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O vírus do genocídio racista não cessa

O Estado brasileiro, mais uma vez, reafirma seu projeto genocida contra a população negra, tendo matado Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba-Sergipe, após ser colocado no camburão de uma viatura policial, em 25/05, mesma data em que assistimos, há dois anos, o caso George Floyd nos Estados Unidos.

Ambos, Genivaldo e George, morreram asfixiados pelo forte vírus da violência racista estrutural em ações policiais.

Genivaldo deixa Maria Fabiana e seu filho, um menino de sete anos, que, com certeza, terá muita dificuldade de compreender o por quê do seu pai ter sido assassinado dessa forma, sem contar como fica a situação de existência, pois era Santos que sustentava a família.

Ele foi vítima de uma atrocidade, asfixiado até a morte pela polícia. São corpos negros como o dele que são alvo da política  genocida nesse país.

O genocídio racista fundamenta-se na racialidade e na discriminação injustificável que mata, direta e indiretamente, tendo como alvo principal: homens negros, mulheres negras (trans e cis), jovens negros e pessoas LGBT, sob o falso mito de que vivemos uma democracia racial.

O governo genocida racista,  com suas mãos  contra o povo negro, atua nas comunidades como agente naturalizador da morte contra o povo preto. Tudo movido pelo ódio e necropolítica.

São os negros tidos como suspeitos, bandidos e marginais por conta da condição de classe e raça. É esse tratamento dado pelo governo genocida às populações periféricas que resulta na invisibilidade, exclusão e morte.

Estamos de luto, que vira protesto, hoje e sempre. E enquanto o vírus do genocídio racista não cessa, não cessaremos. Vidas Negras importam, justiça por Genivaldo!

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13 de maio nos discursos e resistências

Quais os discursos referentes ao marco histórico de 13 de maio? O que representam, especialmente para a educação? Desde meados dos anos 1970, o Movimento Negro e as entidades da sociedade denunciam a forma como o 13 de maio é rememorado no Brasil. O fato da assinatura da Lei Áurea, em 1888, ser comemorada, sobretudo nas escolas, como ato benevolente do poder colonial, num modo estereotipado e de como tudo isso se constrói em relação aos africanos escravizados. Um verdadeiro silenciamento acerca da luta e resistência negra.

Assim, partindo da realidade de que, passados 134 anos da Abolição da Escravatura, em nossos dias, ainda necessitamos de políticas públicas para educação, saúde, trabalho, mídia, segurança, mulheres negras, juventudes, entre outras temáticas, bem como de ações afirmativas de inclusão e justiça social para a população negra. Isso se justifica por conta da ideologia da democracia racial e que nos faz questionar criticamente, que abolição foi essa?

Outra questão, ontem e hoje, o intenso debate da universalidade no tratamento pedagógico desse fato, visto que não dá conta das especificidades dos negros e negras como sujeitos de direitos. O dia de 13 de maio significa um dia político de denúncia contra o racismo em ressiginificação à luta e resistência do povo negro em mais de 300 anos de escravidão que interromperam nossa história. O momento remete ao enfrentamento ao racismo e a efetiva promoção da igualdade racial, obviamente, não restrito às datas comemorativas.

Destacamos a luta das mulheres negras que permanecem ainda sub representadas em espaços de poder nas cidades, Estados e regiões. Inclusive, em plena contemporaneidade, sendo resgatadas de trabalhos análogos à escravidão. Ainda, exemplificamos as comunidades quilombolas e o processo de liberdade e luta pelos territórios como direitos cujos embates se dão no cenário educacional.

Somente, recentemente, temos uma estrutura se transformando por conta de programas e projetos tendo a racialidade, raça e cor presentes. As pesquisas, estudos e mobilizações de entidades, intelectuais negros nas universidades e comunidades, desde o olhar antropológico, linguístico ao jurídico e político, constituindo novos modos de subjetivação, em efeitos de se contrapor ao discurso colonizador sobre essa data.

