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Peças que vêm do barro e o talento que atravessa gerações

O artesanato em barro, trabalho que em grande parte nasce dentro dos ambientes familiares e vai passando de geração para geração, por muito tempo foi visto apenas como um trabalho para sobrevivência e não como uma arte. No entanto, essa habilidade de transformar barro em peças, sejam peças utilitárias ou peças decorativas, passa a ser vista por uma outra perspectiva, ou seja, como uma arte e, naturalmente, os artesãos uns verdadeiros artistas.

Podemos dizer que o Rio Grande do Norte é um Estado que se destaca no artesanato e, nesse segmento, destacam-se os produtos de barro como uma riqueza da nossa cultura. No Nordeste, inclusive no RN, são muitas as famílias que seguem a tradição da produção desses artigos.

Itamara Almeida, militante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), formada em Letras pela Uern, e doutoranda pela UFPB, vem de uma família que trabalha com a produção de peças de barro em Assú. Segundo ela, a atividade na família atravessa várias gerações, e nem os mais velhos conseguem dizer quando foi iniciado esse trabalho na família. Embora a atuação da família nessa arte carregue uma longa história, um tempo incontável, pode-se dizer, ela começou a produzir, de fato, em 2015, inspirada no trabalho do seu tio que morava próximo de sua casa, e que veio a falecer em 2017.

Ela conta que passou a frequentar mais a calçada do tio, espaço onde ele realizava seu trabalho, e foi se aproximando de tudo que envolvia o barro e suas obras. Passou a conhecer mais sobre todo o processo de produção, fazia os registros das peças que seu tio produzia, e procurou entender sobre o processo de feitura das peças, desde a queima do barro até o produto final.

“O meu tio faleceu em 2017 e deixou toda a argila dele para mim. Então, esse foi um momento forte da minha vida. Foi quando comecei a me apropriar mais disso, comecei a fazer um outro tipo de produção, diferente do que a minha família produzia, que era a produção de objetos mais artísticos, mais decorativos e menos utilitários. Minha família sempre produziu potes, panelas, alguidares, coisas que estão ligadas ao uso no cotidiano. Eu buscava uma produção ligada a elementos mais artísticos, que poderiam decorar ou expressar alguma coisa que eu estava sentindo”, destaca.

Itamara acrescenta que começou a fazer material com barro entre 2015 e 2016. “Apesar da minha família fazer isso há muitas gerações, a minha mãe foi parando de fazer, meus tios, as minhas tias, porque era uma lembrança penosa da vida delas e deles, da família como um todo”, frisa. Acrescentando que o sofrimento enfrentado para produção dos artigos foi um dos motivos que levou a família a deixar a produção de lado.

“O processo de pegar o barro longe, a pé, tudo isso trazia uma memória para minha mãe especial muito forte de uma condição de miséria. E minha mãe sempre dizia que não ia me ensinar a fazer porque eu tinha que estudar, então fui sendo privada dessa coisa de produzir o barro”, conta.

O foco do trabalho de Itamara começou com a produção de peças decorativas, ou que emitissem sentimentos. Na sua produção, encontrou mais um desafio. Ela percebeu que a argila utilizada pela família não passa por um tipo de melhoramento, considerando que para a produção de um pote, por exemplo, não precisa de um melhoramento como precisa para produzir escultura.

Então, a partir daí, o processo foi de buscar melhoramento dessa argila, e estudar a composição “sobre qual a melhor argila, sobre como fazer a limpeza dela, sobre todos esses processos que, de alguma forma, poderia me ajudar a ter uma qualidade, mais condições de produzir outros materiais, como as esculturas”, explica.

Mesmo que tenha direcionado seu trabalho à produção de peças diferentes do que sua família costuma produzir, Itamara deixa claro que a intimidade com a produção de peças em barro está ligada ao modo que sua família faz.

“Minha família trabalha com uma técnica totalmente manual sem a utilização de ferramentas muito elaboradas, ou materiais que são adquiridos via compra. Todo o material da produção vem do que elas mesmas fazem, são ferramentas disponibilizadas no seu próprio espaço. Elas mesmas que produzem. Não tenho dúvida que parte das minhas escolhas para o futuro tem a ver com a argila e parte dessas escolhas tem a ver com o quanto é significativo para minha família essa produção”, disse.

Retornando à produção das peças sob outra perspectiva 

Itamara afirma que sua mãe (Damiana de Souza) e sua tia (Francinete de Souza Araújo) voltaram a fazer as peças com muita vontade e muita força. “Atualmente elas estão fazendo parte da equipe que está trabalhando na repaginação do Mercado da Agricultura Familiar de Natal. Elas trabalham com a produção de potes, vasos grandes, que serão utilizados na repaginação do mercado, por meio de um projeto via governo”.

O diferencial desse trabalho atual vem de que, para a família de Itamara a produção com argila, de artigos utilitários, sempre teve o sentido de sobrevivência, ou seja, não era visto como a produção de uma arte, mas como uma forma de produzir para sobreviver. No entanto, o trabalho que sua mãe e sua tia fazem hoje para a repaginação do Mercado da Agricultura tem outro significado. “É diferente de fazer um pote para vender e comprar um almoço. E isso contribui para uma visão diferenciada, com mais positividade, de um trabalho tão bonito e tão significativo”, frisa.

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Destaque Política

Não basta votar em mulher, escolha candidatas comprometidas com as lutas sociais

As mulheres são maioria no eleitorado do país. De acordo com dados divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de eleitoras representa 53% do eleitorado, enquanto o de homens equivale a 47%. No entanto, a sub-representação no âmbito político permanece e é vista como uma realidade que não é apenas injusta, mas, principalmente, prejudicial.

A ausência das mulheres reflete negativamente no avanço em defesa das pautas femininas. Além disso, se consideramos que existe uma democracia representativa, onde a maioria da população e do eleitorado é formada por mulheres, essa sub-representação feminina é, de fato, um sintoma de desigualdade de gênero.

