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Colunistas Destaque Socorro Silva

Brincadeira de criança: Como educar para a igualdade a partir dos brinquedos.

A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente. (2004, Chimamanda Ngozi)

 

Por que devemos educar meninos e meninas para igualdade de gênero? Por que devemos educar homens e mulheres para serem mais felizes, livres de preconceitos e discriminações que tanto inferiorizam as mulheres e subalternizam as relações entre ambos? Precisamos criar nossos filhos e filhas de maneira diferente? Mas, por que, precisamos de uma educação que promova a igualdade de gênero e raça? Você, também, considera importante esta premissa, de que a educação igualitária, pode contribuir para mudanças de relacionamentos e comportamentos entre homens e mulheres?  E o que a simples, escolha de brinquedos para meninos e meninas, podem influenciar nesta mudança? E por onde começamos?

Então, é sobre este e outros temas que envolvem a educação para a igualdade de gênero, que vou me reportar neste texto. Dialogar sobre a importância da construção social do conceito de gênero em nossa sociedade, e como este produz os preconceitos e estereótipos através dos processos formativos que desenvolvemos E como educarmos meninas e meninas desde sua infância. Além de destacar como os brinquedos, que são destinados a eles, são instrumentos eficientes, de disseminação de ideias, valores que perpetuam e reproduzem as desigualdades entre homens e mulheres, desde muito cedo e contribuem para reforçar e legitimar estes estereótipos e preconceitos que refletem os padrões e valores culturais engendrados na sociedade. É bem verdade, que eles não são os únicos a contribuir neste processo, mas tem sua parcela de influência e colaboração. 

Início minhas reflexões, a partir das reflexões apresentadas pela autora Nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em seu livro, “Sejamos todos feministas” (2014), no qual discute sobre as bases das desigualdades entre homens e mulheres, a partir dos conceitos chaves do feminismo, sua relação com o conceito de gênero e as diferenças estabelecidas a partir do mesmo; onde afirma que, “o problema de gênero e que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero.” (p.9). Neste sentido, desconstruir esta formação e os valores inculcados ideologicamente no que se refere ao conceito de gênero e suas implicações, se faz necessário; leva tempo e requer disposição concreta para efetivar estas mudanças, pois devemos iniciar nossa incursão neste processo tão difícil e árido, nos questionando, sobre qual seria nosso papel, como pais, mães, educadores (as), avós, tios etc. Pois em nossa sociedade, temos  vários tipos de família, e neste sentido, devemos considerar todos aqueles e aquelas que lidam com a formação cotidiana de nossas crianças. 

Portanto, devemos iniciar nossa reflexão, nos perguntando, como podemos contribuir para “educar para igualdade”? Como promover uma educação livre ou isenta de preconceitos e estereótipos, ou seja, nos assentarmos sobre outros parâmetros e valores, conforme nos diz Chimamanda (2014), “é importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente”. E como devemos educar meninos e meninas, para um mundo mais justo e igualitário, e digo mais, sem preconceitos, de gênero, raça, sexualidade ou etnia. Pois, todos os preconceitos estabelecidos por estes marcadores sociais, geram prejuízos irreparáveis para a vida social, cultural e política destes grupos sociais. 

E neste sentido, devemos refletir sobre como educamos e ou “deseducamos”, os meninos e meninas em nosso meio social. Seja na escola, na família, na igreja, em clubes e associações e todos os espaços sociais que nos organizamos, estamos educando; e inclusive através dos brinquedos que compramos, e que muitas vezes se mostram inofensivos, uma diversão, um mimo para nossos(as) pequenos(as). Mas que no fundo, eles traduzem valores e reproduzem as assimetrias de gênero, bastante profundas em nossas vidas. E para isso precisamos indagar, sobre quais valores ou ideias reafirmamos nossa visão sobre os papeis que devem ocupar homens e mulheres em nossa sociedade?

Acreditamos que homens e mulheres, tem direitos iguais e que as mulheres, são sujeitos políticos de direitos e livres em suas escolhas, que precisam ser respeitadas e valorizadas? A escritora bell hooks, que nos deixou recentemente, falecida em 15 de dezembro de 2021. Uma grande referência na luta contra o racismo, em defesa do feminismo negro, escritora respeitada intelectualmente e reconhecida por sua atuação na luta dos direitos das mulheres, especificamente as mulheres negras; nos fala com bastante propriedade sobre o tema do feminismo e sua importância para esta educação igualitária.  Quando afirma que na maioria das vezes pensam que o feminismo, são um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens. Mas, que não compreendem, que o Feminismo, é a luta das mulheres por direitos, e direitos iguais. (hooks,2019).  Fato este, que gera, críticas e controvérsias por alguns que não reconhecem e compreendem a importância do movimento e seus objetivos, que é ação política das mulheres pela transformação social das relações de poder entre homens e mulheres em busca da igualdade de direitos no campo político, econômico, social e cultural. 

E por que, trouxe o tema do Feminismo, para este contexto? Para suscitar nossa compreensão sobre o assunto. As mulheres ao longo de décadas de história, buscam construir outras relações sociais, contra o sexismo, machismo e o racismo, fato este, que invisibiliza a luta das mulheres e suas conquistas por direitos. Pois existe um sistema patriarcal, que molda e legitima nossas ações, e subordina as mulheres as condições de inferiorização e submissão desta pseudo hegemonia. Ou seja, passamos a agir, a partir deste sistema, perfeito e reprodutor das desigualdades, onde “tudo que fazemos na vida está fundamentado em teoria. Seja quando conscientemente exploramos as razoes para termos uma perspectiva especifica, seja quando tomamos uma ação especifica, há um sistema implícito moldando pensamento e prática. (bell hooks, 2019, p.41).    

Portanto, devemos mudar estas relações de poder instituída e estruturadas na subalternidade e opressão das mulheres. Para que possamos fazer escolhas políticas e ideológicas de forma conscientes e assim contribuir para a igualdade de gênero, construindo um mundo, sem sexismo, racismo, machismo e todas as formas de preconceito e discriminação que tanto violam nossa autonomia e subjetividade. E nossas escolhas passam desde a escolha de uma linguagem não sexista e inclusiva na escola, baseada nas brincadeiras, leituras, bem como a escolha de brinquedos para nossos filhos e filhas! 

