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Ady Canário Colunistas Destaque

Racismo institucional: linguagem de negação ou superação?

No Brasil, a população negra soma mais de 56% da população, segundo IBGE, mesmo assim, ainda são recorrentes as histórias e práticas racistas, em empresas, universidades, órgãos governamentais e não governamentais, nas quais a raça é definidora dos processos de tratamento desigual de grupos subordinados racialmente, desde o período colonial escravocrata.

Lamentavelmente, e em geral, as mulheres negras são tratadas como problema e excluídas no exercício de seus direitos aos bens e servidos pelo poder do Estado, seus entes e ações. Como aponta a declaração da III Conferência Mundial contra o racismo, xenofobia e intolerâncias correlatas: “Estamos convencidos de que racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata revelam-se de maneira diferenciada para mulheres e meninas, e podem estar entre os fatores que levam a uma deterioração de sua condição de vida, à pobreza, à violência, às múltiplas formas de discriminação e à limitação ou negação de seus direitos humanos”.

A partir da dimensão do racismo como um sistema estruturante, patriarcal e heteronormativo, quais são os sentidos do racismo institucional? Ele está presente na cultura organizacional, seja empresa, grupo, associações ou instituições que não providenciam serviços para determinadas pessoas por conta da sua origem, cultura e cor. Infelizmente, existe e precisa ser combatido, pois opera de modo extremamente excludente ao colocar os brancos em vantagens em relação aos demais grupos étnico-raciais. Como isso funciona numa sociedade desigual?

A professora e mestra em sociologia, Gevanilda Santos, fala em seu texto “A cultura política da negação do racismo institucional”, que se trata do: “[…] fracasso coletivo de uma organização para promover um serviço apropriado e profissional para as pessoas por causa da sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos que totalizam em discriminação por preconceito involuntário, ignorância, negligência e estereotipação racista, que causa desvantagem à pessoa” (2005, p. 50).

Nesse sentido, é possível verificar esse conceito em toda complexidade por conta das desigualdades advindas das práticas racistas. Isso ainda ocorre em razão do preconceito e da discriminação, seja de modo velado, sutil, silencioso ou não. Quando pessoas brancas são favorecidas em detrimento da exclusão ou isolamento de pessoas negras.

É igualmente importante para a sociedade entender os mecanismos de tratamento desigual em diversas esferas sociais e os privilégios de uns em relação a outros. Quem se beneficia e legitima essas questões? Como possibilidades de eliminação da discriminação racial institucional, temos o papel da Lei 10.639/2003 e da Lei de Cotas, que trata de incluir negros/as em espaços sociais de classes. No que se refere à cultura imposta aos subalternizados, os efeitos do racismo ainda são negados. No entanto, para o combate, é necessário reconhecer que ele existe no cotidiano institucional e buscar políticas para a superação, seja no trabalho, segurança pública, na educação, no lazer e saúde, entre outros temas.

O movimento negro brasileiro vem intervindo em estratégias de interação com espaços acadêmicos, comunidades, instâncias legislativas, executivas e judiciárias,  no propósito de denunciar as opressões. É responsabilidade de toda a sociedade, cabendo aos poderes públicos constituídos a adoção de medidas para prevenção da violência racista. Portanto, reiteramos que, o enfrentamento a esse sistema deve fazer parte da agenda educativa e do diálogo com a sociedade civil, grupos, núcleos, organizações, mulheres, mulheres negras e juventude negra em todas as suas diversidades, visando à implementação de medidas e mudanças significativas na vida dos segmentos que mais precisam.

Racismo institucional, é preciso superar!

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Maternidade compulsória e a pressão psicológica sobre mulheres que não desejam ter filhos

A ideia do “instinto materno” e da plenitude da maternidade ainda estão impregnadas na nossa sociedade. Mas, nem toda mulher deseja ser mãe e “tá tudo bem”, ou pelo menos deveria estar. O problema é que ser mulher e fugir da expectativa social é ter que lidar com julgamentos, e no caso da maternidade não é diferente. 

As mulheres que não querem ter filhos e até mesmo as que querem, mas ainda não planejaram estão cansadas de ouvir o “quem vai cuidar de você na velhice?”, “a mulher só conhece o amor verdadeiro depois que é mãe”, “você só vai se realizar como mulher depois que for mãe”. Isso, além de serem referenciadas como egoístas, frias, que não gostam de criança. As cobranças em torno das mulheres para que elas tenham filhos são muitas. No entanto, sobre gerar, criar, educar e até mesmo sobre a exaustão da maternidade, muitas vezes sem uma rede de apoio, pouco se fala.      

A pedagoga Mariana Brilhante, 44 anos, não tem dúvida de que a maternidade não faz parte dos seus planos. Ela afirma não sentir o famoso “instinto materno”. Não há uma razão específica que justifique essa decisão de não ter filhos, a não ser o fato de simplesmente não sentir vontade. 

Mariana Brilhante

“Não sou contra a maternidade e nem questiono mulheres que querem ter filhos, é um direito delas essa opção. Mas acho que quem não tem esse mesmo desejo precisa e deve ser respeitada. Acredito que maternidade foi imposta por uma sociedade que propaga a ideia de que a mulher só é mais mulher quando é mãe, e quem não tem filhos tem uma vida ruim, pois acreditam que a felicidade da mulher está ligada a um filho”, diz. 

Mariana conta que as críticas e opiniões, inclusive invasivas, chegam tanto de pessoas com quem ela não tem intimidade quanto de pessoas próximas. “Eu já ouvi de alguém que eu amo muito que eu sou infeliz e seca porque não tenho filho. Isso machuca muito, e não é verdade que somos menos sensíveis só por não querermos ser mãe. Eu já ouvi muitas mulheres que são mães dizerem que se pudessem voltar atrás nunca teriam tido filhos. Mas acredito que a sociedade trata dessa questão com muita complexidade e tabu”, frisa. 

As discussões sobre essa temática geram estresse para as mulheres, que não raro são expostas a situações constrangedoras. Ainda de acordo com Mariana, um comentário comum que sempre chega é que ela vai se arrepender de não ter tido filhos quando se deparar com a solidão na velhice. “Como se filhos fossem garantia de que não seremos sozinhas na finitude da vida. Se isso fosse regra, as casas de acolhimento para idosos não estariam cheias de pais órfãos de filhos”, destaca.

Ela desconstrói a ideia de que não querer ser mãe significa não gostar de criança. “Eu gosto muito de criança, amo minhas sobrinhas, meus alunos, fico com eles algumas horas, me apego, mas não sinto desejo de ser mãe e me angustia muito a forma como as crianças de hoje vivem. Eu não gostaria de ter tido filho na situação em que vivemos nessa última década. Tenho visto muitas crianças nascendo com transtornos, pais que precisam dedicar suas vidas exclusivamente aos filhos. Me conforta saber que não fiz essa escolha e quero ser respeitada por ela”, relata.

