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Oito mulheres foram vítimas de feminicídios em pouco mais de dois meses no RN

Ingrid Carolinny Soares dos Santos, de 28 anos, foi encontrada morta na noite da última quinta-feira (3) dentro do “açude do padre”, na cidade de Campo Grande. O principal suspeito do crime é Willame Xavier do Nascimento, 36 anos, com quem Ingrid foi vista bebendo na última quarta-feira (2). (fonte: mossorohoje.com.br) 

Na mesma noite da última quinta-feira (3) um homem matou a ex-mulher com um tiro na cabeça no conjunto Parque dos Coqueiros, na Zona Norte de Natal, e depois cometeu suicídio. Manuela Josino Miranda, de 32 anos, foi morta na frente das duas filhas e da mãe. (fonte: g1.com.br).

Em 22 de fevereiro de 2022, Kalina de Azevedo Marques, 43 anos, foi morta a tiros pelo marido, na grande Natal. Maurício Rocha de Farias Neto, 39 anos, não aceitava a separação. Após matar a esposa, ele cometeu suicídio. (fonte: g1.com.br).   

Ingrid, Manuela e Kalina estão entre os oito casos de feminicídio já registrados entre 1° de janeiro e 4 de março de 2022, segundo dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed/RN).  São mulheres que foram mortas por sua condição de ser mulher, pelo machismo.  

De acordo com a professora Suamy Soares, do curso de Serviço Social da Uern, e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Mulher (NEM/Uern), os dados são um indício de que a violência contra mulher está se agravando e que a condição das mulheres no RN é de extrema vulnerabilidade. “A gente sabe que a violência contra mulher é um fenômeno social, histórico, cultural, que está arraigado na formação social do Brasil e que impacta a vida das mulheres, seja na esfera do trabalho, em casa, na rua. Mas elas têm acontecido com bastante força nesse período pandêmico”, ressalta.     

Para a professora, o quadro demonstra a necessidade de políticas de prevenção a violência contra mulher e o feminicídio, considerando que apenas a Lei Maria da Penha como instrumento de punição não vem sendo eficaz no enfrentamento à violência contra mulher. Uma realidade que se constata através das próprias estatísticas. Ela acrescenta que as violências que ocorrem na esfera doméstica têm assumido dados alarmantes. O Brasil segue sendo o quinto país que mais mata mulheres no mundo, e o RN, também, o quinto Estado do Brasil mais violento para mulheres. 

“Tivemos oito casos de feminicídio em três meses e precisamos destacar que essas violências que são praticadas contra mulheres se agravam quando a gente acrescenta recorte de classe, de raça. Então, é importante destacar que todas as mulheres sofrem violências, mas que as mulheres negras e pobres sofrem mais abatimentos. Os números têm mostrado que, apesar de existir lei para punição dos agressores, as mulheres seguem sendo violentadas e isso mostra a necessidade de políticas eficazes de prevenção a violência e educação e gênero. É preciso que a gente fortaleça a discussão de gênero. Estamos num momento em que o país passa por cortes orçamentários no campo das políticas públicas destinadas às mulheres, um rebaixamento do debate dos direitos humanos e da defesa das mulheres, e tudo isso repercute no aumento das violações. Nosso cenário atual é pavoroso e muito difícil, e a conjuntura atual só fortalece esse cenário de dificuldades e vulnerabilidades para as mulheres”, destaca.      

O Rio Grande do Norte já é considerado um dos Estados mais violentos para as mulheres. Em 2021 o RN registrou elevadas estatísticas de violências praticadas contra mulheres. Dados referentes ao somatório dos registros da Lei Maria da Penha para os crimes de ameaça, calúnia, descumprimentos de medidas protetivas de urgência, injúria, lesão corporal, vias de fato, estupro, estupro de vulnerável e violência doméstica no ambiente familiar contra a mulher apontaram um aumento de 51,1%, num comparativo entre 2020 e 2021, segundo dados da Secretaria de Comunicação Social da Polícia Civil (Secoms). Incluídos nesse número os casos de violência doméstica praticados contra mulher não só pelo parceiro, mas, também, pelos familiares. Conforme os registros de janeiro a setembro de 2020, foram 2.945 casos de violência doméstica. Nesse mesmo período de 2021 (janeiro a setembro), foram 4.421.

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Destaque Gerais

Talento, criatividade e empreendedorismo das crocheteiras messienses

É de uma agulha, um novelo de lã, criatividade e, principalmente, da paciente arte de alinhavar fios, que nascem as produções das crocheteiras de Messias Targino. Roupas, produtos de enxoval, chapéus, moda praia e mais uma variação de produtos já ultrapassam o mercado messiense e hoje chegam às lojas de renome nacional.  

O crochê sempre fez parte da história da cidade, porém, poucas mulheres se dedicavam à arte. Atualmente um grupo de mulheres vem se destacando no segmento com a produção de peças modernas e que seguem as tendências do mercado. A cidade hoje conta com mais de trinta artesãs, de todas as idades. As mais novas, influenciadas pelas veteranas que têm se engajado no trabalho de ensinar e orientar a quem é iniciante. 

Atualmente o crochê não é mais visto com a percepção apenas de um trabalho realizado pela mulher “prendada” que “já pode casar”, mas como uma expressão artística, empoderamento, autonomia financeira. Afinal parte das mulheres tem essa arte como fonte principal de renda, outras, como complemento que faz a diferença no orçamento no final do mês.

 

 

A forma tradicional de produzir ainda existe entre parte delas. Algumas ainda ficam nas calçadas, geralmente em grupos, em suas cadeiras de balanço, fazendo sua própria jornada de trabalho. Maria das Dores da Silva, 74 anos, é das mais antigas. Profissional que se destaca no bordado, corte e costura e no crochê, dona Maria é considerada uma verdadeira artista e sempre foi muito solicitada na cidade pela dedicação nas peças que produz. “A minha vida toda me dediquei a esse trabalho. Hoje, sigo fazendo minhas peças e orgulhosa do meu trabalho”, frisa.    

Luciete Jales tem sua história profissional diretamente ligada ao crochê. Desde os 12 anos que sua fonte de renda vem do artesanato. Habilidade registrada e reconhecida no biscuit, boneca de pano, pedrarias e, com um foco maior nos produtos de crochê. O mais importante, segue repassando o conhecimento e garantindo novos talentos. “Ter esse trabalho reconhecido e ver nossos produtos sendo valorizados é muito estimulante para gente continuar produzindo e reproduzindo novos talentos. É um prazer poder transmitir o que sei para as novas gerações, dessa forma, garantindo o seguimento dessa arte”, disse.

