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Aryanne Queiroz Colunistas

SER FEMINISTA OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO

“Qual é a maior lição que uma mulher
pode aprender? Que desde o primeiro dia,
ela sempre teve tudo o que precisa dentro
de si mesma. Foi o mundo que a
convenceu que ela não tinha”. (Rupi
Kaur)

Por muitos anos me questionei se ser feminista era algo danoso para a minha vida. Essa questão me corroía porque eu nunca tinha estudado sobre o assunto. Quando a pergunta vinha, eu fugia, como quem corre das ondas na beira do mar, com medo daquela imensidão me conduzir para águas profundas e desconhecidas. O que eu conhecia ₋ se é que posso dizer que era conhecimento! ₋ era algo muito raso: “feminismo é coisa de mulher da vida!”; “feminismo é um movimento de ‘sapatão’!”; “feminista é uma mulher mal amada!”. Tais falas eram escutadas por mim com curiosidade, ainda no início da adolescência, mas, confesso, com um certo ar de assombro, posto que na minha infância cresci escutando que “mulher da vida” era algo ruim, algo pecaminoso e como meu berço era católico, as coisas do mundo não podiam pertencer a quem era de Deus. Tanto eu como muitas meninas crescemos com essa ideia deturpada, sem muitas explicações sobre o que era ser “da vida”, sobre o que era ser ‘sapatão’, além de não querermos ser ‘mal amadas’, já que a maioria de nós éramos criadas pensando em casar e sermos cuidadas (nesse ponto, preciso ser justa e
‘dar a César o que é de César’: minha família nunca me incentivou a contrair matrimônio e a ser dependente de nenhum homem).
Diante desses termos distorcidos pelas famílias conservadoras e pela Igreja, como não se questionar: “sou feminista ou não sou?”. E a dúvida surgiu quando, certa vez, em uma reportagem na televisão estava sendo exibida a Marcha das Mulheres em algum lugar do país e lendo os cartazes daquelas jovens, adultas e idosas, teve dois que me chamaram bastante a atenção. Neles, estava escrito: “Lutamos por um
mundo melhor!” e “Homens e mulheres: somos todos iguais!”. Eram frases tão lógicas para mim, mas, ao mesmo tempo, tão distantes da realidade…Representavam exatamente o que eu pensava desde a infância e saber que o movimento feminista fomentava o debate sobre tais questões me fez duvidar do que eu até então sabia e perceber, naquele instante, que me esconderam, por muito tempo, o verdadeiro sentido do Feminismo. Como a Rupi Kaur disse, eu sempre tive tudo que precisei dentro de mim, desde o primeiro dia, mas o mundo me escondeu isso.
A partir dessa percepção, passei a considerar a ideia de me declarar feminista e fui à procura de mais informações, tentando entender o que era “mulher da vida”; “sapatão” e “mal amada”. Descobri: que “mulher da vida” era aquela pessoa que servia/serve ao patriarcado no campo da prostituição e é mal tratada porque não se encaixou no padrão de “recatada e do lar”; que “sapatão” é aquela mulher que não está dependente de um pênis e de um homem para suprir as suas necessidades afetivo-sexuais e que não se enquadrou na heteronormatividade imposta pelo patriarcado; e que “mal amada” é a mulher solteira, provavelmente com independência financeira e que consegue dizer ‘não’ para os homens que a assediam. Ou seja, todos esses estereótipos foram produzidos para as mulheres que não se dobraram às regras do patriarcado; que se declararam donas de tudo que precisavam e que se encontravam dentro delas, e não nas regras ditadas pelos homens.
Após essa revelação, a pergunta “ser feminista ou não ser?” não tinha mais sentido. Foi uma questão que me acompanhou porque eu não estava escutando as vozes das próprias feministas. A voz que eu ouvia, por muitos anos, era a do Catolicismo que defendia a dependência afetiva-moral-econômica-social da mulher perante o varão e das filhas diante do pai ou dos irmãos. Ser feminista, portanto, já fazia parte de mim, desde o primeiro dia, como bem disse Rupi Kaur. A voz do feminismo ecoava dentro do meu ser, mas o mundo tinha me dito para não a escutar. Hoje eu a deixo gritar à vontade, a deixo brincar ao vento, através do som que a minha boca pronuncia, através das minhas mãos e dos meus dedos, ao escrever os meus textos. Não fujo mais das ondas dessa imensidão que é o movimento feminista, o qual me fez reencontrar comigo mesma, depois de tantos anos que o mundo me fez escapar de mim.

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Clarissa Paiva Colunistas

Dilemas à porta dos 40 – Ilusões

A 365 dias dos meus 40 (espero estar bem viva nessa data), tenho pensado sobre as Ilusões que a gente carrega durante tanto tempo. Estou entendendo que depois dos 35, esses ideais, visões de mundo,  medos e desejos passam a ser pesadamente arrastados. Fica mais difícil seguir com eles. E cada vez mais tentador arremessá-los de um penhasco.
A ilusão da mulher perfeita é uma delas. Por mais perfeita que você seja; bem na sua intimidade,  entre cremes e seringas de ácido, você sabe que não é. E custa caro parecer.
O mesmo pode-se dizer da postura profissional,  social,  da casa perfeita,  e da aliança que dobra de largura no aniversário de casamento (tão lindo!). Mas é que até esses gramas a mais parecem pesar no dedo de muita gente.
É que, na real, quatro décadas são o suficiente para uma vida de obediência social, não é mesmo?
A gente chega aqui com uma vontade louca de “só ser”. Mesmo que seja em coletivo,  mas que essas regras sejam cada vez mais honestas e suaves. O padrão social tem tentado acompanhar a vida; mas está longe de conseguir.  Seria muito mais empolgante se a autenticidade fosse aceita.  Seria mais próspero.  Seria uma festa!
Pois bem: que pelo menos até os 40 a gente consiga SER e DEIXAR SER. Que as preocupações sejam pagas a partir do essencial, e que a gente comece a DESPRECISAR.
Desprecisar das explicações e do sucesso por status; desprecisar da competição.  Desprecisar das metas como validação do seu valor.  Se a gente pensar direitinho, todo dia atingimos várias metas essenciais, como nos alimentarmos e continuarmos vivos.
É urgente voltar ao essencial. Ele está resistindo em cada parte da nossa vida, esperando para brilhar com ‘facilidade,  alegria  e glória’.  Sem precisar de mais nada.
Que a caminhada seja leve; e tudo que você fizer seja por vontade genuína; que te traga prazer,  por mais árduo que seja. É permitido.  É divertido também.
Desprecise e sinta-se ótima!
Com amor,
Clarissa.
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*Para ouvir: Deus me proteja de mim – Chico César.
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Colunistas Yáscara Samara

Precisamos falar sobre isso!