A assistente social Irys Cardoso Dantas, 34 anos, disse que ser mãe ainda não está nos planos, embora não descarte a ideia de um dia vir a ser. Porém, as cobranças e questionamentos chegaram desde que Irys pôs os pés “na casa dos 30”.  “Já tá na idade de ter filho” é o que ela mais escuta.

Os questionamentos não chegam acompanhados de uma avaliação sobre o contexto de vida da mulher, é como se ser mãe só dependesse da idade e do desejo. Comentários semelhantes aos que são direcionados à Mariana, Irys e a tantas mulheres que tomam a mesma decisão mostram o quanto a maternidade é vista quase como uma obrigação quando se é mulher. Inclusive, uma pressão social que não atinge os homens.  

Irys Cardoso Dantas

Irys defende que ser mãe não depende só de desejar ou cumprir com uma obrigação imposta, existem inúmeros fatores pelos quais ela ainda não pensa e nem deseja ter filhos. “Me perguntam muito quem vai cuidar de mim quando eu envelhecer. Ter filho não garante que teremos quem cuide da gente. Eu vejo no meu trabalho na área da assistência social muitos casos de abandono de idosos, mesmo os que têm vários filhos”, relata. 

A assistente social acrescenta que “a maternidade é uma responsabilidade muito grande e eu não me sinto preparada para criar e educar outra pessoa. Eu falo sempre: não sei cuidar de mim, imagina de uma criança. Mas muitas falam que a agente aprende com o tempo, que é um amor incondicional. Quero sentir um dia, mas não sem ter como dar subsídios a ela. Enfim, são muitos questionamentos que se passam na minha cabeça, não quero ter filho só por ter ou porque a sociedade diz que eu tenho que ter. Quero estar preparada, me sentir preparada para que eu possa ser a melhor mãe que eu puder”, diz.

 

Pesquisadora fala sobre a pressão em torno da maternidade 

A Revista Matracas conversou com a pesquisadora Ana Luíza de Figueiredo Souza (analuiza.dfigsouza) autora do livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais”, sobre a maternidade compulsória. Ela explica de que maneira essa pressão foi estruturada na nossa sociedade e como ela atinge de uma forma ou de outra a todas as mulheres.

Ana Luiza Figueiredo Souza

Revista Matracas: O que significa maternidade compulsória? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: O mais importante é entender que a maternidade compulsória não se resume a um fator específico. Ela é um somatório de elementos (socioculturais, políticos, econômicos, médicos, religiosos, afetivos) que criam conjunturas que fazem com que a maternidade pareça — e, muitas vezes, se torne — a única opção possível para as mulheres. Essa compulsoriedade envolve desde macroestruturas (aquilo que se relaciona ao poder público, às políticas públicas, às esferas legislativa e jurídica, à maneira como nos organizamos enquanto sociedade civil, à cultura hegemônica, às representações midiáticas, ao imaginário coletivo) até microestruturas (aquilo que se relaciona à família, aos círculos sociais, aos relacionamentos afetivos, à construção subjetiva, ao planejamento de vida dos indivíduos), sendo que essas estruturas se perpassam. Por exemplo, um médico que, por crenças pessoais, se recusa a realizar a laqueadura de uma paciente ou a colocar um DIU em outra paciente. Uma família que, por estar inserida em um contexto maternalista, estimula a filha de oito anos a brincar de mamãe, desencorajando o interesse por algo além da maternidade.

 

Revista Matracas: Como ela afeta as mulheres na nossa sociedade. Não só as que não desejam ter filhos, mas também aquelas que apenas não consideram que seja o momento de ter, porém também sofrem a pressão social? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: A maternidade compulsória afeta a todas nós, de forma mais ou menos intensa. Tecnicamente, uma mulher que deseja filhos no futuro, mas acha que ainda não seja o momento para os ter, se mantém dentro da normatividade materna. Ela quer virar mãe, cumpre a expectativa normativa. Pode sentir uma cobrança mais interna, no sentido de querer algo que ainda não consegue realizar. Por sua vez, expressar a falta de desejo de se tornar mãe configura uma transgressão a essa normatividade. Apesar de a não maternidade ser mais aceita em determinados círculos sociais, não vem sem pressões ou agressões. Em geral, se entende que a falta de filhos precisa ser “compensada” de alguma maneira. Isso vale tanto para aquelas que não desejam ser mães quanto para as que ainda estão indecisas ou que esperam o melhor momento para isso. Já que elas não têm filhos, então “devem” estar disponíveis para atender às necessidades de pais/mães/responsáveis, ser maternais, saber lidar bem com crianças e adolescentes, entre outras demandas. O que não raramente se converte em fonte de novas insistências para que tenham filhos logo ou que mudem de ideia sobre permanecer sem eles.

 

Revista Matracas: Como a pressão social em torno dessa ideia de que a mulher tem que parir chega às mulheres lésbicas? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: Com mulheres lésbicas (e de outros grupos minoritários), se faz presente a necessidade de mostrar que podem ser mães tão valorosas quanto as mães preconizadas pelos modelos maternos hegemônicos. A imagem familiar tradicional — embora distinta do que sempre existiu ao longo da nossa história enquanto país —, consiste em um pai, uma mãe e seus filhos biológicos. Fugir disso, ainda que não seja incomum, gera preconceitos, violências, dificuldades. Percebo três tentativas vindas de mulheres que pertencem a grupos divergentes da norma, entre elas, as lésbicas. Uma é a de se aproximar, conscientemente ou não, o máximo possível daquilo que foi estabelecido como “ideal”, de comportamentos normativos. Outra é a de se distanciar desses modelos e seguir apenas aquilo que faz sentido para si mesmas (suas concepções do que seria uma mulher, uma mãe, uma família, criação dos filhos etc.), já que tais modelos não as acolhem. A terceira é a de negociar entre a normatividade materna e as preferências/possibilidades pessoais. Esta última acaba sendo a via percorrida por número expressivo de mulheres, sejam lésbicas ou não. Fato é que uma mulher lésbica pode ser mãe biológica (muitas, inclusive, investem altos valores para isso), ter os filhos por meio do parto, adotar e/ou exercer a maternidade solo. Uma experiência não impede a outra.

 

Revista Matracas: Como desconstruir essa ideia de que a maternidade é o meio de alcançar o ápice da vida das mulheres? Podemos relacionar essa cultura ao sistema patriarcal, capitalista?   