Nas eleições de 2018, de acordo com o TSE, apenas seis das 81 vagas do Senado Federal foram conquistadas por mulheres. Na Câmara dos Deputados, o cenário é semelhante: dos 513 eleitos, somente 77 eram do sexo feminino. Em 2018, apenas uma governadora foi eleita, que foi Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte.

São muitos os motivos pelos quais as mulheres têm receio de ocupar esses espaços. O machismo, a violência política de gênero, o racismo, falta de financiamento, misoginia entre outros. É uma realidade histórica, ao longo dos anos os espaços de decisão política têm sido majoritariamente ocupados por homens, e apesar do debate sobre a baixa representatividade das mulheres na política ter sido ampliado, a participação feminina nesses espaços continua sendo um grande desafio.

Para além de todas as discussões em torno da necessidade de mais mulheres ocupando os espaços de poder, um outro ponto é evidenciado quando se pergunta quem são as mulheres inseridas nos espaços políticos que, realmente, representam as pautas femininas? Nesse caso, é sobre a importância de levar em consideração o comprometimento com as pautas que as coloquem numa situação de igualdade entre os gêneros na sociedade. É sobre perguntar, quais mulheres defendem as causas da classe trabalhadora? Então, o que se questiona é: basta votar em mulher?

Fernanda Medeiros, do Movimento Brasil Popular, destaca que, por muito tempo o espaço político não foi visto como espaço das mulheres, no entanto, as mulheres sempre fizeram política, seja no dia a dia, seja no seu histórico de luta dentro dos espaços coletivos. “Então, é importante que nós tenhamos candidatura de mulheres para entender que esse é um espaço que deve ser ocupado por nós e que à medida que nós temos mulheres nos processos de tomada de decisão, na formulação de políticas públicas, nós podemos ter a possibilidade de transformar a vida das mulheres. Mas, para isso, é importante atentar para a eleição de candidatas que tenham compromisso com a classe trabalhadora, que tenham uma trajetória de luta com o povo, junto aos movimentos sociais, sindicatos, a coletivos organizados e que estejam, de fato, se colocando em defesa da vida das mulheres e em defesa da vida do povo”, enfatiza.

Para Telma Gurgel, militante da Coletiva Motim Feminista, a participação das mulheres na política é fundamental. “Podemos dizer que é imprescindível para a mudança da realidade das mulheres. Nós sabemos que além do processo cultural de construção do patriarcado, da expressão do machismo, da violência contra mulher, nós temos os elementos estruturais, que determinam a desigualdade entre homens e mulheres. E na política essa desigualdade é imensa”, destaca. Mesmo assim, ela acrescenta que não basta ser mulher. “Tem que ter o compromisso com as lutas das mulheres, com a luta feminista, com a luta pela igualdade da sociedade e, principalmente, com a luta de classe, pois a luta de classe perpassa todas as condições sociais, inclusive as desigualdades de gênero”, frisa.

Telma ressalta que, nem todas as mulheres que estão ocupando cargo, ou que já ocuparam cargo, representava a classe trabalhadora. Ao longo da história, tivemos mulheres, tanto no Brasil quanto em outros países, que contribuíram diretamente com o processo de empobrecimento e violação dos direitos das mulheres e da classe como um todo. “Resta lembrar as ministras que tivemos vinculadas ao governo Temer, ou ao próprio Governo Bolsonaro, o que elas fizeram de ataque aos direitos das mulheres. Damaris Alves, por exemplo, tem sido hoje a principal inimiga das mulheres no Brasil”, disse.

E dentro desse contexto ainda existe as chamadas “mulheres laranjas”. Telma lembra que, por muito tempo, e ainda hoje, os partidos não são convencidos da necessidade do protagonismo das mulheres. “Muitas vezes os partidos burlam a lei com candidaturas de mulheres laranjas. Antes era comum as mulheres se candidatarem em nome dos seus maridos e do seus pais, porque estes não podiam mais ser candidatos. E elas colocavam toda a sua política desenvolvida por esses homens. E ainda tem a laranja mais moderna, que são as falsas candidatura de mulheres para angariar recursos para o fundo partidário. Então, isso é jogatina na política brasileira que exige das mulheres cada vez mais auto-organização no interior dos partidos e o fortalecimento de uma bancada que represente, realmente o interesse das mulheres”, acrescenta.

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Destaque Violência contra mulher

Sala Lilás de Mossoró receberá o nome de Elizabeth Nasser

Mossoró contará com mais um espaço que atuará junto a rede de apoio no enfrentamento à violência contra a mulher. Estamos falando da Sala Lilás, espaço de acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, que está prevista para ser inaugurada ainda esse mês.

O nome já foi escolhido, a homenageada é Elizabeth Nasser, antropóloga, feminista ativista, que faleceu em 2020, aos 84 anos, vítima da Covid, em Natal. A escolha do nome de “Betinha”, como era conhecida, tem relação com sua trajetória de luta em defesa da mulher. Além de integrar as lutas pelos direitos das mulheres, a antropóloga deixou sua contribuição, também, na literatura feminista. Nasser é autora do livro “Viva a Diferença, Com Direitos Iguais”, lançado em 2004.

Segundo a assistente social do juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Helena Leite, a Sala Lilás, Projeto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, “é um ambiente para acolher as mulheres em situação de violência doméstica e familiar, para encaminhar, orientar e esclarecer, antes e depois das audiências. Além de reunir grupos de mulheres e fazer círculos restaurativos”, explica.

O espaço que é anexado ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar, localizado no térreo do Fórum Desembargador Silveira Martins, contará com uma equipe multidisciplinar composta por psicólogas, assistentes sociais, pedagogas e atuará junto às outras redes de proteção à mulher, incluindo a Patrulha Maria da Penha, tanto na esfera estadual quanto na municipal.

A estrutura física dispõe de recepção, sala de atendimento para a equipe técnica e uma brinquedoteca, para as crianças terem um espaço acolhedor enquanto as mães estiverem em atendimento. Ainda de acordo com Helena a mobília da sala já foi toda adquirida e parte dos móveis já chegou.