Hoje em dia chega a ser uma piada falar de sexualidade quando a protagonista é uma mulher com deficiência. O tema até vem sendo muito discutido, porém, ainda representa um enorme tabu. Existem inúmeras questões que parecem incomodar grande parte da sociedade. O sexo, por exemplo, algo natural na vida dos seres humano, mas para muitos, ainda parece um bicho de sete cabeças. Grande parte da sociedade enxerga a combinação sexualidade e deficiência como algo inimaginável, ou seja, um tabu duplo. Algo surreal, quando na verdade poderia ser natural tanto quanto muitas outras funções fisiológicas do corpo humano. Natural como cruzar, copular, transar, foder, fazer amor, como preferir.

Tanto é místico que não vemos discussões mais aprofundadas a respeito dessa temática. E quando há um debate, são terceiros falando por nós, deixando nosso protagonismo de lado. Mas por que não nos integram nessas discussões? Também queria saber. Contudo, partindo de minhas experiências pessoais, nesse artigo revelarei alguns aspectos da sexualidade de mulheres com deficiência. A ideia é esclarecer muitos pontos e tentar fazer com que a sociedade perceba que uma mulher com deficiência, por exemplo, não a torna assexuada. Posso afirmar que temos desejos de fazer sexo como qualquer ser humano que se intitula de normal.

O preconceito tem início, na maioria dos casos, no seio familiar, onde se infantiliza a pessoa com deficiência, não permitindo falar sobre sexo como algo natural e se for mulher, aí sim, desanda. Basta voltar um pouco na história para percebermos como sempre fomos enxergados. No passado, ainda bem pior que agora, éramos escondidos da sociedade, jogados de penhascos pois era considerado maldição nascer diferente. Éramos colocados em hospícios, mortos ao nascer com deformações. Na história da humanidade corpos imperfeitos eram considerados aberrações mostradas em circos, distrações nas cortes mais afamadas da Europa, enfim, um grande “circo dos horrores”.

Horror hoje é, na verdade, não ter o mínimo respeito pelas pessoas com deficiência, sempre achando que não somos capazes, sendo capacitistas, que é a maneira de achar que somos dignos de pena, doentes, exemplos para os que não possuem nenhum “problema” seja ele físico, visual, auditivo, orgânico ou mental. Precisamos ser percebidos com dignidade. Ter uma deficiência é apenas uma característica nossa, não precisamos de compaixão; não sejam capacitistas.

Afirmo, com conhecimento de causa, que mulheres com deficiência têm sexualidade sim. De acordo com IBGE (2010) há cerca de 25 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, e mesmo assim em pleno século 21, ainda somos infantilizadas, ignoradas, discriminadas, não temos acesso à saúde sexual, não há adaptações físicas em UBS’s, em mamógrafos, não dispomos de macas adaptadas, entre outras ausências. A falta de adaptações nas unidades de saúde, por exemplo, é um fato que nos causa constrangimentos no momento que precisamos subir em um equipamento para a realização de um exame. É como diz a letra de uma música sertaneja, “é problema puxando problema…”. É assim que somos vistas pela sociedade, como um problema. Por mais que falemos, nada acontece. Somos obrigadas a nos adaptar ao meio se quisermos existir como seres humanos.

Muitas mulheres com deficiência iniciam suas vidas sexuais tardiamente devido a todos esses obstáculos impostos a elas. Muitas seque tem acesso, existe ainda o medo de se aventurar. Somente as que conseguem enfrentar todas essas barreiras e a própria família, assim como eu, conseguem ter uma vida “normal”. Antes de perceber que deficiência não é empecilho, conheci outras mulheres e homens com deficiências e abri meu leque de conhecimentos, percebi que não estava sozinha. É claro que passei por tristezas por não ter um corpo atrativo, desejado, padronizado etc; mas percebi que podia ser vaidosa, me amar e correr atrás dos meus sonhos. Sofri com alguns amores platônicos, com o preconceito dos rapazes que em muitos casos chega a ser cruel. Porém, foi só uma questão de tempo, aos 20 anos, um pouco tardio, claro, veio o primeiro beijo, um namoro arroxado. Foi quando percebi que podia viver mais que isso, compartilhava com amigas na minha condição ou não, e percebi que a troca de experiências é muito válida, principalmente quando a família não dá apoio. Na escola nunca se falava sobre sexo, tive que aprender sozinha através das experiências vividas e das revistas Carícia, Capricho, ícones nos anos 90. Descobri carícias, beijos de novelas, contato físico, prazer, orgasmo; aprendi a me masturbar. Esse conhecimento do corpo, se tocar é crucial para a mulher com deficiência. Meu objetivo é repassar essas experiências para outras mulheres na mesma condição que eu para que elas possam também se descobrir como mulheres que tem direito sim de ter uma vida sexual plena e prazerosa apesar da deficiência.

Aos que supostamente não creem que podemos casar, afirmo que esse é outro mito. Eu me casei duas vezes e se tiver oportunidade, caso de novo. Sou mãe de um filho, tive minhas realizações e fetiches sexuais satisfeitos e acredito não ter incomodado ninguém. Porém, muitas mulheres ainda tem medo de viver sua sexualidade, umas por falta de informações, outras pelos pais controlarem suas vidas, contas bancarias, ou até mesmo por falta de parceiros (as). A falta de uma assistência sexual também é uma carência muito significativa para muitas mulheres, principalmente as que tem deficiência. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar, assistência sexual é um serviço de apoio sexual que sugere tanto o sexo na prática quanto teórico para nós pessoas com deficiência que não conseguimos um parceiro. Este tipo de serviço ainda não existe no Brasil, mas pode ser facilmente encontrado na Europa. Lá o serviço é dividido em seis órgãos com especificidades variadas para assistir as pessoas com deficiências e inclui fazer o sexo propriamente dito, sair para uma conversa, passear pegado na mão ou simplesmente um beijo.