Ana Luiza de Figueiredo Souza: O capitalismo nasceu no patriarcado, mais especificamente o patriarcado branco. Portanto, é um sistema intrinsecamente misógino, racista, sexista. Além de predatório no que se refere ao impacto socioambiental que ocasiona. Verdade seja dita, o número de pessoas que se beneficiam da soma dessas mazelas é muito restrito. Se queremos combater a ideologia maternalista, a maternidade compulsória, temos que entender que esse empenho também precisa enfrentar as estruturas que as sustentam. Entre elas, a misoginia, o racismo, o sexismo e esse modelo socioeconômico que, além de utilizar e reforçar preconceitos e violências há muito enraizados, está levando o planeta ao colapso. Acredito que a luta perde muito quando a restringimos a uma só esfera de enfrentamento. Ou contra a maternidade compulsória. Ou contra a misoginia. Ou contra o racismo. Ou contra a degradação ambiental. Ou pelos direitos das pessoas com filhos ou pelos direitos das pessoas sem filhos. Não se trata de “ou”, mas de “e”. São demandas que caminham juntas. Se contempladas, construiriam uma coletividade mais justa, para todos os seres vivos. 

 

Revista Matracas: Sobre a romantização do que é ser mãe.

Ana Luiza de Figueiredo Souza: Nas nossas culturas e sociedades hegemônicas, que são patriarcais, ser mãe é colocado como aquilo que todas as mulheres deveriam ser, algo que nasceram para se tornar. Mesmo em culturas e sociedades fora desses modelos hegemônicos, a figura da mãe é valorizada, até reverenciada. A mãe é mais importante. É mais forte. É mais realizada. É digna de ser exemplo. Tem mais companhia. É mais sábia. Existe a crença generalizada de que ter filhos marca o amadurecimento da mulher, o que a transforma em uma adulta “de verdade”. Então muito da romantização do que é ser mãe vem da reprovação da vida enquanto mulher sem filhos, como se fosse menor. No entanto, essa romantização da maternidade guarda armadilhas. Em contextos patriarcais e misóginos, o valor feminino se dá na medida em que a mulher se torna útil a terceiros. Desempenha função servil. Não à toa aquelas que não viram ou não querem virar mães são o tempo inteiro interpeladas para que maternem. Então o que é valorizado é essa função servil, mais do que a mulher-mãe em si. Aí mora o perigo. Primeiro porque, mesmo sem filhos, se torna difícil escapar dessa lógica maternalista. Ela também engloba as não mães, existe a expectativa de que estejam à disposição de pais/mães e seus filhos. Segundo porque, se a maternidade é algo que todas as mulheres nasceram para desempenhar, “não precisam” de assistência do poder público nem da sociedade civil na maternagem, pois “já sabem o que fazer”. Se não sabem, “deveriam saber”, isso é um “problema só delas”. A maternidade acaba sendo tratada majoritariamente no campo individual, em vez de enquanto questão coletiva, que necessita de amparo do Estado. Também é tratada como uma espécie de bênção, pela qual as mães deveriam ser eternamente gratas, suprimindo críticas, reclamações, dores. E muito disso vem da romantização que a rodeia.

 

Sobre Ana Luiza 

Ana Luiza de Figueiredo Souza é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM UFF), sendo graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela UFRJ. Gestora de Produção de Conteúdo e Editoração do GP Tecnologias e Culturas Digitais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Coordenadora da equipe de revisão da revista Contracampo. Integrante do grupo de pesquisa MiDICom. Consultora acadêmica e literária. Autora do livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais. O livro apresenta e expande os principais resultados de sua pesquisa de mestrado, vencedora do Prêmio Compós. Seus trabalhos e reflexões podem ser acessados no site www.analuizadefigueiredosouza.com.br , bem como em suas contas nas mídias sociais.  

 

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Colunistas Destaque Suziany Araújo

Caso Givaldo Alves e uma análise sobre o sentimento de ódio à figura feminina

Que estamos inseridos numa cultura machista, misógina e sexista, isso boa parte das mulheres sabem, por que de uma forma ou outra, um desses elementos vai chegar à sua vida. Mas para que fique claro o significado real de cada termo, vamos às definições de cada um, acompanhados de alguns exemplos para que fique clara nossa percepção. 

O machismo pode ser definido como um sistema de representação e comportamentos que diferencia as relações entre homens e mulheres, ou seja, tem ligação com gênero, sendo caracterizado por um sistema de dominação que se confirma nas relações, onde um comporta-se de forma superior ao outro. O machismo nem sempre se apresenta de forma tão explicita, em grande parte, mostra-se sutil nas relações cotidianas, principalmente naquelas em que homem está ocupando uma posição mais favorável que as mulheres. Algumas atitudes como tentar justificar a roupa de uma vítima de assédio, acreditar que homens precisam colaborar com serviços em casa, quando na verdade também é obrigação deles, são alguns exemplos que revelam o machismo presente diariamente em nossas casas. 

E qual mulher nunca ouviu as seguintes frases: “mulher só serve para pilotar fogão”, “azul é para meninos e rosa para meninas”, essas frases compõem o que chamamos de sexismo, que pode ser definido como o conjunto de ideias ou ações que discriminam ou privilegiam um indivíduo em relação ao outro pelo sexo, gênero ou ainda também pela orientação sexual. Através do sexismo, delimitam-se papéis que devem ser assumidos por homens e mulheres levando em consideração unicamente o gênero. Dirigir um carro é para homens. Mulher deve cuidar de atividades relacionadas ao lar. Parece estranho essa afirmação, principalmente porque a mulher já conquistou diversos espaços, contudo essas mulheres ainda ganham menos que os homens e sofrem assédio muitas vezes no ambiente de trabalho. 

O sentimento de ódio, juntamente com o desprezo e repulsa, é definido como misoginia. A palavra misoginia, que tem sua origem no grego e significa ódio à mulher, surgiu a partir do termo misogynia​, ou seja, a união das partículas miseó, que significa “ódio”, e gyné, que se traduz para “mulher”.

E por que da necessidade de apresentar a definição desses termos? A explicação dos conceitos se faz necessária para entender um fato que recentemente ganhou repercussão na internet e chegou a virar notícia em diversos veículos de comunicação. Givaldo Alves, até pouco tempo atrás, era uma pessoa completamente anônima, mas em poucas semanas se tornou uma espécie de subcelebridade. Há alguns dias, ele estava morando na rua, assim como vários outros brasileiros que ficaram sem trabalho, renda e consequentemente sem um lar, porém a realidade da sua vida mudou e hoje frequenta festas, recebe beijo, atenção por onde passa, convite para se tornar candidato a deputado, conta no instagram com mais de 300 (trezentos) mil seguidores e até mesmo proposta de publicidade.

