A investigação que apura o caso da empregada doméstica que foi resgatada por fiscais do trabalho em Mossoró por estar sendo submetida a trabalho escravo prossegue. Além do crime de trabalho semelhante ao regime de escravidão, o acusado, que é o pastor evangélico da Assembleia de Deus, Geraldo Braga da Cunha, também poderá responder por crimes sexuais cometidos contra a vítima.
A Procuradora da Justiça do Trabalho Cecília Santos, que está cuidando do caso, divulgou que durante aproximadamente 10 anos a vítima também pode ter sido vítima de violência sexual. O pastor e a família confirmaram que havia a relação sexual entre o patrão e a vítima, mas relataram que a relação era consensual. Porém durante a conversa que teve com a procuradora, a mulher negou o suposto consentimento, o que deve caracterizar crime sexual. Esse crime será conduzido pela justiça comum, através da Polícia Civil.
O caso da empregada doméstica veio à tona recentemente e foi notícia nos principais jornais do país e na mídia local. A descoberta aconteceu após a Justiça do Trabalho receber denúncias anônimas informando sobre um possível caso de trabalho escravo no município. De posse das informações, fiscais foram até o local indicado, no caso a residência do pastor Geraldo, e encontraram a vítima que confirmou as suspeitas. A mulher que terá a identidade preservada foi resgatada e se encontra em um abrigo por determinação judicial.
Durante a investigação, a Justiça do Trabalho constatou que a vítima foi levada para a casa do pastor ainda adolescente, com apenas 16 anos, hoje está com 42, e durante todo esse tempo prestou serviços domésticos para a família, sem acesso a descanso, remuneração ou qualquer direito trabalhista.
TRABALHO ESCRAVO – A vítima contou às fiscais que realizava todo o serviço doméstico da residência servindo ao pastor, à esposa, aos filhos e atualmente também já cuidava dos netos do casal. Durante seu relato, a vítima contou que muitas vezes precisou acordar à noite para cuidar das crianças e realizar tarefas.
Inicialmente a Justiça do Trabalho está movendo ações trabalhistas contra o pastor que deverá ser condenado a pagar todos os valores referentes ao trabalho doméstico prestado pela vítima. A direção-geral da Assembleia de Deus em Mossoró se manifestou através de nota, alegando que não tinha conhecimento do caso e que não compactua com tais ações. Segundo a nota, um processo administrativo está sendo movido e o pastor Geraldo Braga foi afastado de suas funções.
A sexualidade feminina é baseada em preconceito, tabus, crenças e muita censura. Numa sociedade machista/patriarcal as mulheres aprendem desde cedo que sua função é proporcionar prazer, procriar, que precisam ser comportadas, não podem falar abertamente sobre sexo, sobre seu próprio prazer e seus desejos. Nesse sistema que ainda se sustenta, as mulheres foram e, apesar de alguns avanços que decorrem das lutas em busca da igualdade de gênero, continuam sendo educadas dentro de uma estrutura conservadora, numa sociedade que julga mulheres que falam abertamente sobre sexo.
O fato é que toda essa estrutura atinge diretamente a capacidade da mulher sentir e viver o prazer sexual, livre de culpas, medo, insegurança. Dessa forma, acarretando uma série de outros problemas que chegam a interferir na sua qualidade de vida. Algumas mulheres não tem receio de procurar ajuda de um profissional quando sentem que existe algo de errado com sua vida sexual. Porém, existem as que não conseguem e acabam convivendo com alguns transtornos, as vezes até sem ter consciência de que se trata de um problema de saúde.
Quando falamos dos problemas que afetam a vida sexual das mulheres, não há como não evidenciar a questão das disfunções sexuais que muitas vezes são frutos desse tipo de educação pela qual passam as mulheres. A dispareunia (dor durante o ato sexual), ausência de desejo, falta de lubrificação e anorgasmia (ausência do orgasmo) são algumas das reclamações que chegam ao consultório da fisioterapeuta pélvica, Dayse Bezerra.
“Podemos dizer que as disfunções sexuais femininas são condições que afetam a qualidade da vida sexual da mulher, ou seja, condições que afetam o ciclo da resposta sexual. A grande questão aqui é que a maioria das mulheres não compreende essas queixas como um problema de saúde e acredita ser normal conviver com elas. Isso, por sua vez, só agrava o problema, pois elas não procuram tratamento e passam grande parte da vida insatisfeitas sexualmente, podendo desencadear transtornos físicos e até psicológicos”, explica.
Para Dayse, a sexualidade feminina ainda é um tabu e parte das disfunções tem origem na falta de autoconhecimento. “A maioria das mulheres não conhece o assoalho pélvico, tão pouco sabem a sua função e importância e é impossível falar de disfunções sexuais sem falar desse grupo muscular e educação sexual repressora. Nós crescemos ouvindo: ‘tira a mão daí menina!’ ‘Isso é feio!’. Enquanto os meninos são estimulados a adorarem o pênis como um troféu”, diz.
Dayse ressalta que entre as possíveis causas que contribuem para as disfunções sexuais estão: a educação sexual religiosa quando é repressora. “Quem nunca ouviu que masturbação é pecado?”, questiona. A pressão sexual, ou seja, a mulher não sente vontade de transar, mas se vê obrigada a ter relação para agradar o companheiro; condições ginecológicas (quadros inflamatórios e infecciosos); abuso físico (abuso sexual, estupro, toque não consentido, por exemplo) e psicólogo. “Vale frisar aqui a importância de uma avaliação minuciosa do caso de cada paciente, pois não são apenas causas psicológicas que levam as mulheres a desenvolverem disfunções. Tanto existem casos que decorrem da parte psicológica quanto da parte biológica”, explica.
O ponto de partida para resolver o problema, segundo a fisioterapeuta, é a informação aberta e de qualidade. Quanto mais falarmos sobre o assunto, mais mulheres se sentirão acolhidas e buscarão por ajuda. Ela considera indispensável incentivar a mulher a conhecer o próprio corpo.
“Não podemos identificar uma anormalidade se não entendemos o que é normal. Na minha consulta, uma das primeiras perguntas que faço é se a mulher tem costume de olhar a sua vulva no espelho, e muitas relatam que não, e isso independe da idade. Então a minha primeira sessão é toda voltada para a educação em saúde, durante a qual apresento todos os músculos do assoalho pélvico, suas funções, importância sexual, de continência urinária e fecal, e do outro lado da mesa encontro rostinhos maravilhados entendendo o seu corpo muitas vezes pela primeira vez. É incrível vê-las despertando o amor próprio e acreditem, isso interfere e muito no sucesso do tratamento”, revela.
