O número de crianças que nascem antes da 37ª semana de gestação, ou seja, prematuras, no Brasil, é alarmante. Uma realidade para a qual chama atenção a campanha Novembro Roxo, que tem 17 de novembro como o Dia Mundial da Prematuridade. A campanha desse ano trouxe como tema global “Garanta o contato pele a pele com os pais desde o momento do nascimento”, tendo em vista que esse modelo de cuidado, de contato, passando pela oferta de leite materno, fortalece o vínculo mãe e filho e ajuda na recuperação do bebê.
Dados do Hospital Maternidade Almeida Castro, fornecidos pela coordenação geral de enfermagem, mostram que Mossoró e região seguem esse alto índice de nascimentos prematuros. Entre novembro de 2021 e outubro de 2022, foram realizados 1.055 partos de bebês prematuros. A coordenadora geral de enfermagem da Almeida Castro, Patrícia de Oliveira, disse que esse número corresponde aos partos de mulheres de Mossoró e região. Ela frisa que a maternidade realiza em torno de 600 a 650 partos por mês de Mossoró, sendo que 65 municípios são atendidos pelo hospital.
A maternidade conta com 17 leitos de UTI Neonatal, 18 leitos de canguru e 15 leitos na Unidade de Cuidados Intermediários (UCIN). Normalmente estes leitos estão no limite de ocupação.
A pediatra Regina Célia Fernandes, que atende na Maternidade Almeida Castro, fala sobre os tipos de casos da prematuridade, mostra dados estatísticos e destaca os principais cuidados para evitar. É considerado um recém-nascido prematuro as crianças abaixo de 37 semanas de idade gestacional. Estima-se que no Brasil uma média de 12% (entre 10 e 15%) dos 3 milhões de nascidos vivos ocorrem antes da gestação completar 37 semanas. Isso, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Regina explica que entre as RNs prematuros existem: pré-termo tardio, entre 34 semanas e 0 dias, e 36 semanas e 6 dias; o pré termo moderado (ou moderadamente pré-termo), 32 semanas e 0 dias, e 33 semanas e 6 dias; muito pré-termo de 28 semanas e 0 dias, a 31 semanas e 6 dias; pré-termo extremo, menor que 28 semanas e 0 dias.
“As causas que levam ao trabalho de parto prematuro podem estar vinculadas a doenças obstétricas e ginecológicas. Podemos citar a doença hipertensiva na gestação, diabetes gestacional, história prévia de trabalho de parto prematuro, que aumenta quatro vezes o risco para TPP, doenças uterinas, como miomas, malformação uterina, insuficiência do colo do útero, infecções urinárias ou corrimentos na gestação, quando não tratados corretamente”, elenca. Acrescentando que, uma das principais formas evitar é realizando um pré-natal de forma adequada e rotineira.
Brasil ocupa o 10ª lugar no ranking mundial de nascimentos prematuros
De acordo com o Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, o Brasil está entre os países onde mais nascem prematuros. Um dado preocupante, pois a prematuridade é a principal causa de morte nos RNs e a principal causa de morte em crianças até os cinco anos de idade, no mundo.
“O impacto ocorre não apenas para a criança, mas também para toda família. Para criança aumenta o risco de problemas no crescimento, neurológico, respiratório, na visão, audição, atraso motor, problemas de comportamento e diminuição do aprendizado. Para a família ocorre um impacto emocional gigantesco”, destaca Regina Célia.
Para enfrentar essa realidade são muitos os desafios. Inclusive, para os hospitais maternidades. Conforme explica a pediatra, a luta começa antes mesmo do nascimento de um bebê prematuro. “Tudo começa com uma boa assistência pré-natal para todas as famílias, em especial, para as famílias carentes, que têm pouco acesso a saúde de qualidade. Em seguida, um bom modelo assistencial na maternidade, principalmente voltado para o acompanhamento do prematuro com pessoal qualificado e treinado para esses RNs e trabalho de humanização dos profissionais e equipe multiprofissional. Finalizando, o acompanhamento ambulatorial desses bebês para modificar positivamente seu prognóstico”, destacou a pediatra.
