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Ato do 8 de Março em Mossoró será na Praça do Pax às 16h30

Neste 08 de Março, Dia Internacional da Mulher, mulheres em todo o país ocuparão as ruas com o mote “Pela Vida das Mulheres: Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil sem Machismo, Racismo e Fome”. Em Mossoró, a principal atividade será na Praça do Pax, às 16h30, onde acontecerá o ato unificado, reunindo representações de diferentes movimentos sociais, sindicais e partidos políticos. 

“Esse ano de 2022 será decisivo pro Brasil. Com as eleições presidenciais chegando, nós mulheres, que sempre estivemos nas trincheiras, temos a chance de derrotar Bolsonaro, e com isso, dizermos não ao machismo, ao neoliberalismo, ao negacionismo, e de construirmos o país que queremos, que coloque a sustentabilidade da vida como prioridade”, destaca Pluvia Oliveira, da Marcha Mundial das Mulheres.  

Para ocupar as ruas, as mulheres se dividiram em dois blocos que sairão de pontos específicos e seguirão em passeata até a Praça do Pax para o grande ato. Um bloco sairá da praça do Shopping Boulevard e outro que sairá do Centro Feminista 8 de Março, localizado na rua Desembargador Dionísio Filgueira, 519, Centro.

De acordo com Telma Gurgel, da Coletiva Motim Feminista, o 08 de Março vai ser um dia todo dedicado às mulheres nas ruas contra Bolsonaro. “Vamos ter às 6h a Alvorada Feminista e à tarde um ato com todas as organizações feministas. Durante o ato teremos o artivismo, que é o conjunto de atividades artísticas de várias expressões. Além de ter, mais uma vez, a presença das mulheres em defesa da sua vida, contra Bolsonaro e pelo fim do feminicídio. É importante a presença de todos e todas que apoiam e, principalmente, das mulheres”, disse.  

Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas, afirma que é fundamental que as mulheres ocupem as ruas no dia 08 de março: “na Via Campesina haverá uma jornada de luta das mulheres que vai do dia 07 à 14 de março com ações de solidariedade, com lutas de rua e também espaços de formação política, mas no dia 08 é todas nas ruas. Em um ano tão importante, as mulheres darão seu recado de que vão derrubar Bolsonaro. Iremos pautar isso durante o ano todo, e agora em março vamos dar uma amostra da nossa força”.

 Os movimentos que estão à frente do ato fazem um chamado a todas para se juntarem aos blocos e somar na luta pela vida das mulheres, contra o machismo, o racismo, o feminicídio, as desigualdades, o aumento do gás, do preço dos alimentos, da fome, do desemprego e toda essa crise econômica que só se agravou no governo Bolsonaro e que tem afetado de forma mais violenta a classe trabalhadora.  

Fazem parte do processo de articulação o Movimento de Mulheres Camponesas, várias organizações da via campesina, a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Liga Brasileira de Lésbicas, secretarias de mulheres dos vários partidos de esquerda, a União Brasileira de Mulheres e demais organizações de nível local e nacional como o Núcleo de Estudos da Uern (NEM), Associação dos Professores da Ufersa (Adufersa), a Coletiva Motim Feminista, entre outras.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Enegrecer a leitura antirracista à luz de Sueli Carneiro