A necessidade das mulheres serem assistidas por profissionais qualificados é mais uma observação importante. De acordo com Dayse não é raro relatos de mulheres que procuraram ajuda e ouviram algo como “você precisa relaxar mais”.
“O tratamento das disfunções sexuais muitas vezes conta com uma equipe multiprofissional de fisioterapeuta pélvico, ginecologista, psicólogo… e cada um exerce um papel de extrema importância no diagnóstico e condução do tratamento. Então, mulher, leia, pesquise em fontes seguras, converse com outras mulheres e faça uma escolha segura quanto aos profissionais que irão te assistir”, orienta.
As disfunções sexuais apresentam sinais e um deles é a dor na relação, podendo ser relatada como uma dor mais superficial ou profunda, conforme explica. “Vou falar uma frase para vocês que deve se tornar um mantra: dor na relação nunca será normal, nunca! Não importa se a dor ‘é só no comecinho’ como eu costumo ouvir no consultório. Nós fazemos sexo para ter prazer, se ele te gera dor, ardência, desconforto, temos aí um sinal de alerta. Procure ajuda!”, explica.
São muitas as dúvidas que norteiam as mulheres sobre seus corpos e seu prazer. Em sua página @simplificando_a_pelve, espaço através do qual Dayse amplia as discussões para além do espaço físico da sua clínica, abordando vários temas relacionados à fisioterapia pélvica e obstétrica, assim como a saúde da mulher em vários aspectos, ela consegue chegar a muitos questionamentos sobre esse universo que é a sexualidade feminina.
Escritora, poetisa, compositora, cantora, musicista, interprete e professora. Uma brasileira que carrega no sangue força, talento e a garra da mulher nordestina. Symara Tâmara, uma artista de voz marcante, forte, timbre único que vem construindo sua história no mundo da música com muita originalidade e criatividade.
Vencedora de um dos mais tradicionais concursos de talentos musicais de Mossoró, o “Mais Bela Voz”, no ano de 2006, desde então Symara vem se destacando no cenário musical do Rio Grande do Norte. O seu nome já faz parte da lista de artistas requisitados para apresentações em eventos culturais de Mossoró e recentemente a artista lançou o EP autoral “Tempo”, o qual reúne canções que falam de amor, questões sociais, reflexões sobre a relação do ser humano com o tempo e com suas memórias afetivas.
O EP “Tempo”, primeiro da carreira da artista, marca os 20 anos de carreira da cantora Symara Tâmara. “Esse trabalho é o marco final das comemorações de vinte anos de minha trajetória musical”, destacou Symara. “Tempo” é o título de uma das faixas do EP.
POEMA MUSICADO – A canção escolhida para intitular o trabalho vem originalmente do poema “Ribeira”, publicado no livro Peregrina, da poetisa potiguar Kalliane Amorim e musicado por Symara Tâmara, num envolvimento de muita sensibilidade e beleza.
Para a cantora, a passagem de vinte anos de experiências artístico-musicais foi fundamental para seu amadurecimento, como artista e como ser humano, sendo essa uma razão para celebrar esse momento com uma homenagem ao tempo.
O EP “Tempo” conta com seis canções em seu set list, compostas por Symara em parceria com outros compositores, com os quais a cantora vem formando parceria ao longo de sua trajetória musical, entre eles, seu esposo e produtor César Guimarães.
PREMIAÇÃO
As composições da artista falam de amor, questões sociais e têm rendido à cantora premiações em diversos festivais de música realizados no Brasil, como a canção “Florescer”, parceria de César Guimarães com a cearense Gabriela Mendes, com a qual Symara ficou entre as vinte melhores canções no I Festival Juazeiro do Norte de Música do Nordeste (CE) e no Prêmio Fomento à Cultura Potiguar (RN), em 2019, sendo o primeiro single lançado pela cantora nas plataformas digitais e seu primeiro videoclipe, que está em seu canal no YouTube.
Symara ficou entre os doze finalistas no I Festival da Música de Fortaleza (CE) em 2018, com a canção “Pixote”, do paraibano Ninor Freitas. Neste festival a cantora concorreu com mais de 300 canções de todo o Brasil. Em 2021, com a canção “Pescador de poesia”, do também paraibano Emiliano Pordeus, ficou em segundo lugar no 1º Festival de Música Sousense (I FESTMUS).
O EP “Tempo” foi lançado em dezembro do ano passado nas plataformas digitais. O trabalho é um projeto realizado com recursos da lei Aldir Blanc, através da Prefeitura Municipal de Mossoró. O repertório apresenta variados gêneros, com canções que trazem do regional às raízes da música afro-brasileira. Symara explica que embora seu trabalho conte com todo aparato de elementos percussivos, de cordas e metais, porém na apresentação de lançamento do EP que aconteceu no Centro Cultural Banco do Nordeste de Souza-PB, a apresentação foi realizada em um formato mais intimista, onde a artista se apresentou acompanhada por seu produtor musical Jubileu Filho ao violão.
A ARTISTA – Symara Tâmara, artista potiguar nascida em Natal e cidadã mossoroense, sempre conciliou música, literatura, educação e pesquisa. Tem formação acadêmica e mestrado em Letras pela UERN, membro da AFLAM e ALAMP. Na literatura, é autora do livro de poemas “O zênite da inspiração” (2000) e Antônio Francisco: tradição e modernidade – uma poética da memória (2015). Atualmente está preparando três publicações, uma de poesia (Infinita tarde finda), e duas de pesquisa na área de literatura: Antônio Francisco vai à escola – um relato de experiência com a obra antoniana em sala de aula e Reflexões e fluxos sobre literatura, através da lei Aldir Blanc do RN e do município de Mossoró.
Na música, vem trabalhando desde 2001, cantando na noite e em bandas de rock e de baile de Mossoró, se destacando em projetos musicais dentro dos maiores eventos da cidade e do estado. Venceu o tradicional concurso A mais Bela Voz em 2006, concorrendo com mais de 800 candidatos de todo o RN. O seu nome figura na lista de artistas requisitados em projetos musicais temáticos como Mossoró Cidade Junina, Assembleia Cultural (Natal-RN) e Câmara Cultural.