Mas o que aconteceu para em tão pouco tempo ganhar notoriedade e tanto espaço na mídia? A resposta é simples e também absurda, de acordo com o ponto de vista de muitas pessoas que se indignaram com as declarações polêmicas. O Givaldo manteve relações sexuais com uma mulher e expôs detalhes sobre os fatos. Especificou como era o corpo, deu detalhes sobre a relação, entre outras informações, que expuseram a mulher que se encontrava em surto e teria o conhecido na rua.

Ao verificar todos os holofotes que foram dados ao Givaldo, nos vem a pergunta: “qual valor nossa imagem tem para outras pessoas?”. Todos esses elementos, suas declarações, alimentaram uma população que em grande maioria despreza, menospreza, subjuga a mulher em todas as suas formas. Esse fato não é exclusivo em termos de depreciação à mulher, nossa cultura está cheia de exemplos de ações que expõem, sensualiza ou até mesmo ridiculariza a imagem da mulher. Veja as diversas músicas nos mais diversos ritmos, veja os comerciais de cerveja. Você já entrou numa feira de carros, qual a imagem é mais utilizada nessas exposições? Diariamente, devemos praticar o exercício  da reflexão de tudo que é feito quando o assunto é uma mulher, principalmente se buscamos reconhecimento. 

Não há dúvida que depois de muitos anos de reivindicações e lutas, temos conquistado direitos e a própria sociedade vem mudando a postura em relação à valorização e respeito a nossa imagem. Vejo meninas, adolescentes, que não se calam diante de atitudes machistas por parte de colegas da mesma escola ou bairro. Temos uma geração saindo do forno, cada vez mais consciente do seu papel e que não vai se calar e nem apoiar um homem que usa da exposição de detalhes íntimos de uma relação como meio de promoção pessoal. Em contrapartida, gerações de outras épocas insistem em continuar reproduzindo atitudes consideradas machistas, sexistas e misóginas. Uma mudança de postura sempre é possível, afinal todo dia é dia de se desconstruir o machismo estrutural.

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Colunistas Destaque Natalia Santos

Fresh: sobre a acidez dos relacionamentos modernos.

Já fazia algum tempo que eu não assistia a um filme que me surpreendesse para além dos já saturados “plot twist”* que vemos na maioria das produções atuais. Por esse motivo resolvi trazer a indicação de um longa atual e ao mesmo tempo original justamente porque subverte as expectativas do espectador sobre os clichês da maioria dos filmes terror e suspense.

Em Fresh (2022), vemos uma jovem adulta chamada Noa se frustrar com encontros marcados através de aplicativos de namoro. Ela, no entanto, acaba conhecendo um cara “na vida real” chamado Steve, com quem começa a ter um relacionamento “dos sonhos. Noa aceita um convite de Steve para uma escapada de fim de semana, mas descobre que o novo amante esconde alguns segredos incomuns.

Através de uma obra de terror cômico, a diretora estreante Mimi Cave explora de maneira subjetiva e ao mesmo tempo escancarada o que as mulheres podem enfrentar ao entrar em relacionamentos com desconhecidos. É uma forma de crítica não só aos relacionamentos atuais, mas também à objetificação da mulher que é perpetuada por séculos, independentemente da cultura sobre a qual estamos falando.

Para mim, a maior carta que o filme entrega é colocar, em uma mesma narrativa, elementos do que seria mais uma comédia romântica comum em conjunto com situações que beiram o bizarro, o sombrio e o horror. A temática lembra um pouco o vencedor do Oscar Bela Vingança (2020), sobre o qual eu também já escrevi por aqui.

Fresh está disponível no streaming Star+ e conta com nomes como Sebastian Stan, Daisy Edgar-Jones e Charlotte Le Bon no elenco.

 

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* Plot twist é uma mudança radical na direção esperada ou prevista da narrativa de um romance, filme, série de televisão, quadrinho, jogo eletrônico ou outra obra narrativa.

 

 

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Aryanne Queiroz Colunistas Destaque

MEMÓRIAS DE VIRGINDADES ‘PERDIDAS’

No início, era projeto. Hoje, concretude. Tudo começou no componente curricular História e Psicanálise, no curso de graduação em História, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Certo dia, a turma adentrou em uma discussão (em sala online, no contexto de Pandemia do COVID-19) sobre a “perda da virgindade”. 

Depois dessa aula, ficou o assunto reverberando em mim. Paralelamente, estava eu fazendo leituras de textos sobre Feminismos, os quais eram obrigatórios para serem discutidos em sala de aula no Doutorado de Ciências Sociais, na disciplina Seminários Temáticos de Gênero – Conexões entre feminismos clássicos e contemporâneos, no Programa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Tais leituras discutiam sobre o controle dos corpos das mulheres cisgênero no Quênia, país do continente africano, onde ocorre um ritual para realizar a mutilação genital feminina, com o intuito de “purificação dos corpos”. O corpo feminino significa sexo e sexo é algo pecaminoso. E se é pecaminoso, precisa ser corrigido, senão se tornará amaldiçoado. Em sala virtual, debatemos sobre essa forma de “purificar” as mulheres, como se todas nascessem “impuras”; dialogamos sobre como o nosso olhar Ocidental visualiza essa prática e enxerga como contrária aos Direitos Humanos. Percebemos também o quanto as pessoas evitam falar sobre sexo, como se fosse algo ruim, algo prejudicial à moral social. Analisamos como as culturas são diferentes em vários aspectos, mas preservam algo em comum: o tabu em relação aos corpos sexualizados; o tabu em relação ao sexo.

Esses dois debates citados se entrelaçaram em minha mente e advieram alguns questionamentos: por que esse tabu ainda permeia a nossa sociedade, em pleno Século XXI? Por que não dialogar mais sobre isso com as pessoas comuns? Será que as pessoas estariam dispostas a falar e escrever um pouco sobre as suas histórias? Será que a palavra (falada ou escrita) poderia reverberar em algo positivo, caso as pessoas pudessem expor as suas vivências sexuais? Será que as primeiras experiências sexuais estão sendo tão traumáticas que as pessoas estão ocultando no inconsciente, como se um mecanismo de defesa estivesse atuando sobre elas? Como eu posso ajudar para que esse diálogo sobre o referido tabu aconteça? Como fazer para que essa interlocução não se perca?

A partir dessas indagações, me veio o insight: convidar diversas pessoas independentemente de idade, etnia, origem, credo, identidade de gênero, orientação sexual, etc a participarem da produção de um livro em formato e-book, o qual seria nomeado com o título “Memórias de Virgindades ‘Perdidas’”, visando possibilitar reflexões acerca do Tabu da Virgindade, que ainda permanece para muitas pessoas como algo a não ser discutido de forma ampla. 