Filósofa, Doutora em Educação, fundadora da Organização Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro é uma das nossas principais  referências na luta e nos estudos das humanidades. É uma escritora e intelectual negra extremamente comprometida com a transformação social. Possui uma marcante história de militância e organização das mulheres negras, especialmente no combate à violência racista. Sendo um dos maiores nomes do movimento negro do Brasil.
Ao lermos diversos de seus textos sobre trajetória e militância, conhecemos essa importante pensadora no nosso tempo, sobretudo no que diz respeito à questão de enegrecer o feminismo cuja centralidade do debate coloca as especificidades das mulheres negras brasileiras e a construção de políticas públicas visando a superação das desigualdades.
Foi na leitura de seus escritos que conhecemos uma imensa  e importante produção com olhar para a valorização e o potencial do  lugar das mulheres negras, especialmente acerca de enegrecer o feminismo, texto no qual apresenta forte debate “Enegrecendo o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”, a fim de romper o privilégio da branquitude que ainda se perpetua no ser mulher na sociedade.
Parafraseando Carneiro, qual o sentido dessa luta? É alcançarmos a igualdade de direitos de sermos mulheres sem sermos somente isso. De sermos mulheres negras sem sermos somente mulheres negras. É termos oportunidades e possibilidades  para além de gênero e raça. É sermos humanos em nossa plenitude.
Nesse contexto,  é impossível falar em leitura feminista e antirracista sem nos inspirarmos em Sueli Carneiro, no entendimento do contexto histórico, discursivo e social que nos atravessa enquanto mulheres negras numa sociedade machista, racista e homofóbica. Assim, diante de muitas inquietações, lermos Sueli, como uma filósofa de escrita insurgente, é entender que “(…) ser uma mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social”.
Nesse sentido, deslocamos a expressão
“enegrecer o feminismo” para apontar possibilidades e circulação de uma prática discursiva de leitura enegrecida, no sentido de tornar visível a intersecção fundamental da leitura antirracista e tratamento da questão de raça e gênero, a fim da luta pela eliminação do preconceito e diversas formas de discriminação, assim como do epistemicídio. Ou seja, as práticas que nos negam a condição de conhecedoras, produtoras de ciência e cultura,  como nos assevera Carneiro.
Por fim, refletimos sobre enegrecer a prática discursiva de leitura a partir de pensarmos a luta antirracista empreendida por Sueli Carneiro, dando visibilidade às mulheres negras na identidade que as constitui.
Pensarmos em aproximar o enegrecer desta pensadora ao trabalho da leitura como uma prática discursiva, em ambientes escolares e não escolares, é fundamental no debate entre antirracismo, antisistema opressor e linguagem porque significa ampliar as possibilidades e alternativas para além de modelos que privilegiam os racialmente hegemônicos frutos do racismo. Portanto, o enegrecer passa pelas nossas relações entre brancos e negros em busca da pluralidade e diversidade.
É pensarmos modos de subjetividade e resistência. É buscarmos combater o racismo na produção do conhecimento. Por conseguinte, problematizarmos: quantos autoras e autores enaltecem a memória e história de homens e mulheres negras? Quantos autores/as negros/as já lemos? Quantos livros desse autores/as já buscou conhecer ? As mulheres negras são as mais invisibilizadas no sistema racista e patriarcal. Por isso, enegrecer a leitura é um ato de amor, é um ato político. Nessa luta, resistiremos com ousadia na valorização da negritude. Viva Sueli Carneiro, inspiração e passos que vêm de longe. Gratidão!
Para pensar:
“O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento”.
(Sueli Carneiro)
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Destaque Política

90 anos da conquista do voto feminino, mas ainda somos sub-representadas

No Brasil do século 21, as mulheres representam 52,87% do eleitorado. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), extraídos do cadastro nacional de eleitores, quase 78 milhões de brasileiras devem votar nas eleições de 2 de outubro de 2022. O direito ao voto feminino demorou a ser conquistado. Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral autorizou as mulheres brasileiras a votar. Essa conquista há exatos 90 anos, foi resultado das lutas feministas, encabeçada por um movimento que já defendia o voto feminino, há pelo menos quatro décadas antes.

Nessa época, o Rio Grande do Norte, aponta no cenário brasileiro e mundial, com dois importantes fatos históricos: o primeiro, diz respeito à Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, em que qualquer cidadão potiguar poderia votar ou ser votado, sem distinção de sexo, desde que reunisse as condições exigidas. Na ocasião, a professora Celina Guimaraes Viana, Mossoroense, solicitou o título eleitoral, passando a ser oficialmente a primeira eleitora brasileira e da América Latina, quatro anos antes do país permitir o sufrágio feminino. No mesmo ano eleitoral, em 1928, também no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano, 32 anos, além de votar, disputou e venceu as eleições municipais, na cidade de Lajes, RN, com 60% dos votos válidos, contra o então candidato Sérvulo Pires, sendo a primeira prefeita brasileira eleita.

Mesmo se considerando a importância histórica dessas mulheres, ambas tiveram que enfrentar preconceitos e discriminações ao longo de suas trajetórias. Alzira Soriano foi bastante atacada em virtude do papel social destinado as mulheres, como esposa, mãe e dona de casa, durante a sua campanha e em seu mandato, até a sua renúncia, quando se posicionou contrária ao governo de Getúlio Vargas”, explica a professora, doutora em Sociologia e pesquisadora do Grupo de Estudos Feministas- GEF/UERN, Telma Gurgel.

Além de nomes como o de Celina Guimarães e Alzira Soriano, a professora Telma Gurgel, também relembra mulheres que contribuíram para a conquista do voto, “No RN tivemos Nízia Floresta que foi precursora no debate emancipacionista, por aqui e mesmo, não sendo contemporânea da luta sufragista, suas ideias e batalha pela educação e contra a escravidão deixaram sementes que germinaram no período seguinte. A professora Julia Barbosa também teve seu protagonismo pois foi a pessoa indicada por Juvenal Lamartine para manter contato com Bertha Lutz e Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher. Foi ela que articulou e organizou a visita de Berta ao RN em 1928”, afirma.