Segundo Caryna Moreno, assistente sexual que atende na Argentina e não tem deficiência, a assistência é feita mediante entrevista prévia com a pessoa com deficiência para ver o grau de mobilidade, e através desta avaliação, tornar o momento de descobertas do prazer mais valoroso. Caryna relata que essa assistência contribui para o resgate e valorização da autoestima e descoberta do corpo como fonte infinita de libido. Ela também explica que muitos não chegam aos encontros por que não conseguem controlar suas contas e por serem confrontados pelos familiares. Na verdade, muito ainda precisa ser desmitificado. É importante destacar que muitos tem uma vida sexual ativa. Felizmente a indústria de equipamentos sexuais fizeram muitas adaptações para cadeirantes transarem com mais autonomia. Exemplo: cadeirinhas deslizantes e mini-macas para a companheira ficar no nível por parceiro, faixas para fixação do tórax ,entre outras. Ainda somos um número muito pequeno que damos a cara a tapa nos expondo sobre esse assunto, mas este é um trabalho de formiguinha. Queremos ter voz, pois mulheres com deficiência NÃO são assexuadas, não devem ser infantilizadas, temos sentimentos, desejos, direitos e necessidades sexuais (e não são poucas), iguais as mulheres ditas “normais”.

O que é preciso saber sobre a sexualidade da mulher com deficiência:

– Mulheres com deficiência intelectual NÃO são hiper–sexuadas, ou seja, desejos incontroláveis, como muitos teorizam;

– Mulheres com deficiência física não possuem disfunções sexuais relacionada ao desejo, à excitação e ao orgasmo;

– Mulheres com deficiência tem o DIREITO de escolher se querem ter filhos ou adotar;

– Mulheres com deficiência tem direito a exames preventivos, consultas com toda a acessibilidade e comunicação necessária;

– Mulheres com deficiência tem todo DIREITO de realizar fantasias sexuais com pessoas sem deficiências, que possuem desejos específicos por nós deficientes, os chamados DEVOTES;

– Mulheres com deficiência NÃO podem ser criminalmente esterilizadas por autorização de terceiros;

– Mulheres com deficiência têm DIREITO a viverem plenamente em sociedade com suas identidades de gênero, LGBTQIA+, sem preconceitos ou discriminação;

– Mulher com deficiência tem o total DIREITO de viver sua sexualidade somente pelo prazer;

– Mulheres com deficiência tem DIREITO a realizar toda, e quaisquer fantasias sexuais, se masturbarem e manterem o sexo só pelo prazer, com o apoio de assistentes sexuais especializados, ou profissionais do sexo, sem que sejam julgadas ou discriminadas.

Em países como Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suíça, Áustria, Itália e Espanha, os assistentes sexuais trabalham livremente, ao contrário do Brasil onde o serviço sequer existe. Por experiência própria indico a massagem tântrica para fazer como terapia e autoconhecimento do corpo. Portanto, apresento aqui uma direção para debates, que podem ser propostos para uma visibilidade cada vez maior da temática mulher com deficiência, suas vivências em sociedade e sexualidade, para que sejam criadas instituições e políticas públicas de apoio a este público objetivando uma melhor qualidade de vida para nós mulheres com deficiência.