Além de ser fonte de renda, o crochê também movimenta a economia local, considerando que muitos dos produtos são vendidos dentro da cidade. Os preços variam. Existem peças de quatro reais e existem peças que chegam a trezentos reais. A venda é feita individual, ou seja, por cada crocheteira, e através de negociação entre lojas e a Secretaria de Cultura, que é quem dirige o projeto Messias Targino Terra do Crochê. 

A contrapartida do Município é feita por meio de um convênio com a Moda Depedro, uma marca que vem proporcionando voos a empreendimentos do segmento da moda e quem abriu as portas para o projeto. “Nesse convênio, a Prefeitura paga um determinado valor à marca e ela compra a produção das crocheteiras de Messias”, destaca George Almeida, coordenador do projeto. Inclusive, através dessa parceria com a Depedro, peça produzida por crocheteiras messienses já foi destaque na revista Vogue Brasil. 

George ressalta que em breve será instalada a loja das crocheteiras, um espaço onde cada uma delas terá seu ponto de venda. Além da loja, a Secretaria de Cultura planeja a formação de turmas para realização para cursos que serão destinados a quem tiver interesse em aprender a crochetar, tendo em vista a procura de mulheres interessadas em entrar no segmento. 

Mizaele Jales afirma que é do crochê que vem a principal ajuda no orçamento. A alta demanda pelas peças tem estimulado as mulheres a produzirem. “É uma fonte que eu posso contar. Além da parte financeira, esse projeto trouxe a oportunidade de novos aprendizados e novos projetos para minha vida. E quanto mais a gente se dedicar mais a gente vai ter retorno, principalmente financeiro. Posso dizer que tem sido muito importante o projeto e a intermediação da coordenação nas vendas, para que nossos produtos sejam valorizados e reconhecidos em outros lugares. Hoje nós temos uma boa demanda”, destacou Mizaela.  

Na produção das peças algumas delas recorrem à internet para se atualizar das tendências de cores e modelos, mas o que importa mesmo é entregar o produto como o cliente quer. “O crochê me proporcionou a oportunidade de criar peças que nunca imaginei conseguir criar. Estimula a minha criatividade. Cada peça concluída, logo me vem a vontade de começar a produzir outra. Além disso, tem sido uma fonte que complementa o orçamento, conquistando minha independência financeira e autonomia, ajudando a realizar meus projetos. Sou apaixonada pela arte de crochetar e vejo a possibilidade de empreender através das linhas e agulhas”, disse a pedagoga e também crocheteira Gigriola Lima.

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Destaque Lutas Feministas

“Bolsonaro Nunca Mais” será uma das pautas centrais das ações do 8 de março

Movimentos e organizações feministas, locais e nacionais, já começaram a articular as ações que serão desenvolvidas no mês de março, dentro da programação alusiva ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Os encontros, que já vêm acontecendo para discutir as atividades que serão executadas ao longo do mês, são uma continuação das ações que encerraram o calendário de luta de 2021. As pautas centrais já foram definidas e o “Fora Bolsonaro”, juntamente com tudo que decorre da política genocida de seu governo, continua nas principais pautas do manifesto que foi elaborado pelos grupos.

De acordo com Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas, nacionalmente as organizações aprovaram como mote “Pela Vida das Mulheres – Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil sem Machismo, Racismo e Fome”.

“Essa é alinha do nosso diálogo. Temos um manifesto que foi feito no dia 4 dezembro, em que a gente explana tudo que entendemos que a política genocida de Bolsonaro ataca na vida das mulheres. Seja a partir da degradação ambiental, que afeta as mulheres indígenas ou quilombolas em especial, mas atinge o planeta como um todo. A gente tá partindo desse acúmulo político coletivo. A gente parte do que a gente já vem construído unitariamente nos 8 de março há mais de cinco anos, mas de forma mais orgânica, a partir dessa articulação do Bolsonaro Nunca Mais”, disse.

As reuniões já estão acontecendo com várias organizações nacionais e locais, entre elas o Movimento de Mulheres Camponesas, várias organizações da via campesina, Marcha Mundial de Mulheres, Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Liga Brasileira de Lésbicas, com as secretárias de mulheres dos vários partidos de esquerda, a União Brasileira de Mulheres e demais organizações de nível local e nacional como o Núcleo de Estudos da Uern (NEM), Associação dos Professores da Ufersa (Adufersa), o Andes, entre outros.

Segundo Michela, a ideia de construir um 8 de março de forma unitária já vem sendo praticada há alguns anos, sendo que no ano passado foi possível uma maior organicidade desse processo com a realização do #4D, o ato “Bolsonaro Nunca Mais” organizado pelas mulheres em todo país no dia 4/12. Ato que encerrou o calendário de luta de 2021 e já apontando para o início do calendário desse ano.

“A articulação continua. Já tivemos a terceira reunião nacional. A ideia é construir um mote e uma identidade comum, mas tendo os estados total liberdade de ampliar esse mote e fazer uma construção que tenha o máximo de diálogo com as realidades estaduais. Dando unidade à luta das mulheres no 8 de março”, explicou.

Em nível local, duas reuniões já foram feitas. Todas as discussões seguem essa linha do Fora Bolsonaro, ou seja, priorizando o mote Bolsonaro Nunca Mais.

“O oito de março está priorizando a pauta do Fora Bolsonaro porque queremos que ele caia. Sua política de morte faz muito mal à vida das mulheres, principalmente mulheres negras”, destaca.

Michela chama atenção para as consequências de um governo genocida que recaem com mais força na vida das mulheres e das mulheres negras, que são as que mais têm que lidar com a carestia, com a fome, quem mais perdeu emprego, quem tem sofrido mais violência com a ampliação do conservadorismo.

“É sobre o corpo de quem recai as violências do conservadorismo e tudo que o governo genocida propaga. O nosso mote vai ser nesse diálogo, pela vida das mulheres, denunciar o machismo, racismo e a carestia no preço dos alimentos”, frisa.

As ações são construídas de forma unitária, porem cada estado e cada localidade tem autonomia para construir sua programação de acordo com sua realidade. Michela afirma que em Mossoró já foram realizadas reuniões com organizações para entender como cada uma vem pensando ou sobre o que já tem definido individualmente. Cada uma tem jornada e pensa atividade diferente.

“As Mulheres Camponesas estão com uma jornada que vai de 7 a 12 de março e estamos também nessa linha da denúncia, em defesa da vida, fora genocida, Bolsonaro nunca mais. A gente entende que ele ataca todas as formas de vida, seja no negacionismo da pandemia, seja com a degradação do meio ambiente e ampliação do conservadorismo que tem impactado a vida das mulheres”, diz.

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Destaque Saúde e sexualidade Sem categoria

Sexualidade feminina: os tabus que atrapalham o prazer

A sexualidade feminina é baseada em preconceito, tabus, crenças e muita censura. Numa sociedade machista/patriarcal as mulheres aprendem desde cedo que sua função é proporcionar prazer, procriar, que precisam ser comportadas, não podem falar abertamente sobre sexo, sobre seu próprio prazer e seus desejos. Nesse sistema que ainda se sustenta, as mulheres foram e, apesar de alguns avanços que decorrem das lutas em busca da igualdade de gênero, continuam sendo educadas dentro de uma estrutura conservadora, numa sociedade que julga mulheres que falam abertamente sobre sexo.