A esse respeito, das conquistas, acreditamos no debate que tem avançado desde 2003, com a alteração da Lei nacional da educação, colocando o estudo da temática africana e indígena nos currículos, como uma das conquistas na reeducação das relações entre negros e brancos.

Em se tratando de repensar a data, é necessário, sim. Num país de maioria negra, mas que a representação social ainda é um sonho fortemente colocado por muitos ativistas. Por isso, é fundamental refletir o momento para a implementação das medidas necessárias de inclusão e enegrecimento dos espaços sociais, acima de tudo, a afirmação da identidade negra. Certamente, é por isso que lutamos.

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Racismo institucional: linguagem de negação ou superação?

No Brasil, a população negra soma mais de 56% da população, segundo IBGE, mesmo assim, ainda são recorrentes as histórias e práticas racistas, em empresas, universidades, órgãos governamentais e não governamentais, nas quais a raça é definidora dos processos de tratamento desigual de grupos subordinados racialmente, desde o período colonial escravocrata.

Lamentavelmente, e em geral, as mulheres negras são tratadas como problema e excluídas no exercício de seus direitos aos bens e servidos pelo poder do Estado, seus entes e ações. Como aponta a declaração da III Conferência Mundial contra o racismo, xenofobia e intolerâncias correlatas: “Estamos convencidos de que racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata revelam-se de maneira diferenciada para mulheres e meninas, e podem estar entre os fatores que levam a uma deterioração de sua condição de vida, à pobreza, à violência, às múltiplas formas de discriminação e à limitação ou negação de seus direitos humanos”.

A partir da dimensão do racismo como um sistema estruturante, patriarcal e heteronormativo, quais são os sentidos do racismo institucional? Ele está presente na cultura organizacional, seja empresa, grupo, associações ou instituições que não providenciam serviços para determinadas pessoas por conta da sua origem, cultura e cor. Infelizmente, existe e precisa ser combatido, pois opera de modo extremamente excludente ao colocar os brancos em vantagens em relação aos demais grupos étnico-raciais. Como isso funciona numa sociedade desigual?

A professora e mestra em sociologia, Gevanilda Santos, fala em seu texto “A cultura política da negação do racismo institucional”, que se trata do: “[…] fracasso coletivo de uma organização para promover um serviço apropriado e profissional para as pessoas por causa da sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos que totalizam em discriminação por preconceito involuntário, ignorância, negligência e estereotipação racista, que causa desvantagem à pessoa” (2005, p. 50).

Nesse sentido, é possível verificar esse conceito em toda complexidade por conta das desigualdades advindas das práticas racistas. Isso ainda ocorre em razão do preconceito e da discriminação, seja de modo velado, sutil, silencioso ou não. Quando pessoas brancas são favorecidas em detrimento da exclusão ou isolamento de pessoas negras.

É igualmente importante para a sociedade entender os mecanismos de tratamento desigual em diversas esferas sociais e os privilégios de uns em relação a outros. Quem se beneficia e legitima essas questões? Como possibilidades de eliminação da discriminação racial institucional, temos o papel da Lei 10.639/2003 e da Lei de Cotas, que trata de incluir negros/as em espaços sociais de classes. No que se refere à cultura imposta aos subalternizados, os efeitos do racismo ainda são negados. No entanto, para o combate, é necessário reconhecer que ele existe no cotidiano institucional e buscar políticas para a superação, seja no trabalho, segurança pública, na educação, no lazer e saúde, entre outros temas.

O movimento negro brasileiro vem intervindo em estratégias de interação com espaços acadêmicos, comunidades, instâncias legislativas, executivas e judiciárias,  no propósito de denunciar as opressões. É responsabilidade de toda a sociedade, cabendo aos poderes públicos constituídos a adoção de medidas para prevenção da violência racista. Portanto, reiteramos que, o enfrentamento a esse sistema deve fazer parte da agenda educativa e do diálogo com a sociedade civil, grupos, núcleos, organizações, mulheres, mulheres negras e juventude negra em todas as suas diversidades, visando à implementação de medidas e mudanças significativas na vida dos segmentos que mais precisam.

Racismo institucional, é preciso superar!

