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Colunistas Destaque Natalia Santos

6 Filmes dirigidos por mulheres que você precisa ver.

Você já assistiu a algum filme dirigido por uma mulher nesse ano? O número de mulheres no comando de sets ainda é pouco quando comparado aos nomes masculinos, mas elas ganham cada vez mais destaque e espaço no cinema. E o que não falta são obras maravilhosas para presentear os amantes da sétima arte. Que tal escolher o Dia Internacional da Mulher para prestigiar o trabalho de uma diretora? Aqui vão algumas dicas de filmes incríveis dirigidos por mulheres.

6. Encontros e Desencontros – Sofia Coppola

Este é o filme mais conhecido da diretora Sofia Coppola, que se tornou um ícone “indie” do cinema. Na trama, Bill Murray interpreta o ator de cinema Bob Harris, que está em Tóquio para fazer um comercial de uísque. Lá, Bob conhece por acaso Charlotte (Scarlett Johansson), uma mulher que está na cidade acompanhando o marido fotógrafo que a deixa sozinha o tempo todo. Em pouco tempo os dois tornam-se grandes amigos.

5. Adoráveis mulheres – Greta Gerwig

Gerwig tem um estilo muito próprio de fazer cinema, e sua adaptação ao romance de Louisa May Alcott é a minha favorita. A história se passa nos anos seguintes à Guerra de Secessão, contando a história de quatro irmãs que compartilham as dificuldades e os prazeres de suas vidas, com personalidades, talentos e sonhos bastante distintos.

4. Precisamos Falar Sobre Kevin – Lynne Ramsay

Esse é um daqueles filmes que você não vai esquecer fácil e que tem uma mensagem muito forte sobre a maternidade. A trama fala sobre Eva, uma mulher que nunca desejou ser mãe e que possui uma relação bastante complicada com seu filho Kevin. É uma história forte, densa, mas que merece ser vista e debatida.

3. Bicho de Sete Cabeças – Laís Bodanzky

Bicho de Sete Cabeças é um dos melhores filmes nacionais da história e é dirigido por uma mulher, o que me dá muito orgulho. Nele, Rodrigo Santoro interpreta Neto, um rapaz que tem um relacionamento difícil com o pai, que decide interná-lo em um manicômio. Na trama, podemos acompanhar o sofrimento do jovem na instituição, o que se traduz em uma espécie de protesto e apoio à luta antimanicomial no nosso país.

2. Relíquia Macabra – Natalie Erika James

Como uma boa fã de terror, eu não poderia deixar de trazer uma dica do gênero nessa lista. Relíquia Macabra é um filme psicológico, cheio de simbolismos e que tem como núcleo principal três gerações de mulheres: filha, mãe e avó são assombradas por uma manifestação de demência que consome a casa onde estão.

1. Emma – Autumn de Wilde

Por fim, trago uma adaptação de Emma (Jane Austen), de uma das minhas romancistas favoritas e dirigido pela cineasta Autumn de Wilde. O filme tem uma estética deslumbrante e acompanha a vida de Emma Woodhouse, uma garota bonita, inteligente e rica, mas que se aventura formando casais que considera apropriados, sem levar em conta os problemas que causa com isso.

Esses filmes foram escolhidos a dedo, portanto, espero que gostem e apreciem o trabalho dessas mulheres excepcionalmente talentosas.

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Colunistas Destaque Shemilla Paiva

A mãe, esta inadequada

Não há lugar onde a mãe não seja uma presença que melhor seria se alí não estivesse 

A mulher com náusea, vomitando ou tendo um episódio de desmaio. É assim que a novela avisa que a personagem engravidou. Na concretude dos fatos quase sempre é diferente, o alerta vem depois que a mulher chega de um dia de trabalho e sente as pernas doerem em dobro, a enxaqueca persistindo mesmo depois de tomar o analgésico encontrado no fundo da bolsa entre as notas fiscais amassadas e os seios mais sensíveis do que o habitual da ovulação. Um beta confirmado é uma sentença, e é claro que a sentenciada ainda nem faz ideia do caminho de profundas rupturas, disforias e cisões. 

