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Destaque Violência contra mulher

Uma patrulha em defesa de muitas Marias

Atender a pedidos de socorro, conter situações de violência, deter agressores, aconselhar, orientar, proteger. Essas são as principais tarefas da Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Mossoró. Um serviço que acaba de completar um ano de criação, mas que já é referência quando o assunto é a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Uma patrulha composta por 18 agentes civis mulheres e 18 homens que atuam com serviço 24 horas com um único objetivo: proteger as mulheres das violências. Não importa o local e o horário, os pedidos de socorro podem chegar de Marias, Joanas, Franciscas, Márcias, Antônias, Luzias e muitas outras mulheres que encontram na patrulha Maria da Penha um apoio e, em muitos casos, a salvação de suas vidas.

Em apenas um ano de atuação em Mossoró, a única patrulha Maria da Penha do Rio Grande do Norte já conseguiu atender e proteger de violências, mais de 360 mulheres. Do total de vítimas que solicitaram o serviço da patrulha, nenhum caso de feminicídio foi registrado. 

A coordenadora geral da patrulha Maria da Penha, Jamille Silva, conta que percebe uma grande aceitação e um sentimento de gratidão e segurança por parte das mulheres que pedem através do serviço. “A partir do momento que uma mulher, vítima de violência, solicita o nosso serviço, nós percebemos que a nossa ação é muito bem-vinda e que as vítimas se sentem seguras com nossa presença e nossa atuação”, detalhou Jamille. 

A patrulha Maria da Penha foi criada no dia 7 de dezembro de 2020, desde então o serviço vem conseguindo salvar muitas vítimas de agressões e garantindo o cumprimento de medidas protetivas concedidas pela justiça a mulheres que sofrem agressões dos parceiros ou familiares. O trabalho da patrulha inclui: acompanhamento de medidas judiciais, prisões de agressores, orientação, aconselhamento e encaminhamento de vítimas para abrigos. “Nós sabemos da importância do serviço da patrulha para as mulheres não só aqui em Mossoró, mas em todas as cidades do Brasil onde existe o serviço e isso nos motiva a trabalhar para garantir a proteção e a vida das mulheres que sofrem violência”, destacou.

O PROJETO – Elaborado pela Guarda Civil Municipal de Mossoró com o auxílio da GC Lilian Cynthia e do GC Nathan Lopes, o projeto para a criação da patrulha Maria da Penha foi submetido a um edital do Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça. O projeto recebeu aprovação e os recursos para equipar a guarda foram enviados pelo Governo Federal.

A patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal é subordinada à Secretaria Municipal de Segurança Pública, Defesa Civil, Mobilidade e Trânsito. Disponibiliza serviço de atendimento 24 horas que podem ser solicitados pelos seguintes números: 153 e WhatsApp: (84) 9 8631-7000 através dos quais a vítima pode mandar mensagem ou a localização do fato.

O serviço prestado pela patrulha Maria da Penha consiste na realização de visitas periódicas às residências de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, com o objetivo de verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas pelo Juizado da Violência contra a Mulher, além de reprimir atos de violência. Todas essas designações da patrulha, que defende mulheres em situação de violência, estão previstas na Lei Maria da Penha, que dá nome ao serviço.

O serviço desenvolvido pela patrulha Maria da Penha também se estende à zona rural do município. Segundo a GC Lilian Cynthia, que é responsável pelos projetos de conscientização e orientação sobre casos de violência, muitas mulheres sequer têm conhecimento que são vítimas de violência. “A patrulha Maria da Penha desenvolve um trabalho de conscientização que visa levar ao conhecimento das mulheres os vários tipos de violência. Muitas mulheres não percebem que sofrem violência psicológica e que esse tipo de violência também é crime e o nosso trabalho também se estende a levar essas orientações às mulheres”, reforçou Lilian Cynthia.

 

Fotos: Wilson Moreno

 

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Destaque Gerais

E o Futebol Feminino é Campeão

Ontem no Estádio do Corinthians, que já possui o nome fantasia, mas aqui vou chamar de Estádio do Corinthians, nem arena, nem arena com nome de indústria farmacêutica, foi realizada a Final Paulista Feminino. Ainda acredito no futebol da alegria, da diversidade, da inclusão, da popularização da FESTA, que não cabe naming rights.

O primeiro jogo da final do Paulistão ocorreu no Estádio do Morumbi e o público foi baixo para uma decisão. Não chegou a 5 mil pessoas, segundo Lucas Lins, que atravessa a cidade pelo seu time do coração. O São Paulo venceu a partida por 1×0 e foi para o segundo jogo com certa vantagem. As duas equipes foram impecáveis no campeonato e o Corinthians, invicto, perdeu apenas o jogo para o São Paulo. A equipe do Morumbi só havia perdido para o Corinthians nas fases classificatórias. É preciso ser dito que não há justiça no futebol, essa justiça abstrata que conhecemos por aí, mas a final se fazia “justa” às duas melhores equipes disputando o título.

A garoa rasgando a carne num verão típico da cidade de São Paulo, mas as crianças se fizeram presentes, famílias inteiras, avós, netas, irmãs, amigas. É impensável numa final de campeonato masculino que esteja presente uma família com dois adultos e três crianças, por exemplo. Sem exageros, a conta seria no mínimo uns 500 reais. Ou seja, ver famílias inteiras no estádio é cena rara no futebol masculino espetacularizado. Imagine no futebol feminino. Mas vi mulheres demostrando amor ao seu time e afeto a suas companheiras, os casais de mulheres eram maioria no setor onde assisti à partida. As tradicionais torcidas fizeram-se presente, davam o tom da festa, incentivavam e não fizeram distinção ao gênero. Era o time do coração, da vida da história daquelas(es) que ocupavam a arquibancada. É preciso ser dito que há tempos estamos vivendo a lei do rei pelado. Isto é, nos jogos entre times da mesma cidade, os famosos derbis, não se permite torcida das duas equipes. É torcida única. E como em todo jogo de torcida única, lá estavam as(os) infiltradas(os), torcedoras(es) do time rival, segurando o grito, a raiva, a alegria, em silêncio, se fazendo invisível, pra que ninguém notasse o que estava estampado na alma.