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Colunistas Socorro Silva

A FEMINILIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM DESCOMPASSO COM A VIDA DAS MULHERES

“Precisamos encorajar mais mulheres a se atreverem a mudar o mundo”.
(Chimamanda Adichie Ngozi)
Recebi com muita honra o convite pela Revista Matracas, para contribuir com o debate, político e teórico a partir de nossas experiências e reflexões sobre o tema da educação, analisadas em contexto das diversas interseções que cruzam nosso papel político e pedagógico, em nosso fazer docente. Questões, que são atravessadas por decisões políticas e conjunturais, que de conjunto invisibilizam e excluem a participação das mulheres, suas lutas e conquistas das tomadas de decisões. E dentre tantos temas que circundam minha militância profissional e política, iniciei minha escrita, falando justamente desse lugar que as mulheres ocupam no magistério, sua importância, e representatividade na profissão, além de ressaltar o descompasso dessa maioria representada com sua realidade. Espero que nos acompanhem neste diálogo e que nos enviem, sugestões e contribuições sobre os temas propostos, para estabelecermos essa troca dialética entre os textos aqui apresentados.
Pois, bem, início o texto destacando a citação da escritora Nigeriana
Chimamanda Ngozi, onde ela destaca a importância de incentivarmos mulheres a mudar o mundo, o que precisamos estabelecer diariamente como princípio de nossas ações em todos os espaços que ocupamos, para que mais mulheres estejam presentes e representadas. e que assim, contribuam para transformar esta realidade tão adversa e desigual que as mulheres se encontram, apesar das significativas mudanças, políticas e estruturais já conquistadas.
As mulheres são maioria no magistério brasileiro, todos nós sabemos disso, pois, representam mais de 83% das professoras no magistério na Educação Básica, segundo os dados do Censo Escolar de 2019. O que precisamos saber é se, sendo a maioria no magistério, elas possuem alguma atenção e valorização referente as questões que envolvem sua vida cotidiana na profissão, como o tema do trabalho doméstico e a vida profissional, relacionados à saúde e ainda quanto a valorização profissional. Estas questões permeiam seu cotidiano escolar e ficam na
invisibilidade dos órgãos públicos quanto a atenção e prioridade que deveriam ter por serem maioria na profissão.
O documento “Perfil do Professor da Educação Básica”, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), em 2018, que teve como base o Censo Escolar de 2017, afirma que as mulheres representam 81% do segmento profissional, configurando- se como maioria, desde a Educação infantil até as etapas finais do Ensino Fundamental. Sendo que no ensino Médio este percentual vai se modificando com a presença masculina neste nível de ensino, onde, elas representam 59% deste contingente profissional nesta etapa escolar. O que nos cabe refletir sobre este contexto, e o que gera esse fenômeno da feminização do magistério? Como se forma esta maioria e por que o magistério se torna uma profissão prioritária para estas mulheres? E como este fenômeno se articula com a vida das mulheres? E o que vamos buscar dialogar sobre o tema em questão.
Começo destacando que a feminização do magistério, tem bases históricas e políticas, e se acentuou no Brasil, a partir da década de 90, quando da entrada das mulheres na profissão. Louro (2009), afirma que nas décadas finais do século XIX, apontam, pois: para a necessidade da “educação da mulher”, vinculando-a a modernização da sociedade, a higienização da família, e a construção da cidadania e dos jovens. É neste contexto, que surge a “educação da mulher”, associada aos “cuidados da família”, como responsável pela educação dos filhos e filhas, providas de valores morais e cristão, se configurando como pilar e sustentáculo da família, cabendo a ela a harmonia neste ambiente.
É muito interessante que as mulheres foram “permitidas” ao ingresso na carreira do magistério na época, desde que cumprissem com estes requisitos, definidos como essenciais para ela ingressar na profissão, o que não era exigido na mesma proporção aos homens professores que assumiam o magistério à época. Além do que, as escolas femininas, as chamadas “Escolas Normais”, apresentavam disciplinas nos seus currículos que reforçaram ainda mais este papel e concepção
do magistério, vinculada ao cuidado doméstico e da família. As disciplinas como psicologia, puericultura e economia doméstica, dentre outras, estabelecendo o diferencial na formação profissional entre homens e mulheres, ratificando o magistério como uma extensão da maternidade, (Louro, 2019), sendo compreendido como uma aptidão natural e quase vocacional do cuidado das mulheres com as crianças. E a partir daí iniciamos o processo de feminilização do magistério com a
predominância feminina em todas as áreas de ensino, especialmente na educação infantil.
O que podemos comprovar atualmente, através dos dados apresentado pelo INEP, em 2018, onde destaca que 96% do magistério na educação infantil é do sexo feminino. Por que será que a maioria são mulheres, neste nível de ensino? Será que ainda hoje estes valores e características, estão vinculados às “aptidões femininas”, que tem este requisito para acesso a este nível de ensino? Ou as aptidões como os cuidados com as crianças e adolescentes, ainda estão vinculados a figura materna que as mulheres expressam na educação? O que pode vir a responder pelo número expressivos de mulheres na profissão.
Neste sentido, de acordo com LOURO (2019), o magistério passou a ser uma profissão tipicamente feminina, onde as mulheres, “apresentavam” as características necessárias para o exercício da docência como “ paciência, amorosidade, bondade e afetividade.ao exercício da profissão, fundamento este que levou muito dos homens a justificarem sua saída da profissão e buscar outras profissões que fossem mais rentosas, abrindo o campo para a feminilização do magistério e consequentemente a desvalorização da profissão, com a pouca atratividade e interesse pela mesma, inclusive nos dias de hoje! O que apesar de se tornar um reduto majoritariamente feminino, não está isenta das desigualdades e discriminações que ocorrem nas outras profissões, relacionadas a pirâmide ocupacional, como aponta, Bruschini e Amado (2018).
Exemplificamos, para isso, a consequente redução das mulheres professoras no magistério superior, segundo dados do INEP de 2019, justamente onde os salários são maiores, inclusive contrariando os dados referentes à formação superior, onde as mulheres representam 46%8 dos formados, tanto nos cursos de Graduação e Pós-graduação. Por isso, nos questionamos, por que as mulheres, que têm o maior nível de escolaridade e formação, não são maioria nesses níveis de ensino?
Pois bem, precisamos avançar neste debate e incidir efetivamente em defesa e apoio das políticas públicas junto a estes segmentos, pois quando problematizamos no que se refere, a feminização do magistério, e o descompasso com a vidas das mulheres, nos referimos a essas desigualdades estabelecidas no campo social, político e cultural, fato estes que afetam sobremaneira a vida das mulheres professoras, principalmente as professoras negras, que ainda vem o peso do racismo estrutural, hierarquizando e pautando as opressões e discriminações de
gênero, que vivenciam em seu dia a dia e que bem conhecemos. Neste sentido, destacaremos alguns dos fatores, responsáveis por estas desigualdades e que impulsionam esta realidade; como as desigualdades salariais, a sobrecarga do trabalho doméstico vinculado à jornada de trabalho; a falta de representatividade política nos cargos de gestão, todos estes associados às desigualdades de gênero e raça.
O Censo Escolar de 2020, publicado pelo INEP, mostra claramente as
desigualdades, salariais entre homens e mulheres na educação, o que destoa frontalmente, da realidade apresentada, quanto ao percentual feminino, maioria na Educação Básica, onde os salários são mais baixos em relação aos pagos no ensino médio e no magistério superior, onde a maioria é composta por professores homens. Sendo que na educação básica os salários são mais baixos e dependendo da região, isso pode ser bem pior, onde muitas vezes nem o Piso Salarial do Magistério hoje no valor pago é de 2.886,24. Onde muitas prefeituras não pagam o salário-mínimo devido as justificativas de “receitas”. E quem vai sair em desvantagem são as professoras que atuam neste nível de ensino.
Outro descompasso com a vida das mulheres professoras, é a sobrecarga de trabalho doméstico, onde mulheres já trabalhavam mais de 8,1 horas semanais do que os homens, conforme informe da ONU Mulheres de 2019, conciliando o trabalho remunerado, exercido fora do lar com os afazeres domésticos e os cuidados pessoais com a família e outros dependentes, a chamada “dupla/ tripla jornada”, situação esta, que nesta pandemia chegou a duplicar essas horas de trabalho, em que a jornada média das mulheres passou a ser de 24 horas semanais em relação a 12 horas em média ocupada pelos homens, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019.
A pesquisa denominada “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia realizada pela organização Gênero e Número e SOF- Sempreviva Organizaçao Feminista, publicada em 2020, destaca o quanto a vida das mulheres seguiu impactada pela crise sanitária e o isolamento social, que segundo os resultados apresentados, ressalta que “50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém nesta pandemia; 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco; 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena e que 58% das desempregadas são negras”. Estes dados revelam o quanto a vida das mulheres sofre com o peso das desigualdades, que estruturam esta realidade, contribuindo para a precarização e a informalidade das mulheres negras, sem contar que o tema do trabalho doméstico precisa ser inserido nas dinâmicas reais de políticas públicas destinadas às mulheres, em especial as mulheres negras.
Em relação ao magistério, as mulheres professoras chegaram a ser impactadas profundamente em até 82,4%, de sua jornada de trabalho, demonstrando como esta sobrecarga afetou sobremaneira o trabalho docente no ensino remoto. A Revista Mátria de 2020, publicada pela Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE), destaca no artigo denominado “A pandemia impacta a vida das professoras em todo o país”, em que a matéria relata que, “A complexidade mostrada diz respeito não apenas ao ensino remoto, mas a pontos relacionados à falta de formação adequada para o novo contexto, à sobrecarga de trabalho e ao próprio sentimento em relação ao momento vivido”. Importante ressaltar que a maioria destes profissionais da educação, são mulheres que atuam na educação básica e que notadamente, a sobrecarga de trabalho, acompanhada do aumento do trabalho doméstico, como já vimos acima, recairá sobre elas.
Entendendo que a sobrecarga de trabalho, no magistério, refere.se neste caso, segundo a reportagem, a falta de limitações para o exercício do trabalho docente que passou a não ter limitação de horários, em decorrência das demandas de atendimento dos alunos(as), durante o dia, a noite, se estendendo pelos finais de semana, conforme relatou a professora entrevistada na matéria, “Para nós, professoras mulheres, a jornada de trabalho triplicou. O cansaço físico e mental foi desgastante e sinalizou várias vezes, de forma negativa, na saúde mental e na relação com as pessoas que compartilham a vida debaixo do mesmo teto”. Esse relato exemplifica como a vida das professoras sofreram profundas mudanças nesta pandemia, que desestruturaram sua rotina e sua vida pessoal, além de evidenciar a falta de compromisso dos governos locais com esta categoria, pois não planejaram suporte algum, em apoio político, pedagógico, psicológico e financeiro, para atender as demandas provenientes desta pandemia. E muito menos conseguem compreender esta realidade, onde as mulheres são maioria no magistério e onde não são maioria deveriam ter um tratamento diferenciado devido às especificidades que vivenciam por serem mulheres.
Outro fator que destacamos como parte do descompasso neste processo e a baixa representatividade das mulheres nos cargos de gestão da educação brasileira, que ainda apresenta resultados não satisfatórios, comparados com a representação das mulheres na sociedade. Pois, representamos mais de 52% da população brasileira, 52% do eleitorado, 68,3% de docentes na educação básica, maior nível de formação superior do que os homens. Porém, no cômputo geral, em relação a ocupação dos cargos na administração pública, somos minoria, conforme aponta o documento denominado “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, publicado pelo IBGE em 2019, onde representamos, 39,1 % dos cargos ocupados contra 60,9% dos ocupados pelos homens. Na área da educação as mulheres são maioria ocupando cargos de gestão da rede municipal, como diretoras, porém no que concerne a esta representação na Rede Estadual, Educação Profissional e na Educação Superior, não chegamos a ocupar 3% nos cargos na gestão, pública, e quanto mais altos os cargos, mais reduzida fica nossa  presença neste setor.
Embora percebamos um crescimento gradativo nestes percentuais ao longo dos anos, o que se deve, às mulheres estarem mais presentes na vida pública, com maior engajamento e participação nas decisões de cunho administrativo, acadêmico e político em suas instituições. E O que louro (2018), destaca “que a escola é atravessada pelos gêneros; é impossível pensar sobre a instituição sem que se lance mão das reflexões sobre as construções sociais e culturais de masculino e feminino”, associando a estes temas o racismo, machismo e sexismo, fatores que são estruturantes nestes espaços escolares, que cuidam de invisibilizar as mulheres e limitam sua capacidade para ocupar estes espaços como deveriam.
Como podemos acompanhar durante estes apontamentos, é que o magistério na educação básica é uma profissão, ainda de predominância de mulheres, brancas e com formação superior completa como a maioria dos professores na educação brasileira, sendo que as professoras negras e indígenas, ainda são sub-representação nesta categoria, apesar de apresentarem formação superior adequada. Destacamos ainda que no magistério brasileiro, em outros níveis de ensino, como a educação superior e na educação profissional, sendo essencialmente composto em sua maioria por homens, brancos, que ocupam o topo da pirâmide na gestão pública e dos mais altos salários na profissão. Observando que o gênero e a cor/raça, são determinantes para ocupação e hierarquia nas estruturas de poder na educação brasileira.
Estas reflexões nos remetem a pensar urgentemente, em ampliar e garantir nossas vozes e mobilizações para modificar este quadro na educação. Ampliando as lutas das mulheres na sua pluralidade e diversidade, neste status social educacional na qual estamos ainda invisibilizadas, silenciadas e excluídas dos processos de poder e decisão não só na educação, mas em todos os outros espaços da vida pública. Superar as desigualdades ainda existentes entre homens e mulheres, principalmente no que se refere à cor, raça, sexualidade, classe social e etnia é um dos compromissos prioritários na construção da igualdade e equidade em nossa sociedade.