O arquétipo da mãe é posto como lugar de chegada natural para a mulher. Essa naturalização da maternidade, ou seja, esse movimento compulsório que nos lança para o gerar, o parir e o cuidar tem uma força proporcionalmente inversa ao suporte, acolhimento e investimentos políticos voltados para o maternar. Dizemos, então, numa tentativa de sermos validadas, que nós criamos os cidadãos do amanhã. Não adianta.  

É preciso entender que ser mãe numa racionalidade neoliberal envolve nutrir e fazer vingar aqueles que serão a força de trabalho do futuro. Talvez seja esse o único argumento com alguma chance de convencer que isso que fazemos é trabalho. Trabalho que não exclui o amor retumbante. E é uma lástima ainda ter que fazer esse adendo para evitar o risco de receber o título de menos mãe.

A mãe que está inserida no ambiente da academia se vê receosa de sequer citar o filho sob o fantasma de poder parecer estar usando a criança como desculpa ou – sic – vantagem. A mãe que está no setor privado se desespera com a possibilidade de ser descartada após voltar da licença. A mãe que deixa de trabalhar no mercado formal parece de cada olhar que a julga feito chicote. A mãe é esta inadequada e não há lugar onde a mãe não seja uma presença que melhor seria se alí não estivesse.

Maternar é um ato político. É preciso chover nesse molhado em looping infinito até que as mães sejam ouvidas, respeitadas, valorizadas. Nós não somos mãezinhas. A produção de sentidos sobre a maternidade reveste a mulher mãe de uma aura de candura e benevolência que em nada agrega, ao contrário, só nos afasta dos direitos e  acessos. Nós não queremos estudar, trabalhar e ocupar espaços como se nós não tivéssemos filhos. Nós queremos que o fato de sermos mães não soe como um motivo para duvidarem de nossa capacidade, disponibilidade e potência. E nós queremos devolver essa desconfiança que a sociedade tem para conosco em forma de indagações: por que desconfiam de nossa capacidade de entrega se apenas ocupamos um papel que sempre nos foi vendido como dádiva? Parece que vocês sabem muito bem a solidão e sobrecarga às quais somos lançadas assim que o útero cumpre seu trabalho, não é mesmo?

Esses são os aspectos políticos, mas, há também os quesitos humanos neste solo da maternidade. Há, pasmem, mães que detestam seus filhos. Há mães que amam seus filhos e detestam serem mães. Há mães que amam seus filhos e a maternidade. A mulher mãe é um sujeito que se compõe em atravessamentos muitos. Escapulimos do já posto presente nas tão difundidas narrativas religiosas, publicitárias ou psicanalíticas. 

Uma mãe sempre irá se sentir inadequada. A mãe sempre irá sentir que você já não confia que ela possa entregar o trabalho no prazo. A mãe sabe muito bem que você acha que agora ela está mais propensa a se deixar levar pelo emocional. Afinal, a mãe, essa instável. Sugiro que assistam Maid, A Filha Perdida e Mães Paralelas na próxima busca audiovisual. Sugiro que vejam nossos filhos como responsabilidade de uma sociedade inteira. Sugiro que não descartem nossa existência depois que nosso corpo reproduz. Sugiro que não coloquem a maternidade como realização ou irrealização feminina. A maternidade escapa. 