O jogo começou com as jogadoras do São Paulo apáticas, era o frio, a torcida, a pressão de uma final, não sei, mas só deu Corinthians. Além dos dois gols de Gabi Zanotti, teve bola na trave e uma defesa incrível de Carla. Corinthians dominava a partida, porém estamos falando de uma final de campeonato e, aos 45 minutos do primeiro tempo, o São Paulo marca pelos pés de Naná.

No telão a narradora anuncia, temos na torcida a skatista Rayssa Leal, corintiana. Com sua família no camarote, a adolescente corria entre as cadeiras e uma sala que compõe o camarote. Ninguém havia notado a campeã. Após o anúncio, os pedidos de foto para quem estava próximo foi inevitável. Eu, como uma criança que pede um doce, acenava das cadeiras inferiores. Mas não, ela não me viu. Eu clamei apenas por um aceno, mas não fui notada.

Roberta Pereira

Começa o segundo tempo e o São Paulo voltou imbatível. O gol deu ânimo à equipe, que atacou e chutou mais ao gol e nos lembrou que estávamos num clássico!!! O jogo ganhava ares dramáticos, se terminasse 2×1 teríamos PENALTIS, SIM pênaltis! Aquilo né, não é caixinha de surpresas nem sorte, a galera treina muito, mas na hora de bater são muitas variantes em jogo e aqui não estamos falando de máquinas nem robôs, são seres humanos, então de fato tudo pode acontecer.

Jogo se arrasta, jogadoras exaustas nas duas equipes, cãibras e desgaste físico, estamos em dezembro do segundo ano de pandemia. Mesmo as atletas podem dizer, “fora do storys”, ninguém tá bem. Ponto importante o condicionamento físico das atletas está muuuuuito superior ao de anos atrás, mostra das melhores condições de trabalho, isso não foi opinião somente dessa colunista eufórica, mas das(os) corintianas(os) Rafaela e Henrique. Para não dizer que não falei das desigualdades, certamente isso se aplica a times maiores e com mais estrutura, visto que há equipes que não possuem o mínimo para a prática do futebol.

O jogo em campo e o coração na chuteira deixavam as(os) torcedoras(es) em agonia. Entre insultos, a juíza era xingada no masculino, e gritos de é Jogo da Vida é Sangue no Olho é Tapa na Orelha, o jogo ia chegando ao final. E de novo aos 45 minutos Adriana marca para o time do Povo. No telão a hasteg #respeitaasminas.

41 mil ingressos trocados, a entrada era gratuita, os ingressos encerraram três dias antes da partida. Público presente: 30 mil pessoas numa quarta-feira fria. Em campo juízas. No jornalismo mulheres (repórteres), não sei como foi a transmissão, mas imagino que foi narrado e comentado por uma mulher. Mas na direção, dois técnicos à beira do campo. Eu quero festa, quero gol e quero mulheres em todos os espaços e funções. Posto isso, o Futebol Feminino foi Campeão, um jogo histórico com recorde de público.  Eu, que sou de arquibancada, afirmo: um recorde de público diverso, de público inclusivo.

Em tempo, sim o Corinthians foi campeão e levou a tríplice coroa. Em 2021 a equipe feminina foi Campeã Paulista, Brasileira e da Libertadores.

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Márcia Eurico fala sobre sua pesquisa e livro “Racismo na Infância”

 

Os danos psicológicos decorrentes da violência racista vivida na primeira infância são invisibilizados, mas o fato é que essa violência marca a história das crianças e adolescentes negras para toda a vida. O racismo, desde as expressões mais explícitas às mais sutis, chega nas crianças negras logo na primeira infância e, apesar da gravidade social que essa realidade sustenta, o debate ainda é tímido.  

Para falar sobre o racismo na infância, recorremos à pesquisadora e assistente social Márcia Campos Eurico, autora do livro “Racismo na Infância”, publicado pela Editora Cortez e lançado em 2020 (link da live de lançamento – https://www.youtube.com/watch?v=e3f_-taoshQ), que debate a intersecção entre racismo e infância. Uma obra essencial, fruto de sua tese de doutorado, e que já é referência quando precisamos dialogar sobre essa questão e os impactos dela na vida das crianças e adolescentes negras. Um livro que chegou dando voz às crianças negras que são silenciadas em suas vivências, focando no racismo estrutural e institucional.  

O racismo na primeira infância e juventude ainda é pouco discutido. Essa é uma constatação de Márcia que é professora, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP e pós-doutoranda pela PUC-RJ. Segundo ela, a obra tem uma proposta de ser um instrumento de trabalho que possa levar a sociedade a pensar em como estamos vendo as crianças negras, com uma proposta de ampliar o debate sobre essa realidade, considerando que há um silêncio que permeia a violência racial na primeira infância e que isso tem consequências graves.  

