Precisamos falar sobre isso!

Hoje em dia chega a ser uma piada falar de sexualidade quando a protagonista é uma mulher com deficiência. O tema até vem sendo muito discutido, porém, ainda representa um enorme tabu. Existem inúmeras questões que parecem incomodar grande parte da sociedade. O sexo, por exemplo, algo natural na vida dos seres humano, mas para muitos, ainda parece um bicho de sete cabeças. Grande parte da sociedade enxerga a combinação sexualidade e deficiência como algo inimaginável, ou seja, um tabu duplo. Algo surreal, quando na verdade poderia ser natural tanto quanto muitas outras funções fisiológicas do corpo humano. Natural como cruzar, copular, transar, foder, fazer amor, como preferir.

Tanto é místico que não vemos discussões mais aprofundadas a respeito dessa temática. E quando há um debate, são terceiros falando por nós, deixando nosso protagonismo de lado. Mas por que não nos integram nessas discussões? Também queria saber. Contudo, partindo de minhas experiências pessoais, nesse artigo revelarei alguns aspectos da sexualidade de mulheres com deficiência. A ideia é esclarecer muitos pontos e tentar fazer com que a sociedade perceba que uma mulher com deficiência, por exemplo, não a torna assexuada. Posso afirmar que temos desejos de fazer sexo como qualquer ser humano que se intitula de normal.

O preconceito tem início, na maioria dos casos, no seio familiar, onde se infantiliza a pessoa com deficiência, não permitindo falar sobre sexo como algo natural e se for mulher, aí sim, desanda. Basta voltar um pouco na história para percebermos como sempre fomos enxergados. No passado, ainda bem pior que agora, éramos escondidos da sociedade, jogados de penhascos pois era considerado maldição nascer diferente. Éramos colocados em hospícios, mortos ao nascer com deformações. Na história da humanidade corpos imperfeitos eram considerados aberrações mostradas em circos, distrações nas cortes mais afamadas da Europa, enfim, um grande “circo dos horrores”.

Horror hoje é, na verdade, não ter o mínimo respeito pelas pessoas com deficiência, sempre achando que não somos capazes, sendo capacitistas, que é a maneira de achar que somos dignos de pena, doentes, exemplos para os que não possuem nenhum “problema” seja ele físico, visual, auditivo, orgânico ou mental. Precisamos ser percebidos com dignidade. Ter uma deficiência é apenas uma característica nossa, não precisamos de compaixão; não sejam capacitistas.

Afirmo, com conhecimento de causa, que mulheres com deficiência têm sexualidade sim. De acordo com IBGE (2010) há cerca de 25 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, e mesmo assim em pleno século 21, ainda somos infantilizadas, ignoradas, discriminadas, não temos acesso à saúde sexual, não há adaptações físicas em UBS’s, em mamógrafos, não dispomos de macas adaptadas, entre outras ausências. A falta de adaptações nas unidades de saúde, por exemplo, é um fato que nos causa constrangimentos no momento que precisamos subir em um equipamento para a realização de um exame. É como diz a letra de uma música sertaneja, “é problema puxando problema…”. É assim que somos vistas pela sociedade, como um problema. Por mais que falemos, nada acontece. Somos obrigadas a nos adaptar ao meio se quisermos existir como seres humanos.

Muitas mulheres com deficiência iniciam suas vidas sexuais tardiamente devido a todos esses obstáculos impostos a elas. Muitas seque tem acesso, existe ainda o medo de se aventurar. Somente as que conseguem enfrentar todas essas barreiras e a própria família, assim como eu, conseguem ter uma vida “normal”. Antes de perceber que deficiência não é empecilho, conheci outras mulheres e homens com deficiências e abri meu leque de conhecimentos, percebi que não estava sozinha. É claro que passei por tristezas por não ter um corpo atrativo, desejado, padronizado etc; mas percebi que podia ser vaidosa, me amar e correr atrás dos meus sonhos. Sofri com alguns amores platônicos, com o preconceito dos rapazes que em muitos casos chega a ser cruel. Porém, foi só uma questão de tempo, aos 20 anos, um pouco tardio, claro, veio o primeiro beijo, um namoro arroxado. Foi quando percebi que podia viver mais que isso, compartilhava com amigas na minha condição ou não, e percebi que a troca de experiências é muito válida, principalmente quando a família não dá apoio. Na escola nunca se falava sobre sexo, tive que aprender sozinha através das experiências vividas e das revistas Carícia, Capricho, ícones nos anos 90. Descobri carícias, beijos de novelas, contato físico, prazer, orgasmo; aprendi a me masturbar. Esse conhecimento do corpo, se tocar é crucial para a mulher com deficiência. Meu objetivo é repassar essas experiências para outras mulheres na mesma condição que eu para que elas possam também se descobrir como mulheres que tem direito sim de ter uma vida sexual plena e prazerosa apesar da deficiência.