Também apresentou canções de seu projeto autoral em projetos como Canto Potiguar (2008), Projeto Seis & Meia (2010) e Abertura do Espetáculo Chuva de Balas (2011), e participou de projetos como Tributo a Clara Nunes, Elas cantam Brega, MPB Petrobrás, Sacolão Cultural e polos do Mossoró Cidade Junina. Representou o estado do RN em festivais nacionais (Festival da Música de Fortaleza e Festival Juazeiro do Norte de Música do Nordeste) e instituições culturais nacionais (CCBNB Sousa-PB). Abriu shows de artistas nacionais e internacionais, como Quarteto em CY, João Bosco, Nando Reis e Modulatus Project (Iury Matias – RN e Laura Rui – Portugal).
É professora de Língua Portuguesa da rede pública estadual de ensino do RN. Contatos e mais informações: Acunha Produções: (84) 99120-2706 (whats app) acunhaproducoes@gmail.com Symara Tâmara: (84)98843-3357 symaratamara@hotmail.com symaracontato @gmail.com Redes sociais: Instagram: @symaratamara @acunhaproducoes Facebook: Symara Tâmara Canal no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCp0DcB2s5_ZoMNg4hgA2LyQ
O Seridó é uma região conhecida pelos bordados e é na cidade de Timbaúba dos Batistas que moram as principais bordadeiras do Rio Grande do Norte, as mulheres que são responsáveis por transformar o bordado em verdadeiras obras de arte.
A arte de bordar atravessa gerações. A maioria das bordadeiras aprenderam com seus familiares, muitas delas ainda na adolescência. Uma prova disso é a história da bordadeira e, atualmente coordenadora do artesanato no Município de Timbaúba, Jailma Araújo Gomes. Desde os 12 anos que ela empreende na arte de bordar, trabalho que já aprendeu com sua mãe. Hoje, com 41 anos, esse trabalho é a sua principal fonte de renda, mesmo tendo tentado outros tipos de trabalho ela sempre concentrou seu talento no bordado. “Já tivemos até 3 gerações de bordadeiras na mesma família, mas atualmente só temos duas gerações, mãe e filha em boa parte das residências”, confirma.
Segundo Jailma 80% da economia vem do bordado, e nos últimos cadastros foram registrados aproximadamente 800 bordadeiras mulheres, desse número, a maioria é de mulheres que são chefes de família, um fato que relaciona o trabalho artesanal à autonomia financeira das mulheres.
O artesanato inclui diferentes tipos de trabalho. O bordado, especificamente, concentra uma sequência de mão de obra até o produto ficar pronto para ser comercializado. “Na cadeia produtiva do bordado temos o riscador, a lavadeira e a passadeira, que inclusive estamos com um número bem reduzido. Riscadores temos apenas 5, lavadeira 3 e passadeiras 6, sendo 3 do sexo masculino”, frisa Jailma.
A comercialização dos produtos é feita por vários canais como as feiras de artesanato e pela internet. Os produtos variam entre cama, mesa, banho, enxoval para recém nascidos, roupas, redes entre outros. As entregas são feitas em todo o Brasil, mas é no município, na “Casa das Bordadeiras Iracema Soares”, que concentra a maior parte das ações, inclusive a comercialização. Para os que desejam encomendar via internet, no instagram @casadasbordadeiras tem os contatos pelos quais poderão ser feitas as encomendas.
Foto: Jailma Araújo
“A Casa dá suporte desde oficinas e capacitações até as vendas dos bordados. Aqui temos uma lojinha onde são comercializados os bordados e recebemos também encomendas. Além da lojinha participamos de feiras de artesanato municipais e estaduais”, destacou. As principais feiras que as bordadeiras participam e que também são pontos importantes de comercialização são: FIART, FENEARTE, FAMUSE e a feira de Belo Horizonte.
Jailma acrescenta que o apoio do Governo do RN às profissionais vêm principalmente na realização de feiras de comercialização através do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), além disso, existem novos projetos que ainda estão em fase de planejamento.
Assim como os outros segmentos, o artesanato também sofreu as consequências da pandemia. A escassez de matéria-prima, durante o período em que as fábricas paralisaram sua produção, e o aumento no custo da matéria-prima, foram os principais problemas enfrentados pelas profissionais, que somaram com a queda nas vendas dos produtos. Apesar dos desafios, Jailma acredita que a partir dos projetos que estão surgindo é possível alimentar boas perspectivas para os próximos anos.
Jornalista Chilena usa o jornalismo para dar visibilidade a projetos de mulheres que lutam pela conservação ambiental
Foto: Arquivo pessoal
A força feminina tem sido finalmente reconhecida como importante elemento de restauração do planeta. Em todas as áreas, destacam-se histórias de mulheres que empenham anos de dedicação para defender causas globais. Não é de estranhar que os nomes de Malala Yousafzai e Greta Thunberg revelaram-se grandes referências ainda na adolescência. Há uma dor que se iguala. Essa urgência por respeito e restauração do planeta parece encontrar eco no mais profundo da alma feminina, violentada diariamente em seus direitos e valores.
No país, iniciativas como a da jornalista Paulina Chamorro dão visibilidade a pesquisadoras que lideram grandes projetos ambientais. O Mulheres na Conservação, concebido e realizado juntamente com o fotógrafo João Marcos Rosa, está em sua segunda temporada e tem repercutido em várias plataformas da mídia, esse trabalho de mulheres ainda pouco registrado. Paulina também é integrante da Liga das Mulheres Pelo Oceano, um movimento em rede de mulheres em prol da conservação dos mares.
A Revista Matracas convidou Paulina para conversar com nossas leitoras, ávidas por conhecimento e motivação.
MATRACAS – Paulina, nosso público é prioritariamente de mulheres nordestinas do sertão. Que mensagem seus projetos podem levar a essa realidade?
PAULINA – Eu acredito que quando a gente evidencia a força e o protagonismo de mulheres à frente de projetos de conservação, que não necessariamente precisam ser acadêmicos, isso nos mostra que a gente tem caminhos. Caminhos que já foram abertos. A gente aprende também que temos mulheres que já estão na luta há um certo tempo trabalhando por isso. Então, além da inspiração e do exemplo, a gente percebe que já foi um terreno que foi aberto por essas mulheres, que passaram por tantos desafios quanto às vezes essa outra mulher que está lendo, ou acessando, ou que está vendo pelas redes sociais algum episódio da série, está passando. Então eu acho que a troca de informações, mas principalmente através da comunicação, evidencia o trabalho de mulheres e faz muito mais do que só o exemplo. Nos mostra que os desafios são comuns, e que a gente pode se ajudar mutuamente.
MATRACAS – De que forma é possível fazer parte dessa conservação do meio ambiente, mesmo morando em uma região tão desfavorecida? Como participar da luta?