O livro nos chama a atenção para o fato de que as crianças e adolescentes negras institucionalizadas precisam muito mais do que os cuidados práticos e objetivos. Ela enfatiza que “é preciso que essas crianças sejam vistas como sujeitos em totalidades, que precisam de afeto, de atenção, que tem deveres, mas também vontades”. Essa observação da pesquisadora baseia-se, entre outras constatações em relação ao sistema da política de assistência, nas constantes declarações que ouviu durante o processo de pesquisa: a de que as crianças nesses espaços estão seguras porque  têm comida, têm um teto, têm uma cama para dormir, o que para a pesquisadora é importante, porém “é o mínimo que essas crianças precisam ter”.

Foram várias inquietações que motivaram a pesquisadora. Questionamentos como: “por que crianças e adolescentes negras são as mais institucionalizadas no Brasil? Por que elas têm menos possibilidades de adoção?” Umas das questões recorrentes é que as famílias não querem crianças negras. Segundo Márcia “uma parcela expressiva de famílias ou de candidatos e candidatas à adoção, no momento de preencher o formulário, o cadastro de adoção, elas referem que não querem uma criança negra, mas que muitas vezes aceitam uma criança parda, como se a criança parda não portasse essas mesma negritude”, frisa. 

A partir dessa realidade, a professora começou a questionar “como é que essas essas crianças se sentem vendo outras crianças chegarem e partirem, ou de volta pros seus lares ou pra uma família adotiva, e essas crianças estão ali de alguma maneira e silenciosamente, percebem que elas estão ali por conta da cor da pele, por conta da sua origem  racial. esse foi o disparador”, conta.  

A pesquisa foi feita em duas instituições de acolhimento em São Paulo, com quatro equipes, durante oito meses. A metodologia utilizada foi a Grupo Focal, com o grupo operacional dessas instituições, profissionais dos serviços que são executados diretos com as crianças, tendo em vista que estes eram os que tinham maior vivência e relação de proximidade com essas crianças e adolescentes. Foram ouvidos profissionais de todos os níveis de atendimento e, a partir do conhecimento do cotidiano dessas instituições, dos relatos dos entrevistados, a pesquisa conclui que, entre outras falhas na política de assistência, falta debate racial, falta formação dos profissionais no sentido de que, nem todos os profissionais que chegam as instituições de acolhimento estão preparados para cuidar de uma criança e de um adolescente que tiveram situações de violência, de abandono, de negligência ou que foram invisibilizadas pelo racismo e caíram no serviço de acolhimento institucional. “Falta verba para pensar o cotidiano e estrutura mínima, falta espaço para ser escutado enquanto profissional”, acrescenta. 

Para Márcia foram realidades duras de ouvir e constatar. Com o cuidado de deixar claro que o livro não tem a intenção de desqualificar o trabalho exercido pelas instituições de acolhimento, ela reforça que a ideia é contribuir com o debate em torno do cuidado na infância e adolescência, ampliando a dimensão racial e de gênero. 

“A violência racial atinge todas as faixas etárias, mas a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento, que precisam de afeto, que exigem o cuidado do adulto. Quando o cuidado vem recheado de preconceito, de discriminação, de descaso, em relação a esse corpo, por ser um corpo negro, a gente não faz ideia das dores que vão sendo produzidas na trajetória dessa criança e desse adolescente”, destaca. 

Márcia afirma ainda que, a importância de se discutir a violência racial na infância está relacionada ao fato de que todas as outras discussões como, encarceramento na juventude, ato infracional, medida socioeducativa, medidas de internação são debates que precisam considerar o racismo na infância.  

O título vem mostrar o quanto a sociedade está errando no cuidado com uma criança negra, quando se percebe, conforme explica a pesquisadora, que o mesmo direito que uma criança branca tem de permanecer pouco tempo na institucionalização, a criança negra também tem. Márcia enxerga essa realidade, a partir de seus estudos, que a estrutura racista continua vendo os corpos da criança e adolescente negros como são corpos que suportam a dor. 

A obra também aborda a questão de que as famílias mais punidas pelo sistema de garantias de direitos são as famílias negras e, conforme ressaltou, os sujeitos mais punidos são as crianças e os adolescentes negros. 

A pesquisadora finaliza dizendo que a análise do racismo é fundamental para que se entenda que racismo não é bullying. “As duas formas de violência precisam ser coibidas, rechaçadas, mas o racismo tem mecanismo de letalidade, de destruição, da vida, não só da morte, porque produz marcas”, diz.  

 Sobre a autora e o movimento #MarciaFica

Márcia Eurico, mulher preta e periférica, é referência no debate sobre a questão racial pela sua trajetória de pesquisa. Atualmente é professora na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus da Baixada Santista, e recentemente recebeu o prêmio Benedicto Galvão, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-São Paulo), que dá destaque à obra o “Racismo na Infância”.  

Em 2018 a PUC-SP ficou ocupada pelos alunos por quase uma semana, no movimento intitulado #MarciaFica! A mobilização reivindicava a permanência da professora no Curso de Graduação em Serviço Social, ao denunciar como o racismo institucional está impregnado nas universidades. 

O movimento trazia à tona a dura realidade de que o Curso de Serviço Social nunca teve em seu corpo docente uma professora (o/e) efetiva (o/e) negra (o/e) em seus mais de 70 anos de existência.

 

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Destaque Política

Coletivos feministas de Mossoró se organizam para a manifestação nacional “Bolsonaro Nunca Mais”

Neste sábado (04/12) mulheres em todo o Brasil vão ocupar as ruas em protesto contra o governo Bolsonaro. A manifestação “Bolsonaro nunca mais” é motivada por todo o retrocesso que o governo Bolsonaro representa e que atinge, principalmente, as mulheres. 