Mesmo sendo maioria entre os eleitores, as mulheres ainda não acompanham a tendência de crescimento em termos de representação política. Nem é preciso ir muito longe, basta olhar para as últimas eleições gerais, quando apenas a Governadora Fatima Bezerra, PT, também no Rio Grande do Norte, foi eleita governadora. Apenas em 2010, o Brasil elegeu a primeira e única, até então, mulher Presidenta, Dilma Rousseff (janeiro de 2011- 31 de agosto de 2016).

Essa desigualdade de acesso ao poder ou a representação política é o resultado imediato da estrutura patriarcal e machista ainda presente em nossa realidade. Enquanto as mulheres permanecerem sem a garantia efetiva de seus direitos e condição de emancipação, elas estarão mais afastadas da política”, afirma. Além disso, a professora ressalta o fato de que, a política também propicia certo medo às mulheres, pela forma violenta de como vem sendo organizada, “ basta lembrar os inúmeros casos de assédios, ameaças, e a violência de gênero no interior do parlamento, com destaque ao impeachment da presidente Dilma, e ainda, o que acontece com deputadas que hoje vivem sob proteção policial porque são ameaçadas pela condição de gênero, transsexualidade, negritude ou origem. A própria vereadora Mariele, sofreu um assassinato politico, por ser mulher, negra, de esquerda e de favela”, conclui.

Diante do cenário brasileiro, do retrocesso à diversidade e democracia, o direito ao voto é apenas o primeiro passo para a inclusão de mais mulheres num espaço ainda dominado pelos homens. As mulheres são maioria, porém ainda sub representadas. Com as eleições deste ano surge a expectativa de mais representatividade e atuação das mulheres nas urnas e parlamentos.

Para Telma Gurgel, o grande desafio da política neste século é romper com a lógica dominante do mercado, sobrepondo a humanidade. Segundo ela, enquanto continuarmos fechando os olhos para a desigualdade estrutural da sociedade, não conseguiremos fazer uma nova política, “Então, a política precisa retomar a sua radicalidade e não privilegiar o pragmatismo. É preciso esquerdizar novamente, colocar na pauta que não existe uma paz mundial ou no Brasil, enquanto permanecer a desigualdade”, enfatiza.

Votar e ser votada garante as mulheres representatividade, investimentos em políticas públicas voltadas para suas demandas, garante um espaço de voz num sistema que silencia mulheres e que a violência política de gênero é realidade na vida das que ousam ocupar os espaços de poder.

Linha do Tempo dos 90 anos do voto feminino no Brasil

Para celebrar os 90 anos de conquista do voto feminino a Rede de Desenvolvimento Humano (REDH), em parceria com o Laboratório de Direitos Humanos (LADIH) da UFRJ e apoio da Laudes Foundation, lançou nesta quinta-feira (24), a Linha do Tempo que remonta a luta das feministas para a conquista desse direito e os principais fatos em torno da luta por igualdade de gênero e raça nas 09 (nove) décadas seguintes. Conforme consta no site “as décadas estão divididas em três momentos do processo histórico de conquista do voto e da democracia neste país: de 1824 à 1932; 1932 à 1982, com o início do processo de democratização; e 1982 até hoje”.

Para conhecer a história e as mulheres que ecoaram suas vozes antes de nós é só acessar o www.votofemininonobras.com. Um trabalho que nos permite celebrar e conhecer o percurso da luta, trazendo nomes das mulheres, movimentos e fatos invisibilizados pela história.

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Colunistas Destaque Pâmela Rochelle

NECROPOLÍTICA – A MÃO NADA INVISÍVEL DO ESTADO

Não é novidade alguma que os Estados modernos adotam em sua lógica de funcionamento, o uso da força e até mesmo da violência como modo de promover políticas de segurança para a sociedade. No entanto, tais políticas que tem em seu discurso a promessa pela manutenção da paz por vezes acabam contribuindo para a segregação de determinados grupos sociais, ao passo em que favorecem e reforçam estereótipos e até mesmo o extermínio destes grupos.

Nesse contexto, um dos principais questionamentos que surge é se o Estado, por meio das suas instituições, possui ou não o direito de matar? É, pois, a partir desta problemática que a questão da Necropolítica se estabelece.