A mãe quer estudar, quer trabalhar, quer fazer dinheiro, quer ser e estar em completude. A mãe embala a cria e sente seu coração bater em uníssono com aquele ser que, na maioria das vezes, ela ama perdidamente. A mãe pode querer se contorcer numa siririca num domingo de neblina. A mãe escreve teorias. A mãe compõe. A mãe cozinha. A mãe sente os coágulos de sangue escorrendo entre as pernas no pós parto a cada vez que o bebê suga sua mama. A mãe possibilita o trabalho masculino. A mãe lida com a filha que foi e com a mãe que teve. A mãe toca o barco. A mãe salta no bote. Agora, veja bem, se tudo continua é porque a mãe faz continuar. E a mãe, ainda que vocês pensem que estão fingindo bem, sabe que vocês melhor achariam se alí ela não estivesse.

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Aryanne Queiroz Colunistas Destaque

O que é ser mulher?

É doar-se, sem medidas.
É cicatrizar feridas.
É ser sem fronteiras.
É ir além das boas maneiras.
É reiventar-se, constantemente.
É amar e amar e amar, sucessivamente.
É saber lidar com os desafios.
É também viver por um fio.
É vencer a TPM, mês a mês.
É dizer que foi lá e fez!
É ter coragem de enfrentar leões.
É encarar, dia a dia, tantos machões.
É ter o direito de ser fraca ou forte.
É não desanimar, é não perder o norte.
Ser mulher é sinônimo de muito combate.
Não há quem possa com uma mulher de verdade!
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Ady Canário Colunistas Destaque

“Como ela conseguiu passar no doutorado?”: Racismo genderizado e as (in)visibilidades históricas das mulheres

Em 8 de março é comemorado o Dia Internacional das Mulheres, data instituída a partir das Organizações Internacionais. Ao longo desse processo, são muitos os desafios e conquistas na luta do movimento de mulheres. Assim, aproveitamos para trazer as “Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano” (2019), da escritora Grada Kilomba. Uma importante obra para refletirmos individual e coletivamente as variadas questões que ainda nos inquietam, ontem e hoje. Com escrita reveladora, trata-se de uma abordagem interdisciplinar na perspectiva de novos conhecimentos, reunindo relatos reais de racismo por meio de narrativas contundentes. Uma excelente leitura, a quem se interessar pelo tema. São muitos ensinamentos e novos conhecimentos.

     Destacamos alguns pontos e trechos extraídos do capítulo 4. Nos chamou a atenção a discussão acerca do conceito de racismo genderizado. Lemos atentamente a narrativa de um acontecimento quando ela tinha entre 12 e 13 anos. Durante uma consulta foi interpelada por um médico, homem branco em Portugal: “Você gostaria de limpar nossa casa?”. A filósofa indaga se ela fosse uma paciente branca ele teria perguntado? Diante disso, conta que: “O homem transformou nossa relação médico/paciente em uma relação senhor/servente: de paciente me tornei a servente negra, assim como ele passou de médico a um senhor branco simbólico, […]”, descreve Kilomba (p. 93). Sem sombra de dúvida, são episódios que nos marcam.

           Tal episódio, dentre outros contados no livro são  recorrentes na realidade das mulheres negras. Nesse contexto, partilhamos semelhantes histórias em nosso percurso. Quando assumimos um cargo institucional, um homem entrou na nossa sala e falou: – “Já está aí?”. Essa foi a “saudação de boas vindas”. Outra ocorrência, fui a um espaço para entregar o meu  currículo e os comprovantes. Uma melhor perguntou: “Esse  currículo é dessa daí”? Será se eu fosse uma mulher branca, teriam pronunciado tais enunciados? Por que essas falas e não outras em seu lugar? São as formas do racismo genderizado nos espaços de poder?  Outro ocorrido, quando fomos aprovada no curso de doutorado,  uma mulher perguntou a minha mãe,  “como ela conseguiu passar?”

     Dessa forma, o racismo genderizado pontua as relações entre raça, gênero e racismo no cenário da violência às mulheres negras. A filósofa aborda que: “Mulheres negras têm sido, portanto, incluídas em diversos discursos que mal interpretam nossa própria realidade: um debate sobre racismo no qual o sujeito é o homem negro; um discurso genderizado no qual o sujeito é a mulher branca; e um discurso de classe no qual “raça” não tem nem lugar. Nós ocupamos um lugar muito crítico dentro da teoria”, destaca (p. 97).