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“Nada sobre nós sem nós” e a discriminação

Em 21 de março de 1960, na África do Sul, mais de vinte mil sul africanos lutavam pacificamente contra a Lei de Passe imposta pelo Apartheid e foram atacados por tropas do exército. Essa lei exigia à população negra usar uma caderneta com a escrita onde poderiam ir, a cor, a etnia e a profissão, sendo obrigatória a apresentação deste registro quando solicitado pelos policiais, caso contrário seriam detidos. O acontecimento foi registrado como o Massacre de Sharpeville, deixando 69 mortos e 186 feridos.

Esse fato gerou o “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial” proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) visando rememorar as vítimas e o combate ao racismo.

No Brasil, uma série de atividades marcam esse dia. Essa luta continua nos dias atuais por ativistas e movimentos sociais, devendo ser uma luta de toda a sociedade e todo dia. Especialmente, num país em que acontecem episódios da violência do racismo e de variadas formas de preconceito e discriminação.

Isso mostra, cotidianamente, a relação entre classe, gênero e raça enquanto dispositivos basilares de assimetrias sociais que acentuam o distanciamento entre determinados grupos.

Rememorar esse dia 21 nos faz lembrar o lema da inclusão social “Nada sobre nós sem nós”, interseccionando a luta antirracista e anticapacitista por direitos fundamentais. Historicamente, esse debate aproxima a questão da negritude e das pessoas com deficiência numa longa caminhada pela superação do preconceito e da exclusão.

Remete-nos à Lei Brasileira de Inclusão (LBI) em relação às pessoas com deficiência nesse país, uma vez que a data também foi proposta como o “Dia Internacional da Síndrome de Down” em alusão à trissomia do 21. Com referência às pessoas com deficiência e mulheres negras, raramente vemos esse público nas representações sociais, e, consequentemente, ainda é alvo de preconceito e discriminação pela falta de acessibilidade.

O Estatuto da Igualdade Racial pela Lei 12.288/2010 pontua como dever do Estado o combate à discriminação racial de que sofrem as mulheres negras por falta do acesso às políticas de ações afirmativas na cidade e no campo. A muito a lutar em diversos temas, especialmente na educação para a diversidade e inserção no mercado de trabalho, entre outros.

Sigamos na resistência em nossas frentes de lutas para que sejamos reconhecidas em nossas especificidades como tantos outros/as que vieram antes de nós e deixaram seu legado, como Abdias, Carolina e Marielle cujas vidas são rememoradas neste março pelo tanto que lutaram em prol dos direitos humanos. Sejamos parte desse processo inclusivo.

Digamos não ao preconceito e às múltiplas formas de discriminação em todas as suas variadas expressões. Por mais medidas de ações afirmativas como dever do Estado para reparação social e promoção de iguais oportunidades. “Nada sobre nós sem nós”, que nada seja feito sem a plena participação das próprias pessoas no exercício da cidadania. Igualdade já. Discriminação, não!

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“Como ela conseguiu passar no doutorado?”: Racismo genderizado e as (in)visibilidades históricas das mulheres

Em 8 de março é comemorado o Dia Internacional das Mulheres, data instituída a partir das Organizações Internacionais. Ao longo desse processo, são muitos os desafios e conquistas na luta do movimento de mulheres. Assim, aproveitamos para trazer as “Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano” (2019), da escritora Grada Kilomba. Uma importante obra para refletirmos individual e coletivamente as variadas questões que ainda nos inquietam, ontem e hoje. Com escrita reveladora, trata-se de uma abordagem interdisciplinar na perspectiva de novos conhecimentos, reunindo relatos reais de racismo por meio de narrativas contundentes. Uma excelente leitura, a quem se interessar pelo tema. São muitos ensinamentos e novos conhecimentos.