PAULINA – Estando em regiões mais desfavorecidas, aí a gente tem a importância justamente do protagonismo feminino e a importância de a gente colocar a nossa luta à frente. Porque são as regiões menos favorecidas e justamente também as mulheres que são os principais atingidos, por exemplo, da injustiça climática. Ou seja: dos grandes impactos climáticos gerados pelo ser humano no planeta, as principais áreas afetadas são justamente essas desfavorecidas. Pra participar da luta? Acredito que seria continuar sendo resiliente, continuar trabalhando com o olhar no coletivo, porque são essas soluções que já vêm sendo desenvolvidas e desempenhadas por essas pessoas e nessas regiões especialmente – carentes de tantas coisas – que é chamado hoje resiliência. A resiliência a tantos desafios e que vão se tornar piores. Mas acredito que a grande lição que a gente tem que aprender e compartilhar nesse caso, que é essa participação da luta, é mostrar esse censo do coletivo. De que uma luta não é só de uma região, é uma luta coletiva, de todos.
MATRACAS – Mossoró, cidade sede da Matracas, é historicamente marcada pelo primeiro voto feminino da América Latina, por Celina Guimarães. Qual o potencial da consciência política para mulheres que já trabalham no campo, buscando recursos e atividades sustentáveis?
PAULINA – Eu acredito que o trabalho em campo e o empoderamento da mulher no campo – porque a gente sabe que aqui no Brasil e na América Latina ainda é um grande desafio; a gente ainda vê que mulheres não têm acesso a recursos para cuidar de sua terra, do seu roçado, ainda dependem, em algumas áreas, muito dos homens – temos uma luta sim feminista ainda no campo, mas ao mesmo tempo são exemplos que vêm do campo, de associativismo, que mostram como mulheres líderes – a gente tem líderes de reservas extrativistas, líderes de colônias de pesca hoje. Então como essa organização e essa visão feminina de futuro integrado para todos e todas pode ser um caminho que a gente tem que levar a partir de agora no planeta. E isso é uma consciência política; porque a consciência política não é a que leva à questão do partido. Ela é justamente apartidária. A que trabalha sobre os recursos, sobre direitos das pessoas, de acesso. A que trabalha com a democracia, ou que trabalha contra a injustiça social e ambiental. E a mulher hoje no campo e no litoral tem desempenhado um papel muito importante de liderança.
MATRACAS – O que falta acontecer para que as mulheres sejam vistas com igual visibilidade em suas lutas?
PAULINA – Acredito que a gente está em plena luta. E essa é uma luta que nunca acaba. O que falta acontecer é que a gente consiga ter a igualdade de gênero. A gente poder ter, num espaço de discussões e de tomada de decisões, o mesmo número de homens e de mulheres. Eu acredito que a mulher enquanto base, com seu conhecimento e com essa luta, agora a gente precisa dar esse salto e exigir – já que metade da população ou um pouco mais é de mulheres – a gente precisa ver essa representatividade nas tomadas de decisão. Nos lugares de poder: tanto político, quanto da iniciativa privada. A liderança das mulheres é uma realidade que precisa chegar agora.
MATRACAS – Que conselho você dá para as jovens que nos leem e gostariam de saber fazer mais pelo lugar onde vivem?
PAULINA – Eu gostaria de dar o conselho de continuar se inspirando, de apoiar mulheres, de falar e de reconhecer o trabalho de mulheres. A gente não sabe a força que tem escondida numa palavra de apoio, num carinho, ou numa visibilidade que você dá ao trabalho de mulheres. Eu acho que quando a gente fala de ‘não soltar a mão de ninguém’, a gente está falando disso. Se a gente quer que nós mulheres tenhamos as mesmas possibilidades e cheguemos nos lugares de poder, a gente precisa começar entre a gente mesmo. Se valorizando, apoiando, dando a mão, conhecendo o projeto, dando força, ajudando. É um caminho coletivo; é um caminho de mãos dadas que é o futuro e o presente construído por mulheres. E é esse mundo que eu espero viver em breve.
Na última segunda-feira (27), o governo do Rio Grande do Norte anunciou a expansão da Patrulha Maria da Penha (PMP). O efetivo próprio da Polícia Militar chega, gradualmente, a Mossoró, Currais Novos e mais 11 cidades do Seridó, dando suporte às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A expansão da PMP vai proporcionar a interiorização da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), considerando que os serviços ainda são muito concentrados em Natal e Mossoró. De acordo com informações da assessoria de comunicação da Secretaria Estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, essa ampliação foi pensada, também, com esse objetivo que é o de interiorizar as ações e fazer com que os serviços cheguem a todos os municípios e comunidades.
Sobre os critérios de escolha das cidades que passarão a contar com o efetivo, a informação repassada pela assessoria é de que “foi levado em consideração, além da densidade populacional e abrangência dos batalhões de polícia que serão atendidos nessa primeira fase, os índices de violência contra a mulher.”
Durante o anúncio da expansão da Patrulha, a governadora Fátima Bezerra confirmou a incorporação do aplicativo “Salve Ela” à estrutura do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). Uma ferramenta que permite o acesso das mulheres aos canais de denúncia sobre violência doméstica. Através do aplicativo é possível gerar um pedido de socorro que envia para a Polícia a geolocalização da vítima em tempo real.
“O aplicativo foi doado ao Estado e agora passará por ajustes técnicos de desenvolvedores do Instituto Metrópole Digital. Assim que for finalizado, será amplamente divulgado e passará a compor a estrutura do Ciosp, sendo mais uma ferramenta de denúncia. A expectativa é de que esteja pronto até o final de janeiro”, assessoria.
A Patrulha Maria da Penha é um núcleo da Polícia Militar especializado no acompanhamento de mulheres vítimas de violência e, até então, atuava na Grande Natal, com duas viaturas na capital e uma em Parnamirim. Com o projeto de expansão, chegará gradualmente a todas regiões do estado, iniciando por Mossoró, Currais Novos, Acari, São Vicente, Florânia, Parelhas, Equador, Santana do Seridó, Carnaúba dos Dantas, Lagoa Nova, Cerro Corá, Bodó, Tenente Laurentino.
Em Mossoró, a chegada do efetivo, anunciada pelo Estado, vai somar com o trabalho que já é desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Mossoró, que recentemente completou um ano de trabalho no enfrentamento à violência contra a mulher. O grupo se tornou referência e hoje é um dos principais suportes de defesa das mulheres que são vítimas de violência doméstica e familiar.