        Isso revela  […] “um sério dilema teórico, em que os conceitos de raça e gênero se fundem estreitamente em um só. Tais narrativas separadas mantém a invisibilidade das mulheres negras nos debates acadêmicos e políticos” (p. 98), argumenta. Realmente, ainda há muito a estudar e discutir acerca das relações raciais como parte da nossa tarefa cotidiana. Para a escritora: “Um fenômeno que atravessa várias concepções de “raça” e de gênero, nossa realidade só pode ser abordada de forma adequada quando esses conceitos são levados em conta” (p. 98).

     Nesse sentido, afirma as intersecções como não singulares, pois se entrecruzam na constituição da subjetividade e experiências das mulheres negras. Isso em razão do racismo que estrutura visões racistas de gênero nos espaços e debates. Há lugar para raça? A autora afirma que mulheres negras também são genderizadas, isto é, tornadas invisíveis e ignoradas, contudo não podem ser invisibilizadas na hierarquia de poder.

      Portanto, o conceito de racismo genderizado, em estudo, se reveste de suma importância na produção de novos modos de subjetividade à luz de feministas negras, bem como no enfrentamento às invisibilidades históricas das mulheres negras e demais grupos étnico-raciais. Devemos considerar, conforme Grada: “O movimento e a teoria de mulheres negras têm tido, nesse sentido, um papel central no desenvolvimento de uma crítica pós-moderna, oferecendo uma nova perspectiva a debates contemporâneos sobre gênero e pós-colonialismo” (p. 108). Continuamos empreendendo.

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Colunistas Destaque Roberta Pereira

Machistas? Temos e aos montes! Pequenas notas sobre o óbvio

Santos e São Paulo, partida válida pelo campeonato Paulista, não vale nada, mas time grande tem que ganhar e derrota demite técnico.

O que importa nesse texto não é a péssima atuação do Santos por 3×0, tampouco se o campeonato é importante ou não. Apenas quero tecer algumas linhas sobre a arbitragem. 

…apitou a partida e errou, errou feio, errou rude. E não adianta, o machismo está lá guardado, pronto a ser destilado. Os xingamentos misóginos e machista ecoaram no campo, nas redes, nos grupos. Vi homens fazendo o de sempre, vi mulheres reproduzindo o que aprenderam. Nenhuma solidariedade, nenhuma identificação, somente o ódio que nos ensinaram a ter de nós.

Poucas linhas para dizer que não se alteram as relações machistas e patriarcais apenas ocupando posições, temos que estar em todos os lugares mas a que preço? As vezes penso que é apenas uma moratória e eles estão a espreita esperando o primeiro erro.

A árbitra em questão já foi punida uma vez por errar. E certamente o será novamente. Porque não se discute arbitragem no Brasil. É fácil resolver o problema de forma individual e sendo uma mulher quem ganha o jogo novamente é o machismo.

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Aryanne Queiroz Destaque Sem categoria

MULHERES, LEIAM(,) MULHERES!

Extremistas mostram o que mais os assusta: uma menina com um livro.(Malala Yousafzai)

