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Colunistas Destaque Rafaela Gurgel

Volta às aulas: como proceder com meu filho autista?

Estamos nos aproximando da retomada de mais um ano letivo, momento instigante, de expectativas e também de desafios tanto para nós professores quanto para nossos alunos. Novas perspectivas, novos docentes, mudanças, recomeços. Quem nunca quando criança não aguardou ansiosamente o primeiro dia de aula, rever os colegas, conhecer os novos, começar a usar livros e cadernos? Tudo novo, mesmo que seja em um ambiente já conhecido.

Mas, e as nossas crianças autistas? Já pararam para pensar como eles veem esse “novo”? Eu diria assustador. Indivíduos no espectro são apegados à rotina e previsibilidade, coisa que em um primeiro dia de aula é quase impossível termos controle de algumas situações. A literatura diz que o cérebro autista reage de maneira diferente às pessoas neurotípicas, gosto sempre de fazer analogia a um programa de computador. Por exemplo: o pacote office, da Microsoft, vem com diversos dispositivos que utilizamos no dia a dia, como: Word, Excel, Power Point. Já o sistema Linux é um software livre, distribuído gratuitamente, porém pouco acessado pela maioria das pessoas por diversas situações. Ou seja, os exemplos dos dispositivos são para externar que ambos têm diferenças, basta empenho e estudo para que consigamos operacionalizá-los bem. Assim é o cérebro autista, realmente age de maneira diferente. 

Os autistas têm um processo sensorial diferente quanto às sensações que chegam ao cérebro, sendo divididos em 7 sentidos: visual, olfativo, tátil, gustativo, auditivo, proprioceptivo e vestibular. Você pode estar estranhando esses dois últimos! Eu também não os conhecia até começar a estudar e entender a perfeita conexão entre eles. Muitas pessoas no espectro têm Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), que é quando muitos desses sentidos funcionam de maneira desordenada; podendo apresentar hipo (baixa) ou hiper (alta) sensibilidade. De todos eles talvez os mais disseminados sejam os auditivos e gustativos, os dois quando são hiper trazem enormes prejuízos a própria pessoa e aos familiares, pioram muito a qualidade de vida. Barulhos intempestivos como sirenes, buzinas e fogos de artifício podem causar muito sofrimento acarretando até crises autolesivas. O gustativo também é um grande problema pois pode trazer seletividade alimentar ocasionando deficiência de algumas vitaminas, causando prejuízos nutricionais.

Voltando ao ambiente escolar, explicarei sobre o proprioceptivo e vestibular, talvez desconhecidos para a grande maioria. O primeiro é a capacidade de localização do corpo no espaço, por exemplo: o professor tem um aluno que é um pouco descoordenado, não tem noção de força para sentar em uma carteira, abraçar… já no segundo sentido, o aluno tem verdadeira aversão a tudo que o coloque em movimentos bruscos e abruptos, como: subir ou descer em brinquedos do parquinho, pular, girar, etc.

Após um breve apanhado para entendimento do quanto é complexo e rico um ambiente escolar, aí vão algumas dicas valorosas para que você dessensibilize o retorno do seu filho à escola.

  1. Faça dele ator principal no processo: dependendo da situação e estudando a possibilidade, leve-o para escolher alguns itens do material escolar. Ele se sentirá importante!
  2. Leve-o à escola antes do início das aulas, faça-o ver as pessoas que lá trabalham, se possível mostre foto e nome da nova professora, mostre a nova sala de aula;
  3. Mostre o fardamento, vista-o, faça o percurso alguns dias para dar previsibilidade;
  4. Faça um novo quadro de rotina em casa bem estruturado mostrando as mudanças;
  5. Prepare-se para repetir várias e várias vezes a mesma coisa e também responder diversas vezes as mesmas perguntas. Paciência é a alma do negócio;
  6. Esta última é especialmente para você, pai, mãe ou responsável: algumas vezes as coisas parecem não estar sob nosso controle (e nem sempre estão), mas acredite no processo, ele acontecerá da melhor maneira possível. Acredite em seu filho (a) e em você!

A transformação será linda!

Bom ano letivo a todos (as)! 