Sabemos que algumas instituições como a escola, a família e a Igreja preferem que esse assunto continue sendo silenciado para facilitar o controle dos corpos, como bem teorizou Michel Foucault (2009), ao dizer que “O poder disciplinar é invisível, pode vigiar sem ser visto, se expressando pelo olhar e exercendo seu controle sobre os corpos em questão. Mantendo o indivíduo disciplinado”.

Deste modo, unida ao amigo, pesquisador e filósofo Lucas Súllivam Marques Leite, nos reunimos para realizar a tarefa de organizar este e-book, pretendendo escancarar esse debate, trazer à tona o que realmente se passa na vida cotidiana das pessoas em relação à “perda” da virgindade. Desejamos fazer com que os/as leitores/as tentem descobrir o que realmente “se perde”; se é que se “perde” algo. 

Queremos igualmente fomentar a discussão, diante das narrativas de pessoas comuns, sobre como os acontecimentos do antes, do durante e do depois dessa “perda” da virgindade ficaram gravadas em suas memórias; alertamos que devemos estar atentos/as/es sobre como a cultura influencia nas Sexualidades dos mais diversos sujeitos. Para isso, contamos com a voluntária participação de 25 pessoas, de variados locais e variadas regiões do país. Divulgamos a nossa Carta-Convite nas nossas redes sociais (Instagram e Whatsapp) e os/as interessados/as/es entraram em contato, informando alguns dados pessoais, além de escolherem um nome fictício para as suas narrativas. Os seus nomes de registros não foram expostos nesta obra, portanto, mantivemos as suas identidades preservadas e substituímos por nomes fictícios, sugeridos pelos/as próprios/as colaboradores/as. Somente a/o organizador/a desse projeto teve acesso ao nome de registro das pessoas envolvidas. Algumas pessoas preferiram enviar áudios, contando um pouco sobre suas histórias e transcrevemos de forma fidedigna ao que fora dito em palavras faladas, tentando preservar ao máximo o modo de falar e escrever dos sujeitos.

A obra contou com a colaboração e análise técnica do historiador e professor-pesquisador mestre e doutorando em História Social da Cultura Regional na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Lucas Gomes de Medeiros, dedicado ao estudo dos marcadores sociais da diferença (gênero e sexualidade) para construção do prefácio

Cabe destacar que essa produção se insere entre as propostas e ações do Ìgbín Ateliê de Lembranças – uma produtora cultural e educativa – ainda não legalizada – que surge no sertão mossoroense no contexto da pandemia do COVID-19, como dispositivo incentivador da preservação e valorização da história, da cultura e da educação em contextos locais. O Ìgbín se propõe a desenvolver projetos artísticos, pedagógicos, literários, filosóficos, sociais, científicos, musicais e audiovisuais, com destaque nos estudos de Memória, (Auto) Biografia e Diversidade Cultural, iniciativas que revelam perspectivas sobre as histórias do lugar, das pessoas do lugar e dos acontecimentos do lugar.

Essa publicação não teve custo algum para aqueles/as que desejaram colaborar disponibilizando as narrativas publicadas e também não receberam nenhum valor, pois este e-book ficará disponível de forma gratuita na Internet, com o único objetivo de difundir conhecimentos acerca do tema ao público em geral, assim como aos/às literários/as, aos/às escritores/as e aos/às pesquisadores/as que desejarem fomentar os seus trabalhos acadêmicos.

Vamos juntos/as/es romper esse silêncio que gera esse Tabu da Virgindade, o qual, muitas vezes, prejudica a Sexualidade das pessoas, omitindo a importância do diálogo e da Educação Sexual, em todas as fases da vida!

Pedimos aos/às leitores/as que compartilhem este e-book ao máximo de pessoas que você conhece! Quanto mais pessoas envolvidas e unidas a favor desse diálogo, melhor!

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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Dia de conscientizar

No artigo anterior falei um pouco da importância do dia de hoje, o 2 de abril é uma data celebrada mundialmente. Apesar de nos dias atuais o autismo ser um transtorno já conhecido da grande parte da população, muitos ainda não têm dimensão da proporção que ele causa. Em pesquisa recente nos EUA, estima-se que exista 1 autista para cada 44 nascimentos. É uma dimensão assustadora e devastadora se imaginarmos que esse número tende sempre a cair.

A nível de Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão responsável pelo censo que a cada década levanta dados essenciais para políticas governamentais. O último levantamento, em 2010, estimava uma população de 45 milhões de pessoas com deficiência e uma subnotificação (sem dados precisos) de 2 milhões de brasileiros com TEA. A grande novidade para a pesquisa deste ano, que já está em vigor, é de uma pergunta significativa sobre pessoas no espectro, dados de muita importância para que sejam elaboradas políticas públicas vislumbrando melhorias em áreas como saúde, educação e assistência social.

Desde que a data da conscientização foi criada é destinada uma série de programações e manifestações ligadas à causa autista. Relevada a importância, assim como o Setembro Amarelo, Outubro Rosa e Novembro Azul, esta cor predomina roupas, cartazes e luzes misturada a um quebra-cabeças envolto a muitas dúvidas, mas a um só tom: o do AMOR.

Entendo que ainda muitas pessoas não consigam compreender a complexidade no TEA e é exatamente sobre isso que precisamos falar, expressar, conscientizar mesmo! Como a tantos exemplos que vejo e vivencio, muitas vezes nos surpreendemos e enquanto o meu filho e os demais autistas não conseguirem se expressar como devem, serei agente de voz. Não hesitarei. Há aproximadamente duas semanas levamos Gabriel (nosso filho mais velho, que é TEA) para reforço da vacina do Covid, enquanto eu e minha filha mais nova Marina esperávamos do lado de fora. Antes de entrar ele já ficou triste e não entendeu o porquê de a irmãzinha não entrar para segurar a mão dele, como da primeira vez. Meu marido o acompanhou e da porta já percebi a hostilidade de uma das colaboradoras no ponto de vacinação. Lá dentro, a aplicadora percebeu algo diferente nele por alguns rituais que ele apresentava; o pai segurava no colo dando previsibilidade do que ia acontecer (fator importantíssimo para não surgimento de crises). “- Pai, ele é especial?”, ela questionou. Diante da resposta positiva, teve toda paciência e cuidado. A deficiência, mesmo “invisível”, sem marcador característico, foi percebido por aquela mulher que, com sensibilidade, acolheu o medo do meu menininho ao ver a agulha. Nesse momento ele gritou e quis ir embora. A outra mulher, que estava à porta, gritou mais alto e disse: “- Menino, pare de gritar!”. Na mesma hora, o impulso do meu marido foi retrucar: “- Ele é autista!”. Ela ficou sem reação e apenas se afastou, sem dizer absolutamente nada.