     Destacamos alguns pontos e trechos extraídos do capítulo 4. Nos chamou a atenção a discussão acerca do conceito de racismo genderizado. Lemos atentamente a narrativa de um acontecimento quando ela tinha entre 12 e 13 anos. Durante uma consulta foi interpelada por um médico, homem branco em Portugal: “Você gostaria de limpar nossa casa?”. A filósofa indaga se ela fosse uma paciente branca ele teria perguntado? Diante disso, conta que: “O homem transformou nossa relação médico/paciente em uma relação senhor/servente: de paciente me tornei a servente negra, assim como ele passou de médico a um senhor branco simbólico, […]”, descreve Kilomba (p. 93). Sem sombra de dúvida, são episódios que nos marcam.

           Tal episódio, dentre outros contados no livro são  recorrentes na realidade das mulheres negras. Nesse contexto, partilhamos semelhantes histórias em nosso percurso. Quando assumimos um cargo institucional, um homem entrou na nossa sala e falou: – “Já está aí?”. Essa foi a “saudação de boas vindas”. Outra ocorrência, fui a um espaço para entregar o meu  currículo e os comprovantes. Uma melhor perguntou: “Esse  currículo é dessa daí”? Será se eu fosse uma mulher branca, teriam pronunciado tais enunciados? Por que essas falas e não outras em seu lugar? São as formas do racismo genderizado nos espaços de poder?  Outro ocorrido, quando fomos aprovada no curso de doutorado,  uma mulher perguntou a minha mãe,  “como ela conseguiu passar?”

     Dessa forma, o racismo genderizado pontua as relações entre raça, gênero e racismo no cenário da violência às mulheres negras. A filósofa aborda que: “Mulheres negras têm sido, portanto, incluídas em diversos discursos que mal interpretam nossa própria realidade: um debate sobre racismo no qual o sujeito é o homem negro; um discurso genderizado no qual o sujeito é a mulher branca; e um discurso de classe no qual “raça” não tem nem lugar. Nós ocupamos um lugar muito crítico dentro da teoria”, destaca (p. 97).

        Isso revela  […] “um sério dilema teórico, em que os conceitos de raça e gênero se fundem estreitamente em um só. Tais narrativas separadas mantém a invisibilidade das mulheres negras nos debates acadêmicos e políticos” (p. 98), argumenta. Realmente, ainda há muito a estudar e discutir acerca das relações raciais como parte da nossa tarefa cotidiana. Para a escritora: “Um fenômeno que atravessa várias concepções de “raça” e de gênero, nossa realidade só pode ser abordada de forma adequada quando esses conceitos são levados em conta” (p. 98).

     Nesse sentido, afirma as intersecções como não singulares, pois se entrecruzam na constituição da subjetividade e experiências das mulheres negras. Isso em razão do racismo que estrutura visões racistas de gênero nos espaços e debates. Há lugar para raça? A autora afirma que mulheres negras também são genderizadas, isto é, tornadas invisíveis e ignoradas, contudo não podem ser invisibilizadas na hierarquia de poder.

      Portanto, o conceito de racismo genderizado, em estudo, se reveste de suma importância na produção de novos modos de subjetividade à luz de feministas negras, bem como no enfrentamento às invisibilidades históricas das mulheres negras e demais grupos étnico-raciais. Devemos considerar, conforme Grada: “O movimento e a teoria de mulheres negras têm tido, nesse sentido, um papel central no desenvolvimento de uma crítica pós-moderna, oferecendo uma nova perspectiva a debates contemporâneos sobre gênero e pós-colonialismo” (p. 108). Continuamos empreendendo.

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Ady Canário Colunistas Destaque