Desde pequena amo ler, porém, pelo que me recordo, a maioria dos livros que li foram escritos por homens. Da Literatura Infantil, com certeza as leituras que mais me recordo são dos Irmãos Grimm: Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira (Cinderela), Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sete Anões, Rapunzel. Dessas histórias, todas as mulheres eram passivas, precisavam ser “socorridas” de alguma forma por homens (a maioria príncipes), os quais as salvariam de alguma situação embaraçosa, pois eles, nesses contos, são os heróis, aqueles que sempre chegam na hora certa, demonstrando bravura e perfeição, garra e determinação. Lembro, vagamente, de me questionar sobre o porquê que as mulheres eram tão ingênuas, tão dóceis, tão frágeis…Cresci acreditando nisso. Me envergonho? Talvez. O que posso dizer é que fui uma menina, fruto de uma geração que também acreditou nisso e que sofreu ao se deparar com a realidade: homens batendo em mulheres nas ruas, gritando e esmurrando sem ninguém chegar perto para socorrer. Lembro-me de acordar, várias vezes, assustada, ao escutar gritos de mulheres sendo espancadas em frente a minha casa, dentro de carros, em cima de motos, no canto dos muros, deitadas no asfalto, enquanto a vizinhança olhava pelas frestas das janelas, sem reagir, sem socorrer, sem fazer absolutamente nada, como se aquele show de horrores fosse natural. Eu não conseguia mais dormir: voltava pra cama e ficava questionando os motivos pelos quais aquelas mulheres apanhavam tanto; me perguntava se “o príncipe” delas iriam aparecer para salvá-las. Só depois de passar por desilusões amorosas na adolescência foi que a ficha caiu: não existe “príncipe”, não existe. Claro, não estou aqui dizendo que não existem homens de boa índole. Não é isso. Estou aqui querendo mostrar que o que estava escrito nos livros infantis que li era pura ilusão, mas que não me foi explicado isso por ninguém. Aqueles livros que li eram produzidos por homens e lá estava o ideal, o vir-a-ser, o desejo deles de serem algo que não são. E nada disso foi explicitado. E essas histórias continuam se reproduzindo por aí, cabe a nós explicá-las para as nossas crianças que são fantasias. Cabe a nós também ler mais histórias reais, como a história da menina Malala. Quem dera ter lido, na minha infância, sobre meninas/mulheres reais, sobre a coragem dessa criança que enfrentou terroristas (homens!) para ter o direito de ler! Que sobreviveu e luta para que outras mulheres possam ter acesso à Educação. Quem dera que nas próximas gerações tenhamos mais Malalas, fazendo um percurso diferente e transformando vidas, através da escrita e da leitura. Almejo que com um livro na mão, nossas meninas sejam corajosas e não esperem por heróis, pois elas podem ser as heroínas das suas próprias vidas! Descobri tarde esse poder que me pertence, mas não tão tarde ao ponto de não me mover para plantar as minhas sementes na escrita. Escrevo para que meninas/mulheres possam ver que nunca é tarde para transformar o mundo através da leitura. Que possamos combater o terrorismo do dia a dia com livros – e de preferência, com livros escritos por mulheres que lutam, para nos inspirar e fugir das ilusões que tentaram/tentam inserir em nossas mentes e nos anestesiar, a todo custo.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Enegrecer a leitura antirracista à luz de Sueli Carneiro