Mesmo sem querer externar daquela forma também (meu esposo devolveu o grito), naquele momento foi a maneira que ele conseguir falar, conscientizar, informar… e continuaremos fazendo e falando nisso. Serão ainda muitos 2 de abril pela frente. O autismo tem sua dualidade natural, como em tudo na vida, mas se você me perguntar o que ele me trouxe de bom, sem dúvida alguma, foi a minha capacidade de enxergar pequenas coisas com muito valor, amizades verdadeiras, a controlar a paciência, amor incondicional em sua totalidade e o fator mais significante: a resiliência emocional e cotidiana, tive que me refazer diante de muitos cenários. O lado ruim é bem semelhante os percalços da vida: preconceito, muitos medos e incertezas.  

 Se o lugar de autista é em todo lugar, como rege a campanha deste ano, o que estamos fazendo enquanto sociedade para incluí-los de verdade? As últimas semanas assistimos incrédulos a uma série de absurdos que nos doeu profundamente; o primeiro foi o caso de uma bióloga que gravou um vídeo explicando o motivo por não usar máscara em um shopping, se intitulando autista e debochando da situação. Será indiciada e responderá por três crimes. O outro caso beira à desumanidade, era um vídeo de um adolescente autista em crise no saguão de um aeroporto. O motivo era a demora da comissária com a documentação, fato que a mãe já havia alertado que não houvesse atrasos dada a condição dele. A situação foi tão grave que ele se autolesionou, caiu ao chão e quebrou alguns dentes. 

Todo esse preâmbulo nos serviu para retomarmos o tema da campanha deste ano, que é “Lugar de autista é em todo lugar”, sim, e…

– Praticando esportes em locais públicos;

– Se divertindo no parque;

– Fazendo amigos na praça;

– Indo a festas de aniversário;

– Viajando;

– Assistindo ao seu time no estádio;

– Na natação;

– Frequentando a escola regular;

– No palco se apresentando;

Na fase adulta (precisamos falar mais sobre isso):

– Namorando;

– Casando

– Tendo filhos. Sim! É possível!

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Colunistas Destaque Suziany Araújo

Por que a violência doméstica e outros tipos de violência contra a mulher ainda são temas discutidos?

Um tema recorrente em publicações científicas e também em diversos meios midiáticos, a violência contra mulher, segue em destaque na atualidade. Essa forma de violência, que é fruto de uma construção de décadas, continua deixando suas marcas no século XXI. O ciclo  parece não ter  fim, e mesmo quando o país avança, através de leis e políticas públicas voltadas ao combate desse tipo de violência, os números de vítimas só aumentam, principalmente, nos dois últimos anos, período da pandemia do Covid 19. Um contexto que levou as mulheres a permanecerem mais tempo em casa com seus agressores. 

A figura feminina sempre sofreu restrições, como a falta de poder de decisão sobre casamento, trabalho, sobre seu próprio corpo, entre outros tipos de liberdade.  A mulher foi historicamente oprimida por questões relacionadas à sexualidade, privadas do direito a herança em algumas sociedades antigas e, sobretudo, de outros direitos como o voto, por exemplo. Em diversas culturas, considerada incapaz de tomar decisões pessoais. E foi dentro desse contexto de desigualdade que homens e mulheres foram assumindo papéis diferentes dentro de uma sociedade em que a mulher deveria se preparar para cuidar da casa e dos filhos, e o trabalho externo seria de responsabilidade masculina.  Essa desigualdade de gênero, construída há séculos, e que perpetuada por gerações, tornou-se o principal combustível que alimenta a violência doméstica. Alguns homens, criados dentro da visão patriarcal e machista, ignora direitos e liberdade adquiridos pelas mulheres ao longo de muitas lutas. A liberdade de se vestir, de saírem de casa e exercerem uma atividade profissional, de tomarem decisões individualmente e de forma coletiva. 

A temática da violência doméstica continua sendo pauta de destaque, sobretudo, devido a uma série de fatores ligados principalmente à cultura na qual toda a sociedade está inserida. Uma cultura de opressão às escolhas das mulheres, a liberdade, ao poder de decidir. Poder este conquistado ao longo de muitas lutas.

As Leis existentes em nosso ordenamento jurídico, como a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) e Lei  do Feminicídio (13.104/2015) são instrumentos, assim como os outros, que desde sua origem buscam combater a impunidade as práticas de violência que ainda são disseminadas em nossa sociedade. 

Para que o tema violência doméstica deixe de ser pauta central em muitas discussões é preciso construir hoje o alicerce entre as atuais e futuras gerações, para que cresçam respeitando as mulheres como sujeitos históricos e detentores de direitos individuais e coletivos.   É preciso a formação de uma cultura que não reproduza mais o machismo, e tem que iniciar em casa, nas escolas, nas instituições públicas e privadas, e nos mais diversos espaços coletivos. E é preciso que a sociedade seja capaz de entender a importância dessa transformação. 

Por aqui vou encerando o papo e até a próxima coluna.

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Ady Canário Colunistas Destaque

“Nada sobre nós sem nós” e a discriminação

Em 21 de março de 1960, na África do Sul, mais de vinte mil sul africanos lutavam pacificamente contra a Lei de Passe imposta pelo Apartheid e foram atacados por tropas do exército. Essa lei exigia à população negra usar uma caderneta com a escrita onde poderiam ir, a cor, a etnia e a profissão, sendo obrigatória a apresentação deste registro quando solicitado pelos policiais, caso contrário seriam detidos. O acontecimento foi registrado como o Massacre de Sharpeville, deixando 69 mortos e 186 feridos.

Esse fato gerou o “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial” proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) visando rememorar as vítimas e o combate ao racismo.

No Brasil, uma série de atividades marcam esse dia. Essa luta continua nos dias atuais por ativistas e movimentos sociais, devendo ser uma luta de toda a sociedade e todo dia. Especialmente, num país em que acontecem episódios da violência do racismo e de variadas formas de preconceito e discriminação.

Isso mostra, cotidianamente, a relação entre classe, gênero e raça enquanto dispositivos basilares de assimetrias sociais que acentuam o distanciamento entre determinados grupos.

Rememorar esse dia 21 nos faz lembrar o lema da inclusão social “Nada sobre nós sem nós”, interseccionando a luta antirracista e anticapacitista por direitos fundamentais. Historicamente, esse debate aproxima a questão da negritude e das pessoas com deficiência numa longa caminhada pela superação do preconceito e da exclusão.

Remete-nos à Lei Brasileira de Inclusão (LBI) em relação às pessoas com deficiência nesse país, uma vez que a data também foi proposta como o “Dia Internacional da Síndrome de Down” em alusão à trissomia do 21. Com referência às pessoas com deficiência e mulheres negras, raramente vemos esse público nas representações sociais, e, consequentemente, ainda é alvo de preconceito e discriminação pela falta de acessibilidade.