Enegrecer a leitura antirracista à luz de Sueli Carneiro

Filósofa, Doutora em Educação, fundadora da Organização Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro é uma das nossas principais  referências na luta e nos estudos das humanidades. É uma escritora e intelectual negra extremamente comprometida com a transformação social. Possui uma marcante história de militância e organização das mulheres negras, especialmente no combate à violência racista. Sendo um dos maiores nomes do movimento negro do Brasil.
Ao lermos diversos de seus textos sobre trajetória e militância, conhecemos essa importante pensadora no nosso tempo, sobretudo no que diz respeito à questão de enegrecer o feminismo cuja centralidade do debate coloca as especificidades das mulheres negras brasileiras e a construção de políticas públicas visando a superação das desigualdades.
Foi na leitura de seus escritos que conhecemos uma imensa  e importante produção com olhar para a valorização e o potencial do  lugar das mulheres negras, especialmente acerca de enegrecer o feminismo, texto no qual apresenta forte debate “Enegrecendo o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”, a fim de romper o privilégio da branquitude que ainda se perpetua no ser mulher na sociedade.
Parafraseando Carneiro, qual o sentido dessa luta? É alcançarmos a igualdade de direitos de sermos mulheres sem sermos somente isso. De sermos mulheres negras sem sermos somente mulheres negras. É termos oportunidades e possibilidades  para além de gênero e raça. É sermos humanos em nossa plenitude.
Nesse contexto,  é impossível falar em leitura feminista e antirracista sem nos inspirarmos em Sueli Carneiro, no entendimento do contexto histórico, discursivo e social que nos atravessa enquanto mulheres negras numa sociedade machista, racista e homofóbica. Assim, diante de muitas inquietações, lermos Sueli, como uma filósofa de escrita insurgente, é entender que “(…) ser uma mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social”.
Nesse sentido, deslocamos a expressão
“enegrecer o feminismo” para apontar possibilidades e circulação de uma prática discursiva de leitura enegrecida, no sentido de tornar visível a intersecção fundamental da leitura antirracista e tratamento da questão de raça e gênero, a fim da luta pela eliminação do preconceito e diversas formas de discriminação, assim como do epistemicídio. Ou seja, as práticas que nos negam a condição de conhecedoras, produtoras de ciência e cultura,  como nos assevera Carneiro.
Por fim, refletimos sobre enegrecer a prática discursiva de leitura a partir de pensarmos a luta antirracista empreendida por Sueli Carneiro, dando visibilidade às mulheres negras na identidade que as constitui.
Pensarmos em aproximar o enegrecer desta pensadora ao trabalho da leitura como uma prática discursiva, em ambientes escolares e não escolares, é fundamental no debate entre antirracismo, antisistema opressor e linguagem porque significa ampliar as possibilidades e alternativas para além de modelos que privilegiam os racialmente hegemônicos frutos do racismo. Portanto, o enegrecer passa pelas nossas relações entre brancos e negros em busca da pluralidade e diversidade.
É pensarmos modos de subjetividade e resistência. É buscarmos combater o racismo na produção do conhecimento. Por conseguinte, problematizarmos: quantos autoras e autores enaltecem a memória e história de homens e mulheres negras? Quantos autores/as negros/as já lemos? Quantos livros desse autores/as já buscou conhecer ? As mulheres negras são as mais invisibilizadas no sistema racista e patriarcal. Por isso, enegrecer a leitura é um ato de amor, é um ato político. Nessa luta, resistiremos com ousadia na valorização da negritude. Viva Sueli Carneiro, inspiração e passos que vêm de longe. Gratidão!
Para pensar:
“O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento”.
(Sueli Carneiro)
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Ady Canário Colunistas Destaque

Discurso do “pretuguês” em Lélia Gonzalez

Fevereiro traz a rememoração do nascimento da intelectual Lélia Gonzalez, que deixou um legado importante, no que diz respeito à luta pela liberdade na comunicação escrita e falada, construindo importantes discursividades e análises. Isso nos inspira na contemporaneidade, sobretudo diante da violência racista à população negra. Contra o racismo e o sexismo.

Inegavelmente, ela foi intelectual negra, professora e ativista, sendo uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado. Neste texto refletimos o discurso do “pretuguês” sob o aspecto da existência da mulher negra na sociedade na luta por transformação social nos espaços de dominação e como possibilidade agregadora de momentos históricos e linguísticos, lócus do nosso lugar, sob o qual se dá práticas sociais de sentidos na e pela linguagem.

Na relação entre discurso e posicionamento político, o discurso de Gonzalez é determinado historicamente no nosso tempo e nos influencia sobremaneira nos estudos e caminhos novos possíveis. Por conseguinte, seu pensamento sobre o “pretuguês”, diz respeito à africanização do português falado no Brasil e desperta um debate sobre a relação entre linguagem e racismo.

