VISIBILIDADE IMPORTA: algumas mulheres indígenas que têm sido essenciais para a luta dos povos originários no Brasil

Me recordo bem quando em 2017, nos trabalhos iniciais para organizar um grande evento nacional da área de Serviço Social (16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – 2019), queríamos ter na mesa de abertura representação do movimento social dos povos indígenas do Brasil. Naturalmente, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) foi nossa referência para o convite, e as lideranças do movimento indígena nacional são também grandes mulheres.

Entre as diversas lutas que são travadas pelos povos originários do nosso país, com sua grande diversidade, multiculturalidade e representantes, as mulheres indígenas expressam com riqueza e legitimidade a urgência dessa luta, a partir da força das suas comunidades e dos seus povos. Entre inúmeras mulheres com fala pública, quero indicar aqui três delas para que nós as conheçamos mais: Sônia Guajajara, Célia Xakriabá e Joênia Wapichana. Estas são lideranças indígenas com perspectivas diversas, inserções políticas distintas, mas com uma coisa em comum: a luta da mulher indígena para ser protagonista das suas próprias causas.

Como uma boa matraca, primeiro acho necessário fazer alguns alertas para a/o nossa/o leitor/a menos familiarizada/o com a realidade da população indígena no nosso país. Não é adequado chamar uma pessoa de índio. Como já nos é conhecido, esse nome foi atribuído pelos colonizadores brancos às mulheres e homens que já estavam aqui, quando eles invadiram as terras ocupadas pelos povos originários. O correto é chamar de indígena, indivíduo parte de um coletivo dos vários povos indígenas. Inúmeros indígenas já nos explicaram que eles não têm identidade com o nome índio, especialmente porque ele expressa o racismo, o preconceito e a invisibilidade que se tem sobre a vida dos povos indígenas. Um bom exemplo desse preconceito e desconhecimento foi o vídeo que viralizou na semana passada nas redes sociais, de uma professora do estado americano da Califórnia, que ridicularizou os indígenas dos EUA fazendo uma performance discriminatória e cheia de estereótipos preconceituosos.

Pois bem, feito esta indicação, posso voltar a tratar das mulheres que destaquei.

Sônia Guajajara, a que mais me identifico das três, nasceu na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, que é parte de um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil, os Guajajara. Os Guajajara habitam mais de 10 Terras Indígenas na margem oriental da Amazônia, todas situadas no Maranhão. Esse povo foi protagonista da revolta de 1901 contra os missionários capuchinhos, que teve como resposta a “última” guerra contra os indígenas nos registros oficiais da história do Brasil. Sônia Guajajara é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena feminista. Sua atuação como liderança indígena e ambiental lhe levaram a várias lutas e ações políticas, chegando a ser a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos.

Meu destaque em Sônia é a sua perspectiva feminista na luta indígena. Nos termos dela própria, em entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato, em 2020, ela afirma que:

“Ser mulher indígena no Brasil é você viver um eterno desafio, de fazer a luta, de ocupar os espaços, de protagonizar a própria história. Historicamente foi dito para nós que a gente não poderia ocupar determinados espaços. Por muito tempo as mulheres indígenas ficaram na invisibilidade, fazendo somente trabalhos nas aldeias, o que não deixa de ser importante, porque o trabalho que a gente exerce nas aldeias sempre foi esse papel orientador. Só que chega um momento que a gente acredita que pode fazer muito mais do que isso, que a gente pode também estar assumindo a linha de frente de todas as lutas. (…) Então ser mulher indígena é esse desafio permanente de reafirmar a sua cultura, a sua identidade e principalmente o seu gênero” (Sônia Guajajara, 2020).

Romper a prisão do espaço privado e assumir os espaços públicos, e especialmente a luta política para ser mulher indígena, é um traço que unifica a luta das mulheres em várias partes do mundo. E isso Sônia têm feito, e ajudada muito outras mulheres indígenas a experimentá-lo.

Célia Xakriabá também é um exemplo de protagonismo da mulher indígena que deve ser conhecido. Célia é professora militante indígena do povo Xakriabá em Minas Gerais. Foi a primeira indígena a representar seu povo trabalhando na Secretaria de Educação do estado de Minas Gerais (2015-2017) e fez parte da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2013, quando se formou em Ciências Sociais. Sua ação política tem expressiva contribuição na luta pela reestruturação dos sistemas educacionais, que prime por uma educação indígena; apoio às mulheres e à juventude indígenas para ocupar espaços de liderança na organização e representação de seus povos; e na luta pela demarcação das Terras Indígenas no Brasil.

Joênia Wapichana nasceu na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, localizada na etnoregião Murupú e na zona rural do Município de Boa Vista, Roraima. É da etnia Wapixana, um grupo étnico aruaque, que ocupa grandes regiões no norte do Brasil. Depois de concluir o ensino médio, passou a trabalhar enquanto cursava direito à noite. Formou-se em 1997 pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Como a primeira advogada indígena do Brasil, atuou na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, além de trabalhar no departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na defesa de direitos dos povos indígenas à posse de suas terras na Região Norte do Brasil. É a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, representando Roraima, durante as eleições de 2018.

Foi a partir dessas e outras mulheres indígenas que eu conheci um pouco mais a importância da luta dos povos originários no nosso país. São lutas para defender suas culturas, seus territórios, suas ancestralidades, enfim, suas existências, que precisam ser vividas sem tutela, racismo, genocídio e com preservação dos seus territórios. Mas as lutas dessas mulheres são também para a sobrevivência de todo o povo brasileiro e mundial, pois são os povos indígenas os maiores responsáveis pela preservação das nossas florestas e de vários biomas nativos que vêm sendo destruídos pelo agronegócio e pela mineração capitalista.

O lugar social e político das mulheres indígenas tem sido essencial para fortalecer as lutas dos seus povos no Brasil e em várias partes da américa latina. Vale destacar as duas marchas que elas já construíram. A última, a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas realizada em setembro desse ano em Brasília, contou com mais de 5 mil mulheres de 172 povos indígenas de todo país, e teve como tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. A violência, a violação de direitos e o genocídio que eles têm vivido nos últimos 521 anos, por essas bandas, tem que cessar. Por isso, acredito que dar visibilidade a estas histórias, além de ouvir e reverberar as falas públicas (matracas) dessas mulheres, muito importa para as lutas dos povos indígenas, mas também para construir a igualdade de gênero e fortalecer a todas nós mulheres.

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