A médica fala ainda da perinatologia, conceito integrador da obstetrícia e pediatria neonatal com enfoque na abordagem dos principais problemas de saúde da mulher durante a gravidez, o parto e puerpério, e da criança, na vida fetal e neonatal, como períodos evolutivos e indissociáveis. “Sua aplicação no cenário clínico tem como principal objetivo fornecer subsídios clínicos interdisciplinares para promoção, prevenção e identificação sistemática dos problemas para tomada de decisões na assistência à saúde materno-fetal e neonatal. A redução de mortes potencialmente evitáveis e de complicações da prematuridade demanda aplicação do conhecimento cientificamente evidenciado, além da organização dos fluxos assistenciais ao longo da gestação e período neonatal”, ressalta.
Para além de todos os cuidados técnicos e humanizados, existem os avanços científicos e tecnológicos que têm possibilitado maiores taxas de sobrevida neonatal. Para Regina, ainda há muitos desafios para a assistência ao RNPT, tais como: gestação não planejada, altas taxas de cesarianas, déficit na formação de profissionais de saúde aptos a lidarem com a família durante a internação do recém-nascido na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), baixo investimento financeiro, estrutural e de recursos humanos em programas de acompanhamento ao recém-nascido prematuro após a alta, e ainda fatores socioeconômicos maternos, como é o caso do baixo índice de escolaridade materna, menor idade materna.
São muitos os riscos que um bebê prematuro enfrenta, e a idade gestacional é o que mais conta quando se fala em sobrevivência. “Quanto menor a idade gestacional maior é o risco de mortalidade. Essa porcentagem vai depender de cada serviço com grande variabilidade no Brasil.
“Prematuros de 22 semanas, pesquisas têm mostrado taxas de sobrevivência de 2% a 15%; prematuros de 23 a 25 semanas, a taxa de sobrevivência é entre 15% e 40%; 25 semanas é em torno de 55% a 70%; prematuros de 26 a 28 semanas, as taxas de sobrevivência são de 75% a 85%; prematuros de 29 a 32 semanas, a taxa de sobrevivência é entre 90% e 95%. de 33 a 36 semanas, a taxa de sobrevivência é maior do que 95%”, mostra.
Existe todo um processo de tratamento para sobrevivência do bebê. “A utilização de corticoide antenatal, incubadoras e respiradores adequados, uso de surfactante melhoraram a sobrevida dos RNs prematuros. Além disso, protocolos para o recebimento do RN prematuro, preparação de toda equipe para realizar a reanimação nos bebês, melhoraram a mortalidade nessa faixa”, frisa. Para isso, todo o trabalho que envolve a sobrevivência de um prematuro, é feito em conjunto hospital/pais. Isso contribui para um resultado mais rápido na recuperação dos bebês.
“A assistência neonatal humanizada estimula o desenvolvimento físico e emocional do bebê, reduz o estresse, a dor e o choro do recém-nascido; estabiliza o batimento cardíaco, a oxigenação e temperatura do corpo do bebê; ao ouvir o som do coração e da voz da mãe, o bebê fica mais calmo e sereno; aumenta o vínculo mãe-filho; favorece o aleitamento materno; contribui para a redução do risco de infecção hospitalar; proporciona maior confiança dos pais nos cuidados com o bebê e contribui para a otimização dos leitos de UTI. O programa é uma das medidas que complementam o cuidado integral de bebês, assim como a Rede Cegonha – estratégia que oferece atendimento humanizado à saúde das mulheres e crianças até dois anos na rede pública com acompanhamento do pré-natal, parto e puerpério”, explica.
A presença dos pais na recuperação é fundamental
No período de internamento o vínculo entre a família é fortalecido, e os bebês que são acompanhados respondem mais rapidamente aos estímulos dos pais, o que auxilia no amadurecimento e equilíbrio da vida da criança, além de acelerar sua recuperação.