O fato é que toda essa estrutura atinge diretamente a capacidade da mulher sentir e viver o prazer sexual, livre de culpas, medo, insegurança. Dessa forma, acarretando uma série de outros problemas que chegam a interferir na sua qualidade de vida. Algumas mulheres não tem receio de procurar ajuda de um profissional quando sentem que existe algo de errado com sua vida sexual. Porém, existem as que não conseguem e acabam convivendo com alguns transtornos, as vezes até sem ter consciência de que se trata de um problema de saúde.

Quando falamos dos problemas que afetam a vida sexual das mulheres, não há como não evidenciar a questão das disfunções sexuais que muitas vezes são frutos desse tipo de educação pela qual passam as mulheres. A dispareunia (dor durante o ato sexual), ausência de desejo, falta de lubrificação e anorgasmia (ausência do orgasmo) são algumas das reclamações que chegam ao consultório da fisioterapeuta pélvica, Dayse Bezerra.

“Podemos dizer que as disfunções sexuais femininas são condições que afetam a qualidade da vida sexual da mulher, ou seja, condições que afetam o ciclo da resposta sexual. A grande questão aqui é que a maioria das mulheres não compreende essas queixas como um problema de saúde e acredita ser normal conviver com elas. Isso, por sua vez, só agrava o problema, pois elas não procuram tratamento e passam grande parte da vida insatisfeitas sexualmente, podendo desencadear transtornos físicos e até psicológicos”, explica.

Para Dayse, a sexualidade feminina ainda é um tabu e parte das disfunções tem origem na falta de autoconhecimento. “A maioria das mulheres não conhece o assoalho pélvico, tão pouco sabem a sua função e importância e é impossível falar de disfunções sexuais sem falar desse grupo muscular e educação sexual repressora. Nós crescemos ouvindo: ‘tira a mão daí menina!’ ‘Isso é feio!’. Enquanto os meninos são estimulados a adorarem o pênis como um troféu”, diz.

Dayse ressalta que entre as possíveis causas que contribuem para as disfunções sexuais estão: a educação sexual religiosa quando é repressora. “Quem nunca ouviu que masturbação é pecado?”, questiona. A pressão sexual, ou seja, a mulher não sente vontade de transar, mas se vê obrigada a ter relação para agradar o companheiro; condições ginecológicas (quadros inflamatórios e infecciosos); abuso físico (abuso sexual, estupro, toque não consentido, por exemplo) e psicólogo. “Vale frisar aqui a importância de uma avaliação minuciosa do caso de cada paciente, pois não são apenas causas psicológicas que levam as mulheres a desenvolverem disfunções. Tanto existem casos que decorrem da parte psicológica quanto da parte biológica”, explica.

O ponto de partida para resolver o problema, segundo a fisioterapeuta, é a informação aberta e de qualidade. Quanto mais falarmos sobre o assunto, mais mulheres se sentirão acolhidas e buscarão por ajuda. Ela considera indispensável incentivar a mulher a conhecer o próprio corpo.

“Não podemos identificar uma anormalidade se não entendemos o que é normal. Na minha consulta, uma das primeiras perguntas que faço é se a mulher tem costume de olhar a sua vulva no espelho, e muitas relatam que não, e isso independe da idade. Então a minha primeira sessão é toda voltada para a educação em saúde, durante a qual apresento todos os músculos do assoalho pélvico, suas funções, importância sexual, de continência urinária e fecal, e do outro lado da mesa encontro rostinhos maravilhados entendendo o seu corpo muitas vezes pela primeira vez. É incrível vê-las despertando o amor próprio e acreditem, isso interfere e muito no sucesso do tratamento”, revela.

A necessidade das mulheres serem assistidas por profissionais qualificados é mais uma observação importante. De acordo com Dayse não é raro relatos de mulheres que procuraram ajuda e ouviram algo como “você precisa relaxar mais”.

“O tratamento das disfunções sexuais muitas vezes conta com uma equipe multiprofissional de fisioterapeuta pélvico, ginecologista, psicólogo… e cada um exerce um papel de extrema importância no diagnóstico e condução do tratamento. Então, mulher, leia, pesquise em fontes seguras, converse com outras mulheres e faça uma escolha segura quanto aos profissionais que irão te assistir”, orienta.

As disfunções sexuais apresentam sinais e um deles é a dor na relação, podendo ser relatada como uma dor mais superficial ou profunda, conforme explica. “Vou falar uma frase para vocês que deve se tornar um mantra: dor na relação nunca será normal, nunca! Não importa se a dor ‘é só no comecinho’ como eu costumo ouvir no consultório. Nós fazemos sexo para ter prazer, se ele te gera dor, ardência, desconforto, temos aí um sinal de alerta. Procure ajuda!”, explica.

São muitas as dúvidas que norteiam as mulheres sobre seus corpos e seu prazer. Em sua página @simplificando_a_pelve, espaço através do qual Dayse amplia as discussões para além do espaço físico da sua clínica, abordando vários temas relacionados à fisioterapia pélvica e obstétrica, assim como a saúde da mulher em vários aspectos, ela consegue chegar a muitos questionamentos sobre esse universo que é a sexualidade feminina.

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Destaque Gerais

Bordado como principal fonte de renda das mulheres em Timbaúba dos Batistas

O Seridó é uma região conhecida pelos bordados e é na cidade de Timbaúba dos Batistas que moram as principais bordadeiras do Rio Grande do Norte, as mulheres que são responsáveis por transformar o bordado em verdadeiras obras de arte.  

A arte de bordar atravessa gerações. A maioria das bordadeiras aprenderam com seus familiares, muitas delas ainda na adolescência. Uma prova disso é a história da bordadeira e, atualmente coordenadora do artesanato no Município de Timbaúba, Jailma Araújo Gomes. Desde os 12 anos que ela empreende na arte de bordar, trabalho que já aprendeu com sua mãe. Hoje, com 41 anos, esse trabalho é a sua principal fonte de renda, mesmo tendo tentado outros tipos de trabalho ela sempre concentrou seu talento no bordado. “Já tivemos até 3 gerações de bordadeiras na mesma família, mas atualmente só temos duas gerações, mãe e filha em boa parte das residências”, confirma. 

Segundo Jailma 80% da economia vem do bordado, e nos últimos cadastros foram registrados aproximadamente 800 bordadeiras mulheres, desse número, a maioria é de mulheres que são chefes de família, um fato que relaciona o trabalho artesanal à autonomia financeira das mulheres. 