De fato, educar de forma consciente, requer mudanças de paradigmas e rupturas com as velhas e arcaicas tradições e valores herdados de nossos pais, resultados de uma sociedade sexista e machista na sua genealogia, provenientes das desiguais relações de gênero.  Pois, segundo afirma Camurça, (2004),

Gênero é um conceito útil para explicar muito dos comportamentos de mulheres e homens em nossa sociedade, nos ajudando a compreender grande parte dos problemas e dificuldades que as mulheres enfrentam no trabalho, na vida pública, na sexualidade, na reprodução e na família.  

 

Ou seja, os reflexos da desigualdade entre homens e mulheres, a incidência de violência contra as mulheres, a desigualdade salarial e a atribuições do trabalho doméstico as mulheres, entre outros resultados, nos dizem muito desta relação desigual em que as mulheres são submetidas, originada tanto deste perverso sistema econômico capitalista que vulnerabiliza e precariza o trabalho das mulheres, como das relações de gênero provenientes deste modelo machista e sexista que bem conhecemos. Pois as partir das representações de gênero segundo a autora, se estabelecem os papeis a serem cumpridos por homens e mulheres, entre as mulheres e a relação entre os homens, onde a sociedade cria as “relações de gênero”, gerando desta forma as assimetrias de gênero e a hierarquização do poder, pois as relações de gênero produzem relações desiguais de poder. E seguindo este raciocínio das relações de gênero e de poder. Atribuímos valores e prestigiamos a comportamentos e características masculinas em detrimento da feminina. O que vimos se reproduzir nas profissões, nos espaços políticos, nos cargos nos topos das gerencias e na academia, ou seja a hegemonia masculina no topo. Mas ainda bem que estamos mudando esta realidade e hoje ocupamos lugares diversos e plurais, estamos rompendo aos poucos com estas representações desiguais de gênero.   

Acompanhando estas representações de gênero e seus efeitos na sociedade, vamos refletir sobre nossas opções pelos brinquedos e ver como eles se encaixam nestas representações? Você é daqueles e daquelas que compram para as meninas, bonecas, panelinhas, conjunto de cozinha, ferro de passar entre outras coisas que reforçam o papel da mulher no trabalho doméstico e o cuidado da família; que reservam a elas o espaço privado do lar e o papel de cuidados na família. Já comprou aquele bebê branco, onde as meninas são ensinadas a dar banho, trocar fralda e dar mamadeira, reproduzindo mais uma vez os estereótipos, do lugar da mulher, em casa e cuidando dos filhos? Vamos refletir, será que estas brincadeiras e brinquedos, reforçam e reproduzem estigmas e estereótipos quanto aos papeis sociais desempenhados pelas mulheres na sociedade e reproduzem as desigualdades e diferenças?

E os brinquedos dados aos meninos? são carros, bonecos de guerra, de filmes, heróis de quadrinhos sempre fortes e imbatíveis, além de miniaturas de tanques de guerra, castelo, posto de gasolina, campo de futebol, bolas e armas. O porquê destas escolhas? De onde saiu sua opção por estes brinquedos, selecionados por gênero e sexo? Por que os brinquedos dos meninos, simbolizam força, coragem, inteligência e perspicácia e o brinquedo das meninas traduzem, fragilidade, meiguice, cuidados e amabilidade? Já parou para pensar que estas características definem os papeis, características e habilidades que eles devem   apresentar ao longo da sua vida? 

A escritora bell hook nos dizia que a maioria de nós mulheres fomos socializadas para aceitar os pensamentos sexistas, desde cedo somos educadas que homens e mulheres ocupam papeis e lugares diferentes em nossa sociedade. E os brinquedos reproduzem estes modos de pensar, agir e se comportar. Eles nos ensinam que as mulheres são para cuidar da família, e por isso desde muito cedo, os brinquedos servem como pequenos laboratórios para ensinar o “ofício” de ser mãe, dona de casa e cuidadora do lar. As panelas nos ensinam a cozinhar, a fazer as prendas do lar, as miniaturas das máquinas de costura, nos ensinam a costurar, ou seja, “tarefas exclusivamente femininas”. Reafirmando o que disse Camurça (2004), “As relações de gênero determinam os comportamentos masculinos e femininos que devemos ou não devemos ter em cada etapa da vida.” E os brinquedos são uma extensão desta modelagem em uma etapa de nossa vida.

E porque os meninos não são atribuídos estas responsabilidades desde cedo. Eles crescem sabendo que o papel destes cuidados da casa e da família, é único e exclusivamente da mãe, avô, irmã, tia. Ou seja, de uma mulher, nunca de um homem. Eu penso, que já temos mudanças significativas neste processo, em que já temos alguns homens, assumindo esta responsabilidade das tarefas de casa e cuidados da família, mas ainda são tão ínfimas as mudanças, o que ainda vemos com frequência é   a sobrecarga do trabalho doméstico e da dupla jornada, ainda sobrecai sobre os ombros das mulheres.

A matéria publicada no Correio Braziliense, denominada “Não diferenciar brinquedos de meninos e meninas é ferramenta para igualdade”, das especialistas, Valeska Zanelo- Psicóloga e Andreia Ono-Educadora. No texto elas destacam que “da construção social dos papeis masculinos e femininos surgem preconceitos que se refletem no uso dos brinquedos.  É o que chamam de estereótipos de gênero: a crença de que certos comportamentos e certos objetos são naturalmente; de meninas; e outros; de meninos;”. É de fundamental importância, que os brinquedos possam refletir outros valores e ideias, que possam ser diversos e que não limitem as possibilidade e potencialidades que os meninos e meninas expressam na sua infância e nem gerem e reproduzam estereótipos. Como nos disse Camurça, gênero e um conceito socialmente e culturalmente construído e que deve ser desconstruído, promovendo uma educação igualitária e sem restrições ou estigmas. 

A psicóloga Valeska Zanelo, afirma que é a reprodução da  já conhecida tecnologia de gênero” da  escritora americana Teresa de Lauretis ,onde afirma que a tecnologia de gênero, são produtos culturais que não só representam diferenças e estereótipos em relação ao gênero como incitam essas diferenças e criam realidade”. Zanelo também destaca que observa que um dos maiores fatores de desempoderamento da mulher é o dispositivo amoroso; na nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas. As mulheres são ensinadas a amar os homens”.  E o que nos lembra Chimamanda Ngozi, quando afirma que “Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente”.