O Estatuto da Igualdade Racial pela Lei 12.288/2010 pontua como dever do Estado o combate à discriminação racial de que sofrem as mulheres negras por falta do acesso às políticas de ações afirmativas na cidade e no campo. A muito a lutar em diversos temas, especialmente na educação para a diversidade e inserção no mercado de trabalho, entre outros.

Sigamos na resistência em nossas frentes de lutas para que sejamos reconhecidas em nossas especificidades como tantos outros/as que vieram antes de nós e deixaram seu legado, como Abdias, Carolina e Marielle cujas vidas são rememoradas neste março pelo tanto que lutaram em prol dos direitos humanos. Sejamos parte desse processo inclusivo.

Digamos não ao preconceito e às múltiplas formas de discriminação em todas as suas variadas expressões. Por mais medidas de ações afirmativas como dever do Estado para reparação social e promoção de iguais oportunidades. “Nada sobre nós sem nós”, que nada seja feito sem a plena participação das próprias pessoas no exercício da cidadania. Igualdade já. Discriminação, não!

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Destaque Saúde e sexualidade

Caminhos da masturbação feminina: menos tabu, mais prazer

Imagine um ponto específico da anatomia humana, criado unicamente para sentir prazer! Por lá, é possível encontrar cerca de oito mil terminações nervosas, sendo o órgão mais inervado, se comparado a qualquer outra parte do corpo. Prazer! Você está diante do Clitóris! Um presente das deusas, endereçado às mulheres. E dessa vez, acredite, os homens aparecem com certa desvantagem, pois além de concentrar prazer, o pênis ainda precisa desempenhar outras funções, como reproduzir e excretar a urina. Outra boa notícia é que, este pequeno órgão, que não é tão pequeno assim, pode medir cerca de 10 centímetros de cada lado, já que se estende por dentro da vagina e ainda é capaz de dobrar de tamanho quando excitado. Essa excitação ocorre durante carreira solo ou com o estímulo de uma parceria. Sendo assim, diante de uma forma inesgotável de prazer, por que será que a “masturbação feminina” ainda não é uma prática comum?

O tema continua sendo tabu em uma roda de conversa.  Quantas de nós, mulheres, assumem publicamente, mesmo entre amigas, o fato de se masturbar com certa frequência? Quando falamos em igualdade sexual, apesar do homem não ter um ponto x voltado exclusivamente para o prazer, ainda é ele quem goza de mais liberdade, masturbação e orgasmos. Uma pesquisa internacional, divulgada pelo portal inglês Metro, após ouvir 115 mil pessoas, concluiu que os homens se masturbam 2,5 vezes a mais do que as mulheres.

É bem verdade que o cenário está sendo redesenhado. Diferente de parte das mulheres, a Assistente Social Thassila Alves garante o autoprazer e encara a masturbação como um processo de liberdade e conquista, “minhas primeiras experiências vieram logo depois de me identificar como uma mulher feminista (logo, quando entendi que tenho autonomia sobre meu corpo), um processo que levou anos. Imagine que boa parte dos meninos da minha idade muito possivelmente já tinha começado a masturbação com 11/12 anos de idade, e eu com 18/19 tive a primeira experiência sozinha”, revela.

Assim como acontece em outras áreas, a descoberta e independência sexual, muitas vezes, chegam de forma tardia para as mulheres. O fato pode estar ligado a uma série de fatores: família, religião e até falta de informação. Para Thassila, que atualmente usa o próprio perfil no instagram para falar sobre sexualidade e inspirar mulheres no caminho de mais descobertas, a primeira experiência com a masturbação “foi regada a medos, incertezas e convicções religiosas. Sim, eu achava que era errado me masturbar. Foi um processo denso, e que hoje acredito que teve um final feliz, não no sentido poético da coisa, mas como expressão concreta de autonomia sobre meu corpo”.

Dona do próprio prazer

Atualmente, além do prazer proporcionado, Thassila revela que a masturbação ocupa um espaço onde ela pode se reafirmar enquanto mulher que luta não somente pela autonomia do corpo, enquanto espaço subjetivo, mas para que outras mulheres também se reconheçam, e sejam responsáveis e donas do próprio prazer. “Penso que entender o papel da masturbação é mais que um processo de identidade do conhecimento sobre o corpo, é antes, um ato político. Primeiro porque nós mulheres não somos ensinadas ao ato, segundo porque acredito que uma boa parcela de mulheres encontra o prazer no outro (isso quando encontra), e não passa pela experiência do autoconhecimento”, destaca.

Então, por onde começar? Foi pensando nisso que procuramos a fisioterapeuta especialista na região pélvica da mulher, Dayse Bezerra, para falar sobre masturbação feminina. Ela é categórica em dizer que “até hoje existe um grande número de mulheres que não conhecem a região íntima ou nunca se tocaram de forma prazerosa por achar esse ato sujo. Porém a masturbação deve ser vista como uma questão de amor próprio, pois é o primeiro passo para o autoconhecimento”, revela. E para começar, a fisioterapeuta recomenda o uso de um espelhinho para que a mulher conheça calmamente a vagina, crie intimidade com ela, sinta o corpo, fazendo apenas o que tiver vontade no momento.

Segundo Dayse, o desafio é se deixar ser guiada pelo instinto, sem peso, pressa ou preconceito. “Você pode, inclusive, criar um ritual completamente seu, com música, aromas, livros, filmes – existem sites eróticos especializados em mulheres; foque em estar em um ambiente particular para não correr o risco de ser interrompida”, orienta. Ela garante que o exercício valerá a pena, pois se é interessante se apaixonar por outra pessoa, imagine quando essa paixão nasce como forma de poder se dar mais prazer e acolhimento?! O ato torna-se muito mais potente.

Vibrando no autoamor – Mulheres apostam em vibradores para aumentar o prazer

Falar em potência, o mercado tem investido na diversidade de produtos em prol do prazer feminino, o que por um lado pode indicar uma onda crescente de autonomia do prazer da mulher. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual, (Abeme), apenas em 2020, ano em que as pessoas ficaram em isolamento social devido à pandemia da Covid 19, o Brasil registrou a venda de R$ 2 bilhões em produtos. Já em 2021, no mercado virtual, a Dona Coelha, sex shop voltado para o publico feminino, aumentou as vendas 475% em relação ao ano anterior. Em Mossoró, de forma presencial a busca por produtos que garantem aumentar o prazer não é diferente. A empresária Angélica Gomes, há quinze anos dona do Sex shop Sensual Fetiche, conta que a timidez ainda acompanha as mulheres na hora de escolher sobre quais produtos levar, mas que isso vem mudando ao longo dos anos. Angélica também revela que “a maioria que escolhe um vibrador, por exemplo, conta que é para o autoprazer”. A empresária reforça que tem disponível mais de cinquenta tipos de vibradores, “tentamos identificar o que essa mulher busca, para que possamos indicar o melhor vibrador, se ela procura por velocidade, tamanho, se é para uso interno ou apenas para o clitóris”. E os preços variam, “Os vibradores podem ser encontrados a partir de R$ 18,00 podendo chegar a R$ 699,90”.