O termo Necropolítica, cada vez mais popular nos debates públicos e nas mídias digitais, trata-se de um conceito desenvolvido pelo filósofo Achile Mbembe – intelectual, teórico político, historiador e professor universitário camaronês -, o qual designa a produção e inserção de políticas de morte voltadas para uma determinada parcela da população. 

O filósofo considera como necropolíticas as “formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte que reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror” (MBEMBE, 2017, p. 151). O que no caso do Brasil estaria diretamente ligado a questão do racismo de Estado, uma vez que é sobre os sujeitos pretos e pardos que as políticas de desvalorização da vida recaem de modo mais contundente. Fato rotineiro que pode ser visualizado a todo instante nos portais de notícias: “74% das pessoas que tiveram amigo ou parente morto pela polícia são negras” (Portal Mundo Negro); “Kathlen Romeu: negros são 3 vezes mais vitimados por homicídios do que brancos” (G1); “Negros correspondem a 63% das pessoas abordadas por policiais no Rio de Janeiro” (CNN Brasil); “Vendedor de balas negro é morto por PM…” (SBT News); “Mulheres negras sofrem mais com a violência obstétrica” (Folha de São Paulo);“Crianças da periferia de SP morrem 23 vezes mais que as do centro, diz estudo…” (Carta Capital).

Tais políticas se constituem e operam promovendo a destruição de determinadas populações por meio de uma desumanização dos sujeitos, para os quais se destinam condições de vida muito próximas ao estatuto de mortos-vivos. O que pode ser observado facilmente se determos nosso olhar sobre as “zonas de morte” contemporâneas, entre as quais tem destaque as periferias do país, nelas o derramamento de sangue (de criminosos ou inocentes) acontece diariamente à luz do sol sob a égide de um combate ao crime que nunca dá resultados ou cessa. Porém, se os criminosos moram em bairros nobres e são brancos a abordagem é diferente ou nem existe.

O Estado Brasileiro, na figura da polícia e do poder judiciário, legitima a morte e a aniquilação dos sujeitos negros cotidianamente de diferentes formas, sendo a dita “guerra às drogas” um dos instrumentos mais eficazes dessa necropolítica, que além de matar sob o amparo do Estado também leva a um crescente encarceramento em massa. Os dados comprovam. O Brasil figura hoje entre as cinco maiores populações carcerárias do mundo, estando em terceiro lugar com mais de 773.000 encarcerados, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DPN). Desse número, cerca de 65% é composto por pretos e pardos.

Entender o que são e como operam é o primeiro passo para se combater as necropolíticas nacionais, que em sua maioria destinam-se aos sujeitos negros, embora também afetem outras minorias. Essas políticas de morte que determinam quais vidas são passíveis de preocupação e quais podem ser descartadas são uma realidade brutal que assola nosso país, sobretudo, em tempos sombrios de um governo que flerta com diferentes formas de autoritarismo e violência. É preciso conhecer a realidade que nos cerca para assim questioná-la e combatê-la. 

Somos todos humanos, mas nem todos são tratados assim.

 

UBUNTO.

Referências

Mbembe, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad. Renata Santini. Rio de Janeiro: n-1 ediçoes. 

Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade. Trad. Marta Lança. Lisboa (Portugal): Antígona editores refractários.

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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Amor e dor maiores do mundo

É de causar estranheza coadunar sentimentos tão diversos, mas no mundo do autismo até isso é possível. O misto de emoções é eminente, é como subir e descer a mais alta das montanhas-russas em segundos. Dentre várias entrevistas, relatos de experiências, livros e artigos que tive oportunidade de ver/ler, nada me chama mais atenção da leitura de mundo que o próprio autista tem e o relato que os seus familiares nos proporciona.

Há bem pouco tempo vi na tevê uma entrevista dada pelo apresentador Marcos Mion a Ana Maria Braga, na TV Globo, onde o mesmo falou da condição de seu filho autista. Chorei junto por cada palavra dita por ele e por ver tantos significados e sentidos. Ele começou sua fala dizendo que decidiu expor o autismo de Romeo por entender a necessidade de disseminar informações e dar visibilidade à causa, coisas que concordo plenamente. Tomando-me como exemplo, pôr pra fora o que me rasgava o peito trouxe força para lutar e superar situações, além de ajudar com orientações a quem começou a me buscar como apoio.