Que tal começarmos por aí, construindo espaços mais saudáveis, interativos, e criativos, com brinquedos que estimulem a criatividade, inteligência, coragem e a responsabilidade entre meninos e meninas. Sem definição de rótulos e estereótipos de gênero, raça, sexualidade, sem denominar “coisas de meninos e meninas”. Uma sociedade igualitária começa desde a infância, com práticas, experiências e comportamentos que estimulem a igualdade e o respeito na prática em seu cotidiano. Só assim poderemos sonhar com uma sociedade de homens e mulheres “mais felizes”. Livres de amarras e preconceitos!

 

Referências:

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

hooks, bel. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução Ana Luiza Libânio. – 4 ed. -Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. 2019. 176p.; 21cm.

 Não diferenciar brinquedos de meninos e meninas é ferramenta para igualdade. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2018/10/08/interna_revista_correio,711080/nao-diferenciar-brinquedos-de-meninas-e-de-meninos-promove-igualdade.shtml. Acesso  em 18 de novembro de 2021.  

CAMURÇA. Silvia; GOUVEIA, Taciana. O que é Gênero.4ª ed. – Recife: SOS CORPO. Instituto Feminista para a Democracia. 2004. 40p. – (Cadernos SOS CORPO. v I.). 

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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Volta às aulas: como proceder com meu filho autista?

Estamos nos aproximando da retomada de mais um ano letivo, momento instigante, de expectativas e também de desafios tanto para nós professores quanto para nossos alunos. Novas perspectivas, novos docentes, mudanças, recomeços. Quem nunca quando criança não aguardou ansiosamente o primeiro dia de aula, rever os colegas, conhecer os novos, começar a usar livros e cadernos? Tudo novo, mesmo que seja em um ambiente já conhecido.

Mas, e as nossas crianças autistas? Já pararam para pensar como eles veem esse “novo”? Eu diria assustador. Indivíduos no espectro são apegados à rotina e previsibilidade, coisa que em um primeiro dia de aula é quase impossível termos controle de algumas situações. A literatura diz que o cérebro autista reage de maneira diferente às pessoas neurotípicas, gosto sempre de fazer analogia a um programa de computador. Por exemplo: o pacote office, da Microsoft, vem com diversos dispositivos que utilizamos no dia a dia, como: Word, Excel, Power Point. Já o sistema Linux é um software livre, distribuído gratuitamente, porém pouco acessado pela maioria das pessoas por diversas situações. Ou seja, os exemplos dos dispositivos são para externar que ambos têm diferenças, basta empenho e estudo para que consigamos operacionalizá-los bem. Assim é o cérebro autista, realmente age de maneira diferente. 

Os autistas têm um processo sensorial diferente quanto às sensações que chegam ao cérebro, sendo divididos em 7 sentidos: visual, olfativo, tátil, gustativo, auditivo, proprioceptivo e vestibular. Você pode estar estranhando esses dois últimos! Eu também não os conhecia até começar a estudar e entender a perfeita conexão entre eles. Muitas pessoas no espectro têm Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), que é quando muitos desses sentidos funcionam de maneira desordenada; podendo apresentar hipo (baixa) ou hiper (alta) sensibilidade. De todos eles talvez os mais disseminados sejam os auditivos e gustativos, os dois quando são hiper trazem enormes prejuízos a própria pessoa e aos familiares, pioram muito a qualidade de vida. Barulhos intempestivos como sirenes, buzinas e fogos de artifício podem causar muito sofrimento acarretando até crises autolesivas. O gustativo também é um grande problema pois pode trazer seletividade alimentar ocasionando deficiência de algumas vitaminas, causando prejuízos nutricionais.

Voltando ao ambiente escolar, explicarei sobre o proprioceptivo e vestibular, talvez desconhecidos para a grande maioria. O primeiro é a capacidade de localização do corpo no espaço, por exemplo: o professor tem um aluno que é um pouco descoordenado, não tem noção de força para sentar em uma carteira, abraçar… já no segundo sentido, o aluno tem verdadeira aversão a tudo que o coloque em movimentos bruscos e abruptos, como: subir ou descer em brinquedos do parquinho, pular, girar, etc.

Após um breve apanhado para entendimento do quanto é complexo e rico um ambiente escolar, aí vão algumas dicas valorosas para que você dessensibilize o retorno do seu filho à escola.

  1. Faça dele ator principal no processo: dependendo da situação e estudando a possibilidade, leve-o para escolher alguns itens do material escolar. Ele se sentirá importante!
  2. Leve-o à escola antes do início das aulas, faça-o ver as pessoas que lá trabalham, se possível mostre foto e nome da nova professora, mostre a nova sala de aula;
  3. Mostre o fardamento, vista-o, faça o percurso alguns dias para dar previsibilidade;
  4. Faça um novo quadro de rotina em casa bem estruturado mostrando as mudanças;
  5. Prepare-se para repetir várias e várias vezes a mesma coisa e também responder diversas vezes as mesmas perguntas. Paciência é a alma do negócio;
  6. Esta última é especialmente para você, pai, mãe ou responsável: algumas vezes as coisas parecem não estar sob nosso controle (e nem sempre estão), mas acredite no processo, ele acontecerá da melhor maneira possível. Acredite em seu filho (a) e em você!

A transformação será linda!

Bom ano letivo a todos (as)! 

 

 

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Destaque Gerais

Bordado como principal fonte de renda das mulheres em Timbaúba dos Batistas

O Seridó é uma região conhecida pelos bordados e é na cidade de Timbaúba dos Batistas que moram as principais bordadeiras do Rio Grande do Norte, as mulheres que são responsáveis por transformar o bordado em verdadeiras obras de arte.  

A arte de bordar atravessa gerações. A maioria das bordadeiras aprenderam com seus familiares, muitas delas ainda na adolescência. Uma prova disso é a história da bordadeira e, atualmente coordenadora do artesanato no Município de Timbaúba, Jailma Araújo Gomes. Desde os 12 anos que ela empreende na arte de bordar, trabalho que já aprendeu com sua mãe. Hoje, com 41 anos, esse trabalho é a sua principal fonte de renda, mesmo tendo tentado outros tipos de trabalho ela sempre concentrou seu talento no bordado. “Já tivemos até 3 gerações de bordadeiras na mesma família, mas atualmente só temos duas gerações, mãe e filha em boa parte das residências”, confirma. 