Nossa pretensão, de forma breve, é mostrar que essa é uma questão relativamente recente nos estudos acadêmicos e nos objetos de pesquisas linguísticas e discursivas. Logo, temos muito a aprender com esse conceito e compreendermos a riqueza de vozes negras na universidade e sociedade, no sentido de uma educação linguística antirracista.

Desse modo, se fizermos uma leitura do pensamento de Lélia, também iremos compreender a discussão sobre interseccionalidade entre gênero e raça, além da extrema referência sobre a negritude, como uma pioneira que foi, em complexas redes de construção de sentido em variados acontecimentos, bem como a categoria de amefricanidade. Evidentemente, nessa intensa produção intelectual, por exemplo, aprendemos com Lélia sobre o lugar da mulher negra numa sociedade machista e racista, mulheres ainda estereotipadas e invisibilizadas na cultura brasileira. Em suma, vale a pena buscar suas produções, artigos, revistas e jornais contendo suas escritas e falas.

Reiteramos que, dessa pensadora negra advém o ponto de vista dos falares amefricanos, o que a autora denomina a língua portuguesa em nosso país de “pretuguês”. Assim, como professora negra e pesquisadora, ela afirma o uso de termos e expressões, algumas de origem africana. Portanto, analisa-se uma escrita alternativa diante da academia, usando a forma mais coloquial a fim de se comunicar de forma mais ampla, especialmente com as mulheres negras, populares e de periferia, além de auditório variado, como jornalistas e políticos.

No atual cenário marcado por projetos políticos de retrocesso da nação nos moldes do fascismo, ecoamos a memória e dizemos viva a Lélia Gonzalez, uma mulher comprometida com a transformação social e contra as desigualdades.  As mortes brutais fruto da violência racista cotidiana no Brasil mostram o quanto precisamos discutir sobre justiça para o povo negro nesse país. Nesse sentido, temos a agradecer a Lélia Gonzalez por tematizar questões acerca da realidade das mulheres negras, ladino amefricanas.

Por fim, as palavras de Gonzalez são elucidativas a respeito da importância do discurso e prática do “pretuguês” na construção de sujeitos sociais populares, porque contribui para a conservação da história e da memória, em particular por intermédio da linguagem e da qual não podemos ser prisioneiras na construção da consciência negra, antirracista e do cuidado de nós mesmas. Viva Lélia!

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A lei 10639 na educação antirracista

No dia 09 de janeiro comemorou-se os dezenove anos da Lei n.º 10.639/2003 que foi sancionada em 2003. Uma medida de política afirmativa importante e que torna obrigatória a inclusão do ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos dos sistemas de ensino públicos e particulares da educação básica (em todos os níveis). Estamos em 2022 e a luta histórica continua na construção de uma educação antirracista no cotidiano escolar. No entanto, ainda precisamos avançar na compreensão dessa Lei e de sua implementação na educação. 

A 10639 possui caráter de ação afirmativa, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tendo sido complementada pela Lei 11.645/2008, com a inclusão da temática indígena, sendo um avanço na promoção da igualdade étnico-racial, o que vai para além de conteúdos programáticos e datas comemorativas. 

Em 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana por meio da Resolução n.º 1, de 17 de março. Esse documento, portanto, aprofunda a lei e traz importantes fundamentos para a prática social e pedagógica. Também temos o Plano Nacional de Implementação e as Orientações e Ações para essa política.

Vale salientar que o processo da implantação e implementação da Lei n.º 10.639/2003 (em nível estadual e municipal), ao longo desses anos, tem produzido análises, intensos debates e pesquisas na consolidação de políticas educacionais, pois não basta a aprovação de uma Lei, é preciso tirá-la do papel. Sem deixar de ressaltar o papel do Movimento Negro, de Núcleos e Grupos que resistem nessa discussão e em desconstruir estereótipos negativos presentes no imaginário social, ainda calcado pelo mito da democracia racial, pós-período escravagista, que apregoa uma suposta harmonia racial.