Segundo a fisioterapeuta Dayse, a masturbação é uma zona livre, onde é possível usar apenas as mãos ou inserir os vibradores. Sobre esse último surge uma dúvida comum entre as mulheres: será que o vibrador é capaz de diminuir a sensibilidade do clitóris? Dayse responde o seguinte: “O que acontece é que os vibradores possuem intensidades diferentes, e geralmente essa intensidade vai sendo aumentada com uso diário, chegando ao ponto onde a mulher só atinge o orgasmo através de um estímulo muito intenso, sendo inclusive bem difícil o parceiro reproduzir”, revela. Neste caso, a fisioterapeuta recomenda que se faz necessário ressensibilizar o clitóris, “reduzindo a intensidade da vibração aos poucos e associando à terapia comportamental, onde trazemos o sexo para um patamar também cognitivo, o que é de extrema importância, pois o cérebro faz parte do ato sexual,  e assim o corpo volta a se satisfazer com estímulos mais simples”, ou seja, é interessante usar o vibrador escolhendo sempre  o caminho que passa pelo equilíbrio.

Especialista explica porque a prática da masturbação faz bem para o corpo

Com a ajuda de produtos eróticos ou não, a mulher tem disponível a criatividade e o poder da mente para explorar o próprio corpo. Dayse relembra que são várias áreas de prazer e cada mulher tem suas particularidades, por isso algumas de nós sentem orgasmo com penetração, outras com o estímulo do clitóris, toque anal, mamilos, e entender essa individualidade é importante. Para não restar dúvidas, ela ainda reforça os benefícios da masturbação: “autoconhecimento do corpo e sexualidade, aumento da libido, mais produção de anticorpos, sensação de bem-estar, e melhora do desempenho sexual”, tudo isso ao alcance das mãos e de forma gratuita.

Lembra Thássila, lá do início dessa reportagem? Ela também revelou que, nos aspectos gerais, sente-se confortável em dialogar com as pessoas sobre experiências com a masturbação. Pra isso, faz uso do @tassilaalves, “acho um processo necessário a ideia de partilhar as vivências, assim, no final ninguém se sente sozinha e também construímos uma relação acolhedora”, tai um convite para segui-la hoje mesmo.

Já a fisioterapeuta Dayse Bezerra pode ser encontrada em @simplificando_a_pelve. Por lá é possível aprender mais sobre saúde do corpo e o prazer da mulher.

O sex shop que aparece na matéria está lá no @sexyshopsensual. Fale que você conheceu o endereço através da Matracas.

Para referenciar parte das informações usadas aqui, fica a indicação de um curta francês premiado, “Le Clitóris”, que mostra, de maneira didática, mas interessante, o formato e o funcionamento do clitóris. 

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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Está chegando o dia da conscientização

Se aproxima o dia 2 de abril, data que é comemorada mundialmente o Dia da Conscientização sobre o Autismo. A origem deste evento foi idealizada pela Organização das Nações Unidas, em dezembro de 2007, tendo como objetivo alertar sociedade e governantes para informações sobre esta deficiência e derrubada de preconceitos.  O autismo é um transtorno que afeta milhões de pessoas no mundo todo. 

É bem verdade que se diga que, após esta data e de todo significado que ela traz, ainda estamos engatinhando quanto ao entendimento para maioria da população e garantia de direitos em vários âmbitos. No Brasil, entidades públicas e privadas se unem celebrando palestras e diversos eventos para informar e conscientizar pessoas sobre o autismo e como lidar com ele.

Antes de falarmos dos desdobramentos acerca de como conscientizar sobre o autismo, primeiro faz-se necessário entendermos o espectro e de que maneira ele afeta o indivíduo e as pessoas que o rodeiam. O Transtorno do Espectro Autista, ou simplesmente TEA, é um distúrbio do neurodesenvolvimento cercado de déficits comportamental, linguístico e sensorial de uma complexidade que dificulta o entendimento de quem é leigo no assunto.

Quanto antes observados os atrasos e obtenção de respostas através de intervenções, mais ganhos serão possíveis ao indivíduo com esta deficiência. A busca por melhorias deve se dar em meio à família, onde esta pode relatar ao pediatra, em consultas de rotina, atitudes que presenciam no dia a dia, como: falta de contato visual, comunicação prejudicada, pouca ou nenhuma interação social, entre outros aspectos.

Podem ser feitas observações em vários ambientes de convívio da criança, ir pontuando e registrando as situações através de fotos e vídeos para compor material que embase o processo. Sabemos que não é tarefa fácil lidar com uma situação assim tão divergente, mesmo porque existem muitas coisas envolvidas, medo de um possível diagnóstico, conflitos familiares, frustração, impotência, culpa…

Já que estamos falando em conscientização precisamos nos fazer entender enquanto cidadãos com direitos perante à Constituição. Em seu art. 5º, a Carta Magna fala dos direitos fundamentais inerentes à condição humana. Destacarei o direito à saúde, dentre os mais elementares, para externar o horror que vivenciamos há bem pouco tempo. 

No dia 23 de fevereiro passado houve no STJ (Superior Tribunal de Justiça) um processo que foi julgado sobre o rol taxativo da ANS. Exemplificando, isto quer dizer que as operadoras de planos de saúde são desobrigadas a cobrir procedimentos que não estejam elencados na lista. Isto é uma afronta a todos os usuários que recorrem a cobertura dos planos e que, se realmente for colocada em prática, será um desserviço sem igual a toda sociedade que vai em busca de tratamento para as mais variadas enfermidades.

Talvez você que esteja aí lendo agora sobre isso nem faz ideia do tamanho da gravidade que uma medida dessa venha a causar, ou nem tenha ouvido falar deste assunto. Basta entrar nas redes sociais e buscar um vídeo que teve milhões de visualizações e compartilhamentos, onde Marcos Mion fala muito bem sobre a condição que esta medida causaria às famílias de pessoas com autismo, que fazem tratamento contínuo,  bem como também indivíduos imunossuprimidos, pacientes oncológicos e todos aqueles que fazem tratamentos contínuos e onerosos às operadoras. 

Todos esses aspectos aqui elencados são só a ponta do iceberg ao nos reportarmos a um transtorno tão diverso e complexo. No próximo texto falaremos mais sobre o dia 2… Até breve!