O artesanato inclui diferentes tipos de trabalho. O bordado, especificamente, concentra uma sequência de mão de obra até o produto ficar pronto para ser comercializado. “Na cadeia produtiva do bordado temos o riscador, a lavadeira e a passadeira, que inclusive estamos com um número bem reduzido. Riscadores temos apenas 5, lavadeira 3 e passadeiras 6, sendo 3 do sexo masculino”, frisa Jailma. 

A comercialização dos produtos é feita por vários canais como as feiras de artesanato e pela internet. Os produtos variam entre cama, mesa, banho, enxoval para recém nascidos, roupas, redes entre outros. As entregas são feitas em todo o Brasil, mas é no município, na “Casa das Bordadeiras Iracema Soares”, que concentra a maior parte das ações, inclusive a comercialização. Para os que desejam encomendar via internet, no instagram @casadasbordadeiras tem os contatos pelos quais poderão ser feitas as encomendas. 

Foto: Jailma Araújo

“A Casa dá suporte desde oficinas e capacitações até as vendas dos bordados. Aqui temos uma lojinha onde são comercializados os bordados e recebemos também encomendas. Além da lojinha participamos de feiras de artesanato municipais e estaduais”, destacou. As principais feiras que as bordadeiras participam e que também são pontos importantes de comercialização são: FIART, FENEARTE, FAMUSE e a feira de Belo Horizonte. 

Jailma acrescenta que o apoio do Governo do RN às profissionais vêm principalmente na realização de feiras de comercialização através do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), além disso, existem novos projetos que ainda estão em fase de planejamento. 

Assim como os outros segmentos, o artesanato também sofreu as consequências da pandemia. A escassez de matéria-prima, durante o período em que as fábricas paralisaram sua produção, e o aumento no custo da matéria-prima, foram os principais problemas enfrentados pelas profissionais, que somaram com a queda nas vendas dos produtos. Apesar dos desafios, Jailma acredita que a partir dos projetos que estão surgindo é possível alimentar boas perspectivas para os próximos anos.

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Destaque Violência contra mulher

Expansão da Patrulha Maria da Penha pode ser um caminho para interiorização da Lei 

Na última segunda-feira (27), o governo do Rio Grande do Norte anunciou a expansão da Patrulha Maria da Penha (PMP). O efetivo próprio da Polícia Militar chega, gradualmente, a Mossoró, Currais Novos e mais 11 cidades do Seridó, dando suporte às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A expansão da PMP vai proporcionar a interiorização da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), considerando que os serviços ainda são muito concentrados em Natal e Mossoró. De acordo com informações da assessoria de comunicação da Secretaria Estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, essa ampliação foi pensada, também, com esse objetivo que é o de interiorizar as ações e fazer com que os serviços cheguem a todos os municípios e comunidades.

Sobre os critérios de escolha das cidades que passarão a contar com o efetivo, a informação repassada pela assessoria é de que “foi levado em consideração, além da densidade populacional e abrangência dos batalhões de polícia que serão atendidos nessa primeira fase, os índices de violência contra a mulher.”

Durante o anúncio da expansão da Patrulha, a governadora Fátima Bezerra confirmou a incorporação do aplicativo “Salve Ela” à estrutura do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). Uma ferramenta que permite o acesso das mulheres aos canais de denúncia sobre violência doméstica. Através do aplicativo é possível gerar um pedido de socorro que envia para a Polícia a geolocalização da vítima em tempo real.

“O aplicativo foi doado ao Estado e agora passará por ajustes técnicos de desenvolvedores do Instituto Metrópole Digital. Assim que for finalizado, será amplamente divulgado e passará a compor a estrutura do Ciosp, sendo mais uma ferramenta de denúncia. A expectativa é de que esteja pronto até o final de janeiro”, assessoria.

A Patrulha Maria da Penha é um núcleo da Polícia Militar especializado no acompanhamento de mulheres vítimas de violência e, até então, atuava na Grande Natal, com duas viaturas na capital e uma em Parnamirim. Com o projeto de expansão, chegará gradualmente a todas regiões do estado, iniciando por Mossoró, Currais Novos, Acari, São Vicente, Florânia, Parelhas, Equador, Santana do Seridó, Carnaúba  dos Dantas, Lagoa Nova, Cerro Corá, Bodó, Tenente Laurentino.

Em Mossoró, a chegada do efetivo, anunciada pelo Estado, vai somar com o trabalho que já é desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Mossoró, que recentemente completou um ano de trabalho no enfrentamento à violência contra a mulher. O grupo se tornou referência e hoje é um dos principais suportes de defesa das mulheres que são vítimas de violência doméstica e familiar.

A proporção de mulheres assassinadas tem crescido nos últimos anos em todo o país e as estatísticas mostram um aumento significativo no período de pandemia. No Rio Grande do Norte, que é considerado um dos estados mais violentos para as mulheres, os números impressionam e apontam para uma necessidade urgente de implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher. Dados recentes da  Secretaria de Comunicação Social da Polícia Civil (Secoms) mostram que, de janeiro a setembro de 2020, foram 2.945 casos de violência doméstica, e nesse mesmo período de 2021 (janeiro a setembro), foram 4.421, ou seja, um aumento de mais de 50% dos registros.

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Cultura Destaque

Mesa de Glosas e o protagonismo das mulheres do Pajeú na poesia improvisada

A cantoria de viola, a mesa de glosas, a arte do repente, tem um improviso que canta e encanta sobre os fatos e o dia a dia do nosso povo. Ora como expressão de felicidade, ora como lamento, ora como registro histórico, ora como diversão. Todavia, ao longo do tempo, esse segmento cultural da cantoria de viola, do repente, da literatura de cordel foi dominado pela figura masculina. Poetas, repentistas e escritores de cordel sempre existiram em grande quantidade. Mulheres, nesse ambiente, sempre foram algo raro de se encontrar, não porque não existia, mas por serem invisibilizadas.

É do Pajeú, território sertanejo localizado no Estado de Pernambuco que conta com dezessete municípios (todos referência quando estamos falando de poesia), que sai parte das vozes femininas do repente e que vêm se destacando pelo Brasil afora. Não à toa, o território é identificado por sua efervescência poética como “pajeúnica”. Trata-se de uma identidade histórica, tendo em vista que do Pajeú saíram outros nomes na arte de improvisar, tais como Severina Branca, Isabelly Moreira, Luzia Batista, Mocinha de Passira, que inclusive são nomes que as glosadoras da nova geração também levam junto para os espaços que ocupam atualmente. Nomes que são apresentados por meio de declamações de seus versos, para mostrar que as glosadoras mulheres sempre ocuparam esse espaço, mas que foram ofuscadas.