Antes mesmo da Lei, pesquisadores, educadores, intelectuais e ativistas já vinham executando ações, além de participação em fóruns estaduais de educação e diversidade, bem como na produção de material, sobremaneira na organização de grupos de trabalhos e de cursos de formação de professores. 

No que diz respeito à educação das relações étnico-raciais e inclusão na escola, sem dúvida, há toda uma demanda da comunidade, especialmente da população negra no contexto das desigualdades e do racismo, por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, e a Lei n.º 10.639/2003 propicia às instâncias políticas e pedagógicas uma possibilidade de ampliar conhecimentos e reeducar para as relações entre os diversos grupos que constroem o Brasil. 

Por isso, é extremamente importante o papel das instituições, dos conselhos de educação, secretarias no sentido de implantar planos e orientações para o atendimento e realização do trabalho. É muito importante fazer valer e refletir sobre o que essa lei representa no contexto da educação para as relações étnico-raciais no Brasil e, sobretudo, em nossa localidade. Todavia é preciso o investimento em recursos técnicos, financeiros e didáticos.

Também é importante buscar conhecer o que já vem sendo realizado nos sistemas de ensino, dentro dos desafios, limites e possibilidades trazidas pela Lei, no que diz respeito às práticas pedagógicas nessa perspectiva antirracista. Atualmente, existe uma vasta produção de material sobre a temática racial, diversas entidades, coletivos do movimento social, dentre outros, aptos a dialogar. 

Temos conhecido algumas experiências exitosas em escolas, universidades por meio do trabalho de professores e profissionais empenhados com efetivação de políticas de promoção da igualdade racial, sob os preceitos de uma educação como direito à diversidade étnico-racial e combate ao racismo institucional.

Portanto, nós, educadores e toda sociedade, necessitamos trabalhar conjuntamente, independente do pertencimento étnico-racial. Inegavelmente, precisamos aprender e educar para desfazer discursos fundados em concepções estereotipadas e racistas sobre a história da África e Afro-Brasileira, especificamente, considerando as políticas afirmativas para a população negra. Viva a lei 10639 na educação antirracista! Muito a caminhar.

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Efeitos de Leitura na Relação Ubuntu/Vida

“[…] a ética ubuntu como uma maneira afroperspectivista de resistência e configuração dos valores humanos em prol de uma comunidade que seja capaz de compartilhar a existência” (Renato Noguera).

A reflexão se faz em torno da noção “ubuntu” que se constitui em diferentes discursividades e relações de sentido de diversidade étnico-racial na atualidade. Qual o sentido de “ubuntu. Em sua materialidade linguística e histórica, o termo “ubuntu” congrega “ubu” que quer dizer “ser” e “ntu” no sentido de “existência”, conforme construção de grupos étnicos e da filosofia africana e afro-brasileira. Essas experiências constituem-se, por exemplo, em descrever modos de subjetividade de viver e existir individual e coletivamente. 

Alguns defendem “ubuntu” como realização que perpassa processos de alteridade, “eu sou porque nós somos”. Ou seja, ser capaz de partilhar, dentro dessa concepção, é extremamente salutar para a existência que se faz coletivamente.  Assim, o sentido do “ubuntu” representa resistência e um modo afroperspectivista, isto é: “[..] a realização de uma pessoa passa pelas outras, significa que a capacidade de partilhar com as outras é fator indispensável na construção individual”, como argumenta Noguera.

Nesse olhar, da linguagem ética do “ubuntu”, “[…] a generosidade é exaltada num sentido cada vez menos convencional, não se trata de ofertar, doar recursos ou fazer das outras pessoas um objeto da caridade individual. Mas, significa trabalhar junto e fazer do resultado dos esforços um campo vasto para circulação e proveito de todas as pessoas”, na discussão de Renato Noguera. 

Nesse sentido, “O ubuntu reconhece a interconexão da vida. Minha humanidade, dizemos, está costurada à sua humanidade. Uma das consequências  do ubuntu é que reconhecemos que todos nós temos de viver nossa vida de forma a garantir que outros possam viver bem. Nossa prosperidade deve melhorar a vida dos outros, não subtrair a vida”, como colocam Desmond Tutu e Mpo Tutu, em “Nascidos para o bem”.