Filósofa, Doutora em Educação, fundadora da Organização Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro é uma das nossas principais  referências na luta e nos estudos das humanidades. É uma escritora e intelectual negra extremamente comprometida com a transformação social. Possui uma marcante história de militância e organização das mulheres negras, especialmente no combate à violência racista. Sendo um dos maiores nomes do movimento negro do Brasil.
Ao lermos diversos de seus textos sobre trajetória e militância, conhecemos essa importante pensadora no nosso tempo, sobretudo no que diz respeito à questão de enegrecer o feminismo cuja centralidade do debate coloca as especificidades das mulheres negras brasileiras e a construção de políticas públicas visando a superação das desigualdades.
Foi na leitura de seus escritos que conhecemos uma imensa  e importante produção com olhar para a valorização e o potencial do  lugar das mulheres negras, especialmente acerca de enegrecer o feminismo, texto no qual apresenta forte debate “Enegrecendo o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”, a fim de romper o privilégio da branquitude que ainda se perpetua no ser mulher na sociedade.
Parafraseando Carneiro, qual o sentido dessa luta? É alcançarmos a igualdade de direitos de sermos mulheres sem sermos somente isso. De sermos mulheres negras sem sermos somente mulheres negras. É termos oportunidades e possibilidades  para além de gênero e raça. É sermos humanos em nossa plenitude.
Nesse contexto,  é impossível falar em leitura feminista e antirracista sem nos inspirarmos em Sueli Carneiro, no entendimento do contexto histórico, discursivo e social que nos atravessa enquanto mulheres negras numa sociedade machista, racista e homofóbica. Assim, diante de muitas inquietações, lermos Sueli, como uma filósofa de escrita insurgente, é entender que “(…) ser uma mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social”.
Nesse sentido, deslocamos a expressão
“enegrecer o feminismo” para apontar possibilidades e circulação de uma prática discursiva de leitura enegrecida, no sentido de tornar visível a intersecção fundamental da leitura antirracista e tratamento da questão de raça e gênero, a fim da luta pela eliminação do preconceito e diversas formas de discriminação, assim como do epistemicídio. Ou seja, as práticas que nos negam a condição de conhecedoras, produtoras de ciência e cultura,  como nos assevera Carneiro.
Por fim, refletimos sobre enegrecer a prática discursiva de leitura a partir de pensarmos a luta antirracista empreendida por Sueli Carneiro, dando visibilidade às mulheres negras na identidade que as constitui.
Pensarmos em aproximar o enegrecer desta pensadora ao trabalho da leitura como uma prática discursiva, em ambientes escolares e não escolares, é fundamental no debate entre antirracismo, antisistema opressor e linguagem porque significa ampliar as possibilidades e alternativas para além de modelos que privilegiam os racialmente hegemônicos frutos do racismo. Portanto, o enegrecer passa pelas nossas relações entre brancos e negros em busca da pluralidade e diversidade.
É pensarmos modos de subjetividade e resistência. É buscarmos combater o racismo na produção do conhecimento. Por conseguinte, problematizarmos: quantos autoras e autores enaltecem a memória e história de homens e mulheres negras? Quantos autores/as negros/as já lemos? Quantos livros desse autores/as já buscou conhecer ? As mulheres negras são as mais invisibilizadas no sistema racista e patriarcal. Por isso, enegrecer a leitura é um ato de amor, é um ato político. Nessa luta, resistiremos com ousadia na valorização da negritude. Viva Sueli Carneiro, inspiração e passos que vêm de longe. Gratidão!
Para pensar:
“O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento”.
(Sueli Carneiro)
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Colunistas Destaque Pâmela Rochelle

NECROPOLÍTICA – A MÃO NADA INVISÍVEL DO ESTADO

Não é novidade alguma que os Estados modernos adotam em sua lógica de funcionamento, o uso da força e até mesmo da violência como modo de promover políticas de segurança para a sociedade. No entanto, tais políticas que tem em seu discurso a promessa pela manutenção da paz por vezes acabam contribuindo para a segregação de determinados grupos sociais, ao passo em que favorecem e reforçam estereótipos e até mesmo o extermínio destes grupos.

Nesse contexto, um dos principais questionamentos que surge é se o Estado, por meio das suas instituições, possui ou não o direito de matar? É, pois, a partir desta problemática que a questão da Necropolítica se estabelece.

O termo Necropolítica, cada vez mais popular nos debates públicos e nas mídias digitais, trata-se de um conceito desenvolvido pelo filósofo Achile Mbembe – intelectual, teórico político, historiador e professor universitário camaronês -, o qual designa a produção e inserção de políticas de morte voltadas para uma determinada parcela da população. 

