A violência doméstica e familiar tem sido responsável pelo fim da vida de muitas mulheres brasileiras. Esse tipo de violência quando não chega ao extremo, que é o feminicídio, deixa danos, que são os traumas ou marcas que ficam no corpo e na memória de quem vivenciou. Em alguns casos a violência deixa de ser psicológica, evolui para física e, consequentemente, resulta em crime de feminicídio.
O abuso nas relações segue um ciclo, que muitas vezes se inicia com palavras de xingamentos, proibições do uso de uma determinada roupa e de não poder entrar em contato com amigas (os) ou familiares. Parece surreal, mas isso compõe a rotina de quem está inserido no ciclo de violência doméstica e familiar, tendo em vista que o agressor sente a necessidade de manter o controle sobre a companheira, sobre suas escolhas, que vão desde a escolha da cor de um batom ao contato com outras pessoas.
A Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida popularmente pelo nome da mulher que impulsionou a sua criação, a Maria da Penha Fernandes, é sem dúvida um instrumento essencial no combate as práticas de violência contra mulher. Antes da existência dessa Lei algumas das penas eram revertidas em cestas básicas, considerando que a violência doméstica era tratada como crime de menor potencial ofensivo e enquadrada na Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais).
Da sua aprovação aos dias atuais, algumas alterações importantes já foram feitas. Recentemente os ministros da 6ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam, por unanimidade, que os mecanismos de proteção previstos na legislação devem ser igualmente assegurados, também, as mulheres trans.
O caso analisado pelo STJ era de uma mulher transexual constantemente agredida pelo pai que não aceitava o fato de ela se identificar com outro gênero. A decisão cabe para o caso especifico, mas estende-se para demais situações semelhantes.
Conforme afirmou o relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz: “Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.
O fato é que, mesmo completando mais de uma década, mulheres desconhecem os tipos de proteção prevista na lei e essa falta de conhecimento ocasiona a aceitação de determinadas condutas por parte do parceiro sem saber que se trata muitas vezes de crime.
Por meio desse texto, seguem os cinco tipos de violência doméstica e familiar que são previstos na Maria da Penha e alguns exemplos práticos do cotidiano.
A violência física, que compreende qualquer ato de ação ou omissão que coloque em risco a integridade física da mulher. Negligenciar prestar socorro à mulher em situação de risco. Também fica configurado a violência física, neste caso, por ato de omitir assistência ou socorro a vítima. (Lei 11.340/06, art. 7°, I). Quando seu companheiro empurra você ou aperta seu braço, são exemplos de violência física.
A violência psicológica, configura-se como qualquer conduta que viole sua condição emocional, causando-lhe dano. Situações que diminua a autoestima, que prejudique o desenvolvimento pessoal, ou que degrade suas emoções, são exemplos dessa forma de violência. Além disso, qualquer ação que exponha ao constrangimento, humilhe, manipule, insulte, ridicularize ou que tenha como objetivo controlar suas ações ou crenças. (Lei 11.340/06, art. 7°, II). Os exemplos mais comuns são as humilhações, xingamentos, que pode acontecer em ambiente público, como também a vigilância constante ao controlar redes sociais ou com quem a mulher pode falar.
A violência Sexual, quando a mulher é obrigada a manter contato sexual (físico ou verbal) ou a participar de qualquer relação sexual de forma forçada, através de ameaça direta ou indireta, por meio de coerção, chantagem, manipulação, ameaça suborno ou qualquer outro mecanismo que tenha como objetivo a violação da intimidade da mulher (Lei 11.340/06, art. 7°, III).
Alguma vez se sentiu forçada pelo marido ou namorado a manter relação sexual? Entenda que qualquer ato que obriga a mulher a manter relações contra a sua vontade é considerado um estupro. O estupro marital é uma realidade ainda pouco discutida, mas de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), uma em cada três mulheres no mundo, sofreu algum tipo de constrangimento por parte de companheiros. Outro exemplo desse tipo de violência é quando o marido impede a esposa de fazer uso de métodos contraceptivos.
A violência patrimonial ocorre quando acontece a subtração, a perda, a destruição ou a retenção dos bens, objetos de valores, instrumentos pessoais além de documentos. Nessa situação o homem pega objetos de valor patrimonial pertencente ao casal ou somente à mulher e o destrói. Além desses atos, é comum em alguns processos de divórcio a sonegação de bens que são devidos à meação. (Lei 11.340/06, art. 7°, IV).
A violência moral é caracterizada pelas situações que envolvem calúnia, difamação ou injúria, aas quais a mulher foi submetida (Lei 11.340/06, art. 7°, V). Quando o homem realiza atitudes como desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir, expor a vida intima ou acusar a mulher de atos como traição, são algumas das atitudes que caracterizam essa forma de violência.
Não há dúvida de que partes dessas formas de violência estão presentes em muitas casas brasileiras e nas mais diferentes regiões do Brasil. Contudo, entre tantos fatores, a falta da independência financeira tem levado essas mulheres a permanecerem num ciclo de violência.
É necessário levar conhecimento sobre práticas e condutas que são tipificadas como crime de violência doméstica. A falta de conhecimento básico transforma atitudes criminosas (de violência doméstica) em mera conduta comum. Para que esse conhecimento chegue a todas as mulheres, é fundamental a promoção de politicas públicas de enfrentamento a violência domestica e que essas politicas, que em parte já são aplicadas, não fiquem apenas no campo da repressão, mas que possam ganhar cada vez mais força no campo educacional.