De acordo com Telma Gurgel, da Coletiva Motim Feminista, em Mossoró a concentração começa às 8h na Praça do Pax. Em seguida, sairão pelas principais ruas do Centro da Cidade e encerram a mobilização nas proximidades da faculdade de enfermagem. Durante o protesto terão falas e atividades artísticas. No evento, vão estar presentes mulheres das comunidades rurais, de vários assentamentos e municípios vizinhos como Governador, Assu, Apodi e outros. 

“Amanhã é um grande dia de mobilização das mulheres em todo o Brasil em protesto e denúncia sobre o governo Bolsonaro. Nós sabemos que essa crise econômica, social, sanitária, com o crescimento do desemprego, o aumento da fome, do esfacelamento das políticas públicas, tudo isso, atinge diretamente as mulheres. Principalmente, as mulheres mais pobres, da periferia das grandes cidades, cidades de médio porte, no geral as mulheres são as mais atingidas. E é por isso que vamos às ruas, para dar um basta em Bolsonaro”, disse.  

Telma acrescenta que a saída para o povo brasileiro é ir às ruas, já que, em se tratando do Congresso Nacional, não vem sendo possível a correlação de forças. 

“O orçamento secreto está aí garantindo a blindagem de Bolsonaro, com relação ao impeachment de Bolsonaro, então, infelizmente, o Congresso não é nosso aliado nessa luta, e a única saída é ocupar as ruas para aumentar a pressão sobre as instituições. E é isso que as mulheres vão fazer amanhã em Mossoró juntamente com todas as mulheres no Brasil inteiro”, destaca. 

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Destaque Gerais

Mulheres com deficiência relatam dificuldades na acessibilidade quando precisam dos serviços básicos de saúde

Os serviços de atenção básica a saúde, a maioria, são utilizados pelas mulheres. Nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por exemplo, o público feminino prevalece entre os usuários desses equipamentos. No entanto, muitos desses serviços oferecidos não foram pensados para todas as mulheres. Uma realidade que, infelizmente, existe em todo o país e afeta, também, quando estamos falando de saúde privada e não somente do Sistema Único de Saúde (SUS). 

A revista Matracas conversou com três mulheres com deficiência, cada uma com necessidades específicas. São vários os dramas enfrentados por elas para realizar um simples exame de prevenção. Situações de constrangimento, dificuldades de acesso a determinados aparelhos, acesso a portas de entradas são problemas comuns na vida das mulheres com deficiência quando estas precisam dos serviços básicos de saúde. Situação que, para essas mulheres, significa enfrentar uma dupla vulnerabilidade.

Yascara Samara, filósofa, tem mobilidade reduzida. Ela disse que o problema começa pelo despreparo dos profissionais de saúde que não sabem lidar com as diferenças. Em seguida vem a decadência da estrutura. “Se um deficiente auditivo precisar se dirigir a uma UBS, vai ter que ir acompanhado, pois ninguém sabe a linguagem de sinais (libras). Além disso, a sinalização é falha. Para as pessoas com deficiência visual não é diferente, não existe acesso por meio de pisos táteis, sinalização em relevo nas portas. Eles acabam necessitando de um acompanhante”, disse. 

Com base nos relatos dessas mulheres, as pessoas com deficiência são as que têm que se adaptar às estruturas que são oferecidas nos equipamentos de saúde, ainda que estejamos falando de serviços de atenção básica. “A acessibilidade é o problema mais crítico, pois os cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida como eu, e idosos se aventuram ao tentar subir numa maca. Se levarmos acompanhantes, eles nos ajudam a subir, nos colocam nos braços como criança.  Os equipamentos são velhos, não regulam a altura e o problema existe nas cadeiras de dentista e na maca ginecológica. Eu ainda consigo subir um pequeno degrau, para ter acesso à maca, mas muitas vezes tive que chamar uma pessoa para ajudar a subir”, conta. 

A realidade não é única das UBSs, mas em clínicas e hospitais, sejam públicos ou privados. “Na sala de raios-x, por exemplo, os mamógrafos não se ajustam ao tamanho da cadeira. É uma situação de total falta de empatia e invisibilidade de nós pessoas com deficiências. Apesar de existirem muitos profissionais com deficiência ainda não somos consultados para uma melhoria nos serviços de atenção básica e saúde”, desabafa. 

Situações constrangedoras são comuns. “Outro dia fui fazer um exame ginecológico e a cama era muito alta, o aparelho da médica não conseguia me alcançar. Foi muito constrangedor, tiveram que chamar a atendente para ajudar a me colocar numa posição que desse certo acontecer o exame”, conta.  

Como se não bastasse uma realidade que já é difícil de encarar, Yascara fala dos retrocesso em lei da acessibilidade, referindo-se ao projeto de lei 2505\2021, que revoga um artigo da lei brasileira de inclusão que obrigava os gestores públicos a cumprirem a exigência de requisitos de acessibilidade. 

Sobre mudanças necessárias, Yascara elenca que “falta informação em suas formações, fazer pesquisas de campo, entrevistas, conhecer nossa realidade e trazer melhorias no atendimento, não só para nós mulheres com deficiência, mas também fazer os alunos que vão trabalhar na área aprenderem mais sobre a vivência das pessoas com deficiência. Colocá-los em uma cadeira de rodas, tapar seus ouvidos, vedar seus olhos e fazer de conta que são deficientes para que se tenha mais respeito, sensibilidade e um atendimento mais humanizado. A maioria considera a deficiência como algo distante, mas todos são suscetíveis a se tornar uma pessoa com deficiência, devido a acidentes ou doenças”, diz. 

