No Brasil do século 21, as mulheres representam 52,87% do eleitorado. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), extraídos do cadastro nacional de eleitores, quase 78 milhões de brasileiras devem votar nas eleições de 2 de outubro de 2022. O direito ao voto feminino demorou a ser conquistado. Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral autorizou as mulheres brasileiras a votar. Essa conquista há exatos 90 anos, foi resultado das lutas feministas, encabeçada por um movimento que já defendia o voto feminino, há pelo menos quatro décadas antes.
Nessa época, o Rio Grande do Norte, aponta no cenário brasileiro e mundial, com dois importantes fatos históricos: o primeiro, diz respeito à Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, em que qualquer cidadão potiguar poderia votar ou ser votado, sem distinção de sexo, desde que reunisse as condições exigidas. Na ocasião, a professora Celina Guimaraes Viana, Mossoroense, solicitou o título eleitoral, passando a ser oficialmente a primeira eleitora brasileira e da América Latina, quatro anos antes do país permitir o sufrágio feminino. No mesmo ano eleitoral, em 1928, também no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano, 32 anos, além de votar, disputou e venceu as eleições municipais, na cidade de Lajes, RN, com 60% dos votos válidos, contra o então candidato Sérvulo Pires, sendo a primeira prefeita brasileira eleita.
“Mesmo se considerando a importância histórica dessas mulheres, ambas tiveram que enfrentar preconceitos e discriminações ao longo de suas trajetórias. Alzira Soriano foi bastante atacada em virtude do papel social destinado as mulheres, como esposa, mãe e dona de casa, durante a sua campanha e em seu mandato, até a sua renúncia, quando se posicionou contrária ao governo de Getúlio Vargas”, explica a professora, doutora em Sociologia e pesquisadora do Grupo de Estudos Feministas- GEF/UERN, Telma Gurgel.
Além de nomes como o de Celina Guimarães e Alzira Soriano, a professora Telma Gurgel, também relembra mulheres que contribuíram para a conquista do voto, “No RN tivemos Nízia Floresta que foi precursora no debate emancipacionista, por aqui e mesmo, não sendo contemporânea da luta sufragista, suas ideias e batalha pela educação e contra a escravidão deixaram sementes que germinaram no período seguinte. A professora Julia Barbosa também teve seu protagonismo pois foi a pessoa indicada por Juvenal Lamartine para manter contato com Bertha Lutz e Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher. Foi ela que articulou e organizou a visita de Berta ao RN em 1928”, afirma.
Mesmo sendo maioria entre os eleitores, as mulheres ainda não acompanham a tendência de crescimento em termos de representação política. Nem é preciso ir muito longe, basta olhar para as últimas eleições gerais, quando apenas a Governadora Fatima Bezerra, PT, também no Rio Grande do Norte, foi eleita governadora. Apenas em 2010, o Brasil elegeu a primeira e única, até então, mulher Presidenta, Dilma Rousseff (janeiro de 2011- 31 de agosto de 2016).
“Essa desigualdade de acesso ao poder ou a representação política é o resultado imediato da estrutura patriarcal e machista ainda presente em nossa realidade. Enquanto as mulheres permanecerem sem a garantia efetiva de seus direitos e condição de emancipação, elas estarão mais afastadas da política”, afirma. Além disso, a professora ressalta o fato de que, a política também propicia certo medo às mulheres, pela forma violenta de como vem sendo organizada, “ basta lembrar os inúmeros casos de assédios, ameaças, e a violência de gênero no interior do parlamento, com destaque ao impeachment da presidente Dilma, e ainda, o que acontece com deputadas que hoje vivem sob proteção policial porque são ameaçadas pela condição de gênero, transsexualidade, negritude ou origem. A própria vereadora Mariele, sofreu um assassinato politico, por ser mulher, negra, de esquerda e de favela”, conclui.
Diante do cenário brasileiro, do retrocesso à diversidade e democracia, o direito ao voto é apenas o primeiro passo para a inclusão de mais mulheres num espaço ainda dominado pelos homens. As mulheres são maioria, porém ainda sub representadas. Com as eleições deste ano surge a expectativa de mais representatividade e atuação das mulheres nas urnas e parlamentos.
Para Telma Gurgel, o grande desafio da política neste século é romper com a lógica dominante do mercado, sobrepondo a humanidade. Segundo ela, enquanto continuarmos fechando os olhos para a desigualdade estrutural da sociedade, não conseguiremos fazer uma nova política, “Então, a política precisa retomar a sua radicalidade e não privilegiar o pragmatismo. É preciso esquerdizar novamente, colocar na pauta que não existe uma paz mundial ou no Brasil, enquanto permanecer a desigualdade”, enfatiza.
Votar e ser votada garante as mulheres representatividade, investimentos em políticas públicas voltadas para suas demandas, garante um espaço de voz num sistema que silencia mulheres e que a violência política de gênero é realidade na vida das que ousam ocupar os espaços de poder.
Linha do Tempo dos 90 anos do voto feminino no Brasil
Para celebrar os 90 anos de conquista do voto feminino a Rede de Desenvolvimento Humano (REDH), em parceria com o Laboratório de Direitos Humanos (LADIH) da UFRJ e apoio da Laudes Foundation, lançou nesta quinta-feira (24), a Linha do Tempo que remonta a luta das feministas para a conquista desse direito e os principais fatos em torno da luta por igualdade de gênero e raça nas 09 (nove) décadas seguintes. Conforme consta no site “as décadas estão divididas em três momentos do processo histórico de conquista do voto e da democracia neste país: de 1824 à 1932; 1932 à 1982, com o início do processo de democratização; e 1982 até hoje”.
Para conhecer a história e as mulheres que ecoaram suas vozes antes de nós é só acessar o www.votofemininonobras.com. Um trabalho que nos permite celebrar e conhecer o percurso da luta, trazendo nomes das mulheres, movimentos e fatos invisibilizados pela história.