A proporção de mulheres assassinadas tem crescido nos últimos anos em todo o país e as estatísticas mostram um aumento significativo no período de pandemia. No Rio Grande do Norte, que é considerado um dos estados mais violentos para as mulheres, os números impressionam e apontam para uma necessidade urgente de implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher. Dados recentes da Secretaria de Comunicação Social da Polícia Civil (Secoms) mostram que, de janeiro a setembro de 2020, foram 2.945 casos de violência doméstica, e nesse mesmo período de 2021 (janeiro a setembro), foram 4.421, ou seja, um aumento de mais de 50% dos registros.
Repentistas no Centro Cultural Grajaú - SP / Foto: Damariz Galvez
A cantoria de viola, a mesa de glosas, a arte do repente, tem um improviso que canta e encanta sobre os fatos e o dia a dia do nosso povo. Ora como expressão de felicidade, ora como lamento, ora como registro histórico, ora como diversão. Todavia, ao longo do tempo, esse segmento cultural da cantoria de viola, do repente, da literatura de cordel foi dominado pela figura masculina. Poetas, repentistas e escritores de cordel sempre existiram em grande quantidade. Mulheres, nesse ambiente, sempre foram algo raro de se encontrar, não porque não existia, mas por serem invisibilizadas.
É do Pajeú, território sertanejo localizado no Estado de Pernambuco que conta com dezessete municípios (todos referência quando estamos falando de poesia), que sai parte das vozes femininas do repente e que vêm se destacando pelo Brasil afora. Não à toa, o território é identificado por sua efervescência poética como “pajeúnica”. Trata-se de uma identidade histórica, tendo em vista que do Pajeú saíram outros nomes na arte de improvisar, tais como Severina Branca, Isabelly Moreira, Luzia Batista, Mocinha de Passira, que inclusive são nomes que as glosadoras da nova geração também levam junto para os espaços que ocupam atualmente. Nomes que são apresentados por meio de declamações de seus versos, para mostrar que as glosadoras mulheres sempre ocuparam esse espaço, mas que foram ofuscadas.
Luna Vitrolira, idealizadora do “Mulheres de Repente” / Foto: Damariz Galvez
Representatividade, existência, empoderamento, escrevivência, é tudo o que representa o projeto “Mulheres de Repente”, idealizado pela multiartista Luna Vitrolira, que já se revela como um dos instrumentos que vem dando um novo contexto a este cenário poético e mostrando a potência das glosadoras do sertão pernambucano na arte do improviso. As poetisas Francisca Araújo, Dayane Rocha, Elenilda Amaral e Erivoneide Amaral, com a mediação de Luna Vitrolira, já participaram do espetáculo “Mulheres de Repente”, no Centro Cultural do Grajaú, em São Paulo (SP); já estiveram em Salvador, no Museu de Arte; em Teresina (PI); na Festa Literária das Periferias e no Rio de Janeiro. Essas são oportunidades que marcam não só a carreira dessas mulheres como também a construção de um novo cenário dentro da poesia improvisada.
“A gente, hoje, marca muito forte a nossa existência. Somos nós contando a nossa própria história a partir das nossas próprias narrativas. Então, quando a gente amplia os espaços das mulheres na literatura, a gente está falando de uma voz que entra no espaço de disputa de narrativa para contar a sua versão da história, a sua perspectiva de mundo, a sua escrevivência, a partir do seu corpo, de suas marcas, de suas experiências, de seu lugar de fala”, destaca Luna.
O “Mulheres de Repente” surge para marcar o protagonismo feminino na arte do improviso. Ele nasce da vontade de difundir a poesia feita de improviso no sertão do Pajeú, no momento em que, segundo Luna, houve uma grande explosão da poesia falada, vinda das diversas periferias de todo o Brasil. A partir desse contexto, a multiartista começou a questionar sobre o porquê da literatura oral, da literatura de cordel, da cantoria de viola, da mesa de glosas, toda essa arte produzida no Pajeú, não poderia se projetar no meio dessas oportunidades e chegar aos vários estados brasileiros, considerando que o sertão é uma grande periferia também, um território que tem um contexto histórico difícil, e que é um território de povos originários, povos negros.
“A nossa cultura e nossa poética são totalmente fundamentadas nessa ancestralidade. Então eu comecei a perceber que, mesmo com toda a projeção da poesia falada, da poesia oral, da poética das vozes em vários territórios pelo Brasil, a partir desse lugar da periferia, o sertão, ele continuava sendo marginalizado, invisibilizado, como um território periférico, que realmente não é visto, não e considerado. A gente sabe que o Nordeste, e o sertão, sobretudo, ele ainda sofre o peso de muitas caricaturas a partir dessa imagem de seca, de miséria que foi criada. Então, pouco se olha pra nossa poética, para nossa cultura, para o que a gente tem de vida, de poesia, de vitalidade e de ebulição”, explica. Foram esses questionamentos que inspiraram Luna a fazer o “De Repente Uma Glosa”, projeto de circulação nacional, da mesa de glosas, mas que eram mesas mistas, com homens e mulheres.
Glosadoras do Pajeú durante espetáculo em São Paulo / Foto: Damariz Galvez
Quando começaram a circular, em 2016, existiam poucas mulheres nesses espaços, poucas mulheres glosadoras ocupando a mesa. “Então a gente começou em mesas mistas com Elenilda Amaral e Dayane Rocha, e aí foram surgindo outras poetisas improvisadoras e glosadoras, como Francisca Araújo, Erivoneide Amaral, Milene Augusto, Thaynnara Queiroz, e foi aí que a gente começou a sentir a necessidade de fazer mesas de glosas onde o protagonismo fosse feminino”, destaca.
Das modalidades poéticas, sobretudo a literatura que é feita no sertão, e mais ainda quando se fala da arte de improvisar, os homens são maioria, e por ser um espaço ocupado majoritariamente por homens, são poucas as mulheres que se sentem à vontade e que conseguem exercer a sua arte em meio a tantas opressões. A partir dessa realidade várias questões foram sendo observadas. “A gente foi percebendo que quando as pessoas construíam os motes (que são os assuntos, estrutura de dois versos a partir do qual as poetisas glosam), não se pensava a questão de gênero. Eram criados motes masculinos para as meninas glosarem no masculino. E a gente sabe que se o mote vem no masculino existe uma questão muito forte que é a limitação da rima. Se o adjetivo ou substantivo vem no masculino, para a mulher glosar ela vai usar uma voz masculina que não é a voz dela, não é a voz feminina. Então, começou a se questionar muitas coisas, na própria sistemática da mesa de glosa, a partir da questão de gênero”, detalha.