Yascara acrescenta que em quase todos os espaços em que precisou passar foi necessário essa adaptação e mesmo que possam contar com algumas mudanças, existe omissão por parte dos poderes públicos de todas as esferas, e concorda que muitas coisas ainda precisam ser modificadas. 

“Aos poucos algumas mudanças foram sendo construídas. Na faculdade por exemplo, as rampas de acesso só foram colocadas depois que cadeirantes conseguiram entrar na faculdade, cotas de acesso para entrada, cotas no mercado de trabalho, lei de inclusão nas escolas, mas tudo muito deficitário e suado para conseguir. Por esses motivos, considero sim, muita omissão por parte dos representantes. Ninguém facilita não. Até para carteirinha de transporte público, estacionamentos, provas de concurso a gente precisa provar que tem sua deficiência. A cada seis meses tem que renovar, como se um dia você fosse amanhecer sem ela. É desumano você ficar correndo em busca de um laudo para provar o que não precisa ser provado. Os médicos chegam a se irritar com as idas e vindas aos consultórios para pedir estes atestados e laudos, e muitos nem dão, quando são dá área pública. Penso que seria muito importante um cadastro único para quem tem deficiências permanentes para que não necessite esse sofrimento de provar todas as vezes que tem uma deficiência. Ninguém nos ouve”, explica. 

Lília Campêlo tem sequelas de paralisia cerebral. Ela reconhece que não sofre dos mesmos problemas de um cadeirante, por exemplo. Mas como alguém que é integrada às discussões relacionadas à acessibilidade, ela também se indigna com a forma como as necessidades das pessoas com deficiências são enxergadas. “Nada é pensado em relação a nos atender de maneira adequada, fazendo com que a minha condição enquanto mulher com deficiência seja vista como alguém que esteja sempre precisando da ajuda do outro”, relata. 

Uma mulher com deficiência precisar de um serviço de atenção básica nas Unidades de Mossoró é enfrentar desafios e constrangimentos. “Deitar em uma maca para exames de qualquer espécie é algo simples para quem não tem deficiência. No entanto para mim é algo que necessito sempre de ajuda, em razão da altura da maca ser de um tamanho padrão de forma que não me dá autonomia de subir e descer por conta própria, por ser uma mulher com deficiência nos membros inferiores”, destaca. 

 Ela reforça que tanto o sistema público quanto o privado não dispõe dos serviços adequados para elas. “Os dois sistemas não distinguem o atendimento de uma pessoa com deficiência de outra que não a tenha. Nesse sentido, somos nós, pessoas com deficiência, que temos que nos adequar ao que nos é oferecido”, frisa. 

Lília também reconhece a omissão dos gestores.  “Certamente, de modo até generalista, digo que nunca conseguimos ocupar nossos lugares de maneira natural, sempre nos fizeram acreditar que, por sermos “minorias”, não há a necessidade de adequação dos espaços comum a todos enquanto indivíduo social’, relata.

As situações expostas por essas mulheres apontam para uma necessidade urgente de transformação, tanto nas práticas profissionais quanto na estrutura física dos equipamentos. “Acredito que, em primeiro lugar, precisamos ser vistas como mulheres que estão dentro da mesma sociedade, assim como as demais, que usufruem dos mesmos direitos de atendimento médico que têm as outras pessoa. Inclusive, esse é um dos princípios da dignidade da pessoa humana, que não é levada em conta se essa é ou não uma pessoa com deficiência”. 

Ela acrescenta que a omissão dos gestores é uma revolta que carrega todos que precisam de um serviço de saúde diferenciado. “A gestão pública tem a sua parcela de culpa, principalmente no que diz respeito à acessibilidade da mulher com deficiência aos serviços básicos de atendimento médico. Embora seja usado pela maioria da população, não vejo qualquer projeto que nos acolha de modo especial, dando a devida importância às nossas diferentes necessidades, muitas vezes nos tornando incapacitadas de receber um atendimento de qualidade.  Não visualizo avanço que nos faça acreditar que existe igualdade no atendimento a saúde da mulher com deficiência”, expressa.

Camila Morais, assistente social e palestrante educacional, também tem mobilidade reduzida. Para ela a ausência da visita do agente comunitário de saúde é um problema. Sempre que busca por um agente, recebe a orientação para ir até a UBS. Apesar dos diferentes tipos de deficiência, alguns problemas elas sofrem em comum: a questão da maca para exame ginecológico e quando precisam fazer serviços odontológicos.  

“O meu primeiro exame ginecológico não teve como ser feito na UBS, foi feito na minha casa. Outra vez, precisei ir ao dentista, o profissional fez o atendimento no meu próprio equipamento de locomoção, precisando ficar em uma posição desconfortável, mas efetuou o serviço pois viu que eu não poderia acessar a cadeira convencional que a UBS tem”, afirma. 

Sobre a sexualidade das mulheres com deficiência, a saúde sexual e reprodutiva, ela afirma que é preciso lidar com o despreparo dos profissionais, começa pela forma de abordagem. “Alguns profissionais, durante a consulta, não fazem referência ao atendimento a mim e sim ao meu/minha acompanhante, isso já mostrando uma percepção diante deles que não posso responder aqueles questionamentos e noto receio quando vão fazer perguntas em relação à atividade sexual, traduzindo uma ideia, ainda bem compartilhada, que nós, pessoas com deficiência, não podemos ter relações sexuais”, aborda. 

Lília, Yáscara e Camila concordam que existe um desinteresse em demandas consideradas específicas das pessoas com deficiência. Camila diz que já deixou de realizar exames por dificuldade no acesso aos equipamentos, isso tanto no SUS quanto na rede privada. “Quando vou fazer exames oftalmológicos, preciso de adequações durante todo o exame. Sempre preciso sentar no colo de alguém ou levar de casa algo que possa me deixar em uma altura maior para a realização desse exame”, explica. 