Segundo Jailma 80% da economia vem do bordado, e nos últimos cadastros foram registrados aproximadamente 800 bordadeiras mulheres, desse número, a maioria é de mulheres que são chefes de família, um fato que relaciona o trabalho artesanal à autonomia financeira das mulheres. 

O artesanato inclui diferentes tipos de trabalho. O bordado, especificamente, concentra uma sequência de mão de obra até o produto ficar pronto para ser comercializado. “Na cadeia produtiva do bordado temos o riscador, a lavadeira e a passadeira, que inclusive estamos com um número bem reduzido. Riscadores temos apenas 5, lavadeira 3 e passadeiras 6, sendo 3 do sexo masculino”, frisa Jailma. 

A comercialização dos produtos é feita por vários canais como as feiras de artesanato e pela internet. Os produtos variam entre cama, mesa, banho, enxoval para recém nascidos, roupas, redes entre outros. As entregas são feitas em todo o Brasil, mas é no município, na “Casa das Bordadeiras Iracema Soares”, que concentra a maior parte das ações, inclusive a comercialização. Para os que desejam encomendar via internet, no instagram @casadasbordadeiras tem os contatos pelos quais poderão ser feitas as encomendas. 

Foto: Jailma Araújo

“A Casa dá suporte desde oficinas e capacitações até as vendas dos bordados. Aqui temos uma lojinha onde são comercializados os bordados e recebemos também encomendas. Além da lojinha participamos de feiras de artesanato municipais e estaduais”, destacou. As principais feiras que as bordadeiras participam e que também são pontos importantes de comercialização são: FIART, FENEARTE, FAMUSE e a feira de Belo Horizonte. 

Jailma acrescenta que o apoio do Governo do RN às profissionais vêm principalmente na realização de feiras de comercialização através do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), além disso, existem novos projetos que ainda estão em fase de planejamento. 

Assim como os outros segmentos, o artesanato também sofreu as consequências da pandemia. A escassez de matéria-prima, durante o período em que as fábricas paralisaram sua produção, e o aumento no custo da matéria-prima, foram os principais problemas enfrentados pelas profissionais, que somaram com a queda nas vendas dos produtos. Apesar dos desafios, Jailma acredita que a partir dos projetos que estão surgindo é possível alimentar boas perspectivas para os próximos anos.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Efeitos de Leitura na Relação Ubuntu/Vida

“[…] a ética ubuntu como uma maneira afroperspectivista de resistência e configuração dos valores humanos em prol de uma comunidade que seja capaz de compartilhar a existência” (Renato Noguera).

A reflexão se faz em torno da noção “ubuntu” que se constitui em diferentes discursividades e relações de sentido de diversidade étnico-racial na atualidade. Qual o sentido de “ubuntu. Em sua materialidade linguística e histórica, o termo “ubuntu” congrega “ubu” que quer dizer “ser” e “ntu” no sentido de “existência”, conforme construção de grupos étnicos e da filosofia africana e afro-brasileira. Essas experiências constituem-se, por exemplo, em descrever modos de subjetividade de viver e existir individual e coletivamente. 

Alguns defendem “ubuntu” como realização que perpassa processos de alteridade, “eu sou porque nós somos”. Ou seja, ser capaz de partilhar, dentro dessa concepção, é extremamente salutar para a existência que se faz coletivamente.  Assim, o sentido do “ubuntu” representa resistência e um modo afroperspectivista, isto é: “[..] a realização de uma pessoa passa pelas outras, significa que a capacidade de partilhar com as outras é fator indispensável na construção individual”, como argumenta Noguera.

Nesse olhar, da linguagem ética do “ubuntu”, “[…] a generosidade é exaltada num sentido cada vez menos convencional, não se trata de ofertar, doar recursos ou fazer das outras pessoas um objeto da caridade individual. Mas, significa trabalhar junto e fazer do resultado dos esforços um campo vasto para circulação e proveito de todas as pessoas”, na discussão de Renato Noguera. 

Nesse sentido, “O ubuntu reconhece a interconexão da vida. Minha humanidade, dizemos, está costurada à sua humanidade. Uma das consequências  do ubuntu é que reconhecemos que todos nós temos de viver nossa vida de forma a garantir que outros possam viver bem. Nossa prosperidade deve melhorar a vida dos outros, não subtrair a vida”, como colocam Desmond Tutu e Mpo Tutu, em “Nascidos para o bem”.

Em razão disso, vemos a importância do “ubuntu” no cotidiano e consciência individual e coletiva visando à transformação social. Reconhecer isso, para além de diversas discursividades que se constituem em experiências, longe de qualquer perspectiva essencializada, bem com nas práticas significativas em redes de atuação que desnaturalizam estereótipos racistas, especialmente para a vida das mulheres negras, pois, lidam diariamente com situações opressoras cujos dados são cada vez mais crescentes sobre essa realidade. Portanto, o “ubuntu” como uma forma de cuidado ético, estético, do nosso corpo e mente, no fortalecimento de práticas discursivas de liberdade, saúde e bem viver.

Feliz 2022, “ubuntu”! Agradecimento pelas vivências. Fica a dica de leitura, podemos aprofundar a reflexão e aprender juntos/as! 

NOGUERA, Renato. UBUNTU COMO MODO DE EXISTIR: ELEMENTOS GERAIS PARA UMA ÉTICA AFROPERSPECTIVA. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 3, n. 6, p. 147-150, fev. 2012. ISSN 2177-2770. Disponível em: <https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/358>. Acesso em: 05 jan. 2022.

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Destaque Pâmela Rochelle

SOBRE SER NEGRA

“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la” (Djamila Ribeiro).

Quando fui convidada para ter uma coluna na revista, fiquei feliz por poder dar voz às questões que pesquiso no Doutorado de uma maneira mais leve e acessível, mas, sobretudo, fiquei feliz por poder tratar de questões que também me atravessam e constituem enquanto mulher negra, pós-graduanda, jornalista e professora (além de tantas outras, afinal somos vários), vivendo em um país estruturalmente racista, sexista e elitista, que segue boicotando a educação pública. 