Luna Vitrolira, idealizadora do “Mulheres de Repente” / Foto: Damariz Galvez

Representatividade, existência, empoderamento, escrevivência, é tudo o que representa o projeto “Mulheres de Repente”, idealizado pela multiartista Luna Vitrolira, que já se revela como um dos instrumentos que vem dando um novo contexto a este cenário poético e mostrando a potência das glosadoras do sertão pernambucano na arte do improviso. As poetisas Francisca Araújo, Dayane Rocha, Elenilda Amaral e Erivoneide Amaral, com a mediação de Luna Vitrolira, já participaram do espetáculo “Mulheres de Repente”, no Centro Cultural do Grajaú, em São Paulo (SP); já estiveram em Salvador, no Museu de Arte; em Teresina (PI); na Festa Literária das Periferias e no Rio de Janeiro. Essas são oportunidades que marcam não só a carreira dessas mulheres como também a construção de um novo cenário dentro da poesia improvisada.

“A gente, hoje, marca muito forte a nossa existência. Somos nós contando a nossa própria história a partir das nossas próprias narrativas. Então, quando a gente amplia os espaços das mulheres na literatura, a gente está falando de uma voz que entra no espaço de disputa de narrativa para contar a sua versão da história, a sua perspectiva de mundo, a sua escrevivência, a partir do seu corpo, de suas marcas, de suas experiências, de seu lugar de fala”, destaca Luna.

O “Mulheres de Repente” surge para marcar o protagonismo feminino na arte do improviso. Ele nasce da vontade de difundir a poesia feita de improviso no sertão do Pajeú, no momento em que, segundo Luna, houve uma grande explosão da poesia falada, vinda das diversas periferias de todo o Brasil. A partir desse contexto, a multiartista começou a questionar sobre o porquê da literatura oral, da literatura de cordel, da cantoria de viola, da mesa de glosas, toda essa arte produzida no Pajeú, não poderia se projetar no meio dessas oportunidades e chegar aos vários estados brasileiros, considerando que o sertão é uma grande periferia também, um território que tem um contexto histórico difícil, e que é um território de povos originários, povos negros.

“A nossa cultura e nossa poética são totalmente fundamentadas nessa ancestralidade. Então eu comecei a perceber que, mesmo com toda a projeção da poesia falada, da poesia oral, da poética das vozes em vários territórios pelo Brasil, a partir desse lugar da periferia, o sertão, ele continuava sendo marginalizado, invisibilizado, como um território periférico, que realmente não é visto, não e considerado. A gente sabe que o Nordeste, e o sertão, sobretudo, ele ainda sofre o peso de muitas caricaturas a partir dessa imagem de seca, de miséria que foi criada. Então, pouco se olha pra nossa poética, para nossa cultura, para o que a gente tem de vida, de poesia, de vitalidade e de ebulição”, explica. Foram esses questionamentos que inspiraram Luna a fazer o “De Repente Uma Glosa”, projeto de circulação nacional, da mesa de glosas, mas que eram mesas mistas, com homens e mulheres.

Glosadoras do Pajeú durante espetáculo em São Paulo / Foto: Damariz Galvez

Quando começaram a circular, em 2016, existiam poucas mulheres nesses espaços, poucas mulheres glosadoras ocupando a mesa. “Então a gente começou em mesas mistas com Elenilda Amaral e Dayane Rocha, e aí foram surgindo outras poetisas improvisadoras e glosadoras, como Francisca Araújo, Erivoneide Amaral, Milene Augusto, Thaynnara Queiroz, e foi aí que a gente começou a sentir a necessidade de fazer mesas de glosas onde o protagonismo fosse feminino”, destaca.

Das modalidades poéticas, sobretudo a literatura que é feita no sertão, e mais ainda quando se fala da arte de improvisar, os homens são maioria, e por ser um espaço ocupado majoritariamente por homens, são poucas as mulheres que se sentem à vontade e que conseguem exercer a sua arte em meio a tantas opressões. A partir dessa realidade várias questões foram sendo observadas. “A gente foi percebendo que quando as pessoas construíam os motes (que são os assuntos, estrutura de dois versos a partir do qual as poetisas glosam), não se pensava a questão de gênero. Eram criados motes masculinos para as meninas glosarem no masculino. E a gente sabe que se o mote vem no masculino existe uma questão muito forte que é a limitação da rima. Se o adjetivo ou substantivo vem no masculino, para a mulher glosar ela vai usar uma voz masculina que não é a voz dela, não é a voz feminina. Então, começou a se questionar muitas coisas, na própria sistemática da mesa de glosa, a partir da questão de gênero”, detalha.

Percebendo o machismo durante as apresentações, segundo Luna, em alguns momentos foi necessário chamar a atenção dos improvisadores homens. Foi necessário pedir que atentassem para a representação das mulheres, alertando-os para o cuidado com os assuntos, o cuidado com os temas, para que não sejam temas misóginos, machistas, que vão desvalorizar a mulher, que não sejam motes apenas que tragam a voz masculina. “O que acontecia muitas vezes era a subversão do mote. Dayane Rocha muitas vezes encarou um mote que vinha num gênero masculino, ela transgredia, transformava o mote no gênero feminino e mudava todo o esquema de rima. Então ela fazia um improviso que se diferenciava na estrutura métrica dos outros, dos homens. Porque ela adaptava para a voz feminina, para a voz dela”, explicou.

Ainda sobre a importância do projeto, a idealizadora frisa a relevância de incentivar outras mulheres que queiram ecoar suas vozes, amplificar seus discursos. “Na mesa de glosas ampliamos esse debate de gênero pensando nas pessoas não binárias, que querem participar e que ainda se sentem limitadas e oprimidas como se aqueles espaços não lhe pertencessem. A gente vem buscando cada vez mais esse debate para trazer mais mulheres para dentro desse processo. Inclusive, temos feito projetos de formação pensando nisso”, relata.

Desafios enfrentados pelas improvisadoras quando a mesa de glosas é mista

Luna constata que existe um diferencial na questão do respeito e da cumplicidade que existe quando é uma mesa feminina, o que acaba não existindo quando a mesa é mista. “Mesmo que alguns poetas homens se esforcem, não consegue se ter uma cumplicidade de fato, real. Entre eles tem uma dinâmica e quando tem mulheres na mesa é como se eles não conseguissem lidar com a dinâmica diferente da deles. Então são muitos os conflitos, são muitas as barreiras que muitas vezes só sente a potência dessas barreiras quem está sentado à mesa. Ou seja, as mulheres glosadoras é que sentem na prática essas barreiras”, diz. Um exemplo vivenciado pelas meninas tem relação com o tempo de criação e elaboração de cada uma. Segundo ela, existe uma postura muito desrespeitosa com algumas glosadoras com relação ao tempo que elas levam para elaborar suas estrofes e isso gera um discurso de que os homens são mais ágeis, mas não avaliam o fato de que os homens estão há décadas glosando em atividade e com uma bagagem de tempo de experiência muito maior quando comparado com as mulheres que começaram a glosar há pouco tempo. “São dois pesos e duas medidas para a gente poder ter mais cuidado ao pensar nesse protagonismo feminino na mesa de glosas”, reconhece.

