Texto de Michela Calaça e Noeli Taborda, extraído brasilpopular.org
Historicamente as mulheres são responsabilizadas pelo gerenciamento da comida, na abundância, mas em especial quando ela falta. Diante dessa realidade e na atual conjuntura mundial de ampliação dos conflitos agrários e ambientais o tema da fome a partir de uma perspectiva feminista da soberania alimentar é fundamental para pensar o enfrentamento da fome e a construção de vida digna.
Nos últimos anos a jornada de luta e resistência das mulheres trabalhadoras do campo, floresta, águas e da cidade, em torno do 8 de março é marcada por ações unitárias na luta por uma vida sem violência, por políticas públicas de direitos reprodutivos, de defesa dos territórios, de saúde, pela defesa da democracia, entre outras pautas que tem se colocado como direitos em risco na vida das mulheres. Entre tantas lutas, o combate à fome com o acesso ao alimento saudável e diversificado a partir da soberania alimentar tem se colocado como ferramenta concreta de unidade entre as mulheres da classe trabalhadora.
As mulheres camponesas no mundo inteiro têm construído inúmeras experiências de produção, entre elas a recuperação, produção e melhoramento de sementes crioulas, plantas medicinais, árvores frutíferas e nativas, a criação diversificada de animais, a recuperação e preservação de nascentes de águas, o artesanato, entre outros, como forma de construção concreta a soberania alimentar em seus países. A solução da fome passa pelas mãos das mulheres e precisa ser construída com o protagonismo e o fortalecimento da sua autonomia.
No Brasil durante os anos nefastos da extrema direita no governo, as ações de solidariedade a partir da produção camponesa, a entrega de alimentos nas periferias urbanas, seja com cozinhas solidárias ou ações de entrega de cestas com alimentos e produtos de limpeza, permitiu que mulheres contribuíssem com a formulação de saídas para fome a partir de ações concretas. Assim, durante a campanha do presidente Lula as mulheres a partir da articulação no comitê nacional de Mulheres e também na proposta do campo unitário trouxeram propostas concretas de ações para construção da soberania alimentar e enfrentamento às mudanças climáticas.
Agora no governo do presidente Lula, algumas dessas propostas começam a se estruturar como políticas públicas, são quintais produtivos como ação de produção de alimentos e valorização dos saberes das mulheres. As cozinhas solidárias viraram lei dentro de uma política de abastecimento alimentar fundamentada na produção de alimentos saudáveis e na produção da diversidade que compõe a agricultura familiar camponesa no Brasil, entre outras ações que alimentam a nossa esperança de construção popular da soberania alimentar.
Outra preocupação central na vida das mulheres camponesas, mas que impactam todo o mundo são as mudanças climáticas, que ocorrem não apenas pela utilização de combustíveis fósseis, mas por toda uma estrutura de modelo de produção que, em nome do lucro, coloca em risco o planeta. As mudanças climáticas colocam em risco a produção de alimentos no mundo, a resposta para elas passa pela agroecologia, pela luta antirracista e pelo feminismo. As mulheres em luta contra a fome, lembram que são os povos do campo, floresta e água que tem soluções concretas para o enfrentamento das mudanças climáticas. Portanto, a mudança na matriz energética, as mudanças no modelo de produção agropecuária precisam ser construídas a partir do diálogo com as mulheres camponesas, suas vidas têm sido impactadas negativamente por escolhas que não as ouvem.
Os povos indígenas, quilombolas, pescadoras/res artesanais, extrativistas, os demais povos e comunidades tradicionais e a agricultura camponesa familiar agroecológica tem mostrado que é possível produzir alimentos saudáveis com respeito a natureza e as mulheres pertencentes a esses grupos têm sido protagonistas nessa construção.
A fome na cidade é mais um dos reflexos de um racismo estrutural que se manifesta majoritariamente pela falta de condições de vida mínimas ao povo das periferias. Entendemos ser fundamental que a política pública busque enfrentar o racismo estrutural fortalecendo os laços comunitários que as mulheres demonstraram no EleNão, na pandemia e nas lutas cotidianas que sabem como fazer.
Nesse 8 de março queremos dizer que o enfrentamento a fome de forma estrutural passa pelas saídas construídas pelas mulheres em sua diversidade e a participação delas nos rumos do país precisa ser construída nas ruas, na construção das políticas públicas a partir das ruas e dos espaços de diálogo social implementados pelo governo e com participação política nas eleições. Eleger mulheres de luta, que tem o fim da fome, a democracia, a soberania popular como plataforma de vida, sejam elas do campo, da floresta, das águas ou das cidades contribui para que as mulheres possam viver melhor e na medida que a vida das mulheres melhora, o mundo melhora.
No 8 de março – Dia internacional de luta das trabalhadoras é a hora de marcarmos nas ruas o projeto de país que queremos e nós mulheres temos propostas e ações concretas nesse sentido.
Michela Calaça – Direção Nacional do Movimento Brasil Popular e compõe o setor de mulheres; Militante Movimento de Mulheres Camponesas e do PT.
Noeli Taborda – Direção Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas e Coordenação Nacional do Movimento Brasil Popular, compõe o setor de Mulheres do MBP.