Dia desses li um artigo bem pertinente de Fátima de Kuant, mãe de autista e uma grande atuante na causa. O que ela dizia me inquietou bastante, pois colocava que, ao engravidar, nenhum médico ou profissional da área da saúde orienta a mulher acerca da probabilidade de ter um filho com deficiência, esta é uma realidade que só é conhecida quando se está diante dela. Ninguém, seja ele pai ou mãe, ao esperar uma criança reza: “Por favor, Deus, quero um filho autista!”. Ninguém! Mas ele vem! E aí você se vê em meio a dor e ao amor, e será assim sempre, principalmente ao ouvir certas coisas que causam muita dor. Quando eu estava em processo de investigação, em meio às conversas com colegas de trabalho da época, uma professora sempre dizia quando o assunto eram crianças especiais: “Antes de engravidar dos meus dois filhos pedi ao meu médico exames para rastrear tudo porque não queria ter riscos…”. Aquela “naturalidade” com que ela sempre repetia aquelas palavras me dilacerava. Como assim? Quer dizer que os pais que hoje têm seus filhos com deficiência falharam pois não “rastrearam”?. A sociedade já é muito injusta pois, ao engravidarmos, já ouvimos aquela frase que chega a ser clichê: “Que venha com saúde!”, ninguém te diz assim: “Que seja feliz, da maneira que for”, o que seria mais adequado.  

Com lágrimas nos olhos a entrevista inteira, Mion trouxe muitas reflexões acerca do espectro autista: “Que ele seja perfeito dentro das imperfeições…”, “sem ele eu não conseguiria”, “converso com os outros filhos de igual pra igual, mas com ele (Romeo) converso no patamar dele”, “ele tem uma pureza muito grande pois os sentimentos são muito verdadeiros…”. É muito verdade esse sentimento puro e genuíno pois hoje consigo enxergar nos olhos do meu Gabriel, que, diferente do que muitos pensam, consegue me ver da maneira dele, com a doçura e peculiaridades que só ele tem, em sua singularidade. Sou muito grata por estar em constante aprendizado com o ser humano lindo que ele já é e desafiada por diversas situações que iremos passar no futuro, porque o bom da viagem é a viagem. Seguiremos!

Não romantizo o que me rasga o peito. Tenho ciência dos altos e baixos que passaremos, nenhum nível de autismo é fácil, mas prefiro crer que a sociedade se encarregará de adequar espaços e compreenderá que o processo de inclusão passa por empatia e respeito às diferenças e diversidade. Sonhar não custa nada…

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Colunistas Destaque Natalia Santos

No Ritmo do Coração: uma emocionante jornada

No Ritmo do Coração (Coda, no idioma original) recebeu três indicações ao Oscar 2022 após vencer 4 prêmios no Festival Sundance de Cinema de 2021. Na história, que é uma refilmagem do filme francês A Família Bélier (2014), acompanhamos a vida de uma adolescente chamada Ruby, única pessoa ouvinte de sua família, já que seus pais e seu irmão são surdos. 

A jovem carrega a grande responsabilidade de ajudar a família a se comunicar e compreender o “resto do mundo”, ponto de partida para os principais conflitos estabelecidos na trama. Ruby percorre um longo caminho de autodescoberta e de amadurecimento, desenvolvendo sua paixão por música e, ao mesmo tempo, lidando com as obrigações de ser a única ouvinte de sua família. 

Mesmo não se tratando de uma história com alto grau de complexidade, é delicioso assistir ao longa, que, frise-se, tem a maioria de seus diálogos representados em ASL (língua americana de sinais). A diretora e roteirista Sian Heder soube conduzir a história com tamanha delicadeza, que não é difícil para o espectador se emocionar. 

Outro ponto que me chamou atenção no longa foi a escalação dos protagonistas, surdos na vida real, assim como seus personagens. Acredito que, não à toa, o filme conquistou tanto a crítica quanto o público, e está disponível atualmente na plataforma de streaming Amazon Prime Video. Por se tratar de uma história com tamanha representatividade, que fala, acima de tudo, sobre o amor em família e os desafios de enfrentar o mundo após atingir a maturidade, No Ritmo do Coração se tornou, para mim, uma das melhores surpresas desse ano.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Discurso do “pretuguês” em Lélia Gonzalez

Fevereiro traz a rememoração do nascimento da intelectual Lélia Gonzalez, que deixou um legado importante, no que diz respeito à luta pela liberdade na comunicação escrita e falada, construindo importantes discursividades e análises. Isso nos inspira na contemporaneidade, sobretudo diante da violência racista à população negra. Contra o racismo e o sexismo.

Inegavelmente, ela foi intelectual negra, professora e ativista, sendo uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado. Neste texto refletimos o discurso do “pretuguês” sob o aspecto da existência da mulher negra na sociedade na luta por transformação social nos espaços de dominação e como possibilidade agregadora de momentos históricos e linguísticos, lócus do nosso lugar, sob o qual se dá práticas sociais de sentidos na e pela linguagem.