Para essa ligação, a medicina conta com o método canguru, que por definição, trata-se de um modelo de assistência ao recém-nascido prematuro e sua família. O método é voltado para o cuidado humanizado que reúne estratégias de intervenção biopsicossocial. O bebê prematuro é colocado em contato pele a pele com sua mãe ou com seu pai.
São três etapas que compõe esse método. “A primeira inicia-se no pré-natal na gestação de alto risco e, após, na internação do recém-nascido prematuro na Unidade Neonatal. Os pais devem ter livre acesso à unidade, sendo que os estímulos ambientais prejudiciais da unidade neonatal, como ruídos, iluminação e odores devem ser evitados. Na segunda, o bebê permanece de maneira contínua com a mãe e a posição canguru deve ser realizada o maior tempo possível. A mãe participa ativamente dos cuidados do prematuro, e deve estar apta para colocar o bebê na posição canguru. Na terceira etapa, o bebê vai para casa, após a alta hospitalar. O bebê retorna para ser acompanhado, de 48 a 72 horas, por uma equipe de profissionais, juntamente com sua família, no ambulatório”, apresenta a pediatra.
Ser mãe de um bebê prematuro é lidar com o medo e a insegurança
Quando uma mulher engravida o que ela mais deseja é uma gravidez tranquila e que o bebê venha com saúde. Tudo isso, claro, dentro do tempo esperado de uma gestação normal, no caso numa gestação completa que varia entre 37 e 42 semanas. Ou seja, ao mesmo tempo em que a mãe conta os dias para o nascimento do filho, ela não quer que ele venha antes desse tempo. No entanto, nem sempre as coisas saem como programado, como é o caso dos “apressadinhos” que chegam antes do previsto e, nessa situação, há uma grande batalha a ser enfrentada.
Seja prematuro extremo, seja aqueles que nascem numa fase mais segura, há sempre uma angústia e medo. Sara Maria nasceu em 15 de junho de 2022, com 34 semanas e pouco mais de 2kg. Antes disso, a mãe, Gigriola Lima, já vinha de um processo de idas e vindas ao hospital devido à problemas de hipertensão gestacional. Ou seja, antes do parto, ela já convivia com o medo de ter a filha antes do tempo. Sara nasceu no dia 15 de junho e recebeu alta hospitalar no dia 25 do mesmo mês.
“Ter um filho prematuro nos coloca diante de um desafio para o qual não estamos preparados. A gente lida com o medo, a insegurança, principalmente, com o medo de haver alguma intercorrência que traga complicações para o bebê que já nasce em condições tão frágeis. A vivência no hospital, mesmo com todo o acolhimento, também não é fácil. E quando a gente presencia a situação de outras mães que as vezes é mais dramática que a nossa, a gente fica apreensiva”, disse. Gigriola afirma que foram dez dias difíceis, mas para a felicidade de toda a família correu tudo bem na recuperação de Sara.
Direitos das mães que tem bebês prematuros
A advogada Heloísa Souza, esclarece sobre os principais direitos das mães e dos bebês prematuros. Um assunto que ainda não é muito discutido, talvez pelo fato da prematuridade ainda ser um tema que não tem tanta visibilidade. São direitos que os pais e familiares precisam ter conhecimentos para que não lhes sejam negados.
Segundo Heloísa, garantir esses direitos cumpre o dispositivo 7° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual estabelece que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
Sobre os direitos das mães de bebês prematuros estão garantidos: acompanhar o bebê durante 24 horas no espaço neonatal. De acordo com a advogada, a Lei considera que nesta situação a mãe não é visita. Além disso, nos casos em que a mãe ou o pai não puderem acompanhar filho, eles podem ser substituídos por algum responsável.
“Outra garantia que precisa ser do conhecimento de mães que tem filhos prematuros é a licença maternidade, que só começa a contar da alta hospitalar da mãe e do bebê. Nos casos em que ocorrem em datas diferentes, conta-se aquele que for dado por último”, frisa.