O diferencial de quando a mesa de glosas é composta só por mulheres existe também no que diz respeito aos temas abordados. Temas que nunca foram pautas nesse espaço como a maternidade, o machismo, liberdade da mulher, agora estão sendo trazidos para as mesas. “Muita coisa muda, mexe na estrutura, e se impede, inclusive, que motes, que são chamados de motes de gracejos, se utilizem da imagem da mulher para ‘tirar uma onda’, uma piada. É muito importante marcar esse lugar e honrar as várias mulheres repentistas que tiveram que passar por tantos desafios, para conseguir conquistar o direito de exercer sua sensibilidade artística, ser poeta, cantadora de viola, ser improvisadora e ser glosadora”, frisa.

Luna faz uma referência às repentistas que tiveram que enfrentar maiores desafios para se firmar nesses espaços, como Mocinha de Passira, uma renomada cantadora de viola de Pernambuco, que teve que fugir de casa para ser cantadora; e Luzia Batista, também uma repentista reconhecida, que teve sua viola de cantoria quebrada pelo marido e foi proibida de cantar. “Quando a gente vê hoje mulheres fazendo improviso na mesa de glosa e viajando por vários Estados do Brasil, isso é muito revolucionário”, festeja Luna.

A presença das mulheres na mesa de glosa ainda é considerada tímida. “Não somos poucas escritoras, escritoras somos várias, mas na mesa de glosa, hoje, somos apenas seis mulheres. Estamos com muita força, enfrentando desafios, enfrentando, às vezes, muito desrespeito, mas sempre com muito profissionalismo, marcando nossa presença com muita dignidade, com nossa integridade e sem permitir que sejamos subalternizadas nesse processo. A gente não se submete a absolutamente nada, a gente se posiciona. Quando a gente faz isso a gente se torna referência para outras mulheres que vão desejar estar e ocupar esses espaços e isso vai provocar essa ampliação, que é o que a gente busca”, fala a multiartista.

Sobre a circulação do projeto e a receptividade nos Estados brasileiros

O projeto já circulou em vários Estados brasileiros. Para a idealizadora as oportunidades de fazer o “Mulheres de Repente” são experiências gratificantes. “Em muitos lugares fora e até mesmo em Pernambuco muitas pessoas nunca ouviram falar e nunca assistiram uma mesa de glosas. Nunca testemunharam esse rebento do sagrado que é o improviso, então quando as pessoas se deparam com a mesa de glosas existe um encantamento muito forte. As pessoas ficam impressionadas. Existe uma contemplação muito bonita de perceber no público que fica esperando e observando as poetas pensando, elaborando, esperando que a poesia nasça e torcem muito por isso e sempre que o improviso é declamado existe uma vibração muito forte da plateia. Ficam impactadas”, discorre.

Em alguns espaços por onde passaram o projeto não houve, inicialmente, uma receptividade positiva, como no Sudeste, por exemplo. Segundo ela, em alguns lugares foi possível sentir um tratamento que veio junto com um certo preconceito, com uma visão pejorativa do popular. No entanto, apesar da primeira impressão vir de forma negativa, quando assistiam, tudo mudava, ficavam impressionados. Luna comenta que: “Já aconteceu de a gente chegar a espaços e ser muito bem recebidas, muito bem acolhidas, das pessoas amarem, vibrarem, comprarem os livros, seguirem as redes sociais e manterem contato com a gente, pesquisarem sobre outras poetas e sobre a região; e já aconteceu de a gente impressionar as pessoas dessa forma: não darem valor aquilo ali, e depois acham incrível.

Os desafios são muitos, porém, cientes da importância que tem o projeto as improvisadoras não tem baixado a cabeça. “É muito difícil às vezes lidar com essas oscilações. A gente entende demais como é que os nordestinos, pernambucanos, sertanejos, são vistos nesses lugares, porque existe uma ignorância muito grande sobre quem somos e ao mesmo tempo existe uma marginalização da nossa literatura, porque existe uma questão chamada epistemicídio mesmo e uma subalternização de toda literatura que é pautada na oralidade. Quando isso se soma a região, a raça, gênero, classe social, território, geografia, sotaque, a gente acaba tendo que enfrentar muitas barreira, mas a gente nunca abaixa a cabeça porque sabemos de nossa missão, sabemos o que estamos indo fazer e sabemos da importância desse projeto, importância de nossa resistência nossa voz”.

Origem da mesa de glosas e sua formação e sistematização

A mesa de glosa – glosar significa improvisar – surgiu das rodas de glosa. Essas rodas aconteciam depois que terminavam as apresentações de cantoria de viola. “Os poetas guardavam as violas, se juntavam em rodas na mesa do bar, alguém dava um mote, e eles faziam rodadas de improviso sem a viola; apenas como uma brincadeira de improvisar”, explica Luna.

Tabira foi a cidade que formalizou e sistematizou a mesa de glosa como um espetáculo de poesia improvisada com regras de funcionamento, em 1997. O fato aconteceu na missa do poeta. “A missa do poeta era feita em homenagem a Zé Marcolino em Serra Talhada, e quando a missa migra para Tabira, vira uma semana de celebração, uma semana de festividade em que a mesa de glosa se torna uma das atividades em homenagem a Zé Marcolino, que também era improvisador”, conta.

A estrutura é uma mesa retangular, onde as poetizas se sentam uma ao lado da outra. Além das poetas glosadoras, existe também uma mediadora coordenadora da mesa, que vai ser responsável por elaborar e dar os motes e conduzir a mesa durante toda a apresentação. Nessa estrutura, Luna explica que a quantidade de poetas é igual à quantidade de motes, que é igual à quantidade de rodadas. “Hoje existem seis mulheres glosadoras no Pajeú. Uma mesa com seis, serão seis motes e seis rodadas. Na mesa de glosas fazemos na estrutura de décimas, ou seja, estrofe de dez versos, com sete silabas poéticas na estrutura de rima. Aí, dessa estrutura de rima, os dois últimos versos fecham a décima: é justamente o mote. Então as poetas escrevem oito versos, e fecham a décima com o mote que são os dois versos restantes”, detalha.

Mulheres de Repente preparam livro, documentário e site

Além do espetáculo da mesa de glosas que corre pelo País, as poetisas estão para produzir um livro sobre a mesa de glosa que vai abordar a sua origem, funcionamento, as mulheres de repente e, junto com o livro, a criação de um “site” onde será disponibilizado material de acesso para as pessoas que queiram conhecer mais sobre as poetisas, sobre o repente, sobre a glosa, o improviso, sobre o Pajeú. A ideia é tornar acessível a arte que é produzida no Pajeú. Também será produzido um documentário sobre o “Mulheres de Repente” e a sua atuação. Fora tudo isso, existe o projeto de formação destinado às mulheres que queiram aprender a glosar, que tenham interesse em escrever, que queiram aprender mais sobre a técnica do improviso ou apenas conhecer a modalidade.