Na relação entre discurso e posicionamento político, o discurso de Gonzalez é determinado historicamente no nosso tempo e nos influencia sobremaneira nos estudos e caminhos novos possíveis. Por conseguinte, seu pensamento sobre o “pretuguês”, diz respeito à africanização do português falado no Brasil e desperta um debate sobre a relação entre linguagem e racismo.

Nossa pretensão, de forma breve, é mostrar que essa é uma questão relativamente recente nos estudos acadêmicos e nos objetos de pesquisas linguísticas e discursivas. Logo, temos muito a aprender com esse conceito e compreendermos a riqueza de vozes negras na universidade e sociedade, no sentido de uma educação linguística antirracista.

Desse modo, se fizermos uma leitura do pensamento de Lélia, também iremos compreender a discussão sobre interseccionalidade entre gênero e raça, além da extrema referência sobre a negritude, como uma pioneira que foi, em complexas redes de construção de sentido em variados acontecimentos, bem como a categoria de amefricanidade. Evidentemente, nessa intensa produção intelectual, por exemplo, aprendemos com Lélia sobre o lugar da mulher negra numa sociedade machista e racista, mulheres ainda estereotipadas e invisibilizadas na cultura brasileira. Em suma, vale a pena buscar suas produções, artigos, revistas e jornais contendo suas escritas e falas.

Reiteramos que, dessa pensadora negra advém o ponto de vista dos falares amefricanos, o que a autora denomina a língua portuguesa em nosso país de “pretuguês”. Assim, como professora negra e pesquisadora, ela afirma o uso de termos e expressões, algumas de origem africana. Portanto, analisa-se uma escrita alternativa diante da academia, usando a forma mais coloquial a fim de se comunicar de forma mais ampla, especialmente com as mulheres negras, populares e de periferia, além de auditório variado, como jornalistas e políticos.

No atual cenário marcado por projetos políticos de retrocesso da nação nos moldes do fascismo, ecoamos a memória e dizemos viva a Lélia Gonzalez, uma mulher comprometida com a transformação social e contra as desigualdades.  As mortes brutais fruto da violência racista cotidiana no Brasil mostram o quanto precisamos discutir sobre justiça para o povo negro nesse país. Nesse sentido, temos a agradecer a Lélia Gonzalez por tematizar questões acerca da realidade das mulheres negras, ladino amefricanas.

Por fim, as palavras de Gonzalez são elucidativas a respeito da importância do discurso e prática do “pretuguês” na construção de sujeitos sociais populares, porque contribui para a conservação da história e da memória, em particular por intermédio da linguagem e da qual não podemos ser prisioneiras na construção da consciência negra, antirracista e do cuidado de nós mesmas. Viva Lélia!

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Cultura Destaque Editorias

Distopia ou realidade? O conto “Valsa de Fim de Tarde” da jornalista Taysa Nunes, empresta ritmo às lutas feministas.

É no sertão do Rio Grande do Norte, região localizada no nordeste do Brasil, onde a Valsa de Fim de Tarde acontece. Em um cenário distópico e opressivo, vive a cangaceira Celina, uma mulher nordestina, que foge dos padrões impostos pela sociedade. Celina é, por natureza, uma feminista engajada na luta por justiça e direitos iguais e, uma cidadã capaz de se opor ao atual governo. Logo, se você vive no Brasil, qualquer semelhança encontrada no conto escrito pela jornalista Taysa Nunes, não será mera coincidência. Em tempos assustadores e violentos, em que pessoas são espancadas até a morte, por cobrarem seus direitos, como é o caso de Moïse, o congolês assassinado no Rio de Janeiro, fica explicita a guerra na qual estamos lutando por sobrevivência.

Segundo a autora, “enquanto as classes mais altas se banham em riquezas, os pobres morrem de fome e são punidos com sentenças severas e físicas. “Valsa de Fim de Tarde” é um retorno à adolescência da personagem e de como ela foi violentada pelo sistema. Quando está à beira da morte, é salva por Dandara, líder de uma comunidade de novos cangaceiros.” No conto, todos os personagens carregam nomes ligados a personalidades do Nordeste, e as mulheres são figuras principais, corajosas e empáticas umas com as outras. O enredo foi cuidadosamente articulado pela escritora, por também se colocar no mundo sendo uma mulher feminista, e considerar o movimento um salto de vida. “O feminismo me abriu portas que eu nunca conseguiria ter aberto sozinha se meus olhos não tivessem começado a enxergar coisas que passei a questionar. Cada mulher tem a sua forma de pregar/expressar o feminismo. A minha é através do que eu falo, escrevo, visto, do meu cabelo e das minhas tatuagens.”

