer ação que exponha ao constrangimento, humilhe, manipule, insulte, ridicularize ou que tenha como objetivo controlar suas ações ou crenças. (Lei 11.340/06, art. 7°, II). Os exemplos mais comuns são as humilhações, xingamentos, que pode acontecer em ambiente público, como também a vigilância constante ao controlar redes sociais ou com quem a mulher pode falar.

A violência Sexual, quando a mulher é obrigada a manter contato sexual (físico ou verbal) ou a participar de qualquer relação sexual de forma forçada, através de ameaça direta ou indireta, por meio de coerção, chantagem, manipulação, ameaça suborno ou qualquer outro mecanismo que tenha como objetivo a violação da intimidade da mulher (Lei 11.340/06, art. 7°, III).

Alguma vez se sentiu forçada pelo marido ou namorado a manter relação sexual? Entenda que qualquer ato que obriga a mulher a manter relações contra a sua vontade é considerado um estupro. O estupro marital é uma realidade ainda pouco discutida, mas de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), uma em cada três mulheres no mundo, sofreu algum tipo de constrangimento por parte de companheiros. Outro exemplo desse tipo de violência é quando o marido impede a esposa de fazer uso de métodos contraceptivos.

A violência patrimonial ocorre quando acontece a subtração, a perda, a destruição ou a retenção dos bens, objetos de valores, instrumentos pessoais além de documentos. Nessa situação o homem pega objetos de valor patrimonial pertencente ao casal ou somente à mulher e o destrói. Além desses atos, é comum em alguns processos de divórcio a sonegação de bens que são devidos à meação. (Lei 11.340/06, art. 7°, IV).

A violência moral é caracterizada pelas situações que envolvem calúnia, difamação ou injúria, aas quais a mulher foi submetida (Lei 11.340/06, art. 7°, V). Quando o homem realiza atitudes como desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir, expor a vida intima ou acusar a mulher de atos como traição, são algumas das atitudes que caracterizam essa forma de violência.

Não há dúvida de que partes dessas formas de violência estão presentes em muitas casas brasileiras e nas mais diferentes regiões do Brasil. Contudo, entre tantos fatores, a falta da independência financeira tem levado essas mulheres a permanecerem num ciclo de violência.

É necessário levar conhecimento sobre práticas e condutas que são tipificadas como crime de violência doméstica. A falta de conhecimento básico transforma atitudes criminosas (de violência doméstica) em mera conduta comum. Para que esse conhecimento chegue a todas as mulheres, é fundamental a promoção de politicas públicas de enfrentamento a violência domestica e que essas politicas, que em parte já são aplicadas, não fiquem apenas no campo da repressão, mas que possam ganhar cada vez mais força no campo educacional.