 

 

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Ady Canário Colunistas Destaque

Efeitos de Leitura na Relação Ubuntu/Vida

“[…] a ética ubuntu como uma maneira afroperspectivista de resistência e configuração dos valores humanos em prol de uma comunidade que seja capaz de compartilhar a existência” (Renato Noguera).

A reflexão se faz em torno da noção “ubuntu” que se constitui em diferentes discursividades e relações de sentido de diversidade étnico-racial na atualidade. Qual o sentido de “ubuntu. Em sua materialidade linguística e histórica, o termo “ubuntu” congrega “ubu” que quer dizer “ser” e “ntu” no sentido de “existência”, conforme construção de grupos étnicos e da filosofia africana e afro-brasileira. Essas experiências constituem-se, por exemplo, em descrever modos de subjetividade de viver e existir individual e coletivamente. 

Alguns defendem “ubuntu” como realização que perpassa processos de alteridade, “eu sou porque nós somos”. Ou seja, ser capaz de partilhar, dentro dessa concepção, é extremamente salutar para a existência que se faz coletivamente.  Assim, o sentido do “ubuntu” representa resistência e um modo afroperspectivista, isto é: “[..] a realização de uma pessoa passa pelas outras, significa que a capacidade de partilhar com as outras é fator indispensável na construção individual”, como argumenta Noguera.

Nesse olhar, da linguagem ética do “ubuntu”, “[…] a generosidade é exaltada num sentido cada vez menos convencional, não se trata de ofertar, doar recursos ou fazer das outras pessoas um objeto da caridade individual. Mas, significa trabalhar junto e fazer do resultado dos esforços um campo vasto para circulação e proveito de todas as pessoas”, na discussão de Renato Noguera. 

Nesse sentido, “O ubuntu reconhece a interconexão da vida. Minha humanidade, dizemos, está costurada à sua humanidade. Uma das consequências  do ubuntu é que reconhecemos que todos nós temos de viver nossa vida de forma a garantir que outros possam viver bem. Nossa prosperidade deve melhorar a vida dos outros, não subtrair a vida”, como colocam Desmond Tutu e Mpo Tutu, em “Nascidos para o bem”.

Em razão disso, vemos a importância do “ubuntu” no cotidiano e consciência individual e coletiva visando à transformação social. Reconhecer isso, para além de diversas discursividades que se constituem em experiências, longe de qualquer perspectiva essencializada, bem com nas práticas significativas em redes de atuação que desnaturalizam estereótipos racistas, especialmente para a vida das mulheres negras, pois, lidam diariamente com situações opressoras cujos dados são cada vez mais crescentes sobre essa realidade. Portanto, o “ubuntu” como uma forma de cuidado ético, estético, do nosso corpo e mente, no fortalecimento de práticas discursivas de liberdade, saúde e bem viver.

Feliz 2022, “ubuntu”! Agradecimento pelas vivências. Fica a dica de leitura, podemos aprofundar a reflexão e aprender juntos/as! 

NOGUERA, Renato. UBUNTU COMO MODO DE EXISTIR: ELEMENTOS GERAIS PARA UMA ÉTICA AFROPERSPECTIVA. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 3, n. 6, p. 147-150, fev. 2012. ISSN 2177-2770. Disponível em: <https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/358>. Acesso em: 05 jan. 2022.

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Destaque Pâmela Rochelle

SOBRE SER NEGRA

“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la” (Djamila Ribeiro).

Quando fui convidada para ter uma coluna na revista, fiquei feliz por poder dar voz às questões que pesquiso no Doutorado de uma maneira mais leve e acessível, mas, sobretudo, fiquei feliz por poder tratar de questões que também me atravessam e constituem enquanto mulher negra, pós-graduanda, jornalista e professora (além de tantas outras, afinal somos vários), vivendo em um país estruturalmente racista, sexista e elitista, que segue boicotando a educação pública. 

Para além das mazelas que nos perpassam nos dias atuais enquanto brasileiros (e especialmente enquanto negras e negros – já que é deste lugar que falo), repouso meu olhar hoje sobre um tema especifico, que para além de um assunto se coloca como uma autoapresentação: O que é ser negra?

