O artesanato em barro, trabalho que em grande parte nasce dentro dos ambientes familiares e vai passando de geração para geração, por muito tempo foi visto apenas como um trabalho para sobrevivência e não como uma arte. No entanto, essa habilidade de transformar barro em peças, sejam peças utilitárias ou peças decorativas, passa a ser vista por uma outra perspectiva, ou seja, como uma arte e, naturalmente, os artesãos uns verdadeiros artistas.
Podemos dizer que o Rio Grande do Norte é um Estado que se destaca no artesanato e, nesse segmento, destacam-se os produtos de barro como uma riqueza da nossa cultura. No Nordeste, inclusive no RN, são muitas as famílias que seguem a tradição da produção desses artigos.
Itamara Almeida, militante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), formada em Letras pela Uern, e doutoranda pela UFPB, vem de uma família que trabalha com a produção de peças de barro em Assú. Segundo ela, a atividade na família atravessa várias gerações, e nem os mais velhos conseguem dizer quando foi iniciado esse trabalho na família. Embora a atuação da família nessa arte carregue uma longa história, um tempo incontável, pode-se dizer, ela começou a produzir, de fato, em 2015, inspirada no trabalho do seu tio que morava próximo de sua casa, e que veio a falecer em 2017.
Ela conta que passou a frequentar mais a calçada do tio, espaço onde ele realizava seu trabalho, e foi se aproximando de tudo que envolvia o barro e suas obras. Passou a conhecer mais sobre todo o processo de produção, fazia os registros das peças que seu tio produzia, e procurou entender sobre o processo de feitura das peças, desde a queima do barro até o produto final.
“O meu tio faleceu em 2017 e deixou toda a argila dele para mim. Então, esse foi um momento forte da minha vida. Foi quando comecei a me apropriar mais disso, comecei a fazer um outro tipo de produção, diferente do que a minha família produzia, que era a produção de objetos mais artísticos, mais decorativos e menos utilitários. Minha família sempre produziu potes, panelas, alguidares, coisas que estão ligadas ao uso no cotidiano. Eu buscava uma produção ligada a elementos mais artísticos, que poderiam decorar ou expressar alguma coisa que eu estava sentindo”, destaca.
Itamara acrescenta que começou a fazer material com barro entre 2015 e 2016. “Apesar da minha família fazer isso há muitas gerações, a minha mãe foi parando de fazer, meus tios, as minhas tias, porque era uma lembrança penosa da vida delas e deles, da família como um todo”, frisa. Acrescentando que o sofrimento enfrentado para produção dos artigos foi um dos motivos que levou a família a deixar a produção de lado.
“O processo de pegar o barro longe, a pé, tudo isso trazia uma memória para minha mãe especial muito forte de uma condição de miséria. E minha mãe sempre dizia que não ia me ensinar a fazer porque eu tinha que estudar, então fui sendo privada dessa coisa de produzir o barro”, conta.
O foco do trabalho de Itamara começou com a produção de peças decorativas, ou que emitissem sentimentos. Na sua produção, encontrou mais um desafio. Ela percebeu que a argila utilizada pela família não passa por um tipo de melhoramento, considerando que para a produção de um pote, por exemplo, não precisa de um melhoramento como precisa para produzir escultura.
Então, a partir daí, o processo foi de buscar melhoramento dessa argila, e estudar a composição “sobre qual a melhor argila, sobre como fazer a limpeza dela, sobre todos esses processos que, de alguma forma, poderia me ajudar a ter uma qualidade, mais condições de produzir outros materiais, como as esculturas”, explica.
Mesmo que tenha direcionado seu trabalho à produção de peças diferentes do que sua família costuma produzir, Itamara deixa claro que a intimidade com a produção de peças em barro está ligada ao modo que sua família faz.
“Minha família trabalha com uma técnica totalmente manual sem a utilização de ferramentas muito elaboradas, ou materiais que são adquiridos via compra. Todo o material da produção vem do que elas mesmas fazem, são ferramentas disponibilizadas no seu próprio espaço. Elas mesmas que produzem. Não tenho dúvida que parte das minhas escolhas para o futuro tem a ver com a argila e parte dessas escolhas tem a ver com o quanto é significativo para minha família essa produção”, disse.
Retornando à produção das peças sob outra perspectiva
Itamara afirma que sua mãe (Damiana de Souza) e sua tia (Francinete de Souza Araújo) voltaram a fazer as peças com muita vontade e muita força. “Atualmente elas estão fazendo parte da equipe que está trabalhando na repaginação do Mercado da Agricultura Familiar de Natal. Elas trabalham com a produção de potes, vasos grandes, que serão utilizados na repaginação do mercado, por meio de um projeto via governo”.
O diferencial desse trabalho atual vem de que, para a família de Itamara a produção com argila, de artigos utilitários, sempre teve o sentido de sobrevivência, ou seja, não era visto como a produção de uma arte, mas como uma forma de produzir para sobreviver. No entanto, o trabalho que sua mãe e sua tia fazem hoje para a repaginação do Mercado da Agricultura tem outro significado. “É diferente de fazer um pote para vender e comprar um almoço. E isso contribui para uma visão diferenciada, com mais positividade, de um trabalho tão bonito e tão significativo”, frisa.