Atualmente o Poder Judiciário potiguar conta com duas Salas Lilás, uma no Anexo da Ribeira (antigo Grande Hotel) e a outra no Centro Judiciário Varella Barca, na Zona Norte de Natal.

 

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Destaque Sem categoria Violência contra mulher

Agosto Lilás e as mobilizações pelo fim da violência contra mulher

O mês de agosto será todo voltado para ações de conscientização pelo fim da violência contra mulher. Em todo o país uma série de atividades vem sendo realizadas em torno da campanha “Agosto Lilás”, que acontece exatamente neste mês por ser o mês de aniversário da Lei Maria da Penha, sancionada no dia 7 de agosto de 2006.

Os números de feminicídios estão em alta. Mulheres são mortas todos os dias e o “parem de nos matar” continua sendo um grito necessário. Estatísticas apontam o Brasil com elevadas taxas de violências cotidianas praticadas contra mulheres, situação que o coloca entre os países que mais mata mulheres. Um dado preocupante e que torna urgente a ampliação do debate e a importância de todos no enfrentamento.

Inserido nesse cenário preocupante está o Rio Grande do Norte. O Estado também conta com elevados índices de violência contra mulher. De acordo com dados plataforma Proteger – contador de medidas protetivas disponibilizado no site do Tribunal de Justiça do RN – nos últimos 12 meses, a Justiça Estadual concedeu 2.862 medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Nos meses junho e julho, incluindo esse início de agosto, já foram concedidas 573 medidas protetivas.

Voltando a atenção para Mossoró, o quadro também requer atenção. Dados do relatório da Patrulha Maria da Penha, da Guarda Civil Municipal, mostram que no período entre 07 de dezembro de 2020 a 27 de julho de 2022, foram atendidas pela Patrulha um total de 348 ocorrências registradas pela Central de Operações da Guarda Civil de Mossoró. Entre essas: ameaças, cárcere privado e tentativa de homicídio. No âmbito da violência doméstica: violência psicológica, moral, sexual doméstica e violência física, crimes tipificados pela Maria da Penha.

Ainda de acordo com relatório da Patrulha Maria da Penha, em Mossoró, no que diz respeito às visitas periódicas realizadas às mulheres com medidas protetivas de urgência e que são acompanhadas pela Patrulha, no período entre 7 de dezembro de 2020 a 27 de julho de 2022, foram realizadas um total de 447 visitas.

Segundo Jamille Silva, coordenadora da patrulha Maria da Penha, assas visitas registradas são as feitas as mulheres em situação de violência com medidas protetivas de urgência expedidas pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da comarca de Mossoró, e que são acompanhadas pela Patrulha.

Dados da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), de 2022, também alerta para o problema da violência doméstica e familiar. De janeiro a maio desse ano foram registradas 137 Medidas Protetivas e 336 Boletins de Ocorrência.

Para a campanha do Agosto Lilás, a coordenadora da Patrulha Maria da Penha afirma que algumas atividades já foram desenvolvidas, outras estão agendadas e outras ainda estão sendo programadas. “Além da participação no seminário de abertura com todos os órgãos que compõem a rede de atendimento e proteção às mulheres em situação de violência, no dia 7 haverá uma Ação Coletiva no “Viva Rio Branco” em comemoração aos 16 anos da Lei Maria da Penha. Além disso, a Patrulha também vem realizando ações educativas nas escolas da Rede Municipal de Mossoró às Sextas-feiras”, informa.

Com o objetivo de tornas as ações de enfrentamento mais efetivas, a Guarda Municipal de Mossoró reforçou os canais de denúncia pelos quais a população pode denunciar. As denúncias podem ser feitas gratuitas e 24h por meio do 153 ou através do (84) 9 8631-700. Por esses canais o denunciante pode solicitar o efetivo em serviço.

 

Programação do Agosto Lilás do NEM 

O Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir (NEM), vinculado à Faculdade de Serviço Social (FASSO) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), que atua como rede de apoio a mulher, não só no mês de agosto, mas com atividades o ano inteiro, preparou uma programação toda voltada para a campanha.

De acordo com a professora Suamy Soares, coordenadora do Núcleo, várias ações já foram realizadas e outras estão para acontecer dentro e fora da universidade, e também em conjunta com as redes de enfrentamento.

Na última quarta-feira (03/08) foi realizada na Uern, já dentro da programação do Agosto Lilás, uma mesa redonda com as professoras Fernanda Marques, Ilidiana Diniz e Fernanda Abreu, com a temática “Assédios na universidade: desafios atuais para prevenção e enfrentamento”.

“A atividade de ontem sobre assédios na universidade também marcou o lançamento da Comissão Permanente de Acompanhamento da Política de Enfrentamento a Violência Contra Mulher e Assédios na Uern, da qual o NEM faz parte”, destaca.

Programação do NEM

16/08 – Roda de conversa, às 8:30, na convivência da UERN.

“Mulher, a culpa que tu carrega não é tua”: diálogos feministas sobre relacionamentos abusivos”.

17/08 – Mesa Redonda, às14:30, no Auditório da FASSO.

“Semeando a liberdade e desconstruindo as relações de violência contra as mulheres”.

24/08 – Nem vai a comunidade, às 14h no Abolição. (Atividade com as mulheres artesãs do Abolição IV)

28/08 – Oficina no CRAS Sumaré, às 15h.

“Como identificar e enfrentar a violência contra as mulheres?” (Atividade com o grupo de mulheres do CRAS Sumaré)

 

Relação entre dependência financeira e violência contra mulher

A violência contra mulher afeta a todas as mulheres, no entanto, ela chega diferente para cada uma delas. Quando se avalia a situação a partir dos recortes de classe e raça, constata-se que a situação se agrava. Mulheres negras, mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica, são as mais afetadas.