Partindo de uma percepção semelhante à de Neusa Souza Santos (1990), pesquisadora e psiquiatra brasileira, acredito que ser negra no Brasil é um processo longo e contínuo de vir a ser, de tornar-se. Digo isso pensando na questão da construção de uma consciência étnico-racial, que para além da cor da pele e dos traços tidos como característicos nos convoca a nos percebermos como sujeitos imersos numa cultura que tende a negar nossa estética, história e identidade. 

Muito embora não exista um “ser mulher negra”, mas mulheres negras no plural, cheias de potencialidades e multiplicidades, as quais são constantemente encapsuladas em estereótipos rasos (“mulata sensação”, barraqueira, mãe preta, macumbeira, entre outros…), é fato que existem questões que unem todas nós, que nos irmanam, entre elas está a mais cruel de todas: o racismo.

É pelo racismo que nossa intelectualidade é desacreditada, nosso valor e palavra são postos a prova e somos obrigadas a reafirmar constantemente nossas capacidades, correndo o risco de sermos “canceladas” ao mínimo deslize. Ser negra é entender o conceito de dororidade (PIEDADE, 2019) antes mesmo de ser apresentada a ele, é ocupar a base da pirâmide social, sofrendo duplamente: pelo machismo por ser mulher e pelo racismo por ser negra.

Se o racismo tende a nos aprisionar socialmente e subjetivamente, é a tomada de consciência racial e a percepção deste racismo enquanto tal que nos coloca num movimento de libertação das amarras colonialistas. A partir disso, ser negra (e saber-se negra) é ter a possibilidade de criar novas narrativas sobre si mesma e sobre os seus, libertando-se dos estereótipos à medida em que se criam novas formas de ser e existir, transgredindo até mesmo os alarmantes índices sociais que nos colocam entre as mais afetadas pela pobreza e violência.

É nesse sentido que o ato de “erguer a voz” pontuado por bell hooks (2019); que recentemente deixou o plano terreno e se uniu aos nossos ancestrais; representa o primeiro passo para que nós mulheres negras (e homens também) sejamos autoras de nossas histórias e líderes na busca por um país/mundo mais igualitário e justo. Ser negra é, pois, uma potência. 

Espero continuar encontrando vocês por aqui, até o próximo texto. Ubuntu.

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Colunistas Destaque Natalia Santos

Você precisa assistir: A vida sexual das universitárias.

A Vida Sexual das Universitárias (The Sex Lives of College Girls) é uma série “dramédia” que estreou esse ano na HBO Max e conquistou 97% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes*. A trama alcançou não só o reconhecimento da crítica especializada, mas também cativou grande parte de seu público. 

Na série, quatro garotas completamente diferentes se tornam colegas de quarto na universidade e passam a compartilhar suas experiências pessoais, desenvolvendo uma grande amizade e um senso de sororidade umas com as outras que é lindo de acompanhar.

Logo nos primeiros episódios é possível identificar pontos importantes da trama, mas que são abordados de maneira bem natural, graças ao seu roteiro excelente. Diversidade, descobertas sexuais, preconceito e assédio são alguns dos vários pontos que a série levanta. Além disso, o elenco é extremamente carismático e a produção assinada por Mindy Kaling (The Office) garante um tom de comédia cirurgicamente necessário.

Os diálogos divertidos e situações excêntricas deixam a história bem mais cativante e atrativa, sem deixar de lado, contudo, pautas importantes no que se refere a todos os pontos que já citei anteriormente.

Com certeza foi uma das grandes surpresas de 2021 e é uma série que eu gostaria de indicar para todo mundo que tiver a oportunidade de assistir. Divertida mas pé no chão, A Vida Sexual das Universitárias já foi renovada para a sua segunda temporada e conta atualmente com 10 episódios que duram em média 30 minutos.

*Site americano agregador de críticas de cinema e televisão.

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Colunistas Destaque Fernanda Valéria

Leituras da vida: feliz 2022, sobreviventes!!!