A visão correta de quem elas são seria um passo de mudança social, considera Camila.  Elas lutam para que sejam vista antes de pessoas com deficiência, como pessoas, principalmente, como mulheres. “Como qualquer outra cidadã, temos direitos e deveres. Devemos fazer esse trabalho de conscientização, ou seja, de que nossas deficiências são uma condição e não devem nos resumir somente a elas”, frisa.

Todas discutem e se indignam por serem invisibilizadas. “Há avanços, mas precisamos sempre estar reivindicando, alertando e mostrando que estamos aqui e somos usuárias de todos os espaços. Não é um favor e sim, um direito. Precisamos nos conscientizar e conscientizar as demais pessoas que somos cidadãs legítimas de direitos, como todas as outras”, finaliza Camila. 

 

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Coletivo Negras encerra ciclo do Encontro Formativo de 2021 abordando a obra de Angela Davis

O Coletivo Negras – Núcleo de Estudos de Gênero, Relações Étnico-Raciais, Aprendizagens e Saberes do Semiárido, vai estar concluindo, nesta sexta-feira (26), o ciclo de Encontros Formativos do semestre 2021.

O próximo e último encontro desse ano vai abordar a temática Mulheres, Raça e Classe, inspirada na obra de Angela Davis, e terá como facilitadora a professora da Ufersa, Auristela Crisanto da Cunha.

Auristela explica que os encontros formativos e palestras do grupo são sempre voltados à pauta inclusiva e respeito à diversidade, com preponderância da temática negra, que é a razão primeira do projeto. “De minha parte, farei uma apresentação sobre Angela Davis, em Mulheres, Raça e Classe”, frisa.

Segundo Ady Canário, professora da Ufersa e coordenadora do projeto, o Encontro de novembro, conclui o ciclo que foi iniciado antes da pandemia com o estudo de autoras negras, a partir do olhar das participantes do Coletivo Negras. Apesar de ter sido adaptado a um novo formato, Ady destaca que o projeto foi imenso e bem recepcionado.

“Os encontros foram mensais e adaptados ao remoto. O balanço é positivo por afirmar um espaço interdisciplinar e estendido a escola e comunidade, dando visibilidade às mulheres negras e suas próprias leituras e partilhas”, disse.

Ao longo dos encontros foram trabalhadas autoras como Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Joice Berth, Bell hooks, Chimamanda, Sandra Petit, Vilma Piedade e, por último, Angela Davis.

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Destaque Matracas Literárias

Esta não é uma metáfora

Não me ofereça a sua pia cheia de louça,  mas se eu quiser lavar, aceite. Retribua-me com beijinhos e companhia. Pegue o pano para secar.
Não  me venha com nódoas na roupa para eu esfregar até que fiquem novamente alvas; mas se quiser parceria para testar uma solução, pode me chamar.
Não finja que o banheiro não precisa de limpeza. Façamos um acordo para que esteja sempre limpo e tomemos banho juntos ao anoitecer.
O que foi que houve com o prazer de cuidar? Quando nos perdemos delegando coisas tão importantes da nossa intimidade? Como chegamos ao ponto de nos envergonharmos da vida real?
Por que eu seria convidada a  sentar à sua mesa e provar a melhor comida, e por outro lado inferior por querer lavar os pratos?
Às vezes me assusto em ver como evitamos que nossos convidados mais esperados descubram a sujeira das nossas panelas. Como se fosse possível entregar só o que é bom. Talvez isso nem exista. Nem há graça em ser perfeito o tempo todo.
Talvez a gente precisasse esconder menos as nossas “áreas de serviço”, e se divertir mais lavando o chão. Para que nossos ‘segredos’ sejam do tamanho que são, e não maior do que nós. Para que a intimidade não nos intimide, mas nos liberte.
Tem coisa mais linda do que uma casa limpa?
Tem coisa melhor do que saber ser responsável por isso?
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Destaque Gerais

Graicy Cunha – e o poder transformador das tranças

Hoje 20 de novembro, data em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, a revista Matracas conta a história de Graicy Karen da Cunha, 31 anos, mulher, negra, filha adotiva de pais brancos, mãe solo de dois filhos, administradora por formação e trancista por opção.  Em seus relatos ela conta como sua vida foi transformada a partir das tranças afros. Para ela que desde muito pequena foi submetida a tratamentos capilares para alisar os cabelos, poder viver o natural dos seus cabelos foi a maior transformação de sua vida.

“Eu cresci em escola de pessoas brancas e de poder aquisitivo maior. Então até os meus 15 anos eu lembro que eu era ou uma das duas ou a única pessoa negra da sala. Sempre percebi que a sociedade vê como uma mulher bela, aquela que tem a pele branca e os cabelos lisos. Eu me sentia perdida nesse mundo que não era meu e achando que para ser aceita, eu precisava usar produtos químicos no cabelo para que ele ficasse liso”. Declarou.

A história de Graicy começa com o relato de uma vida inteira sendo submetida a tratamentos para alisar os cabelos com o pretexto de ser aceita por uma sociedade racista e preconceituosa. Porém, ainda adolescente, conseguiu virar a mesa, se rebelar e assumir a naturalidade dos seus cabelos crespos. Uma decisão que não mudou apenas a sua imagem, mas segundo ela, promoveu o resgate de sua própria identidade. “Pelo fato de não me reconhecer em um mundo do qual eu não fazia parte e não me identificava, eu era uma pessoa introspecta, tímida. Com 16 anos minha mãe me levava nos salões de beleza para alisar meu cabelo. Eu não aguentava mais, era sempre uma tortura para mim. Hoje eu tenho pavor de salão de beleza”, destacou.