A advogada criminalista, Suziany Araújo, em seu trabalho de conclusão do curso de Direito, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), fez uma análise jurídica e social da violência de gênero, envolvendo dados locais (Mossoró-RN) e nacionais. A pesquisa tinha como objetivo buscar elementos que avaliassem o perfil das vítimas de violência doméstica, incluindo as que foram vítimas de feminicídio.

Suziany Araújo

Em sua pesquisa, realizada em 2018, foram avaliados dados sobre a violência doméstica e familiar, e o perfil social das mulheres que foram mortas pelos seus parceiros em Mossoró.

Segundo Suziany, que também faz parte da Comissão de Direito Criminal e da Mulher Advogada (OAB Mossoró), os processos foram consultados na 1º Vara Criminal, e nos aspectos referentes a ocupação, constatou-se que a maioria das vítimas do crime de feminicídio dependiam economicamente de seus companheiros. “Os dados refletem a necessidade de políticas públicas no auxilio as mulheres vítimas de violência doméstica. As mulheres que vivem em situação de violência elas precisam ter condições financeira de sair das relações abusivas”, destaca.

 

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Destaque Gerais

Vereadora diz que bancada da situação dificulta andamento de projeto voltado para mulheres vítimas de violência

A vereadora Marleide Cunha há mais de um ano vem tentando colocar em votação um projeto de lei que busca instituir reservas de vagas para mulheres vítimas de violência doméstica e vulnerabilidade social nos processos de licitação das empresas contratadas pelo Município de Mossoró. Mas, segundo ela, os vereadores da bancada da situação vêm dificultando o andamento do projeto.

Na sessão desta terça-feira (28/06), a vereadora teve mais uma tentativa frustrada. Segundo Marleide a sessão foi esvaziada para não haver a votação no projeto. “A bancada da situação não tem interesse. Hoje conseguimos as assinaturas para o requerimento de urgência, porque precisamos de oito assinaturas. E nós temos essas oito assinaturas, juntando a bancada da oposição e independentes. Conseguimos as assinaturas e o projeto ia entrar em pauta para ser votado, mas todos os vereadores da situação que estavam no plenário, saíram para não dar quórum. Então, não entrou em votação porque a sessão foi encerrada por falta de quórum”, disse.

Nesta quarta-feira (29), Marleide vai tentar mais uma vez colocar o requerimento de urgência para ser apreciado. “Espero que amanhã ele seja aprovado. Precisamos dar condições as mulheres para que elas possam romper com o ciclo de violência. Sabemos que sem oportunidade de trabalho elas vão continuar se submetendo a situações de violência”, frisa.

O projeto foi protocolado em 1º de março de 2021. Em junho ele foi rejeitado pela Comissão de Constituição Justiça e Redação (CCJ) com o argumento de que era inconstitucional. Marleide explica que antes da votação da Comissão foi encaminhado um parecer dos advogados mostrando que o projeto não era inconstitucional, já que este não altera os critérios de licitação.

“Continuam os mesmos critérios, que é o de menor preço, melhor técnica e melhor técnica e preço. Então ele não interfere nesses critérios. O projeto apenas destina 5% das vagas para as mulheres vítimas de violência nas empresas terceirizadas do município”, explica.

Mesmo a CCJ tendo rejeitado o projeto, a vereadora não pediu arquivamento. O passo seguinte foi entrar com um substitutivo pedindo novamente avaliação do projeto.

Ainda de acordo com Marleide não há motivos para impedimento. Ela acrescenta que um projeto semelhante a esse, de um vereador da situação, foi aprovado e sancionado ainda em 2022. Foi o Projeto de Lei que trata sobre reserva de vagas de emprego destinadas aos egressos do sistema prisional e sistema socioeducativo nas empresas que tem contrato de prestação de serviço com o Município de Mossoró. Projeto que, inclusive, contou com o voto favorável da vereadora, por considerar a importância dele.

“Essa Lei já existe, é a 3947 de maio de 2022. Ela foi aprovada e sancionada esse ano. Enquanto o nosso projeto que estava desde o ano passado foi rejeitado. Se para as mulheres vítimas de violência era inconstitucional, porque que esse projeto que reserva, também, vagas de emprego para egressos do sistema prisional não foi considerado inconstitucional?”, questiona a vereadora.

Marleide disse que na sessão desta terça-feira a bancada da situação tinha a minoria em plenário, apenas seis vereadores. Essa minoria foi orientada a sair da sessão. No caso, esvaziaram o plenário Genilson Alves, Raério Araújo, Wiginis do Gás e Edson Carlos, ficando apenas os da mesa diretora.

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Mulheres formam comitês populares de luta para discutir a reconstrução do país

O ano de 2022 é, sem dúvida, de grande impotência para o futuro do Brasil. Diante de todo o retrocesso que o país vem sofrendo, dos efeitos destrutivos do atual governo, do aumento no preço dos alimentos, do índice de desemprego, de pessoas em situação de vulnerabilidade, não há outro caminho que não seja levantar uma base forte de luta. 

É apostando nas mudanças que o ano apresenta e com foco na esperança de que é possível um novo Brasil, que movimentos e organizações populares em todo o país vem se articulando através da construção de comitês populares na ideia de, junto com o povo, debater sobre soluções para os principais problemas sociais. O objetivo é criar movimentos fortes e bem articulados que possam discutir sobre a reconstrução do Brasil.

Em Mossoró, essa jornada de luta já está acontecendo. Mulheres de diversas organizações vem realizando encontros mensais, com o intuito de construir esses espaços pelos quais a militância recebe orientação sobre como mobilizar sua comunidade e trazer mais gente para a luta. A proposta é construir diálogos nos bairros, com a classe trabalhadora e a sociedade em geral, assegurando uma luta que inclua a participação de todas as classes sociais. 