Caminhamos para 2022 como soldados que retornam de uma guerra. Aterrorizados pela destruição, gratos por estar vivos e sem entender muito bem como agir no futuro. Embora não tenhamos travado uma luta bélica, envolvendo as forças armadas, vivemos, nos dois últimos anos, os sentimentos de quem é arremessado num campo de batalhas. Dias e dias com medo da morte, sem saber quem seria a próxima vítima da Covid-19 e com a possibilidade de sermos também abatidos por ela.

Bateu muitas vezes o desespero diante de tantas imagens de caixões, famílias chorando a perda de uma, duas, três ou mais pessoas queridas. Sem mesmo ter o tempo da despedida, massacramos o luto, o adeus foi chorado em poucos minutos, dali da calçada ao ver passar um dos seus entes no ataúde lacrado e até ensacado.

A demora na chegada da vacina, a descrença nela e a aplicação lenta minava a esperança, enquanto o número de óbitos crescia. Entre janeiro e maio de 2021, tivemos mais mortes que o ano de 2020 inteiro e não parou: já ultrapassamos as 619 mil e quase todos os dias perdemos guerreiros. Apesar de se pensar em recomeço no Brasil, pais, filhos, mães, avós, tios, amigos de alguém não terão essa chance. Voltaram as confraternizações e, em muitos lares, um lugar ou até mais à mesa está vazio.

Além dessa doença devastadora, fomos também acometidos pela fome, mais de 19 milhões de brasileiros fazem uma refeição por dia, os dados são da Rede Pessan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), no inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da Pandemia de Covid no Brasil, realizada em dezembro de 2020. “Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos suficientes e 19 milhões de brasileiros (as) enfrentavam a fome”, diz o relatório.

A situação não mudou muito, após um ano, ainda continuamos com 12,1% de taxa de desemprego no país, segundo o IBGE, e tendo que lidar com uma inflação estimada pelo Banco Central em 10%. Situação que onera os preços da cesta básica, aluguel, gás, água e luz, itens essenciais de sobrevivência.

Um campo de batalha resiliente agora também devastado por água. A Bahia, maior estado da região Nordeste está embaixo d’água e tem mais de 400 mil pessoas afetadas com as enchentes e 21 mortos, cidades inteiras foram atingidas pela destruição que pode parecer natural, mas que sabemos é resultado da destruição da natureza pela mão e consciência humana.

Não bastasse o estado de tragédia constante, não temos um líder, temos um figurante a presidente ocupando a cadeira de quem poderia ter agido como o cargo exige. Na contramão do que se espera, suas ações, todas, foram fortalecedoras do caos que nos assola.

Caro leitor, não fique chateado com o pesar destas poucas linhas, não sei por qual das citadas acima, foi você atingido, mas se está aqui lendo é porque é um sobrevivente e como não temos outra escolha a não ser nos agarrar à esperança, Feliz 2022.

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Colunistas Destaque Yáscara Samara

Precisamos falar sobre isso: a Filosofia de Epicuro e a saúde mental, uma preocupação atemporal

A saúde mental é uma preocupação só contemporânea? Vos afirmo que não! Há milênios os filósofos vêm procurando uma vida feliz, uma busca incessante pela felicidade em meio a guerras, epidemias, pandemias e estruturas políticas em que desfavorecem a maioria da população; partindo deste contexto, que não é muito divergente dos nossos dias atuais, venho expor a filosofia de Epicuro e como devemos entendê–la de maneira a viver sem perturbações e desta forma melhorar a saúde mental.

Não busco escrever para doutores e especialistas na área, e sim, ao senso comum, às pessoas leigas, numa linguagem simples. Assim como busquei na minha graduação em Filosofia (UERN, 2015), com um tema baseado em Epicuro, com  o título A Filosofia de Epicuro como medicina da Alma, partindo da premissa que podemos, sim, viver feliz apesar das dores físicas e da alma, usando minha própria experiência de vida de forma resiliente em detrimento da minha deficiência física devido a artrite reumática ( doença auto imune que provoca dores lancinantes).

Fazendo um breve caminho histórico da vida do nosso filósofo: Epicuro (341 – 269 a.C) nasceu em Samos, na Grécia antiga, fundador do Epicurismo, que é uma filosofia pautada na vida simples, que prega a simplicidade do ser. Sua filosofia era propagada através de cartas aos amigos que propunha a busca da felicidade, ou seja, a saúde mental, onde esta só poderia ser alcançada a partir dos prazeres essenciais e necessidades para a vida.