Percebendo o machismo durante as apresentações, segundo Luna, em alguns momentos foi necessário chamar a atenção dos improvisadores homens. Foi necessário pedir que atentassem para a representação das mulheres, alertando-os para o cuidado com os assuntos, o cuidado com os temas, para que não sejam temas misóginos, machistas, que vão desvalorizar a mulher, que não sejam motes apenas que tragam a voz masculina. “O que acontecia muitas vezes era a subversão do mote. Dayane Rocha muitas vezes encarou um mote que vinha num gênero masculino, ela transgredia, transformava o mote no gênero feminino e mudava todo o esquema de rima. Então ela fazia um improviso que se diferenciava na estrutura métrica dos outros, dos homens. Porque ela adaptava para a voz feminina, para a voz dela”, explicou.
Ainda sobre a importância do projeto, a idealizadora frisa a relevância de incentivar outras mulheres que queiram ecoar suas vozes, amplificar seus discursos. “Na mesa de glosas ampliamos esse debate de gênero pensando nas pessoas não binárias, que querem participar e que ainda se sentem limitadas e oprimidas como se aqueles espaços não lhe pertencessem. A gente vem buscando cada vez mais esse debate para trazer mais mulheres para dentro desse processo. Inclusive, temos feito projetos de formação pensando nisso”, relata.
Desafios enfrentados pelas improvisadoras quando a mesa de glosas é mista
Luna constata que existe um diferencial na questão do respeito e da cumplicidade que existe quando é uma mesa feminina, o que acaba não existindo quando a mesa é mista. “Mesmo que alguns poetas homens se esforcem, não consegue se ter uma cumplicidade de fato, real. Entre eles tem uma dinâmica e quando tem mulheres na mesa é como se eles não conseguissem lidar com a dinâmica diferente da deles. Então são muitos os conflitos, são muitas as barreiras que muitas vezes só sente a potência dessas barreiras quem está sentado à mesa. Ou seja, as mulheres glosadoras é que sentem na prática essas barreiras”, diz. Um exemplo vivenciado pelas meninas tem relação com o tempo de criação e elaboração de cada uma. Segundo ela, existe uma postura muito desrespeitosa com algumas glosadoras com relação ao tempo que elas levam para elaborar suas estrofes e isso gera um discurso de que os homens são mais ágeis, mas não avaliam o fato de que os homens estão há décadas glosando em atividade e com uma bagagem de tempo de experiência muito maior quando comparado com as mulheres que começaram a glosar há pouco tempo. “São dois pesos e duas medidas para a gente poder ter mais cuidado ao pensar nesse protagonismo feminino na mesa de glosas”, reconhece.
O diferencial de quando a mesa de glosas é composta só por mulheres existe também no que diz respeito aos temas abordados. Temas que nunca foram pautas nesse espaço como a maternidade, o machismo, liberdade da mulher, agora estão sendo trazidos para as mesas. “Muita coisa muda, mexe na estrutura, e se impede, inclusive, que motes, que são chamados de motes de gracejos, se utilizem da imagem da mulher para ‘tirar uma onda’, uma piada. É muito importante marcar esse lugar e honrar as várias mulheres repentistas que tiveram que passar por tantos desafios, para conseguir conquistar o direito de exercer sua sensibilidade artística, ser poeta, cantadora de viola, ser improvisadora e ser glosadora”, frisa.
Luna faz uma referência às repentistas que tiveram que enfrentar maiores desafios para se firmar nesses espaços, como Mocinha de Passira, uma renomada cantadora de viola de Pernambuco, que teve que fugir de casa para ser cantadora; e Luzia Batista, também uma repentista reconhecida, que teve sua viola de cantoria quebrada pelo marido e foi proibida de cantar. “Quando a gente vê hoje mulheres fazendo improviso na mesa de glosa e viajando por vários Estados do Brasil, isso é muito revolucionário”, festeja Luna.
A presença das mulheres na mesa de glosa ainda é considerada tímida. “Não somos poucas escritoras, escritoras somos várias, mas na mesa de glosa, hoje, somos apenas seis mulheres. Estamos com muita força, enfrentando desafios, enfrentando, às vezes, muito desrespeito, mas sempre com muito profissionalismo, marcando nossa presença com muita dignidade, com nossa integridade e sem permitir que sejamos subalternizadas nesse processo. A gente não se submete a absolutamente nada, a gente se posiciona. Quando a gente faz isso a gente se torna referência para outras mulheres que vão desejar estar e ocupar esses espaços e isso vai provocar essa ampliação, que é o que a gente busca”, fala a multiartista.
Sobre a circulação do projeto e a receptividade nos Estados brasileiros
O projeto já circulou em vários Estados brasileiros. Para a idealizadora as oportunidades de fazer o “Mulheres de Repente” são experiências gratificantes. “Em muitos lugares fora e até mesmo em Pernambuco muitas pessoas nunca ouviram falar e nunca assistiram uma mesa de glosas. Nunca testemunharam esse rebento do sagrado que é o improviso, então quando as pessoas se deparam com a mesa de glosas existe um encantamento muito forte. As pessoas ficam impressionadas. Existe uma contemplação muito bonita de perceber no público que fica esperando e observando as poetas pensando, elaborando, esperando que a poesia nasça e torcem muito por isso e sempre que o improviso é declamado existe uma vibração muito forte da plateia. Ficam impactadas”, discorre.
Em alguns espaços por onde passaram o projeto não houve, inicialmente, uma receptividade positiva, como no Sudeste, por exemplo. Segundo ela, em alguns lugares foi possível sentir um tratamento que veio junto com um certo preconceito, com uma visão pejorativa do popular. No entanto, apesar da primeira impressão vir de forma negativa, quando assistiam, tudo mudava, ficavam impressionados. Luna comenta que: “Já aconteceu de a gente chegar a espaços e ser muito bem recebidas, muito bem acolhidas, das pessoas amarem, vibrarem, comprarem os livros, seguirem as redes sociais e manterem contato com a gente, pesquisarem sobre outras poetas e sobre a região; e já aconteceu de a gente impressionar as pessoas dessa forma: não darem valor aquilo ali, e depois acham incrível.
Os desafios são muitos, porém, cientes da importância que tem o projeto as improvisadoras não tem baixado a cabeça. “É muito difícil às vezes lidar com essas oscilações. A gente entende demais como é que os nordestinos, pernambucanos, sertanejos, são vistos nesses lugares, porque existe uma ignorância muito grande sobre quem somos e ao mesmo tempo existe uma marginalização da nossa literatura, porque existe uma questão chamada epistemicídio mesmo e uma subalternização de toda literatura que é pautada na oralidade. Quando isso se soma a região, a raça, gênero, classe social, território, geografia, sotaque, a gente acaba tendo que enfrentar muitas barreira, mas a gente nunca abaixa a cabeça porque sabemos de nossa missão, sabemos o que estamos indo fazer e sabemos da importância desse projeto, importância de nossa resistência nossa voz”.