O filósofo considera como necropolíticas as “formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte que reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror” (MBEMBE, 2017, p. 151). O que no caso do Brasil estaria diretamente ligado a questão do racismo de Estado, uma vez que é sobre os sujeitos pretos e pardos que as políticas de desvalorização da vida recaem de modo mais contundente. Fato rotineiro que pode ser visualizado a todo instante nos portais de notícias: “74% das pessoas que tiveram amigo ou parente morto pela polícia são negras” (Portal Mundo Negro); “Kathlen Romeu: negros são 3 vezes mais vitimados por homicídios do que brancos” (G1); “Negros correspondem a 63% das pessoas abordadas por policiais no Rio de Janeiro” (CNN Brasil); “Vendedor de balas negro é morto por PM…” (SBT News); “Mulheres negras sofrem mais com a violência obstétrica” (Folha de São Paulo);“Crianças da periferia de SP morrem 23 vezes mais que as do centro, diz estudo…” (Carta Capital).

Tais políticas se constituem e operam promovendo a destruição de determinadas populações por meio de uma desumanização dos sujeitos, para os quais se destinam condições de vida muito próximas ao estatuto de mortos-vivos. O que pode ser observado facilmente se determos nosso olhar sobre as “zonas de morte” contemporâneas, entre as quais tem destaque as periferias do país, nelas o derramamento de sangue (de criminosos ou inocentes) acontece diariamente à luz do sol sob a égide de um combate ao crime que nunca dá resultados ou cessa. Porém, se os criminosos moram em bairros nobres e são brancos a abordagem é diferente ou nem existe.

O Estado Brasileiro, na figura da polícia e do poder judiciário, legitima a morte e a aniquilação dos sujeitos negros cotidianamente de diferentes formas, sendo a dita “guerra às drogas” um dos instrumentos mais eficazes dessa necropolítica, que além de matar sob o amparo do Estado também leva a um crescente encarceramento em massa. Os dados comprovam. O Brasil figura hoje entre as cinco maiores populações carcerárias do mundo, estando em terceiro lugar com mais de 773.000 encarcerados, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DPN). Desse número, cerca de 65% é composto por pretos e pardos.

Entender o que são e como operam é o primeiro passo para se combater as necropolíticas nacionais, que em sua maioria destinam-se aos sujeitos negros, embora também afetem outras minorias. Essas políticas de morte que determinam quais vidas são passíveis de preocupação e quais podem ser descartadas são uma realidade brutal que assola nosso país, sobretudo, em tempos sombrios de um governo que flerta com diferentes formas de autoritarismo e violência. É preciso conhecer a realidade que nos cerca para assim questioná-la e combatê-la. 

Somos todos humanos, mas nem todos são tratados assim.

 

UBUNTO.

Referências

Mbembe, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad. Renata Santini. Rio de Janeiro: n-1 ediçoes. 

Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade. Trad. Marta Lança. Lisboa (Portugal): Antígona editores refractários.

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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Amor e dor maiores do mundo

É de causar estranheza coadunar sentimentos tão diversos, mas no mundo do autismo até isso é possível. O misto de emoções é eminente, é como subir e descer a mais alta das montanhas-russas em segundos. Dentre várias entrevistas, relatos de experiências, livros e artigos que tive oportunidade de ver/ler, nada me chama mais atenção da leitura de mundo que o próprio autista tem e o relato que os seus familiares nos proporciona.

Há bem pouco tempo vi na tevê uma entrevista dada pelo apresentador Marcos Mion a Ana Maria Braga, na TV Globo, onde o mesmo falou da condição de seu filho autista. Chorei junto por cada palavra dita por ele e por ver tantos significados e sentidos. Ele começou sua fala dizendo que decidiu expor o autismo de Romeo por entender a necessidade de disseminar informações e dar visibilidade à causa, coisas que concordo plenamente. Tomando-me como exemplo, pôr pra fora o que me rasgava o peito trouxe força para lutar e superar situações, além de ajudar com orientações a quem começou a me buscar como apoio.