Dessa maneira, Epicuro relatou em uma carta exposta por Diógenes Laércio, escritor que trouxe à tona o escrito,  a Carta a Meneceu,  cap, X, no livro Obras e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Nessa epístola Epicuro propôs princípios necessários a uma vida feliz, são eles: evitar as dores, procurar os prazeres moderados, atingir a sabedoria e a felicidade, o cultivo das amizades, a satisfação aos prazeres essenciais e necessários, como comer, beber e se relacionar; não temer a morte e nem aos deuses. Se distanciar da vida pública de ostentações, prestígio social, política, objetivando chegar a ATARAXIA – imperturbabilidade da alma, ou seja, o estado mental de conservação espiritual sem perturbações ao ser atingido pelas ações da vida do indivíduo.    

Primeiro, quero expor o que eu aprendi com a filosofia desse filósofo, como ele  me ajudou na busca do meu autoconhecimento e da felicidade, apesar das dores e perturbações. No meu estudo mais aprofundado sobre ele, descobri que sofria de dores físicas intensas devido a cálculos renais, que na época eram tratadas apenas com banhos  quentes, chás, e por incrível que parecesse, com coisas que nos dão prazer, como estar entre amigos conversando, rindo, comendo e filosofando. Desta forma a dor seria suspensa e traria alívio para dores tanto físicas quanto da alma, mas claro, tudo com a justa medida da moderação. Parafraseando Epicuro, um bom vinho e queijo é um dos melhores prazeres. 

Epicuro além de propagar suas cartas à felicidade, também escrevia junto aos seus discípulos nos muros da cidade frases de efeito com contexto da simplicidade da vida, e não aos excessos e bens materiais. Quem passasse lia e poderia refletir sobre suas vidas pregressas. Nosso filósofo escolheu viver em um lugar mais afastado da cidade onde não pudesse refletir o caos da era de Alexandre o grande, comprou um terreno e fez um jardim onde eram aceitos todos, que hoje podemos chamar “todos” e “todes”, sem restrições, algo muito surreal para as demais escolas filosóficas da época, que apresentavam muitas restrições em relação aos escravizados, mulheres, crianças, prostitutas etc. Este jardim ficou conhecido como O JARDIM DE EPICURO.

Ai te pergunto: como tudo isso fez melhorar minha saúde mental? Simples, percebendo que não precisamos ter, ser tudo na vida e, sim, prestar atenção na simplicidade do que é viver apesar das dores físicas e da alma, porque não há dor nem alegria que seja eterna. Vivemos de momentos felizes e não devemos nos preocupar com o que não temos controle, que devemos mudar, fazendo o que nos proporciona o bem estar físico e mental. Eu procurei na dança, na escrita de poesias, observar o belo da natureza. Pintar, desenhar, ou seja,  me reinventar sempre que algo fugir das situações previstas. Descobrir também que podemos amenizar a ansiedade, a depressão e os transtornos de comportamento, simplesmente pelo fato de se conhecer e se  reinventar.

Nesse contexto, como falei no início deste artigo, os problemas vividos pelo nosso filósofo não se distanciam tanto do que estamos vivendo hoje, especialmente em virtude da Pandemia da Covid-19, e no confinamento de quase 2 anos. As doenças mentais, como ansiedade, depressão e síndrome de pânico, vêm assolando a população, resultando em muitos suicídios e descontrole emocional, muito relacionado, também, a codependência das redes sociais, em ser aceito ou cancelado. O mundo voltou os olhos às redes sociais e suas implicâncias catastróficas na mente de muitos, onde quase tudo hoje é virtual, inclusive os “amigos”. Se tem um milhão de “amigos” e nenhum conversa com você, isso é uma solidão sem precedentes, dilacerando a saúde mental.