Graicy se refere com muito carinho ao esforço que sua mãe fazia com a intenção que a filha fosse inserida na sociedade, sempre a levando para os salões para manter os cabelos lisos. “Um dia a minha mãe me levou até uma pessoa que ela tinha ficado sabendo que trançava cabelo e foi o dia mais importante e feliz da minha vida. Foi quando me senti livre e encontrei minha verdadeira identidade”, relatou.

A partir de então, Graicy aprendeu e passou a trançar o próprio cabelo e afirma que as tranças para uma mulher, principalmente se ela for negra, não é apenas um penteado, simboliza poder, libertação. “As tranças me deram liberdade e poder, eu me sinto tão forte com minhas tranças que passei a pesquisar sobre a origem das tranças, o que elas significam, foi como um reencontro com minhas raízes”, comentou.

A DESCOBERTA DE UMA PROFISSÃO

Formada em Administração, Grayce foi fazer estágio em uma empresa de comunicação e ao fim do estágio veio a contratação. Em menos de um ano foi convidada a assumir o cargo de produtora e por fim passou a diretora de produção. “Essa foi uma fase profissional pra mim muito importante, porém, difícil. Eu lembro que nos primeiros dois anos diretora de produção eu ia trabalhar chorando. Na ocasião, a maioria das pessoas com quem eu trabalhava eram homens e muitos eram irredutíveis às minhas ordens e isso me deixava muito pra baixo. Porém resisti por muito tempo e sou muito grata pelas oportunidades que me foram dadas porque me renderam grandes aprendizados”, Relata.

Grayce conta que assumir um cargo de liderança e o fato de ter que comandar um grupo composto, em sua maioria, por homens e os problemas com a não aceitação de suas ordens e opiniões a levaram a uma depressão. “Foi muito difícil, mas consegui superar. Eu lembro de casos de pessoas que chegavam para ser entrevistadas e me pediam para eu servir água e cafezinho me confundindo com a profissional que realizava esse serviço, mas nunca me incomodei e trabalhei nessa empresa por 10 anos”, detalhou.

Durante o trabalho na empresa de comunicação Graicy foi incentivada a fazer tranças em outras pessoas, colegas de trabalho. “As pessoas viam que eu tinha habilidade para fazer tranças e me pediam para trançar os cabelos delas e foi lá que consegui minha primeira cliente”, comentou. A partir de então, quando saiu da empresa de comunicação já tinha planos para trabalhar fazendo tranças e montar seu próprio espaço.

VIDAS RESGATADAS ATRAVÉS DAS TRANÇAS

Hoje, Graicy é trancista profissional e montou um espaço para atender as clientes em sua residência. É o “Ébanos Tranças”. Além de trançar o próprio cabelo e de ter conquistado uma lista de clientes, ainda ministra oficinas para mulheres que residem nas periferias, ensinando a elas a fazer tranças e diz ser um trabalho que faz com muito prazer. “Eu descobri essa minha habilidade a partir da minha necessidade de trançar o meu próprio cabelo e hoje esse é o meu trabalho. Eu estou tendo a oportunidade de conhecer histórias de mulheres incríveis, como as mulheres que fazem tratamento de câncer e chegam aqui quase sem cabelo e quando eu tranço o cabelo delas e vejo a reação após o resultado, isso pra mim não tem preço”, comentou emocionada.

O contato com as clientes que fazem tratamento de câncer surgiu a partir de amizades com pessoas que trabalham no AAPCM. Graicy conta que cada história que chega até ela é uma lição de vida. “Eu tenho cliente que chega aqui cheia de marcas e cicatrizes e depositam no meu trabalho a esperança de resgatar a autoestima e isso é uma responsabilidade muito grande e uma experiência muito importante pra mim como profissional e mulher. Quando eu consigo devolver para essa mulher um pouco de dignidade não há nada que pague isso”, detalhou

A trancista conta que ainda existe muito preconceito com as mulheres que decidem trançar os cabelos. “A intolerância com as mulheres que decidem ser o que querem ser é absurda. Tem casos aqui de mulheres que dizem que os maridos não aceitam que elas trancem os cabelos e quando elas decidem fazer mesmo contra a vontade deles sofrem retaliações dentro de casa”, contou.

As histórias entre elas, são repassadas através de um grupo de Whatsapp onde elas compartilham experiências e relatam que o preconceito com quem usa trança afro ainda é muito presente. “Eu conheço uma advogada que já manifestou o desejo de trançar os cabelos, mas não fez por medo de sofrer represália em seu trabalho”, exemplificou.

HISTÓRIA – Manipular o cabelo com tranças é técnica histórica, presente em muitas nações africanas. O princípio é simples, único, entrelaçamento de três mechas de cabelo a partir do couro cabeludo. Mas o simbolismo vai além do movimento e da beleza. Representa poder, luta, resistência ostensiva, informação, sistema de linguagem.

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O FILHO DE MIL HOMENS E A DOR DA INCOMPLETUDE

Como diria Alceu Valença, “A solidão é fera, a solidão devora”, e foi em meio ao isolamento pandêmico, que me vi acolhida na escrita simples e lírica de Valter Hugo Mãe, premiado escritor português e declaradamente apaixonado pelo Brasil. O filho de mil homens é o quinto romance do escritor, e nele somos devorados pelo vazio e angústia de seus personagens que, cada um a seu modo, buscam uma forma de preencher o que lhes falta. 