Origem da mesa de glosas e sua formação e sistematização
A mesa de glosa – glosar significa improvisar – surgiu das rodas de glosa. Essas rodas aconteciam depois que terminavam as apresentações de cantoria de viola. “Os poetas guardavam as violas, se juntavam em rodas na mesa do bar, alguém dava um mote, e eles faziam rodadas de improviso sem a viola; apenas como uma brincadeira de improvisar”, explica Luna.
Tabira foi a cidade que formalizou e sistematizou a mesa de glosa como um espetáculo de poesia improvisada com regras de funcionamento, em 1997. O fato aconteceu na missa do poeta. “A missa do poeta era feita em homenagem a Zé Marcolino em Serra Talhada, e quando a missa migra para Tabira, vira uma semana de celebração, uma semana de festividade em que a mesa de glosa se torna uma das atividades em homenagem a Zé Marcolino, que também era improvisador”, conta.
A estrutura é uma mesa retangular, onde as poetizas se sentam uma ao lado da outra. Além das poetas glosadoras, existe também uma mediadora coordenadora da mesa, que vai ser responsável por elaborar e dar os motes e conduzir a mesa durante toda a apresentação. Nessa estrutura, Luna explica que a quantidade de poetas é igual à quantidade de motes, que é igual à quantidade de rodadas. “Hoje existem seis mulheres glosadoras no Pajeú. Uma mesa com seis, serão seis motes e seis rodadas. Na mesa de glosas fazemos na estrutura de décimas, ou seja, estrofe de dez versos, com sete silabas poéticas na estrutura de rima. Aí, dessa estrutura de rima, os dois últimos versos fecham a décima: é justamente o mote. Então as poetas escrevem oito versos, e fecham a décima com o mote que são os dois versos restantes”, detalha.
Mulheres de Repente preparam livro, documentário e site
Além do espetáculo da mesa de glosas que corre pelo País, as poetisas estão para produzir um livro sobre a mesa de glosa que vai abordar a sua origem, funcionamento, as mulheres de repente e, junto com o livro, a criação de um “site” onde será disponibilizado material de acesso para as pessoas que queiram conhecer mais sobre as poetisas, sobre o repente, sobre a glosa, o improviso, sobre o Pajeú. A ideia é tornar acessível a arte que é produzida no Pajeú. Também será produzido um documentário sobre o “Mulheres de Repente” e a sua atuação. Fora tudo isso, existe o projeto de formação destinado às mulheres que queiram aprender a glosar, que tenham interesse em escrever, que queiram aprender mais sobre a técnica do improviso ou apenas conhecer a modalidade.
O sucesso do projeto Mulheres de Repente segue caminho e já tem as próximas paradas para o ano de 2022: participarão na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e na Festa Literária das Periferias (FLUP).
Estimular a autonomia das mulheres das comunidades rurais, levar informações sobre diversos temas, promover engajamento nas relações sociais são objetivos de um conjunto de oficinas que vem sendo realizado a partir de uma parceria entre o Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos (SEAPAC) e a Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí (FACISA/UFRN) nas comunidades rurais com as mulheres que são acompanhadas pelo SEAPAC. As oficinas estão sendo ministradas pelas estagiárias de Psicologia Comunitária e Ambiental da unidade acadêmica FACISA/UFRN, um trabalho que já vem sendo realizado pelas estudantes desde 2019, porém teve que ser interrompido em 2020 devido à pandemia, mas agora está sendo retomado presencialmente.
De acordo com a estudante de psicologia, Amanda Rezende, uma das que ministram as oficinas, as primeiras atividades desse projeto foram realizadas na comunidade rural Salgadinho, do município de Sítio Novo/RN, em parceria com o médico da família e comunidade da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Município, com quem foi desenvolvida a pesquisa intitulada “Como as mulheres do campo constroem sua saúde? Estudo em uma comunidade no interior do nordeste brasileiro”, na qual abordaram a temática saúde, cuidado e adoecimento.
Na última semana, um conjunto de oficinas foi realizado com as mulheres da comunidade Serra Verde, em Lajes Pintadas – RN, com o tema voltado para a autonomia das mulheres no campo. O objetivo é chamar a atenção dessas mulheres para a importância que elas exercem na sociedade. “Esse ano nós nos vinculamos ao SEAPAC que acompanha cerca de 70 famílias das comunidades rurais do município de Lajes Pintadas/RN. Em parceria com o projeto de extensão “Mandacaru Consultoria” da FACISA/UFRN, nós realizamos as primeiras oficinas com as mulheres das famílias acompanhadas pelo SEAPAC”, explica.
Durante esse mês de dezembro, estão sendo realizadas as primeiras oficinas presenciais no formato de roda de conversa com essas mulheres. Estão participando, além das estagiárias de psicologia Amanda Rezende, Évilla Fernandes e Ana Beatriz Oliveira, um total de 14 mulheres, que estão distribuídas entre 3 comunidades acompanhadas pelo SEAPAC, que são Serra Verde, Malagueta e Catolé.
“Durante as oficinas, apenas mulheres participam, sem a presença de nenhum homem, o objetivo é garantir um espaço acolhedor para que elas possam buscar orientações, compartilhar suas vivências e fortalecer as redes de apoio dentro da própria comunidade. Neste momento, nosso objetivo é promover a reflexão e discussão das mulheres sobre autonomia, direitos e o papel que elas exercem na comunidade”, frisa.
Amanda ressalta que a tarefa delas nas oficinas é de mediar, uma vez que todo o processo é construído e direcionado pelas mulheres. “Desde a escolha das temáticas até o momento da roda de conversa. Essas atividades têm estimulado o protagonismo das mulheres no seu dia a dia na comunidade, além de fortalecer o vínculo entre elas que são, geralmente, a única rede de apoio acessível, uma vez que a maioria dos serviços se encontra distante, nos centros urbanos”, destacou.
Para Amanda, a experiência de acompanhar o serviço e a realidade das comunidades rurais no decorrer do estágio possibilitam unir a teoria e prática, promovendo intervenções contextualizadas com a realidade dessas pessoas. “Assim, orientar essas oficinas tem sido uma experiência ímpar para nossa formação profissional, abordando diversos assuntos e conhecendo essas múltiplas experiências da vida”, finaliza.