Segundo Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), os comitês populares de lutas são espaços de diálogos sobre o Brasil que a gente quer. “Espaços onde a gente quer conversar com as pessoas sobre o preço do alimento, ampliação da violência, qual o projeto que elas querem para o país. Eles pretendem conversar com todo mundo, com todas as pessoas que tiverem interesse em construir um país melhor, sem fome, um país que seja, de fato, para todos e todas. O comitê popular é esse lugar de debate de que país a gente quer construir”, destaca. 

Michela acrescenta ainda que o objetivo é proporcionar um espaço para que as pessoas possam falar sobre o que estão vendo acontecer no país e como tem impactado na vida dessas pessoas o aumento do preço combustível, o aumento do preço dos alimentos, a falta de transporte público, entre outros problemas como o crescimento da violência homofóbica, que vem sendo registrada em Mossoró. 

Para Layanne Alencar, gastrônoma, mestra em ciências naturais e também militante da Coletiva Motim Feminista/AMB-RN, a formação e atuação dos comitês populares é fundamental para reconstruir um país melhor para todos, todas e todes. Ela acredita que por meio desses espaços organizativos é possível fortalecer a luta por um país mais justo. 

“Precisamos urgentemente debater pautas sociais que são chave para superarmos nossa condição atual a qual o capitalismo traz, que massacra a vida de milhares, sobretudo povos tradicionais – indígenas, quilombolas e pesqueiros -, pessoas da periferia, além de devastar desenfreadamente nossa biodiversidade em função do lucro de poucos”, ressalta. 

Mesmo tendo que dividir o tempo entre os estudos e o trabalho, Layanne tem disponibilizado espaço para luta, sendo uma das que atua na formação dos comitês. 

“Devemos agir enquanto ainda podemos reverter esses quadros e o Projeto Brasil Popular traz consigo uma perspectiva muito interessante de como podemos seguir adiante, fornecendo a base teórica e mecanismos práticos para construirmos esse sonho possível”, diz. 

As reuniões acontecem mensalmente e é um espaço aberto a todos e todas que queiram somar nessa luta de reconstruir o país. Além de tratar dos principais problemas, os comitês são espaços para pensar que as mudanças são possíveis. 

“É também um espaço para pensar esperança, pensar como mudar esse cenário. Os comitês vão estar em todos os bairros, todos os lugares, e neles é só chegar, caso tenha interesse em discutir um país melhor, uma expectativa de esperança”, Michela.

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Escritora Ana Cláudia Trigueiro fala sobre o livro “Deep Blue”

A Psicóloga e escritora potiguar, Ana Cláudia Trigueiro, conversa sobre o seu 9º livro “Deep Blue”, obra voltada para o público juvenil, porém é leitura recomendada para todas as idades pela importante reflexão abordada no título. 

Dedicada a leitura desde os seis anos de idade e apaixonada por literatura, Ana Cláudia tem sua marca registrada no universo da escrita feminina no Rio Grande do Norte, sendo hoje um dos principais nomes da literatura potiguar. Com várias publicações disponíveis, ela escreve contos, crônicas, romances históricos e, no momento, vem trabalhando a divulgação do Deep Blue, seu último trabalho que, como ela mesma afirma, é uma das suas maiores paixões enquanto escritora.  

No Deep Blue a psicóloga vai abordar, entre outras temáticas, a solidão dos adolescentes, uma história contada a partir da personagem Safira, uma das mais marcantes na escrita autora ao longo de sua jornada literária. Segundo Ana os jovens e adolescentes tem sido a principal inspiração quando a ideia enquanto escritora é contar histórias. 

O livro conta a história de Safira, uma adolescente que está vivendo um momento muito turbulento na vida dela. Focando numa abordagem que envolve a adolescência e seus problemas, na história, a menina se coloca numa situação arriscada sem perceber que está correndo riscos. A metáfora, conforme explica a autora, é que ela se torna amiga de um tubarão branco, e na narrativa o tubarão branco representa os perigos que estão se aproximando dos jovens, como a questão da dependência química, as redes sociais que nem sempre são confiáveis. 

“Safira é uma das personagens mais intensas da minha jornada como escritora. A jovem canoísta de 15 anos me fez pensar sobre o quanto a adolescência é delicada e desafiadora. Pensei em uma menina com as características iniciais de uma anti-heroína, que amadurece ao longo do tempo a partir de experiências dolorosas. Há um processo de crescimento emocional que culmina em redenção”, destaca. 

Foto cedida

Sobre a história ela adianta que “Safira mora na Praia de Ponta Negra e ama passear com seu caiaque, remando todas as tardes em direção ao paraíso que fica por trás do Morro do Careca. É lá que conhecerá a criatura gigantesca que a levará às mais divertidas e perigosas aventuras. Não vou falar mais para não tirar do leitor o gostinho da descoberta”, diz. 

Um Tubarão de estimação

“O encontro inusitado com um tubarão-branco, metáfora para os perigos à espreita nessa fase da vida, vai trazer experiências impactantes à protagonista e ela as viverá em meio à dor causada por um trauma do passado”, destaca. A ideia de colocar um tubarão em cena, segundo a escritora, vem do fascínio pelo animal marinho. “Eles são enormes, poderosos, ferozes (para vocês terem uma ideia, são os animais que mais produzem testosterona em toda a natureza), portanto, indomáveis. Aparentemente Blue será “amigo” de Safira, mas a verdade é que servirá de alegoria aos desafios envolvidos no processo de amadurecimento”, explica.

Entre as várias questões, o Deep Blue vai tratar, também, do estilo de vida que a sociedade contemporânea dissemina, da relação dos jovens com os pais. “Nossos Jovens se angustiam por não conseguirem ser e realizar aquilo que as redes sociais alardeiam como sendo necessário para sua felicidade. Enredados nessa teia de consumo e propagação de conteúdos vazios, eles podem se perder. Como leitora precoce, acredito na literatura como fonte de apoio emocional e fonte de formação cultural, intelectual e moral. Além, é claro de diversão. Mas para que o livro se torne um hábito precisa haver condições favoráveis. Assim, Deep Blue deseja formar novos leitores oferecendo literatura atrativa e inspiradora”, ressalta.