Dia desses li um artigo bem pertinente de Fátima de Kuant, mãe de autista e uma grande atuante na causa. O que ela dizia me inquietou bastante, pois colocava que, ao engravidar, nenhum médico ou profissional da área da saúde orienta a mulher acerca da probabilidade de ter um filho com deficiência, esta é uma realidade que só é conhecida quando se está diante dela. Ninguém, seja ele pai ou mãe, ao esperar uma criança reza: “Por favor, Deus, quero um filho autista!”. Ninguém! Mas ele vem! E aí você se vê em meio a dor e ao amor, e será assim sempre, principalmente ao ouvir certas coisas que causam muita dor. Quando eu estava em processo de investigação, em meio às conversas com colegas de trabalho da época, uma professora sempre dizia quando o assunto eram crianças especiais: “Antes de engravidar dos meus dois filhos pedi ao meu médico exames para rastrear tudo porque não queria ter riscos…”. Aquela “naturalidade” com que ela sempre repetia aquelas palavras me dilacerava. Como assim? Quer dizer que os pais que hoje têm seus filhos com deficiência falharam pois não “rastrearam”?. A sociedade já é muito injusta pois, ao engravidarmos, já ouvimos aquela frase que chega a ser clichê: “Que venha com saúde!”, ninguém te diz assim: “Que seja feliz, da maneira que for”, o que seria mais adequado.  

Com lágrimas nos olhos a entrevista inteira, Mion trouxe muitas reflexões acerca do espectro autista: “Que ele seja perfeito dentro das imperfeições…”, “sem ele eu não conseguiria”, “converso com os outros filhos de igual pra igual, mas com ele (Romeo) converso no patamar dele”, “ele tem uma pureza muito grande pois os sentimentos são muito verdadeiros…”. É muito verdade esse sentimento puro e genuíno pois hoje consigo enxergar nos olhos do meu Gabriel, que, diferente do que muitos pensam, consegue me ver da maneira dele, com a doçura e peculiaridades que só ele tem, em sua singularidade. Sou muito grata por estar em constante aprendizado com o ser humano lindo que ele já é e desafiada por diversas situações que iremos passar no futuro, porque o bom da viagem é a viagem. Seguiremos!

Não romantizo o que me rasga o peito. Tenho ciência dos altos e baixos que passaremos, nenhum nível de autismo é fácil, mas prefiro crer que a sociedade se encarregará de adequar espaços e compreenderá que o processo de inclusão passa por empatia e respeito às diferenças e diversidade. Sonhar não custa nada…

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Colunistas Destaque Natalia Santos

No Ritmo do Coração: uma emocionante jornada

No Ritmo do Coração (Coda, no idioma original) recebeu três indicações ao Oscar 2022 após vencer 4 prêmios no Festival Sundance de Cinema de 2021. Na história, que é uma refilmagem do filme francês A Família Bélier (2014), acompanhamos a vida de uma adolescente chamada Ruby, única pessoa ouvinte de sua família, já que seus pais e seu irmão são surdos. 

A jovem carrega a grande responsabilidade de ajudar a família a se comunicar e compreender o “resto do mundo”, ponto de partida para os principais conflitos estabelecidos na trama. Ruby percorre um longo caminho de autodescoberta e de amadurecimento, desenvolvendo sua paixão por música e, ao mesmo tempo, lidando com as obrigações de ser a única ouvinte de sua família. 

Mesmo não se tratando de uma história com alto grau de complexidade, é delicioso assistir ao longa, que, frise-se, tem a maioria de seus diálogos representados em ASL (língua americana de sinais). A diretora e roteirista Sian Heder soube conduzir a história com tamanha delicadeza, que não é difícil para o espectador se emocionar. 

Outro ponto que me chamou atenção no longa foi a escalação dos protagonistas, surdos na vida real, assim como seus personagens. Acredito que, não à toa, o filme conquistou tanto a crítica quanto o público, e está disponível atualmente na plataforma de streaming Amazon Prime Video. Por se tratar de uma história com tamanha representatividade, que fala, acima de tudo, sobre o amor em família e os desafios de enfrentar o mundo após atingir a maturidade, No Ritmo do Coração se tornou, para mim, uma das melhores surpresas desse ano.