A revista Matracas lança Carta Aberta, direcionada ao presidente da Câmara Municipal de Mossoró, sobre a postura machista, misógina e homofóbica do vereador Raério Araújo, em seu discurso na sessão da Câmara na manhã desta terça-feira (14/12).
Senhor presidente,
O Brasil é marcadamente um país violento. Lamentavelmente, as maiores vítimas da violência são pobres, negros, população LGBTQUIA+ e mulheres, não necessariamente nessa ordem. Esse fato mostra, inegavelmente, que grande parte dos atos violentos são perpetrados tendo como motivadores a discriminação e o preconceito.
A partir da mobilização de setores progressistas da sociedade, o país deu um importante passo para tentar coibir a violência contra as mulheres. O advento da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, qualificou o crime de feminicídio, sendo aquele cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
A despeito dessa grande conquista, começamos a ter retrocessos, representados no aumento do número de feminicídios e de casos de violência doméstica. O crescimento da violência contra a população LGBTQUIA+ também assusta.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, foram registrados nada menos que 1.350 feminicídios no país, aumento de quase 1% em relação a 2019. Já a violência letal contra a população LGBTQUIA+ cresceu quase 25% em relação ao ano anterior.
São crimes que ocorrem potencializados pelo discurso machista, misógino, discriminatório e preconceituoso, como o proferido hoje pelo vereador Raério Araújo (PSD).
É assustador, senhor presidente, que de onde se espera que venham projetos, ações e proposições que contribuam para minimizar esse grave problema, se originem comentários maldosos, com discriminação de gênero, que colocam as mulheres inferiorizadas, indignas de legitimidade na fala pública.
Observe, senhor presidente, que a própria lei afirma que o crime de feminicídio é caracterizado quando “envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Existe algo mais nauseante de que um representante do povo se referir à postura de um adversário utilizando uma expressão retrógrada, ultrapassada e ultrajante como “mulher ruim”?
Não menos chocante foi o vereador ter utilizado o termo “baitola”, clara afronta à população LGBTQUIA+ e com o inegável propósito de desqualificar, menoscabar e marginalizar essa importante parcela da sociedade.
O discurso de hoje do vereador Raério Araújo, senhor presidente, precisa e deve ser repreendido. Não apenas porque já se tornou corriqueiro o seu destempero verbal carregado de preconceito e discriminação, mas principalmente porque ultrapassou todos os limites de civilidade.
Deixar passar tamanho disparate equivale a dizer que a Câmara Municipal de Mossoró concorda com a postura do parlamentar.
Entre todos os agravantes da conduta preconceituosa do vereador em comento está o fato de ser ele presidente da mais importante comissão do Legislativo, sem nenhum demérito às demais.
A Comissão de Redação, Constituição e Justiça, presidida por Raério Araújo, tem, entre outras funções, a de garantir que as matérias a ela chegadas não firam a Constituição Federal da República do Brasil (CFRB).
Nossa Carta Magna, digno presidente, nos alerta, em seu artigo 5º, “que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Absurdo que os comentários mais desairosos, as falas mais estapafúrdias, os discursos mais violentos venham sendo proferidos por aquele que deveria ser, na Câmara Municipal de Mossoró, guardião da “Constituição Cidadã”.
Se é absurdo que o presidente da Comissão de Redação, Constituição e Justiça tenha se constituído em contumaz maculador de um dos mais importantes princípios constitucionais, ainda pior será se o Legislativo mossoroense quedar silente aos arroubos nefastos e desproporcionais do vereador Raério Araújo. Ele não está acima da Constituição. Mesmo que a desrespeite reiteradamente.
Por todas as mulheres que sofrem diariamente com a violência sexista, com a discriminação, com o preconceito, pagando com suas vidas o descaso das autoridades;
Por toda a população LGBTQUIA+, agredida diariamente em sua existência e profanada em sua dignidade, exigimos do Poder Legislativo Municipal de Mossoró a adoção de medidas legais que punam o agressor e contribuam para que atos e fatos tão lamentáveis jamais voltem a acontecer.
As situações de violência política de gênero são recorrentes no Brasil e acontecem em todas as esferas do poder. Intimidação, constrangimento, tentativa de silenciá-las, de desqualificá-las em suas falas, são exemplos de agressões sofridas pelas mulheres que ocupam os espaços de poder, sejam elas prefeitas, vereadoras, deputadas, senadoras. Uma realidade que, além de afetar as mulheres em seus mandatos, impactar a democracia, contribui para o distanciamento de outras do ambiente político, um lugar que se mostra cada vez mais hostil.
Os desafios são muitos e a caminhada ainda é longa, porém, as mulheres seguem juntas para mostrar que o lugar delas é, também, na política. Foi essa temática que levou militantes do Movimenta Mulheres RN a ocuparem a Câmara Municipal de Natal, na manhã desta quinta-feira (09/12), a partir de uma proposição do Movimenta, junto ao mandato da vereadora Ana Paula e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Natal.
De acordo com uma das presidentas do Movimenta Mulheres, Isabella Lauar, o grupo lançou, juntamente com a vereadora Ana Paula Araújo e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o Observatório para mapear os casos de violência política de gênero, servindo também de canal de denúncias para a pauta.
Segundo Isabella, o debate é oportuno, considerando que os casos são cada vez mais recorrentes e invisibilizados. “Discutir a violência política de gênero é falar sobre estatísticas invisíveis, relativas a um fenômeno que ainda não é muito debatido, embora já tenhamos a tipificação do crime de Violência Política de Gênero. Por outra parte, é falar de um delito que influencia diretamente tanto na participação das mulheres na política e nos espaços institucionais de poder, quanto na própria atuação dessas mulheres que, em virtude desta violência, correm riscos até de vida (Feminicídio Político de Estado, cujo maior exemplo no Brasil é Marielle Franco).
Ela reforça ainda que “é, também, uma das causas da sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e decisão e prejudica a democracia no país. Sendo assim, precisamos falar sobre isso, para garantir que as mulheres possam exercer seus mandatos e erguer suas vozes em prol da democracia e de políticas públicas interseccionais e representativas”, frisa.
Na mobilização da Câmara ocorrida hoje, estiveram presentes as Presidentas do Movimenta Mulheres RN, Karenina Hentz da Cunha Lima, Isabella Lauar e Caroline Maciel, além de autoridades como Wanessa Fialho, subsecretária da Secretaria de Estado das Mulheres da Juventude da Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEMJIDH/RN).