O livro foi publicado através da Lei Aldir Blanc em setembro de 2021. O lançamento foi feito por meio de uma live do Clube de Leitura do Bolo de Chocolate, com a participação de adolescentes que leram o livro. Quem ficou curioso para conhecer a história de Safira, pode adquirir o livro pelo Instagram @deepbluebook, além disso, a obra vai estar à venda na Feira do Livro de Mossoró, edição 2022, no estande da Livraria Independência, da Artbook e da CJA.

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Maternidade compulsória e a pressão psicológica sobre mulheres que não desejam ter filhos

A ideia do “instinto materno” e da plenitude da maternidade ainda estão impregnadas na nossa sociedade. Mas, nem toda mulher deseja ser mãe e “tá tudo bem”, ou pelo menos deveria estar. O problema é que ser mulher e fugir da expectativa social é ter que lidar com julgamentos, e no caso da maternidade não é diferente. 

As mulheres que não querem ter filhos e até mesmo as que querem, mas ainda não planejaram estão cansadas de ouvir o “quem vai cuidar de você na velhice?”, “a mulher só conhece o amor verdadeiro depois que é mãe”, “você só vai se realizar como mulher depois que for mãe”. Isso, além de serem referenciadas como egoístas, frias, que não gostam de criança. As cobranças em torno das mulheres para que elas tenham filhos são muitas. No entanto, sobre gerar, criar, educar e até mesmo sobre a exaustão da maternidade, muitas vezes sem uma rede de apoio, pouco se fala.      

A pedagoga Mariana Brilhante, 44 anos, não tem dúvida de que a maternidade não faz parte dos seus planos. Ela afirma não sentir o famoso “instinto materno”. Não há uma razão específica que justifique essa decisão de não ter filhos, a não ser o fato de simplesmente não sentir vontade. 

Mariana Brilhante

“Não sou contra a maternidade e nem questiono mulheres que querem ter filhos, é um direito delas essa opção. Mas acho que quem não tem esse mesmo desejo precisa e deve ser respeitada. Acredito que maternidade foi imposta por uma sociedade que propaga a ideia de que a mulher só é mais mulher quando é mãe, e quem não tem filhos tem uma vida ruim, pois acreditam que a felicidade da mulher está ligada a um filho”, diz. 

Mariana conta que as críticas e opiniões, inclusive invasivas, chegam tanto de pessoas com quem ela não tem intimidade quanto de pessoas próximas. “Eu já ouvi de alguém que eu amo muito que eu sou infeliz e seca porque não tenho filho. Isso machuca muito, e não é verdade que somos menos sensíveis só por não querermos ser mãe. Eu já ouvi muitas mulheres que são mães dizerem que se pudessem voltar atrás nunca teriam tido filhos. Mas acredito que a sociedade trata dessa questão com muita complexidade e tabu”, frisa. 

As discussões sobre essa temática geram estresse para as mulheres, que não raro são expostas a situações constrangedoras. Ainda de acordo com Mariana, um comentário comum que sempre chega é que ela vai se arrepender de não ter tido filhos quando se deparar com a solidão na velhice. “Como se filhos fossem garantia de que não seremos sozinhas na finitude da vida. Se isso fosse regra, as casas de acolhimento para idosos não estariam cheias de pais órfãos de filhos”, destaca.

Ela desconstrói a ideia de que não querer ser mãe significa não gostar de criança. “Eu gosto muito de criança, amo minhas sobrinhas, meus alunos, fico com eles algumas horas, me apego, mas não sinto desejo de ser mãe e me angustia muito a forma como as crianças de hoje vivem. Eu não gostaria de ter tido filho na situação em que vivemos nessa última década. Tenho visto muitas crianças nascendo com transtornos, pais que precisam dedicar suas vidas exclusivamente aos filhos. Me conforta saber que não fiz essa escolha e quero ser respeitada por ela”, relata.

A assistente social Irys Cardoso Dantas, 34 anos, disse que ser mãe ainda não está nos planos, embora não descarte a ideia de um dia vir a ser. Porém, as cobranças e questionamentos chegaram desde que Irys pôs os pés “na casa dos 30”.  “Já tá na idade de ter filho” é o que ela mais escuta.

Os questionamentos não chegam acompanhados de uma avaliação sobre o contexto de vida da mulher, é como se ser mãe só dependesse da idade e do desejo. Comentários semelhantes aos que são direcionados à Mariana, Irys e a tantas mulheres que tomam a mesma decisão mostram o quanto a maternidade é vista quase como uma obrigação quando se é mulher. Inclusive, uma pressão social que não atinge os homens.  

Irys Cardoso Dantas

Irys defende que ser mãe não depende só de desejar ou cumprir com uma obrigação imposta, existem inúmeros fatores pelos quais ela ainda não pensa e nem deseja ter filhos. “Me perguntam muito quem vai cuidar de mim quando eu envelhecer. Ter filho não garante que teremos quem cuide da gente. Eu vejo no meu trabalho na área da assistência social muitos casos de abandono de idosos, mesmo os que têm vários filhos”, relata. 

A assistente social acrescenta que “a maternidade é uma responsabilidade muito grande e eu não me sinto preparada para criar e educar outra pessoa. Eu falo sempre: não sei cuidar de mim, imagina de uma criança. Mas muitas falam que a agente aprende com o tempo, que é um amor incondicional. Quero sentir um dia, mas não sem ter como dar subsídios a ela. Enfim, são muitos questionamentos que se passam na minha cabeça, não quero ter filho só por ter ou porque a sociedade diz que eu tenho que ter. Quero estar preparada, me sentir preparada para que eu possa ser a melhor mãe que eu puder”, diz.

 

Pesquisadora fala sobre a pressão em torno da maternidade 

A Revista Matracas conversou com a pesquisadora Ana Luíza de Figueiredo Souza (analuiza.dfigsouza) autora do livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais”, sobre a maternidade compulsória. Ela explica de que maneira essa pressão foi estruturada na nossa sociedade e como ela atinge de uma forma ou de outra a todas as mulheres.