O sucesso do projeto Mulheres de Repente segue caminho e já tem as próximas paradas para o ano de 2022: participarão na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e na Festa Literária das Periferias (FLUP).

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SEAPAC e FACISA realizam oficinas com mulheres de comunidades rurais no interior do RN

Estimular a autonomia das mulheres das comunidades rurais, levar informações sobre diversos temas, promover engajamento nas relações sociais são objetivos de um conjunto de oficinas que vem sendo realizado a partir de uma parceria entre o Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos (SEAPAC) e a Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí (FACISA/UFRN) nas comunidades rurais com as mulheres que são acompanhadas pelo SEAPAC. As oficinas estão sendo ministradas pelas estagiárias de Psicologia Comunitária e Ambiental da unidade acadêmica FACISA/UFRN, um trabalho que já vem sendo realizado pelas estudantes desde 2019, porém teve que ser interrompido em 2020 devido à pandemia, mas agora está sendo retomado presencialmente.

De acordo com a estudante de psicologia, Amanda Rezende, uma das que ministram as oficinas, as primeiras atividades desse projeto foram realizadas na comunidade rural Salgadinho, do município de Sítio Novo/RN, em parceria com o médico da família e comunidade da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Município, com quem foi desenvolvida a pesquisa intitulada “Como as mulheres do campo constroem sua saúde? Estudo em uma comunidade no interior do nordeste brasileiro”, na qual abordaram a temática saúde, cuidado e adoecimento.

Na última semana, um conjunto de oficinas foi realizado com as mulheres da comunidade Serra Verde, em Lajes Pintadas – RN, com o tema voltado para a autonomia das mulheres no campo. O objetivo é chamar a atenção dessas mulheres para a importância que elas exercem na sociedade. “Esse ano nós nos vinculamos ao SEAPAC que acompanha cerca de 70 famílias das comunidades rurais do município de Lajes Pintadas/RN. Em parceria com o projeto de extensão “Mandacaru Consultoria” da FACISA/UFRN, nós realizamos as primeiras oficinas com as mulheres das famílias acompanhadas pelo SEAPAC”, explica.

Durante esse mês de dezembro, estão sendo realizadas as primeiras oficinas presenciais no formato de roda de conversa com essas mulheres. Estão participando, além das estagiárias de psicologia Amanda Rezende, Évilla Fernandes e Ana Beatriz Oliveira, um total de 14 mulheres, que estão distribuídas entre 3 comunidades acompanhadas pelo SEAPAC, que são Serra Verde, Malagueta e Catolé.

“Durante as oficinas, apenas mulheres participam, sem a presença de nenhum homem, o objetivo é garantir um espaço acolhedor para que elas possam buscar orientações, compartilhar suas vivências e fortalecer as redes de apoio dentro da própria comunidade. Neste momento, nosso objetivo é promover a reflexão e discussão das mulheres sobre autonomia, direitos e o papel que elas exercem na comunidade”, frisa.

Amanda ressalta que a tarefa delas nas oficinas é de mediar, uma vez que todo o processo é construído e direcionado pelas mulheres.  “Desde a escolha das temáticas até o momento da roda de conversa. Essas atividades têm estimulado o protagonismo das mulheres no seu dia a dia na comunidade, além de fortalecer o vínculo entre elas que são, geralmente, a única rede de apoio acessível, uma vez que a maioria dos serviços se encontra distante, nos centros urbanos”, destacou.

Para Amanda, a experiência de acompanhar o serviço e a realidade das comunidades rurais no decorrer do estágio possibilitam unir a teoria e prática, promovendo intervenções contextualizadas com a realidade dessas pessoas. “Assim, orientar essas oficinas tem sido uma experiência ímpar para nossa formação profissional, abordando diversos assuntos e conhecendo essas múltiplas experiências da vida”, finaliza.

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Movimenta Mulheres RN participa de audiência sobre Violência Política de Gênero na Câmara de Natal

“Não serei interrompida” – Marielle Franco

As situações de violência política de gênero são recorrentes no Brasil e acontecem em todas as esferas do poder. Intimidação, constrangimento, tentativa de silenciá-las, de desqualificá-las em suas falas, são exemplos de agressões sofridas pelas mulheres que ocupam os espaços de poder, sejam elas prefeitas, vereadoras, deputadas, senadoras. Uma realidade que, além de afetar as mulheres em seus mandatos, impactar a democracia, contribui para o distanciamento de outras do ambiente político, um lugar que se mostra cada vez mais hostil.

Os desafios são muitos e a caminhada ainda é longa, porém, as mulheres seguem juntas para mostrar que o lugar delas é, também, na política. Foi essa temática que levou militantes do Movimenta Mulheres RN a ocuparem a Câmara Municipal de Natal, na manhã desta quinta-feira (09/12), a partir de uma proposição do Movimenta, junto ao mandato da vereadora Ana Paula e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Natal.

De acordo com uma das presidentas do Movimenta Mulheres, Isabella Lauar, o grupo lançou, juntamente com a vereadora Ana Paula Araújo e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara,  o Observatório para mapear os casos de violência política de gênero, servindo também de canal de denúncias para a pauta.

Segundo Isabella, o debate é oportuno, considerando que os casos são cada vez mais recorrentes e invisibilizados. “Discutir a violência política de gênero é falar sobre estatísticas invisíveis, relativas a um fenômeno que ainda não é muito debatido, embora já tenhamos a tipificação do crime de Violência Política de Gênero. Por outra parte, é falar de um delito que influencia diretamente tanto na participação das mulheres na política e nos espaços institucionais de poder, quanto na própria atuação dessas mulheres que, em virtude desta violência, correm riscos até de vida (Feminicídio Político de Estado, cujo maior exemplo no Brasil é Marielle Franco).

Ela reforça ainda que “é, também, uma das causas da sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e decisão e prejudica a democracia no país. Sendo assim, precisamos falar sobre isso, para garantir que as mulheres possam exercer seus mandatos e erguer suas vozes em prol da democracia e de políticas públicas interseccionais e representativas”, frisa.

Na mobilização da Câmara ocorrida hoje, estiveram presentes as Presidentas do Movimenta Mulheres RN, Karenina Hentz da Cunha Lima, Isabella Lauar e Caroline Maciel, além de autoridades como Wanessa Fialho, subsecretária da Secretaria de Estado das Mulheres da Juventude da Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEMJIDH/RN).