Crisóstomo é um humilde pescador que, aos 40 anos, sentia-se pela metade – faltava-lhe um filho. E, reconhecendo-se infeliz, partiu em buscar de encontrar uma criança que pudesse adotar. Crisóstomo “acreditou que o afecto verdadeiro era o único desengano, a grande forma de encontro e de pertença. A grande forma de família”. A sua busca chegou ao fim quando, em seu trabalho, apareceu Camilo, um jovem órfão de 14 anos, “um rapaz carregado de ausências e silêncios”. Imediatamente o pescador percebeu que era ele. Camilo é o filho que tanto esperou e não hesitou em pedir ao rapaz que o aceitasse como seu pai. Camilo, emocionado, logo correspondeu às expectativas do pescador e aceitou ser seu filho. Agora, Crisóstomo sentia-se inteiro. 

Isaura é filha única, que muito cedo foi arranjada para o filho dos vizinhos. O que seus pais não esperavam era que a moça fosse se entregar ao rapaz antes do casamento, ainda menor de idade. Desvirtuada, Isaura passou a ser enjeitada; “envergonhava-se de ter um dia oferecido tudo ao amor”. Com a decepção de ver-se abandonada, Isaura não comia e passou os anos a definhar. Ela “não queria ser ninguém. Queria diminuir até ser nada”.Chegou aos trinta anos muito magra e por dentro era  como estava por fora: a definhar.

Antonino é “um homem dos que não gostavam de raparigas e precisavam de fazer de conta”. Educado pela mãe, cresceu confuso com seus próprios sentimentos. E, entre seguir sua orientação sexual e corresponder às expectativas de sua mãe que não aceitava o filho como era, viu-se perdido.
O livro nos apresenta personagens que, inicialmente, nos parecem histórias avulsas, mas que ao longo do enredo vão se encontrando e se complementando. O homem pela metade, o órfão, a mulher enjeitada, o maricas, assim como os demais personagens que são demasiadamente humanos. O filho de mil homens é um verdadeiro mergulho em nós mesmos: é um livro que nos atravessa, não saímos ilesos dele, pois nos mostra que o acolhimento salva, estreita relações e, a partir delas, nos sentimos pertencentes no mundo.

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Márcia Eurico, autora do “Racismo na Infância” receberá o prêmio Benedicto Galvão da OAB

Na próxima terça-feira (16/11) a professora Dra. Márcia Campos Eurico receberá o prêmio Benedicto Galvão, da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB-SP), que chega a sua décima edição.

Márcia é professora, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP e pós doutoranda pela PUC-RJ, no programa de Direito. Além de pesquisadora em Racismo Social na Infância e autora do livro “Racismo Social na Infância”, publicado pela Editora Cortez, ela vem produzindo há mais de 15 anos bibliografias sobre as relações étnicos-raciais e o racismo.

Segundo a organização da premiação a “condecoração foi instituída pela Comissão de Igualdade Racial no ano de 2012, sob a chancela do Conselho Secional, homenageando o primeiro presidente negro da Entidade (1940-1941) e enaltecendo o trabalho daqueles que, como ele, perseveram na luta em favor da equidade e da cidadania, seja com ações afirmativas, seja com políticas públicas ou privadas de inclusão social, e pela manutenção das liberdades, restaurações e preservação dos valores democráticos”.

Neste sentido, Márcia Eurico, mulher preta e periférica, entrou na universidade tardiamente, já tinha dois filhos e dividia o tempo entre os estudos e as demais jornadas tão conhecidas pelas mulheres negras, a partir do destaque que obteve. Já na graduação iniciou a docência e atualmente é professora efetiva na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus da Baixada Santista.

O prêmio Benedicto Galvão dá destaque à brilhante obra o Racismo na Infância, de Márcia. Se não bastasse sua vasta produção, a professora participa ativamente das instituições destinadas a pesquisa e estudos relativos à infância/adolescência e à luta antirracista. Sua atuação junto aos movimentos sociais é destaque em sua trajetória. Além disso, seu afeto e forma de ensinar a torna uma verdadeira educadora.

Em sua conta no Instagram (@marciaeurico) ela externa a alegria pela premiação e sua importância. “Muitas são as vozes que ecoam nesse momento e somadas a minha, traduzem em forma de palavras, a alegria desse encontro. Gostaria de compartilhar com vocês e convidar-lhes para acompanhar virtualmente, a cerimônia de premiação do X Prêmio Benedicto Galvão dá OAB. Serei premiada pelo ativismo e pela minha produção intelectuais antirracista, com destaque para o livro “Racismo na Infância”. Dedico esse prêmio a todas as mulheres negras que vieram antes de mim e aquelas com as quais compartilho a jornada hoje”.

Em 2018 a PUC-SP ficou ocupada pelos alunos (as/es) por quase uma semana, no movimento intitulado #MarciaFica! As alunas (os/es) reivindicavam a permanência da professora no Curso de Graduação em Serviço Social, ao denunciar como o racismo institucional está impregnado nas universidades. O movimento trazia à tona a dura realidade e que o Curso de Serviço Social nunca

teve em seu corpo docente uma professora (o/e) efetiva (o/e) negra (o/e) em seus mais de 70 anos de existência. Márcia Ficou, não como professora efetiva da universidade em questão, mas na história da luta contra o racismo e provando a tão famosa afirmação que quando uma mulher negra se movimenta ela movimenta o mundo (Ângela Davis). O prêmio é considerado um reconhecimento que se estende também à uma das maiores escritoras do Brasil, Carolina Maria de Jesus (in memoriam).