Ana Luiza Figueiredo Souza

Revista Matracas: O que significa maternidade compulsória? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: O mais importante é entender que a maternidade compulsória não se resume a um fator específico. Ela é um somatório de elementos (socioculturais, políticos, econômicos, médicos, religiosos, afetivos) que criam conjunturas que fazem com que a maternidade pareça — e, muitas vezes, se torne — a única opção possível para as mulheres. Essa compulsoriedade envolve desde macroestruturas (aquilo que se relaciona ao poder público, às políticas públicas, às esferas legislativa e jurídica, à maneira como nos organizamos enquanto sociedade civil, à cultura hegemônica, às representações midiáticas, ao imaginário coletivo) até microestruturas (aquilo que se relaciona à família, aos círculos sociais, aos relacionamentos afetivos, à construção subjetiva, ao planejamento de vida dos indivíduos), sendo que essas estruturas se perpassam. Por exemplo, um médico que, por crenças pessoais, se recusa a realizar a laqueadura de uma paciente ou a colocar um DIU em outra paciente. Uma família que, por estar inserida em um contexto maternalista, estimula a filha de oito anos a brincar de mamãe, desencorajando o interesse por algo além da maternidade.

 

Revista Matracas: Como ela afeta as mulheres na nossa sociedade. Não só as que não desejam ter filhos, mas também aquelas que apenas não consideram que seja o momento de ter, porém também sofrem a pressão social? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: A maternidade compulsória afeta a todas nós, de forma mais ou menos intensa. Tecnicamente, uma mulher que deseja filhos no futuro, mas acha que ainda não seja o momento para os ter, se mantém dentro da normatividade materna. Ela quer virar mãe, cumpre a expectativa normativa. Pode sentir uma cobrança mais interna, no sentido de querer algo que ainda não consegue realizar. Por sua vez, expressar a falta de desejo de se tornar mãe configura uma transgressão a essa normatividade. Apesar de a não maternidade ser mais aceita em determinados círculos sociais, não vem sem pressões ou agressões. Em geral, se entende que a falta de filhos precisa ser “compensada” de alguma maneira. Isso vale tanto para aquelas que não desejam ser mães quanto para as que ainda estão indecisas ou que esperam o melhor momento para isso. Já que elas não têm filhos, então “devem” estar disponíveis para atender às necessidades de pais/mães/responsáveis, ser maternais, saber lidar bem com crianças e adolescentes, entre outras demandas. O que não raramente se converte em fonte de novas insistências para que tenham filhos logo ou que mudem de ideia sobre permanecer sem eles.

 

Revista Matracas: Como a pressão social em torno dessa ideia de que a mulher tem que parir chega às mulheres lésbicas? 

Ana Luiza de Figueiredo Souza: Com mulheres lésbicas (e de outros grupos minoritários), se faz presente a necessidade de mostrar que podem ser mães tão valorosas quanto as mães preconizadas pelos modelos maternos hegemônicos. A imagem familiar tradicional — embora distinta do que sempre existiu ao longo da nossa história enquanto país —, consiste em um pai, uma mãe e seus filhos biológicos. Fugir disso, ainda que não seja incomum, gera preconceitos, violências, dificuldades. Percebo três tentativas vindas de mulheres que pertencem a grupos divergentes da norma, entre elas, as lésbicas. Uma é a de se aproximar, conscientemente ou não, o máximo possível daquilo que foi estabelecido como “ideal”, de comportamentos normativos. Outra é a de se distanciar desses modelos e seguir apenas aquilo que faz sentido para si mesmas (suas concepções do que seria uma mulher, uma mãe, uma família, criação dos filhos etc.), já que tais modelos não as acolhem. A terceira é a de negociar entre a normatividade materna e as preferências/possibilidades pessoais. Esta última acaba sendo a via percorrida por número expressivo de mulheres, sejam lésbicas ou não. Fato é que uma mulher lésbica pode ser mãe biológica (muitas, inclusive, investem altos valores para isso), ter os filhos por meio do parto, adotar e/ou exercer a maternidade solo. Uma experiência não impede a outra.

 

Revista Matracas: Como desconstruir essa ideia de que a maternidade é o meio de alcançar o ápice da vida das mulheres? Podemos relacionar essa cultura ao sistema patriarcal, capitalista?   

Ana Luiza de Figueiredo Souza: O capitalismo nasceu no patriarcado, mais especificamente o patriarcado branco. Portanto, é um sistema intrinsecamente misógino, racista, sexista. Além de predatório no que se refere ao impacto socioambiental que ocasiona. Verdade seja dita, o número de pessoas que se beneficiam da soma dessas mazelas é muito restrito. Se queremos combater a ideologia maternalista, a maternidade compulsória, temos que entender que esse empenho também precisa enfrentar as estruturas que as sustentam. Entre elas, a misoginia, o racismo, o sexismo e esse modelo socioeconômico que, além de utilizar e reforçar preconceitos e violências há muito enraizados, está levando o planeta ao colapso. Acredito que a luta perde muito quando a restringimos a uma só esfera de enfrentamento. Ou contra a maternidade compulsória. Ou contra a misoginia. Ou contra o racismo. Ou contra a degradação ambiental. Ou pelos direitos das pessoas com filhos ou pelos direitos das pessoas sem filhos. Não se trata de “ou”, mas de “e”. São demandas que caminham juntas. Se contempladas, construiriam uma coletividade mais justa, para todos os seres vivos. 

 

Revista Matracas: Sobre a romantização do que é ser mãe.

