Amor e dor maiores do mundo

É de causar estranheza coadunar sentimentos tão diversos, mas no mundo do autismo até isso é possível. O misto de emoções é eminente, é como subir e descer a mais alta das montanhas-russas em segundos. Dentre várias entrevistas, relatos de experiências, livros e artigos que tive oportunidade de ver/ler, nada me chama mais atenção da leitura de mundo que o próprio autista tem e o relato que os seus familiares nos proporciona.

Há bem pouco tempo vi na tevê uma entrevista dada pelo apresentador Marcos Mion a Ana Maria Braga, na TV Globo, onde o mesmo falou da condição de seu filho autista. Chorei junto por cada palavra dita por ele e por ver tantos significados e sentidos. Ele começou sua fala dizendo que decidiu expor o autismo de Romeo por entender a necessidade de disseminar informações e dar visibilidade à causa, coisas que concordo plenamente. Tomando-me como exemplo, pôr pra fora o que me rasgava o peito trouxe força para lutar e superar situações, além de ajudar com orientações a quem começou a me buscar como apoio.

Dia desses li um artigo bem pertinente de Fátima de Kuant, mãe de autista e uma grande atuante na causa. O que ela dizia me inquietou bastante, pois colocava que, ao engravidar, nenhum médico ou profissional da área da saúde orienta a mulher acerca da probabilidade de ter um filho com deficiência, esta é uma realidade que só é conhecida quando se está diante dela. Ninguém, seja ele pai ou mãe, ao esperar uma criança reza: “Por favor, Deus, quero um filho autista!”. Ninguém! Mas ele vem! E aí você se vê em meio a dor e ao amor, e será assim sempre, principalmente ao ouvir certas coisas que causam muita dor. Quando eu estava em processo de investigação, em meio às conversas com colegas de trabalho da época, uma professora sempre dizia quando o assunto eram crianças especiais: “Antes de engravidar dos meus dois filhos pedi ao meu médico exames para rastrear tudo porque não queria ter riscos…”. Aquela “naturalidade” com que ela sempre repetia aquelas palavras me dilacerava. Como assim? Quer dizer que os pais que hoje têm seus filhos com deficiência falharam pois não “rastrearam”?. A sociedade já é muito injusta pois, ao engravidarmos, já ouvimos aquela frase que chega a ser clichê: “Que venha com saúde!”, ninguém te diz assim: “Que seja feliz, da maneira que for”, o que seria mais adequado.  

Com lágrimas nos olhos a entrevista inteira, Mion trouxe muitas reflexões acerca do espectro autista: “Que ele seja perfeito dentro das imperfeições…”, “sem ele eu não conseguiria”, “converso com os outros filhos de igual pra igual, mas com ele (Romeo) converso no patamar dele”, “ele tem uma pureza muito grande pois os sentimentos são muito verdadeiros…”. É muito verdade esse sentimento puro e genuíno pois hoje consigo enxergar nos olhos do meu Gabriel, que, diferente do que muitos pensam, consegue me ver da maneira dele, com a doçura e peculiaridades que só ele tem, em sua singularidade. Sou muito grata por estar em constante aprendizado com o ser humano lindo que ele já é e desafiada por diversas situações que iremos passar no futuro, porque o bom da viagem é a viagem. Seguiremos!

Não romantizo o que me rasga o peito. Tenho ciência dos altos e baixos que passaremos, nenhum nível de autismo é fácil, mas prefiro crer que a sociedade se encarregará de adequar espaços e compreenderá que o processo de inclusão passa por empatia e respeito às diferenças e diversidade. Sonhar não custa nada…

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