Em 2019 adentrei numa formação em psicanálise clínica, e me deparei com dados alarmantes em déficit de investimento em saúde mental, declarados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para 2020 e 2021. A escuta clínica, focada na associação livre de Freud, poderia ajudar muitas pessoas antes que surjam transtornos mais graves. O que se vê são Capsis superlotados sem uma escuta profissional, somente focada nos psicotrópicos para amenizar os efeitos de tudo que se sente de ruim, anestesiando as pessoas. Tive relatos de uma paciente que tomava seis tipos de remédios diferentes  pois queria viver dopada para não sentir o vazio dentro de si. 

Os dados da OPAS (Organização Pan – Americana da Saúde) revelam uma falha mundial no fornecimento dos serviços de saúde mental de que precisam a população em momentos pandêmicos, onde se há necessidade crescente de apoio à saúde mental. Na última edição a OPAS mostra dados de 171 países, demonstrando uma indicação clara de que a atenção dada à saúde mental nos últimos anos ainda não resultou em aumento de demanda de profissionais e serviços de qualidade na área.

Diante disso, no Brasil, percebemos que o debate sobre prevenção da saúde mental ganha um pouco de espaço, sendo considerado um desafio, pois os dados são escassos  para uma análise precisa e ainda não há preocupação governamental para o assunto.  Situação semelhante ao que se vê nos dados mundiais. Mas reforço que em comum a ambos os distúrbios de humor, o mais comum é a depressão, e que está na nossa porta, pois apesar do SUS ter integrado muitas terapias integrativas, ainda não se dispõe em atividades nos postinhos de saúde, somente encaminhamentos para psicólogos para avaliação e encaminhamentos para os Capsis. Caso seja muito grave o caso psíquico, os pacientes de condição social mais privilegiada tendem a recorrer às instituições particulares.

O objetivo desses esclarecimentos, acerca da filosofia e da saúde mental, é projetar à sociedade que podemos ter uma saúde mental independente de tratamentos caros, com mudanças de postura diante das intempéries da vida, uma vida pautada em autoconhecimento e que é acessível  a todos e todes. A filosofia de Epicuro mudou minha vida, assim como a Psicanálise, através da SBPRN (Sociedade Brasileira de Psicanalise do Rio Grande do Norte), na qual planejamos a “Clínica Popular”, com preços acessíveis à população e Terapia na Praça para os moradores de rua.

A Psicanálise é um curso livre, oferecido por associações de psicanalises no país e ainda não é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e nem pelo SUAS (Sistema Único de Assistência Social), pelo menos não em Mossoró. 

É importante destacar também que muitas terapias integrativas estão disponíveis para quem não se identifica a buscar seu próprio conhecimento através da mudança de uma filosofia de vida, de uma terapia clínica psicológica e psicanalítica. É preciso se mexer e ser resiliente, nesse sentido a internet pode contribuir bastante, pois como falei, as terapias estão aí. Busque, ajude-se, entre essas terapias têm o reiki, acupuntura, constelação familiar, arteterapia, meditação e muitas outras. O que não pode é se acomodar, pois como diziam os filósofos antigos “MENS SANA IN CORPORE SANO” ( Mente sã em corpo são – poeta romano, Juvenal).

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Clarissa Paiva Colunistas Destaque

Um natal feliz

Vejo a cena de olhos fechados. Em Israel, uma mulher corre livre, sorrindo e brincando com o vento, enquanto seus cabelos dançam um baladi no ritmo do seu vestido, que é solto como os seios da sua dona.
Ela é dona das suas coisas, de sua história, das suas escolhas. Enquanto faz o que quer, ninguém a incrimina. Em cada parte do planeta, em contextos distintos, cada um busca quebrar uma barreira adoecedora.
Todos resolveram se vacinar contra a intolerância. É Natal! A regra é renascer. Cada um sai do seu próprio nascedouro blindado contra tudo que já causou mal a si e aos outros: a tríplice viral protege contra a superioridade, o egocentrismo e a ira. A gotinha imuniza o coração do pânico; e aquela injeção mais dolorida blinda a gente do desânimo – mesmo em dias e situações enferrujadas.
Talvez sintamos alguma reação a princípio… Não é simples combater tanto estrago. Mas em 2022 estaremos prontos para a reconstrução.  Livres. Todos nós.
Que se renovem todas as coisas, e haja tinta nova, fluorescente, para desenharmos um novo código de amor, a linguagem mais potente que poderá existir.
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Ady Canário Colunistas Destaque

Descolonizar pensamento e linguagem: o que podemos aprender com bell hooks

 

“Temos de desenvolver estratégias para obter uma
avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos
obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias
estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em
nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por que o trabalho intelectual é raramente considerado revolucionário e como uma forma de ativismo?