 

Obs: imagem disponível em https://www.geledes.org.br/estudo-analisa-mulheres-e-negras-na-educacao-brasileira/

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Ady Canário Colunistas Destaque

Mulheres negras nas cidades e a esperança de uma política afirmativa

Feliz por participar desse projeto da revista Matracas voltada para abordagem jornalística com foco nos direitos humanos das mulheres! Inicialmente, destacamos as mulheres negras nas cidades e os desafios de uma política para construção das ações afirmativas no contexto da violência do racismo no Brasil. O que fazer para promover a igualdade racial das mulheres negras no contexto de desigualdades estruturais?

Ressaltamos as políticas afirmativas interseccionais que são voltadas para grupos sociais vulneráveis e estão historicamente em situações desfavoráveis na sociedade por diferentes fatores, sejam históricos, culturais e econômicos. Negros, indígenas, populações ribeirinhas, de periferias, entre outras formas de existência são alvo dessa política como imperativa de justiça e equidade social. Essas ações são medidas reparatórias focais em prol de grupos discriminados vítimas de racismo e preconceito visando à valorização e reconhecimento de suas histórias no passado, no presente e construção de seu futuro.

Evidentemente, dada sua importância no combate às desigualdades sociais e raciais, as políticas de ações afirmativas, como exemplo, a política de cotas para negros (autodeclarados pretos e pardos) na universidade e concursos públicos, provocam diversas demandas no enfrentamento às problemáticas em relação às condições humanas nas dimensões de classe, raça e gênero, especialmente para as mulheres negras, feministas, com deficiências e LGBTTQIA+ numa sociedade racista e sexista, dentre outros tipos de práticas. Nesse sentido, as ações afirmativas são oportunidades de refletirmos sobre o racismo, seu fenômeno e metodologias relacionais que perpetuam nas instituições para com as mulheres negras e sua baixa representatividade.

As estruturas sociais do racismo, sexismo e outras formas de discriminações estão presentes e produzem efeitos negativos sobre a vida. Afetam sobremaneira os grupos étnico-raciais que sofrem violências por conta do preconceito racial. Produzem a baixa remuneração, os postos de trabalho de menor prestígio e a baixa autoestima das mulheres negras. Assim, indagamos: por que mulheres negras? Porque sempre estivemos nas lutas e ainda somos parte de uma comunidade negra que sofre a falta de acesso à representação em razão do racismo institucional e no cotidiano.

