Sala Lilás e o trabalho de acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar

Em dezembro do ano passado foi inaugurada em Mossoró a Sala Lilás, anexada ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da comarca de Mossoró, situada no Fórum Desembargador Silveira Martins. O espaço é destinado ao acolhimento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar e funciona com uma equipe multidisciplinar, composta por três assistentes sociais, três psicólogas e um pedagogo. Ainda na sua estrutura física, o espaço conta com uma sala apropriada para crianças, atendendo a necessidade de mulheres que chegam com filhos pequenos.  “A Sala Lilás é muito mais que um espaço físico, é um lugar projetado para que as mulheres possam se sentir acolhidas, seguras e a vontade para falar sobre elas conscientes de que estão protegidas, principalmente, considerando o fato de que as que aqui chegam, geralmente, se encontram em estado de insegurança e fragilidade”, disse Helena Leite, assistente social do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra Mulher.

A Sala, projeto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, representa uma conquista de grande importância para luta de combate a violência contra a mulher em Mossoró, e já tem um papel fundamental dentro do trabalho que é realizado tanto pela rede de atendimento quanto a rede de enfrentamento. Além disso, o Juizado conta com parcerias da rede de enfrentamento, como as universidades locais, públicas e privadas, que tem chegado com muitos trabalhos importantes para somar com o trabalho da justiça. Outras parcerias com entidades locais vêm sendo construídas, conforme informou Helena.

O acesso a Sala, na maioria dos casos, tem sido por mulheres que participam de audiências no Juizado. Porém, o espaço é procurado, também, por mulheres que buscam apenas informações, como por exemplo, saber se estão ou não em situação de violência, como proceder a partir das constatações. Segundo Helena, o atendimento às mulheres que têm acesso a sala acontece a partir do momento que elas chegam para participar da audiência. Ela explica que um dia antes a equipe já tem acesso aos nomes que farão parte da audiência, o que facilita o contato no dia seguinte. Quando elas chegam para audiência são recebidas pela equipe, recebem informações que, em muitos casos, não eram do conhecimento delas, por exemplo, sobre os direitos que elas têm, sobre a importância de sustentar as denúncias como forma de garantir a sua proteção, nos casos em que existe o interesse em desistir de seguir com a denúncia, e isso tem feito toda a diferença no andamento dos casos que chegam ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar. A assistente social acrescenta que é comum as mulheres retornarem para tentar retirar a denúncia, às vezes por ameaça do parceiro, outras aconselhada por um familiar, tem as que dizem estarem pensando nos filhos.

Sem informações básicas sobre seus direitos e às vezes até com informações equivocadas sobre estes, grande parte dessas mulheres chegam ao Juizado com o sentimento de insegurança e medo. “O ambiente, também, garante à mulher escolher se quer ou não aguardar a audiência no mesmo espaço que o autor da violência, o que de certa forma proporciona mais tranquilidade a elas não ter que dividir o mesmo espaço que o agressor. Inclusive, a grande maioria não quer contato e nem falar na frente deles”, Helena.

Fernanda Marques, da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Fasso/Uern), integrante do Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir, também supervisora de estágio no Juizado da Violência Doméstica e Familiar, reafirma a importância do funcionamento da Sala Lilás em Mossoró, principalmente, pelo trabalho de intervenção que é feito pela equipe especializada com as mulheres que chegam para participar das audiências. Segundo ela, durante as audiências o autor da agressão sempre chega acompanhado de um advogado, e isso é obrigatório. No caso da mulher, ela vem exclusivamente para participar da audiência e não é obrigada a ser acompanhada por um defensor jurídico. “Um atendimento especializado, com uma equipe multidisciplinar, proporciona que a mulher participe da audiência mais fortalecida e conhecendo os seus direitos”, destacou Fernanda.

Avanços da Lei Maria da Penha nesses 16 anos

A Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completou 16 anos em 2022. Ao longo desses 16 anos a Maria da Penha tem mudado a realidade das mulheres em situação de violência, inclusive é considerada um marco no combate à violência doméstica e familiar. Porém, ainda são muitos os desafios, principalmente no que diz respeito à implementação de políticas públicas para que, de fato, a lei funcione de forma efetiva num país que está entre os mais violentos para as mulheres.

Fernanda Marques e Helena Leite, que atuam no enfrentamento diariamente, consideram que apesar dos desafios, importantes alterações foram feitas nos últimos anos e que estas alterações têm impactado de forma positiva no enfrentamento da violência contra mulheres. Entre estas mudanças, elas destacam a alteração em torno da Medida Protetiva de Urgência, que autoriza delegados e policiais a determinar estas medidas em casos excepcionais. Com essa mudança, delegados e policiais podem afastar o suposto agressor do domicílio ou do lugar de convivência quando for verificado risco à vida ou à integridade da mulher, mesmo sem autorização judicial prévia. Fernanda acrescenta que, como isso ocorre em casos excepcionais, a última análise é feita pelo juiz é ele quem decide se a medida deve ser mantida.

Outra mudança significativa foram as Delegacias Virtuais. A professora Fernanda afirma que a plataforma realmente funciona e tem sido um serviço essencial. Por meio da Delegacia Virtual as vítimas de violência doméstica e familiar podem registrar situações de ameaças, lesão corporal e até descumprimento de Medida Protetiva.

Ainda na lista dos principais avanços na Lei Maria da Penha, Helena destaca a lei de Nº 14.164, de junho de 2021, que torna obrigatório a inclusão de conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica. Segundo ela, essa lei ainda precisa ser regulamentada em nível municipal, e esse assunto já vem sendo pauta de diálogo com representantes políticos.

Grupos reflexivos com autores de violência contra à mulher

O Projeto “Grupo Reflexivo de Homens” é amparado pela Lei Maria da Penha. E assim como em outras cidades que já realizam esses encontros, Mossoró também tem tido bons resultados com o projeto.

O Projeto permite a criação de espaços de educação e reabilitação para os autores de violência contra mulher. Uma ideia que tem surtido efeitos positivos. Participam dos encontros homens que respondem a processo judicial e que estão inseridos em contextos de violência contra mulher. Eles são obrigados a participar, e em caso de falta, terá que ser justificada. Helena informa que embora tenha resistência, reclamações por parte dos homens, por serem obrigados a participar, a boa notícia é que os participantes do grupo têm reincidência zero. Segundo ela, já vem sendo trabalhada a formação do próximo grupo. O processo inicial para se formar a turma é avaliar os perfis dos que vão participar, e isso já começou a ser feito pela equipe.

A professora Fernanda, que tem atuado como facilitadora nos encontros do grupo, explica que eles são convocados e não convidados. E essa garantia da obrigação é importante, tendo em vista que se fosse depender da participação espontânea certamente não conseguiria formar.

Os encontros são uma oportunidade de dialogar sobre temas que envolvem masculinidade, papéis de gênero, comportamento de dominação, e é o momento em que eles têm uma aproximação maior com a lei Maria da Penha e tudo que ela traz, principalmente sobre crimes de violência que muitas vezes eles nem sabe que são crimes, visto que grande parte só reconhece como violência a física.

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