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Destaque Gerais

Márcia Eurico fala sobre sua pesquisa e livro “Racismo na Infância”

 

Os danos psicológicos decorrentes da violência racista vivida na primeira infância são invisibilizados, mas o fato é que essa violência marca a história das crianças e adolescentes negras para toda a vida. O racismo, desde as expressões mais explícitas às mais sutis, chega nas crianças negras logo na primeira infância e, apesar da gravidade social que essa realidade sustenta, o debate ainda é tímido.  

Para falar sobre o racismo na infância, recorremos à pesquisadora e assistente social Márcia Campos Eurico, autora do livro “Racismo na Infância”, publicado pela Editora Cortez e lançado em 2020 (link da live de lançamento – https://www.youtube.com/watch?v=e3f_-taoshQ), que debate a intersecção entre racismo e infância. Uma obra essencial, fruto de sua tese de doutorado, e que já é referência quando precisamos dialogar sobre essa questão e os impactos dela na vida das crianças e adolescentes negras. Um livro que chegou dando voz às crianças negras que são silenciadas em suas vivências, focando no racismo estrutural e institucional.  

O racismo na primeira infância e juventude ainda é pouco discutido. Essa é uma constatação de Márcia que é professora, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP e pós-doutoranda pela PUC-RJ. Segundo ela, a obra tem uma proposta de ser um instrumento de trabalho que possa levar a sociedade a pensar em como estamos vendo as crianças negras, com uma proposta de ampliar o debate sobre essa realidade, considerando que há um silêncio que permeia a violência racial na primeira infância e que isso tem consequências graves.  

O livro nos chama a atenção para o fato de que as crianças e adolescentes negras institucionalizadas precisam muito mais do que os cuidados práticos e objetivos. Ela enfatiza que “é preciso que essas crianças sejam vistas como sujeitos em totalidades, que precisam de afeto, de atenção, que tem deveres, mas também vontades”. Essa observação da pesquisadora baseia-se, entre outras constatações em relação ao sistema da política de assistência, nas constantes declarações que ouviu durante o processo de pesquisa: a de que as crianças nesses espaços estão seguras porque  têm comida, têm um teto, têm uma cama para dormir, o que para a pesquisadora é importante, porém “é o mínimo que essas crianças precisam ter”.

Foram várias inquietações que motivaram a pesquisadora. Questionamentos como: “por que crianças e adolescentes negras são as mais institucionalizadas no Brasil? Por que elas têm menos possibilidades de adoção?” Umas das questões recorrentes é que as famílias não querem crianças negras. Segundo Márcia “uma parcela expressiva de famílias ou de candidatos e candidatas à adoção, no momento de preencher o formulário, o cadastro de adoção, elas referem que não querem uma criança negra, mas que muitas vezes aceitam uma criança parda, como se a criança parda não portasse essas mesma negritude”, frisa. 

A partir dessa realidade, a professora começou a questionar “como é que essas essas crianças se sentem vendo outras crianças chegarem e partirem, ou de volta pros seus lares ou pra uma família adotiva, e essas crianças estão ali de alguma maneira e silenciosamente, percebem que elas estão ali por conta da cor da pele, por conta da sua origem  racial. esse foi o disparador”, conta.  

A pesquisa foi feita em duas instituições de acolhimento em São Paulo, com quatro equipes, durante oito meses. A metodologia utilizada foi a Grupo Focal, com o grupo operacional dessas instituições, profissionais dos serviços que são executados diretos com as crianças, tendo em vista que estes eram os que tinham maior vivência e relação de proximidade com essas crianças e adolescentes. Foram ouvidos profissionais de todos os níveis de atendimento e, a partir do conhecimento do cotidiano dessas instituições, dos relatos dos entrevistados, a pesquisa conclui que, entre outras falhas na política de assistência, falta debate racial, falta formação dos profissionais no sentido de que, nem todos os profissionais que chegam as instituições de acolhimento estão preparados para cuidar de uma criança e de um adolescente que tiveram situações de violência, de abandono, de negligência ou que foram invisibilizadas pelo racismo e caíram no serviço de acolhimento institucional. “Falta verba para pensar o cotidiano e estrutura mínima, falta espaço para ser escutado enquanto profissional”, acrescenta. 

Para Márcia foram realidades duras de ouvir e constatar. Com o cuidado de deixar claro que o livro não tem a intenção de desqualificar o trabalho exercido pelas instituições de acolhimento, ela reforça que a ideia é contribuir com o debate em torno do cuidado na infância e adolescência, ampliando a dimensão racial e de gênero. 

“A violência racial atinge todas as faixas etárias, mas a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento, que precisam de afeto, que exigem o cuidado do adulto. Quando o cuidado vem recheado de preconceito, de discriminação, de descaso, em relação a esse corpo, por ser um corpo negro, a gente não faz ideia das dores que vão sendo produzidas na trajetória dessa criança e desse adolescente”, destaca. 

Márcia afirma ainda que, a importância de se discutir a violência racial na infância está relacionada ao fato de que todas as outras discussões como, encarceramento na juventude, ato infracional, medida socioeducativa, medidas de internação são debates que precisam considerar o racismo na infância.  

O título vem mostrar o quanto a sociedade está errando no cuidado com uma criança negra, quando se percebe, conforme explica a pesquisadora, que o mesmo direito que uma criança branca tem de permanecer pouco tempo na institucionalização, a criança negra também tem. Márcia enxerga essa realidade, a partir de seus estudos, que a estrutura racista continua vendo os corpos da criança e adolescente negros como são corpos que suportam a dor. 

A obra também aborda a questão de que as famílias mais punidas pelo sistema de garantias de direitos são as famílias negras e, conforme ressaltou, os sujeitos mais punidos são as crianças e os adolescentes negros. 

A pesquisadora finaliza dizendo que a análise do racismo é fundamental para que se entenda que racismo não é bullying. “As duas formas de violência precisam ser coibidas, rechaçadas, mas o racismo tem mecanismo de letalidade, de destruição, da vida, não só da morte, porque produz marcas”, diz.  

 Sobre a autora e o movimento #MarciaFica

Márcia Eurico, mulher preta e periférica, é referência no debate sobre a questão racial pela sua trajetória de pesquisa. Atualmente é professora na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus da Baixada Santista, e recentemente recebeu o prêmio Benedicto Galvão, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-São Paulo), que dá destaque à obra o “Racismo na Infância”.  

Em 2018 a PUC-SP ficou ocupada pelos alunos por quase uma semana, no movimento intitulado #MarciaFica! A mobilização reivindicava a permanência da professora no Curso de Graduação em Serviço Social, ao denunciar como o racismo institucional está impregnado nas universidades. 

O movimento trazia à tona a dura realidade de que o Curso de Serviço Social nunca teve em seu corpo docente uma professora (o/e) efetiva (o/e) negra (o/e) em seus mais de 70 anos de existência.