Nesse contexto, nós mulheres negras temos vozes e coragem nos caminhos abertos, apesar de silenciadas pelo sistema opressor, que nos desqualifica, tornando nossos conhecimentos inválidos na cultura. Temos um papel fundamental por compreendermos as nossas opressões e a de outros grupos, sem hierarquização. É nas cidades que há de se reconhecer a importância das mulheres negras como “sujeitos” de direitos humanos. São relações desiguais de classe, gênero e raça no processo legado pela escravidão, até os dias atuais, e a suposta abolição da escravatura, bem como a ausência de políticas de inclusão e emancipação social.

Contudo, mulheres negras (re)existem contra os dispositivos de exclusão e dominação. A implementação de ações afirmativas são necessárias e dizem respeito a variados temas, principalmente no acesso ao trabalho e educação, como estratégias urgentes visando à inclusão social, o combate à discriminação racial e práticas descolonizadoras da atual ordem eurocêntrica do bem viver nas cidades. É no âmbito da (re)existência que as vidas das mulheres negras importam. (Re)existiremos!

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Clarissa Paiva Colunistas Destaque

Manifesto do útero

Aqui está quem, mesmo intocado e quieto, mesmo tão forte para fazer-se e desfazer-se
mensalmente, não tem um segundo de paz social.
É um tal de “- Não precisa mais dele… só é útil para gerar filhos”; ou também: “- Ah, que saco!
Lá vem esse inchaço indesejado! QUERIA TER NASCIDO HOMEM”; ou ainda: “- Tá perdendo a
validade, hein? Quando vai resolver ter um filho? O tempo corre!!!”
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhh! Dá pra ter respeito, por favor? Paciência tem limite.
Saiba você que, além de ser uma cavidade fecunda, mantenedora da vida, eu também tenho
sentimentos. Ou melhor: recebo o impacto direto deles. Não é legal ‘ouvir’ essas coisas.
Também não é legal ser maltratado. Fossem apenas as opiniões externas… Mas não são: falta
cuidado, sobram comportamentos agressivos, medicamentos e materiais tóxicos, descaso
continuado. Se é verdade que sou frágil, então cuidem de mim!
Tô falando assim, cheio de exclamações porque estou exausto; de verdade. Se algo não está
bom, se a alimentação não foi adequada, se há um embuste escroto na área, logo tenho que
suportar carregar aquele sangue todo sem conseguir descamar. Daqui a pouco eu mesmo crio
um mioma e nem percebo! Meu papo reto é para que parem de me diminuir. Parem de querer
me programar como a um computador. Apenas parem.
Sou força viva. De pequeno viro gigante, nutro, sustento, cocrio. O chakra do ventre é vital
para manter a sua alegria e energia; sou – jovem ou velho – essencial para você.
Meu manifesto é para que cuide de mim. Para que honre meus portais de vida; para que,
cuidando de mim, você conheça (e não esqueça) o seu valor.
Meu grito é para que grite, sempre que quiser. Para que saiba-se leoa, rainha de si e do seu
poder. É para que não me maltrate, e nem se perca.
Meu canto disfarçado de texto é para que dance. E dançando renasça. E renascendo, leve a
cura para outros ventres. E diga-lhes desde cedo: Você tem valor. Sacrário vivo, microuniverso,
vida em sua forma mais pura, plante e replante amor. A começar em si.

Com amor e coragem,
Seu útero.

Para ouvir: A começar em mim – Vocal Livre

Obs: Performance “Pater, Patrimônio Abandonado” de Magui Kampf, 2019. Registro fotográfico de Melissa Braga.

 

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Colunistas Destaque Fernanda Valéria

Como criar o hábito da leitura?

Dia 29 de outubro comemora-se o Dia Nacional do Livro, este senhor que já foi até ameaçado de sumir das prateleiras com o advento da internet e a publicação dos e-books. Mas, para surpresa e alegria de muitos, inclusive, desta pessoa que vos escreve, ele renasce das cinzas como uma fênix. 
Em pesquisa recente do setor editorial brasileiro, divulgada pela Folha de São Paulo, o mercado, somente no primeiro semestre de 2021, vendeu mais de 28 milhões de exemplares, 48% a mais em comparação ao mesmo período do ano anterior. A pesquisa ainda revela um acréscimo de 40% de lucro ao setor na comparação entre os mesmos períodos. 
Mas como andam as suas leituras? Em média, o brasileiro lê até cinco livros por ano, o dado é do Retrato da Leitura no Brasil, divulgado pela Agência Brasil, em 2020. Trata-se de uma média. Sabemos que poucos leem muitos livros, enquanto outros não leem nenhum, o mais importante é não se guiar por nenhum parâmetro e se sentir confortável no hábito de leitura que cada um tem ou quer para si. (Só um aviso – quando a gente começa, não para mais).
Para quem está no início, indico a escolha de temas do seu interesse. Exclua a preocupação de estar lendo os títulos da moda, ou aqueles indicados por pessoas que já têm o hábito consolidado ou por outras com interesses diferentes. Não que você não possa seguir as indicações, o ideal é captar delas, as leituras que lhe despertam o interesse. Sempre tem alguém que ama Literatura, outros, Filosofia, Autoajuda e demais áreas. Você vai escolher o seu nicho. 
Dedique, dentro do seu tempo, um período para a leitura. Como estamos falando de hábitos, o mais indicado é praticar todos os dias um pouquinho. Nada de querer ler um livro em um único dia, dessa forma, o que deveria lhe dar prazer, pode proporcionar cansaço, e aí você desiste. 
Estabeleça metas de leituras, como ler um capítulo por dia, ler durante meia-hora ou até menos – 15 minutos. Desde que não se esqueça da frequência estabelecida. Quando estiver no ritmo, aumentá-las, vai ser fácil.
A próxima dica serve também para os leitores assíduos. Não desperdice tempo e atenção lendo o que não gosta. Passadas as 20 primeiras páginas, a leitura ainda não lhe captou o coração? Feche o livro sem culpa. Existem muitos outros esperando por você no mundo, tenha a consciência de que nunca ninguém lerá tudo, então dedique-se aos que lhe dão prazer. 
Não conseguir dar continuidade a um livro pode ter várias razões: ele pode ser ruim mesmo, mal escrito, não te agrada ou você pode não estar preparado para ele e tudo bem, acontece. Eu mesma passei por isso, levei dois anos para conseguir finalizar o Memória da Casa dos Mortos, de Dostoiévski, não estava pronta emocionalmente para tanta densidade. 
Mastigue as palavras, as frases, os períodos, os capítulos e se permita mergulhar no texto. É preferível absorver o máximo dele e poder lembrá-lo depois a devorar vários e não captar a essência do que está escrito. Francine Prose fala sobre isso no Para ler com um escritor – já é uma dica de leitura.
Apesar do mercado aquecido, os preços continuam sendo altos, se o dinheiro é pouco – de quem não é? – Procure os sebos, compre os livros em promoções, estabeleça uma frequência de compras deles, pegue emprestado com pessoas que têm o hábito da leitura e devolva, por favor!!!! Outra possibilidade é fazer uma lista de desejos e comprá-los todos de uma vez só e ganhar o frete grátis. 
Tem também os e-books. Sim, são livros, o conteúdo é o mesmo!!! Eu passei a ler mais desde quando adquiri o kindle da Amazon, embora tenha o apego incondicional e irracional pelo cheiro das páginas impressas. Trata-se de equalizar o custo-benefício e saber quando é válida a compra do livro físico ou o digital. 
Caso tenha filhos, a prática pode começar cedo, crianças podem ser incentivadas com revistinhas em quadrinhos, de vez em quando é bom levá-las à livraria e deixá-las escolher. Não deixe que leve todos os que querem, combine de comprar outro logo que a leitura for concluída, funciona, hein!! 
Boas leituras, depois me conta se algo deu certo.
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Yáscara Samara