São questões colocadas e que podem parecer inquietantes para muitas pessoas comprometidas socialmente com a transformação do mundo, mas trata-se de uma “pedagogia insurgente” ensinada por bell hooks (Gloria Jean Watkins), escritora, intelectual negra norte-americana, que neste mês nos deixou. Recentemente meditávamos no seu texto “Intelectuais negras” para essa escrita e, quando recebemos a notícia, estávamos numa reunião acadêmica com professores.

bell hooks parte deixando um imensurável legado, sobretudo para nós mulheres negras. Ela nos mostra que trilhar o caminho intelectual foi sempre uma opção “excepcional” e “difícil”, sendo para muitas, mais um chamado do que vocação, em que muitas mulheres negras não escolhem esse trabalho em razão do racismo e do sexismo.

Num país anti-intelectual, ser mulher negra e intelectual, conforme bell hooks é enfrentar a descolonização e libertação de mentes por que o trabalho intelectual é extremamente necessário nas lutas cotidianas e de esforços de grupos oprimidos e marginalizados. Ou até mesmo professoras negras, mulheres negras acadêmicas que superam as desconfianças em razão do racismo institucional. Nesse mundo de dominação colonial, o que podemos aprender com bell hooks a esse respeito?

Eis algumas “estratégias” que podemos desenvolver e que podem nos ajudar a acreditar mais na nossa capacidade. Destaco quatro pontos, como ela nos ensina (HOOKS, 2005, p.464-478):

a) afirmar sempre que o trabalho que fazemos tem impacto significativo na luta;
b) valorizar o trabalho intelectual advindo de grupos marginalizados como atividades úteis;
c) compreender que o trabalho intelectual é necessário para libertação de mentes;
d) ler, escrever, citar pensadoras, escritoras, mulheres negras e intelectuais contemporâneas.

Nesse sentido, conforme a teórica feminista negra: “Para contrabalançar a baixa estima constante e ativamente imposta às negras numa cultura racista/sexista e anti-intelectual, aquelas entre nós que se tornam intelectuais devem estar sempre vigilantes. Temos de desenvolver estratégias para obter uma avaliação crítica de nosso mérito e valor que não nos obrigue a buscar avaliação e endosso críticos das próprias estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam em nossa capacidade de aprender” (HOOKS, 2005, p. 474).

Por fim, vale a pena ler o texto de bell hooks “Intelectuais negras”, Revista de Estudos Feministas, vol. 3, nº2, Florianópolis, UFSC, 1995, pp.464-478. Fica a dica o e link https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16465

Acreditemos na nossa capacidade de aprender.

Grata, bell. Gratidão.