A história contada em Valsa de Fim de Tarde, historia com “H” mesmo, pois a ficção imita a realidade distópica do povo brasileiro, foi escrita um pouco antes da covid19, no entanto, a escritora já anunciava uma pandemia. O conto está disponível na internet, no site da Amazon, e recebe a ilustração do artista Joao Antunes, que transformou a narrativa em HQ. “João deu um rosto e alma aos meus personagens tão queridos. Ele foi livre para criar, do roteiro à arte e quanto ao tempo até a finalização.” O e-book de 24 páginas apresenta o texto com o conto original e sua sequencia, chamada “Amorial”, e ainda, presenteia o leitor com um making of. O título da ficção faz referência à música “Valsa de Fim de Tarde” do musicista potiguar Antônio Madureira, “A melodia tem acordes tristes que me tocam profundamente, mas acho que combinou com a história, porque o dia acaba, mas temos o nascer do sol pra continuarmos em frente”, afirma.

Para a jornalista Taysa Nunes, a distopia contra nós mulheres, sempre esteve presente, a começar pela violência contra nossos corpos e mentes. Até quando? O e-book propõe essa quebra de paradigmas, e foi plantado feito semente em terra árida do sertão, como planta resistente capaz de sobreviver em meio a pouca água. ”Eu quero que Celina quebre o sistema por nós e que ela possa ter mulheres e companheiros de cangaço que a ajudem nisso”. A obra nos coloca no olho das lutas presentes na atualidade, e traz um convite para reforçar as trincheiras de nosso tempo, com mais pessoas que sejam capazes de lutar por justiça e direitos iguais, “Celina é uma mulher forte, determinada, nunca abaixa a cabeça e luta pelo que acredita”. Que viva em cada uma de nós, um pouco de Celina, afinal, o futuro distópico e cyberpunk do conto, não seria o presente de agora?. A HQ pode ser adquirida pela Amazon no link: Valsa de Fim de Tarde eBook : Nunes, Taysa, Antunes Jr., João: Amazon.com.br: Livros Quem não tem o kindle para ler o e-Book, pode baixar o aplicativo Kindle para o celular e dançar no ritmo da leitura.

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Destaque Lutas Feministas

“Bolsonaro Nunca Mais” será uma das pautas centrais das ações do 8 de março

Movimentos e organizações feministas, locais e nacionais, já começaram a articular as ações que serão desenvolvidas no mês de março, dentro da programação alusiva ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Os encontros, que já vêm acontecendo para discutir as atividades que serão executadas ao longo do mês, são uma continuação das ações que encerraram o calendário de luta de 2021. As pautas centrais já foram definidas e o “Fora Bolsonaro”, juntamente com tudo que decorre da política genocida de seu governo, continua nas principais pautas do manifesto que foi elaborado pelos grupos.

De acordo com Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas, nacionalmente as organizações aprovaram como mote “Pela Vida das Mulheres – Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil sem Machismo, Racismo e Fome”.

“Essa é alinha do nosso diálogo. Temos um manifesto que foi feito no dia 4 dezembro, em que a gente explana tudo que entendemos que a política genocida de Bolsonaro ataca na vida das mulheres. Seja a partir da degradação ambiental, que afeta as mulheres indígenas ou quilombolas em especial, mas atinge o planeta como um todo. A gente tá partindo desse acúmulo político coletivo. A gente parte do que a gente já vem construído unitariamente nos 8 de março há mais de cinco anos, mas de forma mais orgânica, a partir dessa articulação do Bolsonaro Nunca Mais”, disse.

As reuniões já estão acontecendo com várias organizações nacionais e locais, entre elas o Movimento de Mulheres Camponesas, várias organizações da via campesina, Marcha Mundial de Mulheres, Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Liga Brasileira de Lésbicas, com as secretárias de mulheres dos vários partidos de esquerda, a União Brasileira de Mulheres e demais organizações de nível local e nacional como o Núcleo de Estudos da Uern (NEM), Associação dos Professores da Ufersa (Adufersa), o Andes, entre outros.

Segundo Michela, a ideia de construir um 8 de março de forma unitária já vem sendo praticada há alguns anos, sendo que no ano passado foi possível uma maior organicidade desse processo com a realização do #4D, o ato “Bolsonaro Nunca Mais” organizado pelas mulheres em todo país no dia 4/12. Ato que encerrou o calendário de luta de 2021 e já apontando para o início do calendário desse ano.