Aos que supostamente não creem que podemos casar, afirmo que esse é outro mito. Eu me casei duas vezes e se tiver oportunidade, caso de novo. Sou mãe de um filho, tive minhas realizações e fetiches sexuais satisfeitos e acredito não ter incomodado ninguém. Porém, muitas mulheres ainda tem medo de viver sua sexualidade, umas por falta de informações, outras pelos pais controlarem suas vidas, contas bancarias, ou até mesmo por falta de parceiros (as). A falta de uma assistência sexual também é uma carência muito significativa para muitas mulheres, principalmente as que tem deficiência. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar, assistência sexual é um serviço de apoio sexual que sugere tanto o sexo na prática quanto teórico para nós pessoas com deficiência que não conseguimos um parceiro. Este tipo de serviço ainda não existe no Brasil, mas pode ser facilmente encontrado na Europa. Lá o serviço é dividido em seis órgãos com especificidades variadas para assistir as pessoas com deficiências e inclui fazer o sexo propriamente dito, sair para uma conversa, passear pegado na mão ou simplesmente um beijo.

Segundo Caryna Moreno, assistente sexual que atende na Argentina e não tem deficiência, a assistência é feita mediante entrevista prévia com a pessoa com deficiência para ver o grau de mobilidade, e através desta avaliação, tornar o momento de descobertas do prazer mais valoroso. Caryna relata que essa assistência contribui para o resgate e valorização da autoestima e descoberta do corpo como fonte infinita de libido. Ela também explica que muitos não chegam aos encontros por que não conseguem controlar suas contas e por serem confrontados pelos familiares. Na verdade, muito ainda precisa ser desmitificado. É importante destacar que muitos tem uma vida sexual ativa. Felizmente a indústria de equipamentos sexuais fizeram muitas adaptações para cadeirantes transarem com mais autonomia. Exemplo: cadeirinhas deslizantes e mini-macas para a companheira ficar no nível por parceiro, faixas para fixação do tórax ,entre outras. Ainda somos um número muito pequeno que damos a cara a tapa nos expondo sobre esse assunto, mas este é um trabalho de formiguinha. Queremos ter voz, pois mulheres com deficiência NÃO são assexuadas, não devem ser infantilizadas, temos sentimentos, desejos, direitos e necessidades sexuais (e não são poucas), iguais as mulheres ditas “normais”.

O que é preciso saber sobre a sexualidade da mulher com deficiência:

– Mulheres com deficiência intelectual NÃO são hiper–sexuadas, ou seja, desejos incontroláveis, como muitos teorizam;

– Mulheres com deficiência física não possuem disfunções sexuais relacionada ao desejo, à excitação e ao orgasmo;

– Mulheres com deficiência tem o DIREITO de escolher se querem ter filhos ou adotar;

– Mulheres com deficiência tem direito a exames preventivos, consultas com toda a acessibilidade e comunicação necessária;

– Mulheres com deficiência tem todo DIREITO de realizar fantasias sexuais com pessoas sem deficiências, que possuem desejos específicos por nós deficientes, os chamados DEVOTES;

– Mulheres com deficiência NÃO podem ser criminalmente esterilizadas por autorização de terceiros;

– Mulheres com deficiência têm DIREITO a viverem plenamente em sociedade com suas identidades de gênero, LGBTQIA+, sem preconceitos ou discriminação;

– Mulher com deficiência tem o total DIREITO de viver sua sexualidade somente pelo prazer;

– Mulheres com deficiência tem DIREITO a realizar toda, e quaisquer fantasias sexuais, se masturbarem e manterem o sexo só pelo prazer, com o apoio de assistentes sexuais especializados, ou profissionais do sexo, sem que sejam julgadas ou discriminadas.

Em países como Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suíça, Áustria, Itália e Espanha, os assistentes sexuais trabalham livremente, ao contrário do Brasil onde o serviço sequer existe. Por experiência própria indico a massagem tântrica para fazer como terapia e autoconhecimento do corpo. Portanto, apresento aqui uma direção para debates, que podem ser propostos para uma visibilidade cada vez maior da temática mulher com deficiência, suas vivências em sociedade e sexualidade, para que sejam criadas instituições e políticas públicas de apoio a este público objetivando uma melhor qualidade de vida para nós mulheres com deficiência.

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