Ana Luiza de Figueiredo Souza: Nas nossas culturas e sociedades hegemônicas, que são patriarcais, ser mãe é colocado como aquilo que todas as mulheres deveriam ser, algo que nasceram para se tornar. Mesmo em culturas e sociedades fora desses modelos hegemônicos, a figura da mãe é valorizada, até reverenciada. A mãe é mais importante. É mais forte. É mais realizada. É digna de ser exemplo. Tem mais companhia. É mais sábia. Existe a crença generalizada de que ter filhos marca o amadurecimento da mulher, o que a transforma em uma adulta “de verdade”. Então muito da romantização do que é ser mãe vem da reprovação da vida enquanto mulher sem filhos, como se fosse menor. No entanto, essa romantização da maternidade guarda armadilhas. Em contextos patriarcais e misóginos, o valor feminino se dá na medida em que a mulher se torna útil a terceiros. Desempenha função servil. Não à toa aquelas que não viram ou não querem virar mães são o tempo inteiro interpeladas para que maternem. Então o que é valorizado é essa função servil, mais do que a mulher-mãe em si. Aí mora o perigo. Primeiro porque, mesmo sem filhos, se torna difícil escapar dessa lógica maternalista. Ela também engloba as não mães, existe a expectativa de que estejam à disposição de pais/mães e seus filhos. Segundo porque, se a maternidade é algo que todas as mulheres nasceram para desempenhar, “não precisam” de assistência do poder público nem da sociedade civil na maternagem, pois “já sabem o que fazer”. Se não sabem, “deveriam saber”, isso é um “problema só delas”. A maternidade acaba sendo tratada majoritariamente no campo individual, em vez de enquanto questão coletiva, que necessita de amparo do Estado. Também é tratada como uma espécie de bênção, pela qual as mães deveriam ser eternamente gratas, suprimindo críticas, reclamações, dores. E muito disso vem da romantização que a rodeia.

 

Sobre Ana Luiza 

Ana Luiza de Figueiredo Souza é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM UFF), sendo graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela UFRJ. Gestora de Produção de Conteúdo e Editoração do GP Tecnologias e Culturas Digitais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Coordenadora da equipe de revisão da revista Contracampo. Integrante do grupo de pesquisa MiDICom. Consultora acadêmica e literária. Autora do livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais. O livro apresenta e expande os principais resultados de sua pesquisa de mestrado, vencedora do Prêmio Compós. Seus trabalhos e reflexões podem ser acessados no site www.analuizadefigueiredosouza.com.br , bem como em suas contas nas mídias sociais.  

 

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Coordenadoria Estadual da Mulher estuda implantação de uma Sala Lilás em Mossoró

Mossoró deverá contar com mais um equipamento para atender as mulheres em situação de violência. A instalação da Sala Lilás, espaço de acolhimento a vítima de violência doméstica, já vem sendo discutida e a perspectiva é de que seja implantada em junho.  

Segundo informações do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), a coordenadora da CE-Mulher do TJRN, a juíza Fátima Soares, já esteve em Mossoró para falar sobre o assunto. O encontro aconteceu em abril com o titular do Juizado da Violência Doméstica de Mossoró, o juiz Renato Magalhães. 

Em matéria publicada no site consta que a inauguração do espaço deverá integrar a programação de celebração dos 130 Anos do TJ potiguar. “É importante que a população saiba que o nosso Tribunal está atento à questão de proporcionar um atendimento digno às vítimas da violência doméstica e familiar”, aponta a magistrada.

Na conversa com o colega magistrado, também entrou em pauta a instalação e funcionamento da nova equipe multidisciplinar da Coordenadoria da Mulher, na região Oeste do Rio Grande do Norte, cujas ações são coordenadas pelo magistrado Renato Magalhães.

Atualmente, o Poder Judiciário potiguar conta com duas Salas Lilás, uma no Anexo da Ribeira (antigo Grande Hotel) e a outra, no Centro Judiciário Varella Barca, na Zona Norte de Natal. “Estamos interiorizando nosso projeto, por isso a próxima será aberta em Mossoró”, salienta Fátima Soares. “Essa sala será um instrumento de enorme utilidade para essa parte mais sensível da população (vítimas de violência doméstica e familiar), que precisará mais do que nunca de uma recepção profissional e atenciosa”, ressalta.

As “Salas Lilás” são idealizadas para oferecer conforto e segurança as mulheres. “Trata-se de um local equipado para realização de exames periciais da equipe multidisciplinar composta por psicólogas, assistentes sociais, pedagogas e policiais femininas da Patrulha Maria da Penha”, pontua. 

As salas atuam com a parceira da Patrulha Maria da Penha, tanto na esfera estadual como na municipal.

 

Fonte (www.tjrn.jus.br)

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8 de Março: Dia de resistência e luta pela vida das mulheres

Com o mote “Pela Vida das Mulheres Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil sem Machismo, Racismo e Fome”, mulheres tomam as ruas neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.

Em Mossoró várias ações já estão acontecendo desde o início da manhã de hoje. Cada organização e movimentos feministas vem registrando sua presença na luta, com atividades em vários pontos da cidade.

No início da manhã a Coletiva Motim Feminista realizou a Alvorada Feminista, na praça da catedral. A ação contou com um abordagem de populares nas ruas, com entrevistas para o programa simbólico “Rádio TV Feminista”.

Ainda dentro da programação do 8M, a Marcha Mundial das Mulheres em Mossoró realiza uma ação política em frente ao Centro Feminista 8 de Março, desde as 8h, com feira de economia feminista e solidária, dando visibilidade ao trabalho das mulheres, baseado nos princípios da agroecologia, da economia solidária.

Além da feira, o evento contou com o debate: Feminismo popular e as lutas de 2022 com a deputada estadual Isolda Dantas; Michela Calaça do Movimento Mulheres Camponesas; Hilberlandia Fernandes da Comissão Pastoral da Terra e Rejane Medeiros do Centro Feminista 8 de Março.

A tarde acontece o ato unificado das mulheres de Mossoró que será às 16h30, na Praça do Pax. Antes de chegar a praça haverá a concentração em dois pontos específicos. São dois blocos, um sai da praça do shopping Boulevar e o outro da praça da Igreja do Perpétuo Socorro, nas proximidades do Centro Feminista 8 de Março.