Para além das mazelas que nos perpassam nos dias atuais enquanto brasileiros (e especialmente enquanto negras e negros – já que é deste lugar que falo), repouso meu olhar hoje sobre um tema especifico, que para além de um assunto se coloca como uma autoapresentação: O que é ser negra?

Partindo de uma percepção semelhante à de Neusa Souza Santos (1990), pesquisadora e psiquiatra brasileira, acredito que ser negra no Brasil é um processo longo e contínuo de vir a ser, de tornar-se. Digo isso pensando na questão da construção de uma consciência étnico-racial, que para além da cor da pele e dos traços tidos como característicos nos convoca a nos percebermos como sujeitos imersos numa cultura que tende a negar nossa estética, história e identidade. 

Muito embora não exista um “ser mulher negra”, mas mulheres negras no plural, cheias de potencialidades e multiplicidades, as quais são constantemente encapsuladas em estereótipos rasos (“mulata sensação”, barraqueira, mãe preta, macumbeira, entre outros…), é fato que existem questões que unem todas nós, que nos irmanam, entre elas está a mais cruel de todas: o racismo.

É pelo racismo que nossa intelectualidade é desacreditada, nosso valor e palavra são postos a prova e somos obrigadas a reafirmar constantemente nossas capacidades, correndo o risco de sermos “canceladas” ao mínimo deslize. Ser negra é entender o conceito de dororidade (PIEDADE, 2019) antes mesmo de ser apresentada a ele, é ocupar a base da pirâmide social, sofrendo duplamente: pelo machismo por ser mulher e pelo racismo por ser negra.

Se o racismo tende a nos aprisionar socialmente e subjetivamente, é a tomada de consciência racial e a percepção deste racismo enquanto tal que nos coloca num movimento de libertação das amarras colonialistas. A partir disso, ser negra (e saber-se negra) é ter a possibilidade de criar novas narrativas sobre si mesma e sobre os seus, libertando-se dos estereótipos à medida em que se criam novas formas de ser e existir, transgredindo até mesmo os alarmantes índices sociais que nos colocam entre as mais afetadas pela pobreza e violência.

É nesse sentido que o ato de “erguer a voz” pontuado por bell hooks (2019); que recentemente deixou o plano terreno e se uniu aos nossos ancestrais; representa o primeiro passo para que nós mulheres negras (e homens também) sejamos autoras de nossas histórias e líderes na busca por um país/mundo mais igualitário e justo. Ser negra é, pois, uma potência. 

Espero continuar encontrando vocês por aqui, até o próximo texto. Ubuntu.

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Destaque Gerais

Paulina Chamorro e a difusão do protagonismo ambiental das mulheres

A força feminina tem sido finalmente reconhecida como importante elemento de restauração do planeta. Em todas as áreas, destacam-se histórias de mulheres que empenham anos de dedicação para defender causas globais. Não é de estranhar que os nomes de Malala Yousafzai e Greta Thunberg revelaram-se grandes referências ainda na adolescência. Há uma dor que se iguala. Essa urgência por respeito e restauração do planeta parece encontrar eco no mais profundo da alma feminina, violentada diariamente em seus direitos e valores.

No país, iniciativas como a da jornalista Paulina Chamorro dão visibilidade a pesquisadoras que lideram grandes projetos ambientais. O Mulheres na Conservação, concebido e realizado juntamente com o fotógrafo João Marcos Rosa, está em sua segunda temporada e tem repercutido em várias plataformas da mídia, esse trabalho de mulheres ainda pouco registrado. Paulina também é integrante da Liga das Mulheres Pelo Oceano, um movimento em rede de mulheres em prol da conservação dos mares. 

A Revista Matracas convidou Paulina para conversar com nossas leitoras, ávidas por conhecimento e motivação. 

MATRACAS –  Paulina, nosso público é prioritariamente de mulheres nordestinas do sertão. Que mensagem seus projetos podem levar a essa realidade?

PAULINA – Eu acredito que quando a gente evidencia a força e o protagonismo de mulheres à frente de projetos de conservação, que não necessariamente precisam ser acadêmicos, isso nos mostra que a gente tem caminhos. Caminhos que já foram abertos. A gente aprende também que temos mulheres que já estão na luta há um certo tempo trabalhando por isso. Então, além da inspiração e do exemplo, a gente percebe que já foi um terreno que foi aberto por essas mulheres, que passaram por tantos desafios quanto às vezes essa outra mulher que está lendo, ou acessando, ou que está vendo pelas redes sociais algum episódio da série, está passando. Então eu acho que a troca de informações, mas principalmente através da comunicação, evidencia o trabalho de mulheres e faz muito mais do que só o exemplo. Nos mostra que os desafios são comuns, e que a gente pode se ajudar mutuamente. 

MATRACAS  – De que forma é possível fazer parte dessa conservação do meio ambiente, mesmo morando em uma região tão desfavorecida? Como participar da luta?

PAULINA – Estando em regiões mais desfavorecidas, aí a gente tem a importância justamente do protagonismo feminino e a importância de a gente colocar a nossa luta à frente. Porque são as regiões menos favorecidas e justamente também as mulheres que são os principais atingidos, por exemplo, da injustiça climática. Ou seja: dos grandes impactos climáticos gerados pelo ser humano no planeta, as principais áreas afetadas são justamente essas desfavorecidas. Pra participar da luta? Acredito que seria continuar sendo resiliente, continuar trabalhando com o olhar no coletivo, porque são essas soluções que já vêm sendo desenvolvidas e desempenhadas por essas pessoas e nessas regiões especialmente – carentes de tantas coisas –  que é chamado hoje resiliência. A resiliência a tantos desafios e que vão se tornar piores. Mas acredito que a grande lição que a gente tem que aprender e compartilhar nesse caso, que é essa participação da luta, é mostrar esse censo do coletivo. De que uma luta não é só de uma região, é uma luta coletiva, de todos. 

MATRACAS – Mossoró, cidade sede da Matracas, é historicamente marcada pelo primeiro voto feminino da América Latina, por Celina Guimarães. Qual o potencial da consciência política para mulheres que já trabalham no campo, buscando recursos e atividades sustentáveis?