O Tabu da gravidez da mulher com deficiência

Pode-se afirmar que falar sobre sexualidade já é um enorme tabu hoje em dia, ainda mais quando se refere as mulheres com deficiência. Quando engravidam literalmente fere aos preceitos das pessoas ditas normais, posso considerar um triplo tabu a desmistificar e o porque a sociedade sempre vê como surreal uma mulher com deficiência engravidar.

Não faz muito tempo, uns quinze anos, me descobri gravidíssima, positivo em todos os exames, dai tudo e todos acharam um absurdo total; mas por quê? Porque ninguém esta preparado para ver e falar sobre isso. A sociedade tende a infantilizar as pessoas com algum tipo de deficiência e isola de alguma forma para o convívio com tudo e todos, desmerecendo nossa capacidade de viver uma vida ativa e normal de acordo com nossas capacidades, ou seja, uma visão capacitista que somos coitadinhos, que somos apenas dignos de pena e solidariedade dos outros sempre.

Nunca tive problemas com minha sexualidade, sempre fui escancarada a falar sobre e percebi que as pessoas ficavam curiosas. Era uma enciclopédia de perguntas que nunca tive o menor problema em responder, e quando fiquei grávida também não. Apesar de ter sido uma surpresa para mim também, agi com surpresa e alegria, até porque os médicos foram muito taxativos em decretar que eu não podia engravidar, “então estou com o que Doutor? Um tumor que não é!”

Quando andava na rua, pois foi melhor época de saúde que tive, as pessoas grudavam os olhos em mim e não tiravam, além de perceber minha deficiência que, diga-se de passagem, é bem notória, devido a Artrite Reumatoide quando criança, resultando em deformações graves nos braços, mãos, pernas e dificultando minha marcha. Elas não tiravam os olhos do meu barrigão. Logo, ouvia de tudo que muitos jamais escutariam se fossem sem deficiências.

As perguntas eram de certa forma constrangedoras, mas a curiosidade e desinformação das pessoas eram maior ainda, fazendo em todos os lugares que me viam. As perguntas eram: “Oh minha filha, tadinha meu Deus quem foi que fez essa malvadeza com você?”, “você é casada?”, “seu marido é aleijado também?”, “seu filho vai nascer deficiente também né?”, “isso ai é um tumor, não é?”, “ei, já mandou prender o homem que te fez esse mau?”, “mulher, o que foi isso que fizeram com você?”. As vezes eu respondia: “eu quem quis mesmo, transei e aconteceu, normal”. Mas o normal fere, o capacitismo ainda é uma constante em nossa sociedade, ninguém sabe lidar com mulheres com deficiência e como nossas fase de vida são iguais. Gente ser diferente é normal! Temos que ser vistos em todos os lugares, se não, termos sempre voz nos meios e redes sociais. Nossa luta já quebrou muitas barreiras, mas muito ainda precisa ser feito para uma educação inclusiva de qualidade, e preparação de professores nas escolas, assim como palestras de conscientização nessas para uma inclusão verdadeira na prática, e o mais importante, sendo nós, pessoas com deficiências, como protagonistas destas capacitações, pois em muitas ocasiões apenas vejo terceiros falando sobre, sem ter ao menos sentido na pele o que é ser uma pessoa com deficiência e suas especificidades.

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Daniela Neves

VISIBILIDADE IMPORTA: algumas mulheres indígenas que têm sido essenciais para a luta dos povos originários no Brasil

Me recordo bem quando em 2017, nos trabalhos iniciais para organizar um grande evento nacional da área de Serviço Social (16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – 2019), queríamos ter na mesa de abertura representação do movimento social dos povos indígenas do Brasil. Naturalmente, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) foi nossa referência para o convite, e as lideranças do movimento indígena nacional são também grandes mulheres.

Entre as diversas lutas que são travadas pelos povos originários do nosso país, com sua grande diversidade, multiculturalidade e representantes, as mulheres indígenas expressam com riqueza e legitimidade a urgência dessa luta, a partir da força das suas comunidades e dos seus povos. Entre inúmeras mulheres com fala pública, quero indicar aqui três delas para que nós as conheçamos mais: Sônia Guajajara, Célia Xakriabá e Joênia Wapichana. Estas são lideranças indígenas com perspectivas diversas, inserções políticas distintas, mas com uma coisa em comum: a luta da mulher indígena para ser protagonista das suas próprias causas.

Como uma boa matraca, primeiro acho necessário fazer alguns alertas para a/o nossa/o leitor/a menos familiarizada/o com a realidade da população indígena no nosso país. Não é adequado chamar uma pessoa de índio. Como já nos é conhecido, esse nome foi atribuído pelos colonizadores brancos às mulheres e homens que já estavam aqui, quando eles invadiram as terras ocupadas pelos povos originários. O correto é chamar de indígena, indivíduo parte de um coletivo dos vários povos indígenas. Inúmeros indígenas já nos explicaram que eles não têm identidade com o nome índio, especialmente porque ele expressa o racismo, o preconceito e a invisibilidade que se tem sobre a vida dos povos indígenas. Um bom exemplo desse preconceito e desconhecimento foi o vídeo que viralizou na semana passada nas redes sociais, de uma professora do estado americano da Califórnia, que ridicularizou os indígenas dos EUA fazendo uma performance discriminatória e cheia de estereótipos preconceituosos.