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Colunistas Luane Fernandes

Bell hooks e seus ensinamentos: um legado ancestral

bell hooks padece e com ela nasce uma ancestral, pois a vida não se finda com a morte.
bell hooks me ensinou que um povo sem ancestralidade é como uma árvore sem raízes.
bell hooks me ensinou que o amor é mais do que um sentimento, o amor é uma ação.
bell hooks me ensinou que devemos transgredir as amarras do colonialismo,  racismo, sexismo e imperialismo, e o caminho é a educação.
bell hooks me ensinou que o feminismo é para todos e todas.
Seu olhar opositor, esse olhar rebelde e combatente, me ensinou também que há poder no olhar. E há poder também nas palavras e nas ideias, e as suas jamais morrerão.
Antes de bell, existia outra Luane. Sou grata aos seus ensinamentos sobre amor, sobre as formas de cuidado, autoestima, raça, representação, luto, justiça, liberdade e tanto mais. Sou grata por ter bell hooks comigo, me acompanhando e sendo alicerce. Meus escritos não seriam os mesmos sem os escritos de bell hooks.
Com ela, fica o seu legado por um mundo mais justo, pelo ensino como um foco de resistência, por consciência, contra a opressão, transformando a sociedade sem reforçar a dominação.
Vamos refletir mais sobre o amor, sobre a educação, sobre justiça. Precisamos alcançar a verdadeira liberdade. Precisamos repensar o auto ódio da negritude e renovar as formas de pensarmos e amarmos a nós mesmos.
O nome é no diminutivo, para honrar a sua avó, mas ela foi e permanecerá gigante, sempre nos inspirando.
Por bell hooks, uma das maiores pensadoras do pensamento feminista negro, nas escolas, desde à base, até as agendas acadêmicas de ensino. Por bell hooks, vamos relembrar sempre as suas palavras: a prática do amor é a maior ferramenta contra as políticas de dominação.
É com axé, dororidade, através águas do atlântico negro, da diáspora negra, que bell hooks nos trouxe tanta sabedoria.
“Odo nyera fie kwan” O amor ilumina seu próprio caminho, nunca erra o caminho de casa.
Texto de Luane Fernandes.
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Colunistas Destaque Natalia Santos

MAID: A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA

Lançada em 1 de outubro desse ano, Maid superou a marca de O Gambito da Rainha e tornou-se a minissérie mais vista da Netflix até o momento. Para além de números e audiência, trata-se de uma história indispensável para todos. Inspirada no livro autobiográfico de Stephanie Land (Superação: trabalho duro, salário baixo e o dever de uma mãe solo) a série nos apresenta Alex, interpretada pela jovem e promissora atriz Margaret Qualley, uma mulher que trabalha como faxineira para pagar suas contas e sustentar a filha Maddy.

A jovem mãe solo lida diariamente com problemas financeiros e familiares, um relacionamento abusivo com o pai de Maddy e demonstra, apesar de tudo, um desejo latente por desenvolver sua escrita como maneira não só de produzir arte, mas de enfrentar os próprios demônios. Embora tenhamos uma história ambientada nos Estados Unidos, a semelhança com a vida das mulheres brasileiras é escandalosa, ao ponto de ter conquistado o público do nosso país e ter alcançado por semanas o top 10 na Netflix.

Maid mostra as diversas camadas e ciclos da violência doméstica que vemos ser perpetuada por séculos de uma maneira que é quase impossível não sofrer junto com Alex todas as suas dores. Torcemos por ela, nos enxergamos nas situações pelas quais ela passa e entendemos suas falhas e quedas. Durante os 10 episódios da minissérie, experimentamos viver um pouco do drama pessoal de uma mulher que poderia muito bem ser alguém próximo de nós e enxergamos como a violência pode aparecer sob as mais diversas facetas. 

É incrível e doloroso acompanhar a jornada de crescimento e libertação de Alex, e uma das frases que mais ficou na minha cabeça após terminar a série é quando a protagnista, em certo momento, fala sobre o ex-companheiro: “quero que ele veja que eu não tenho mais medo dele”. A série aborda de maneira incisiva a violência doméstica psicológica, tão nociva e ao mesmo tempo difícil de ser provada nos tribunais ou mesmo fora deles, uma realidade que, infelizmente, sabemos não estar assim tão longe de nós.

 É uma forma de violência doméstica muito comum, mas que infelizmente tem pouca visibilidade. Para se ter uma ideia, somente em 2021 foi sancionada a lei que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra mulher: A Lei nº 14.188, de 29 de julho de 2021, que adiciona o artigo 147–B ao Código Penal. 

Maid conta com um roteiro esplêndido, uma direção certeira e um elenco que rende atuações magníficas, sendo, talvez, uma das melhores produções da Netflix nesse ano. A mensagem, para mim, é clara: mulheres são muito mais do que um dia os homens disseram que elas poderiam ser.

¹SILVA, Mateus Rocha da. Maid: minissérie da Netflix supera audiência de O Gambito da Rainha. Techmundo, 2021. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/227265-maid-minisserie-netflix-supera-audiencia-gambito-da-rainha.htm>. Acesso em 9 de dez. de 2021.

²BRASIL. Lei 14188 de 29 de julho de 2021, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm>. Acesso em 13 de dez. de 2021.