PAULINA – Eu acredito que o trabalho em campo e o empoderamento da mulher no campo – porque a gente sabe que aqui no Brasil e na América Latina ainda é um grande desafio; a gente ainda vê que mulheres não têm acesso a recursos para cuidar de sua terra, do seu roçado, ainda dependem, em algumas áreas, muito dos homens – temos uma luta sim feminista ainda no campo, mas ao mesmo tempo são exemplos que vêm do campo, de associativismo, que mostram como mulheres líderes – a gente tem líderes de reservas extrativistas, líderes de colônias de pesca hoje. Então como essa organização e essa visão feminina de futuro integrado para todos e todas pode ser um caminho que a gente tem que levar a partir de agora no planeta. E isso é uma consciência política; porque a consciência política não é a que leva à questão do partido. Ela é justamente apartidária. A que trabalha sobre os recursos, sobre direitos das pessoas, de acesso. A que trabalha com a democracia, ou que trabalha contra a injustiça social e ambiental. E a mulher hoje no campo e no litoral tem desempenhado um papel muito importante de liderança.

MATRACAS –  O que falta acontecer para que as mulheres sejam vistas com igual visibilidade em suas lutas?

PAULINA – Acredito que a gente está em plena luta. E essa é uma luta que nunca acaba. O que falta acontecer é que a gente consiga ter a igualdade de gênero. A gente poder ter, num espaço de discussões e de tomada de decisões, o mesmo número de homens e de mulheres. Eu acredito que a mulher enquanto base, com seu conhecimento e com essa luta, agora a gente precisa dar esse salto e exigir – já que metade da população ou um pouco mais é de mulheres – a gente precisa ver essa representatividade nas tomadas de decisão. Nos lugares de poder: tanto político, quanto da iniciativa privada. A liderança das mulheres é uma realidade que precisa chegar agora.

MATRACAS – Que conselho você dá para as jovens que nos leem e gostariam de saber fazer mais pelo lugar onde vivem?

PAULINA – Eu gostaria de dar o conselho de continuar se inspirando, de apoiar mulheres, de falar e de reconhecer o trabalho de mulheres. A gente não sabe a força que tem escondida numa palavra de apoio, num carinho, ou numa visibilidade que você dá ao trabalho de mulheres. Eu acho que quando a gente fala de ‘não soltar a mão de ninguém’, a gente está falando disso. Se a gente quer que nós mulheres tenhamos as mesmas possibilidades e cheguemos nos lugares de poder, a gente precisa começar entre a gente mesmo. Se valorizando, apoiando, dando a mão, conhecendo o projeto, dando força, ajudando. É um caminho coletivo; é um caminho de mãos dadas que é o futuro e o presente construído por mulheres. E é esse mundo que eu espero viver em breve.

Para conhecer mais e se inspirar:
https://linktr.ee/Paulinachamorro
Instagram:
@mulheresnaconservacao
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@ligadasmulherespelooceano
@pauli_chamorro
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Mulheres na conservação
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Colunistas Destaque Natalia Santos

Você precisa assistir: A vida sexual das universitárias.

A Vida Sexual das Universitárias (The Sex Lives of College Girls) é uma série “dramédia” que estreou esse ano na HBO Max e conquistou 97% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes*. A trama alcançou não só o reconhecimento da crítica especializada, mas também cativou grande parte de seu público. 

Na série, quatro garotas completamente diferentes se tornam colegas de quarto na universidade e passam a compartilhar suas experiências pessoais, desenvolvendo uma grande amizade e um senso de sororidade umas com as outras que é lindo de acompanhar.

Logo nos primeiros episódios é possível identificar pontos importantes da trama, mas que são abordados de maneira bem natural, graças ao seu roteiro excelente. Diversidade, descobertas sexuais, preconceito e assédio são alguns dos vários pontos que a série levanta. Além disso, o elenco é extremamente carismático e a produção assinada por Mindy Kaling (The Office) garante um tom de comédia cirurgicamente necessário.

Os diálogos divertidos e situações excêntricas deixam a história bem mais cativante e atrativa, sem deixar de lado, contudo, pautas importantes no que se refere a todos os pontos que já citei anteriormente.

Com certeza foi uma das grandes surpresas de 2021 e é uma série que eu gostaria de indicar para todo mundo que tiver a oportunidade de assistir. Divertida mas pé no chão, A Vida Sexual das Universitárias já foi renovada para a sua segunda temporada e conta atualmente com 10 episódios que duram em média 30 minutos.

*Site americano agregador de críticas de cinema e televisão.

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Colunistas Destaque Fernanda Valéria

Leituras da vida: feliz 2022, sobreviventes!!!

Caminhamos para 2022 como soldados que retornam de uma guerra. Aterrorizados pela destruição, gratos por estar vivos e sem entender muito bem como agir no futuro. Embora não tenhamos travado uma luta bélica, envolvendo as forças armadas, vivemos, nos dois últimos anos, os sentimentos de quem é arremessado num campo de batalhas. Dias e dias com medo da morte, sem saber quem seria a próxima vítima da Covid-19 e com a possibilidade de sermos também abatidos por ela.

Bateu muitas vezes o desespero diante de tantas imagens de caixões, famílias chorando a perda de uma, duas, três ou mais pessoas queridas. Sem mesmo ter o tempo da despedida, massacramos o luto, o adeus foi chorado em poucos minutos, dali da calçada ao ver passar um dos seus entes no ataúde lacrado e até ensacado.

A demora na chegada da vacina, a descrença nela e a aplicação lenta minava a esperança, enquanto o número de óbitos crescia. Entre janeiro e maio de 2021, tivemos mais mortes que o ano de 2020 inteiro e não parou: já ultrapassamos as 619 mil e quase todos os dias perdemos guerreiros. Apesar de se pensar em recomeço no Brasil, pais, filhos, mães, avós, tios, amigos de alguém não terão essa chance. Voltaram as confraternizações e, em muitos lares, um lugar ou até mais à mesa está vazio.

Além dessa doença devastadora, fomos também acometidos pela fome, mais de 19 milhões de brasileiros fazem uma refeição por dia, os dados são da Rede Pessan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), no inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da Pandemia de Covid no Brasil, realizada em dezembro de 2020. “Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos suficientes e 19 milhões de brasileiros (as) enfrentavam a fome”, diz o relatório.

A situação não mudou muito, após um ano, ainda continuamos com 12,1% de taxa de desemprego no país, segundo o IBGE, e tendo que lidar com uma inflação estimada pelo Banco Central em 10%. Situação que onera os preços da cesta básica, aluguel, gás, água e luz, itens essenciais de sobrevivência.