Pois bem, feito esta indicação, posso voltar a tratar das mulheres que destaquei.

Sônia Guajajara, a que mais me identifico das três, nasceu na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, que é parte de um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil, os Guajajara. Os Guajajara habitam mais de 10 Terras Indígenas na margem oriental da Amazônia, todas situadas no Maranhão. Esse povo foi protagonista da revolta de 1901 contra os missionários capuchinhos, que teve como resposta a “última” guerra contra os indígenas nos registros oficiais da história do Brasil. Sônia Guajajara é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena feminista. Sua atuação como liderança indígena e ambiental lhe levaram a várias lutas e ações políticas, chegando a ser a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos.

Meu destaque em Sônia é a sua perspectiva feminista na luta indígena. Nos termos dela própria, em entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato, em 2020, ela afirma que:

“Ser mulher indígena no Brasil é você viver um eterno desafio, de fazer a luta, de ocupar os espaços, de protagonizar a própria história. Historicamente foi dito para nós que a gente não poderia ocupar determinados espaços. Por muito tempo as mulheres indígenas ficaram na invisibilidade, fazendo somente trabalhos nas aldeias, o que não deixa de ser importante, porque o trabalho que a gente exerce nas aldeias sempre foi esse papel orientador. Só que chega um momento que a gente acredita que pode fazer muito mais do que isso, que a gente pode também estar assumindo a linha de frente de todas as lutas. (…) Então ser mulher indígena é esse desafio permanente de reafirmar a sua cultura, a sua identidade e principalmente o seu gênero” (Sônia Guajajara, 2020).

Romper a prisão do espaço privado e assumir os espaços públicos, e especialmente a luta política para ser mulher indígena, é um traço que unifica a luta das mulheres em várias partes do mundo. E isso Sônia têm feito, e ajudada muito outras mulheres indígenas a experimentá-lo.

Célia Xakriabá também é um exemplo de protagonismo da mulher indígena que deve ser conhecido. Célia é professora militante indígena do povo Xakriabá em Minas Gerais. Foi a primeira indígena a representar seu povo trabalhando na Secretaria de Educação do estado de Minas Gerais (2015-2017) e fez parte da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2013, quando se formou em Ciências Sociais. Sua ação política tem expressiva contribuição na luta pela reestruturação dos sistemas educacionais, que prime por uma educação indígena; apoio às mulheres e à juventude indígenas para ocupar espaços de liderança na organização e representação de seus povos; e na luta pela demarcação das Terras Indígenas no Brasil.

Joênia Wapichana nasceu na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, localizada na etnoregião Murupú e na zona rural do Município de Boa Vista, Roraima. É da etnia Wapixana, um grupo étnico aruaque, que ocupa grandes regiões no norte do Brasil. Depois de concluir o ensino médio, passou a trabalhar enquanto cursava direito à noite. Formou-se em 1997 pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Como a primeira advogada indígena do Brasil, atuou na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, além de trabalhar no departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na defesa de direitos dos povos indígenas à posse de suas terras na Região Norte do Brasil. É a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, representando Roraima, durante as eleições de 2018.

Foi a partir dessas e outras mulheres indígenas que eu conheci um pouco mais a importância da luta dos povos originários no nosso país. São lutas para defender suas culturas, seus territórios, suas ancestralidades, enfim, suas existências, que precisam ser vividas sem tutela, racismo, genocídio e com preservação dos seus territórios. Mas as lutas dessas mulheres são também para a sobrevivência de todo o povo brasileiro e mundial, pois são os povos indígenas os maiores responsáveis pela preservação das nossas florestas e de vários biomas nativos que vêm sendo destruídos pelo agronegócio e pela mineração capitalista.

O lugar social e político das mulheres indígenas tem sido essencial para fortalecer as lutas dos seus povos no Brasil e em várias partes da américa latina. Vale destacar as duas marchas que elas já construíram. A última, a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas realizada em setembro desse ano em Brasília, contou com mais de 5 mil mulheres de 172 povos indígenas de todo país, e teve como tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. A violência, a violação de direitos e o genocídio que eles têm vivido nos últimos 521 anos, por essas bandas, tem que cessar. Por isso, acredito que dar visibilidade a estas histórias, além de ouvir e reverberar as falas públicas (matracas) dessas mulheres, muito importa para as lutas dos povos indígenas, mas também para construir a igualdade de gênero e fortalecer a todas nós mulheres.

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Camila Paula

Perguntas de uma trabalhadora que lê

Por que meu primo brinca de bola na rua
E eu brinco de boneca dentro de casa?
Por que as princesas são sempre mulheres brancas
Que precisam ser salvas pelos seus príncipes encantados?
Quantos nomes de mulheres construindo coisas
Aparecem nos livros oficiais das histórias?
E das escolas?

Quando os homens estavam erguendo muralhas, palácios, exércitos
Onde estavam as mulheres?

Por que as mulheres são naturalmente dóceis, sensíveis, delicadas
E tem o papel de zelar pelo equilíbrio da família e do mundo?
Será?

Por que as mulheres são cozinheiras, enfermeiras e costureiras
Enquanto os homens são chefes de cozinhas, médicos e estilistas famosos?

É feio mesmo mulher falar de SEXO
E fazer SEXO com quem quer?
Mulher tem que se dar ao respeito
E qual respeito que se dá?

Como a mulher aparece na TV, nos propagandas de cerveja, nos outdoors?
A culpa do estupro é de quem?
E o aborto, quem é contra?
Aliás, QUEM PAGA A CONTA DO ABORTO?

Desde quando existe a prostituição?
Pra quê ela serve?
Para o silêncio, a condição submissa ou menor,
Para o massacre histórico do gênero.
Responde: quem é a favor da prostituição?
A mulher da rua, o cliente ou o cafetão?

O lucro sobre o trabalho, o corpo e a vida das mulheres,
Esta é a lógica do patriarcado
Desde a primeira educação à divisão
Entre as santas e as putas.

Nós? Nós queremos ser livres sem qualquer condição.
Vos falo do embate
Entre manter ou não as coisas como estão.

O patriarcado e o mercado querem a prostituição
As mulheres não.
O machismo e o neoliberalismo querem a submissão.
As mulheres? Revolução!