Em razão disso, vemos a importância do “ubuntu” no cotidiano e consciência individual e coletiva visando à transformação social. Reconhecer isso, para além de diversas discursividades que se constituem em experiências, longe de qualquer perspectiva essencializada, bem com nas práticas significativas em redes de atuação que desnaturalizam estereótipos racistas, especialmente para a vida das mulheres negras, pois, lidam diariamente com situações opressoras cujos dados são cada vez mais crescentes sobre essa realidade. Portanto, o “ubuntu” como uma forma de cuidado ético, estético, do nosso corpo e mente, no fortalecimento de práticas discursivas de liberdade, saúde e bem viver.

Feliz 2022, “ubuntu”! Agradecimento pelas vivências. Fica a dica de leitura, podemos aprofundar a reflexão e aprender juntos/as! 

NOGUERA, Renato. UBUNTU COMO MODO DE EXISTIR: ELEMENTOS GERAIS PARA UMA ÉTICA AFROPERSPECTIVA. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 3, n. 6, p. 147-150, fev. 2012. ISSN 2177-2770. Disponível em: <https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/358>. Acesso em: 05 jan. 2022.

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Descolonizar pensamento e linguagem: o que podemos aprender com bell hooks

 

“Temos de desenvolver estratégias para obter uma
avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos
obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias
estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em
nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por que o trabalho intelectual é raramente considerado revolucionário e como uma forma de ativismo?

São questões colocadas e que podem parecer inquietantes para muitas pessoas comprometidas socialmente com a transformação do mundo, mas trata-se de uma “pedagogia insurgente” ensinada por bell hooks (Gloria Jean Watkins), escritora, intelectual negra norte-americana, que neste mês nos deixou. Recentemente meditávamos no seu texto “Intelectuais negras” para essa escrita e, quando recebemos a notícia, estávamos numa reunião acadêmica com professores.

bell hooks parte deixando um imensurável legado, sobretudo para nós mulheres negras. Ela nos mostra que trilhar o caminho intelectual foi sempre uma opção “excepcional” e “difícil”, sendo para muitas, mais um chamado do que vocação, em que muitas mulheres negras não escolhem esse trabalho em razão do racismo e do sexismo.

Num país anti-intelectual, ser mulher negra e intelectual, conforme bell hooks é enfrentar a descolonização e libertação de mentes por que o trabalho intelectual é extremamente necessário nas lutas cotidianas e de esforços de grupos oprimidos e marginalizados. Ou até mesmo professoras negras, mulheres negras acadêmicas que superam as desconfianças em razão do racismo institucional. Nesse mundo de dominação colonial, o que podemos aprender com bell hooks a esse respeito?

Eis algumas “estratégias” que podemos desenvolver e que podem nos ajudar a acreditar mais na nossa capacidade. Destaco quatro pontos, como ela nos ensina (HOOKS, 2005, p.464-478):

a) afirmar sempre que o trabalho que fazemos tem impacto significativo na luta;
b) valorizar o trabalho intelectual advindo de grupos marginalizados como atividades úteis;
c) compreender que o trabalho intelectual é necessário para libertação de mentes;
d) ler, escrever, citar pensadoras, escritoras, mulheres negras e intelectuais contemporâneas.

Nesse sentido, conforme a teórica feminista negra: “Para contrabalançar a baixa estima constante e ativamente imposta às negras numa cultura racista/sexista e anti-intelectual, aquelas entre nós que se tornam intelectuais devem estar sempre vigilantes. Temos de desenvolver estratégias para obter uma avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por fim, vale a pena ler o texto de bell hooks “Intelectuais negras”, Revista de Estudos Feministas, vol. 3, nº2, Florianópolis, UFSC, 1995, pp.464-478. Fica a dica o e link https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16465

Acreditemos na nossa capacidade de aprender.

Grata, bell. Gratidão.