Um campo de batalha resiliente agora também devastado por água. A Bahia, maior estado da região Nordeste está embaixo d’água e tem mais de 400 mil pessoas afetadas com as enchentes e 21 mortos, cidades inteiras foram atingidas pela destruição que pode parecer natural, mas que sabemos é resultado da destruição da natureza pela mão e consciência humana.

Não bastasse o estado de tragédia constante, não temos um líder, temos um figurante a presidente ocupando a cadeira de quem poderia ter agido como o cargo exige. Na contramão do que se espera, suas ações, todas, foram fortalecedoras do caos que nos assola.

Caro leitor, não fique chateado com o pesar destas poucas linhas, não sei por qual das citadas acima, foi você atingido, mas se está aqui lendo é porque é um sobrevivente e como não temos outra escolha a não ser nos agarrar à esperança, Feliz 2022.

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Colunistas Destaque Yáscara Samara

Precisamos falar sobre isso: a Filosofia de Epicuro e a saúde mental, uma preocupação atemporal

A saúde mental é uma preocupação só contemporânea? Vos afirmo que não! Há milênios os filósofos vêm procurando uma vida feliz, uma busca incessante pela felicidade em meio a guerras, epidemias, pandemias e estruturas políticas em que desfavorecem a maioria da população; partindo deste contexto, que não é muito divergente dos nossos dias atuais, venho expor a filosofia de Epicuro e como devemos entendê–la de maneira a viver sem perturbações e desta forma melhorar a saúde mental.

Não busco escrever para doutores e especialistas na área, e sim, ao senso comum, às pessoas leigas, numa linguagem simples. Assim como busquei na minha graduação em Filosofia (UERN, 2015), com um tema baseado em Epicuro, com  o título A Filosofia de Epicuro como medicina da Alma, partindo da premissa que podemos, sim, viver feliz apesar das dores físicas e da alma, usando minha própria experiência de vida de forma resiliente em detrimento da minha deficiência física devido a artrite reumática ( doença auto imune que provoca dores lancinantes).

Fazendo um breve caminho histórico da vida do nosso filósofo: Epicuro (341 – 269 a.C) nasceu em Samos, na Grécia antiga, fundador do Epicurismo, que é uma filosofia pautada na vida simples, que prega a simplicidade do ser. Sua filosofia era propagada através de cartas aos amigos que propunha a busca da felicidade, ou seja, a saúde mental, onde esta só poderia ser alcançada a partir dos prazeres essenciais e necessidades para a vida.

Dessa maneira, Epicuro relatou em uma carta exposta por Diógenes Laércio, escritor que trouxe à tona o escrito,  a Carta a Meneceu,  cap, X, no livro Obras e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Nessa epístola Epicuro propôs princípios necessários a uma vida feliz, são eles: evitar as dores, procurar os prazeres moderados, atingir a sabedoria e a felicidade, o cultivo das amizades, a satisfação aos prazeres essenciais e necessários, como comer, beber e se relacionar; não temer a morte e nem aos deuses. Se distanciar da vida pública de ostentações, prestígio social, política, objetivando chegar a ATARAXIA – imperturbabilidade da alma, ou seja, o estado mental de conservação espiritual sem perturbações ao ser atingido pelas ações da vida do indivíduo.    

Primeiro, quero expor o que eu aprendi com a filosofia desse filósofo, como ele  me ajudou na busca do meu autoconhecimento e da felicidade, apesar das dores e perturbações. No meu estudo mais aprofundado sobre ele, descobri que sofria de dores físicas intensas devido a cálculos renais, que na época eram tratadas apenas com banhos  quentes, chás, e por incrível que parecesse, com coisas que nos dão prazer, como estar entre amigos conversando, rindo, comendo e filosofando. Desta forma a dor seria suspensa e traria alívio para dores tanto físicas quanto da alma, mas claro, tudo com a justa medida da moderação. Parafraseando Epicuro, um bom vinho e queijo é um dos melhores prazeres. 

Epicuro além de propagar suas cartas à felicidade, também escrevia junto aos seus discípulos nos muros da cidade frases de efeito com contexto da simplicidade da vida, e não aos excessos e bens materiais. Quem passasse lia e poderia refletir sobre suas vidas pregressas. Nosso filósofo escolheu viver em um lugar mais afastado da cidade onde não pudesse refletir o caos da era de Alexandre o grande, comprou um terreno e fez um jardim onde eram aceitos todos, que hoje podemos chamar “todos” e “todes”, sem restrições, algo muito surreal para as demais escolas filosóficas da época, que apresentavam muitas restrições em relação aos escravizados, mulheres, crianças, prostitutas etc. Este jardim ficou conhecido como O JARDIM DE EPICURO.

Ai te pergunto: como tudo isso fez melhorar minha saúde mental? Simples, percebendo que não precisamos ter, ser tudo na vida e, sim, prestar atenção na simplicidade do que é viver apesar das dores físicas e da alma, porque não há dor nem alegria que seja eterna. Vivemos de momentos felizes e não devemos nos preocupar com o que não temos controle, que devemos mudar, fazendo o que nos proporciona o bem estar físico e mental. Eu procurei na dança, na escrita de poesias, observar o belo da natureza. Pintar, desenhar, ou seja,  me reinventar sempre que algo fugir das situações previstas. Descobrir também que podemos amenizar a ansiedade, a depressão e os transtornos de comportamento, simplesmente pelo fato de se conhecer e se  reinventar.

Nesse contexto, como falei no início deste artigo, os problemas vividos pelo nosso filósofo não se distanciam tanto do que estamos vivendo hoje, especialmente em virtude da Pandemia da Covid-19, e no confinamento de quase 2 anos. As doenças mentais, como ansiedade, depressão e síndrome de pânico, vêm assolando a população, resultando em muitos suicídios e descontrole emocional, muito relacionado, também, a codependência das redes sociais, em ser aceito ou cancelado. O mundo voltou os olhos às redes sociais e suas implicâncias catastróficas na mente de muitos, onde quase tudo hoje é virtual, inclusive os “amigos”. Se tem um milhão de “amigos” e nenhum conversa com você, isso é uma solidão sem precedentes, dilacerando a saúde mental.