“A articulação continua. Já tivemos a terceira reunião nacional. A ideia é construir um mote e uma identidade comum, mas tendo os estados total liberdade de ampliar esse mote e fazer uma construção que tenha o máximo de diálogo com as realidades estaduais. Dando unidade à luta das mulheres no 8 de março”, explicou.

Em nível local, duas reuniões já foram feitas. Todas as discussões seguem essa linha do Fora Bolsonaro, ou seja, priorizando o mote Bolsonaro Nunca Mais.

“O oito de março está priorizando a pauta do Fora Bolsonaro porque queremos que ele caia. Sua política de morte faz muito mal à vida das mulheres, principalmente mulheres negras”, destaca.

Michela chama atenção para as consequências de um governo genocida que recaem com mais força na vida das mulheres e das mulheres negras, que são as que mais têm que lidar com a carestia, com a fome, quem mais perdeu emprego, quem tem sofrido mais violência com a ampliação do conservadorismo.

“É sobre o corpo de quem recai as violências do conservadorismo e tudo que o governo genocida propaga. O nosso mote vai ser nesse diálogo, pela vida das mulheres, denunciar o machismo, racismo e a carestia no preço dos alimentos”, frisa.

As ações são construídas de forma unitária, porem cada estado e cada localidade tem autonomia para construir sua programação de acordo com sua realidade. Michela afirma que em Mossoró já foram realizadas reuniões com organizações para entender como cada uma vem pensando ou sobre o que já tem definido individualmente. Cada uma tem jornada e pensa atividade diferente.

“As Mulheres Camponesas estão com uma jornada que vai de 7 a 12 de março e estamos também nessa linha da denúncia, em defesa da vida, fora genocida, Bolsonaro nunca mais. A gente entende que ele ataca todas as formas de vida, seja no negacionismo da pandemia, seja com a degradação do meio ambiente e ampliação do conservadorismo que tem impactado a vida das mulheres”, diz.

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Justiça vai investigar se mulher resgatada também era escrava sexual de pastor

A investigação que apura o caso da empregada doméstica que foi resgatada por fiscais do trabalho em Mossoró por estar sendo submetida a trabalho escravo prossegue. Além do crime de trabalho semelhante ao regime de escravidão, o acusado, que é o pastor evangélico da Assembleia de Deus, Geraldo Braga da Cunha, também poderá responder por crimes sexuais cometidos contra a vítima.

A Procuradora da Justiça do Trabalho Cecília Santos, que está cuidando do caso, divulgou que durante aproximadamente 10 anos a vítima também pode ter sido vítima de violência sexual. O pastor e a família confirmaram que havia a relação sexual entre o patrão e a vítima, mas relataram que a relação era consensual. Porém durante a conversa que teve com a procuradora, a mulher negou o suposto consentimento, o que deve caracterizar crime sexual. Esse crime será conduzido pela justiça comum, através da Polícia Civil.

O caso da empregada doméstica veio à tona recentemente e foi notícia nos principais jornais do país e na mídia local. A descoberta aconteceu após a Justiça do Trabalho receber denúncias anônimas informando sobre um possível caso de trabalho escravo no município. De posse das informações, fiscais foram até o local indicado, no caso a residência do pastor Geraldo, e encontraram a vítima que confirmou as suspeitas. A mulher que terá a identidade preservada foi resgatada e se encontra em um abrigo por determinação judicial.

Durante a investigação, a Justiça do Trabalho constatou que a vítima foi levada para a casa do pastor ainda adolescente, com apenas 16 anos, hoje está com 42, e durante todo esse tempo prestou serviços domésticos para a família, sem acesso a descanso, remuneração ou qualquer direito trabalhista. 

TRABALHO ESCRAVO – A vítima contou às fiscais que realizava todo o serviço doméstico da residência servindo ao pastor, à esposa, aos filhos e atualmente também já cuidava dos netos do casal. Durante seu relato, a vítima contou que muitas vezes precisou acordar à noite para cuidar das crianças e realizar tarefas.  

Inicialmente a Justiça do Trabalho está movendo ações trabalhistas contra o pastor que deverá ser condenado a pagar todos os valores referentes ao trabalho doméstico prestado pela vítima. A direção-geral da Assembleia de Deus em Mossoró se manifestou através de nota, alegando que não tinha conhecimento do caso e que não compactua com tais ações. Segundo a nota, um processo administrativo está sendo movido e o pastor Geraldo Braga foi afastado de suas funções.