Em 2019 adentrei numa formação em psicanálise clínica, e me deparei com dados alarmantes em déficit de investimento em saúde mental, declarados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para 2020 e 2021. A escuta clínica, focada na associação livre de Freud, poderia ajudar muitas pessoas antes que surjam transtornos mais graves. O que se vê são Capsis superlotados sem uma escuta profissional, somente focada nos psicotrópicos para amenizar os efeitos de tudo que se sente de ruim, anestesiando as pessoas. Tive relatos de uma paciente que tomava seis tipos de remédios diferentes  pois queria viver dopada para não sentir o vazio dentro de si. 

Os dados da OPAS (Organização Pan – Americana da Saúde) revelam uma falha mundial no fornecimento dos serviços de saúde mental de que precisam a população em momentos pandêmicos, onde se há necessidade crescente de apoio à saúde mental. Na última edição a OPAS mostra dados de 171 países, demonstrando uma indicação clara de que a atenção dada à saúde mental nos últimos anos ainda não resultou em aumento de demanda de profissionais e serviços de qualidade na área.

Diante disso, no Brasil, percebemos que o debate sobre prevenção da saúde mental ganha um pouco de espaço, sendo considerado um desafio, pois os dados são escassos  para uma análise precisa e ainda não há preocupação governamental para o assunto.  Situação semelhante ao que se vê nos dados mundiais. Mas reforço que em comum a ambos os distúrbios de humor, o mais comum é a depressão, e que está na nossa porta, pois apesar do SUS ter integrado muitas terapias integrativas, ainda não se dispõe em atividades nos postinhos de saúde, somente encaminhamentos para psicólogos para avaliação e encaminhamentos para os Capsis. Caso seja muito grave o caso psíquico, os pacientes de condição social mais privilegiada tendem a recorrer às instituições particulares.

O objetivo desses esclarecimentos, acerca da filosofia e da saúde mental, é projetar à sociedade que podemos ter uma saúde mental independente de tratamentos caros, com mudanças de postura diante das intempéries da vida, uma vida pautada em autoconhecimento e que é acessível  a todos e todes. A filosofia de Epicuro mudou minha vida, assim como a Psicanálise, através da SBPRN (Sociedade Brasileira de Psicanalise do Rio Grande do Norte), na qual planejamos a “Clínica Popular”, com preços acessíveis à população e Terapia na Praça para os moradores de rua.

A Psicanálise é um curso livre, oferecido por associações de psicanalises no país e ainda não é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e nem pelo SUAS (Sistema Único de Assistência Social), pelo menos não em Mossoró. 

É importante destacar também que muitas terapias integrativas estão disponíveis para quem não se identifica a buscar seu próprio conhecimento através da mudança de uma filosofia de vida, de uma terapia clínica psicológica e psicanalítica. É preciso se mexer e ser resiliente, nesse sentido a internet pode contribuir bastante, pois como falei, as terapias estão aí. Busque, ajude-se, entre essas terapias têm o reiki, acupuntura, constelação familiar, arteterapia, meditação e muitas outras. O que não pode é se acomodar, pois como diziam os filósofos antigos “MENS SANA IN CORPORE SANO” ( Mente sã em corpo são – poeta romano, Juvenal).

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Destaque Violência contra mulher

Expansão da Patrulha Maria da Penha pode ser um caminho para interiorização da Lei 

Na última segunda-feira (27), o governo do Rio Grande do Norte anunciou a expansão da Patrulha Maria da Penha (PMP). O efetivo próprio da Polícia Militar chega, gradualmente, a Mossoró, Currais Novos e mais 11 cidades do Seridó, dando suporte às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A expansão da PMP vai proporcionar a interiorização da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), considerando que os serviços ainda são muito concentrados em Natal e Mossoró. De acordo com informações da assessoria de comunicação da Secretaria Estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, essa ampliação foi pensada, também, com esse objetivo que é o de interiorizar as ações e fazer com que os serviços cheguem a todos os municípios e comunidades.

Sobre os critérios de escolha das cidades que passarão a contar com o efetivo, a informação repassada pela assessoria é de que “foi levado em consideração, além da densidade populacional e abrangência dos batalhões de polícia que serão atendidos nessa primeira fase, os índices de violência contra a mulher.”

Durante o anúncio da expansão da Patrulha, a governadora Fátima Bezerra confirmou a incorporação do aplicativo “Salve Ela” à estrutura do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). Uma ferramenta que permite o acesso das mulheres aos canais de denúncia sobre violência doméstica. Através do aplicativo é possível gerar um pedido de socorro que envia para a Polícia a geolocalização da vítima em tempo real.

“O aplicativo foi doado ao Estado e agora passará por ajustes técnicos de desenvolvedores do Instituto Metrópole Digital. Assim que for finalizado, será amplamente divulgado e passará a compor a estrutura do Ciosp, sendo mais uma ferramenta de denúncia. A expectativa é de que esteja pronto até o final de janeiro”, assessoria.

A Patrulha Maria da Penha é um núcleo da Polícia Militar especializado no acompanhamento de mulheres vítimas de violência e, até então, atuava na Grande Natal, com duas viaturas na capital e uma em Parnamirim. Com o projeto de expansão, chegará gradualmente a todas regiões do estado, iniciando por Mossoró, Currais Novos, Acari, São Vicente, Florânia, Parelhas, Equador, Santana do Seridó, Carnaúba  dos Dantas, Lagoa Nova, Cerro Corá, Bodó, Tenente Laurentino.

Em Mossoró, a chegada do efetivo, anunciada pelo Estado, vai somar com o trabalho que já é desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Mossoró, que recentemente completou um ano de trabalho no enfrentamento à violência contra a mulher. O grupo se tornou referência e hoje é um dos principais suportes de defesa das mulheres que são vítimas de violência doméstica e familiar.

A proporção de mulheres assassinadas tem crescido nos últimos anos em todo o país e as estatísticas mostram um aumento significativo no período de pandemia. No Rio Grande do Norte, que é considerado um dos estados mais violentos para as mulheres, os números impressionam e apontam para uma necessidade urgente de implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher. Dados recentes da  Secretaria de Comunicação Social da Polícia Civil (Secoms) mostram que, de janeiro a setembro de 2020, foram 2.945 casos de violência doméstica, e nesse mesmo período de 2021 (janeiro a setembro), foram 4.421, ou seja, um aumento de mais de 50% dos registros.