Categorias
Destaque Matracas Literárias

Tiraram a fofoca de nós

Texto de Juliana Marinho Pires – jornalista e terapeuta holística.
Hoje eu queria falar sobre um assunto que a maioria de nós não percebe. Nascemos em uma Era em que não entendemos mais o mundo a partir da nossa perspectiva como mulheres, mas sob um olhar mastigado com dente podre, massacrado, hiperventilado de julgamentos, de andanças por caminhos tortos, de servilismo e ofuscamento. Estamos vendidas, ou melhor, compradas, por um patriarcado aliado ao capitalismo (os dois andam de mãos dadas desde sempre); dueto vil, hipócrita, mesquinho.
Era uma vez mulheres que se encontram em tabernas na antiga Bretanha, lá por volta de 1200. Falavam sobre diversos assuntos domésticos e públicos: umas davam conselhos as outras e emitiam opiniões sobre as diversas situações do cotidiano que suas amigas viviam.  Mais do que isso, elas se inteiravam do que as outras mulheres viviam, situações distintas das delas, e assim entendiam a diversidade do mundo, as nuances das relações, de cada família, dos povoados onde moravam, da essência humana.
Corta a cena: vamos para as escravizadas no Nordeste brasileiro nos idos do século XVII lavando roupa na beira do rio. Lá era, quiçá, o único lugar e momento em que elas estavam sem vigilância e sozinhas, uma certa pseudo liberdade controlada . À beira desse rio, surrando as mãos de tanto esfregar tecido, elas fofocavam, riam, conversavam, choravam; partilhavam o que viviam e contavam também o que acontecia a sua volta: uma conhecida do mercado, a sinhá que passou algum aperto, a vida dura da extração de cana-de-açúcar…enfim, mazelas e anedotas da vida daquela também pseudo sociedade que as cercava.
Vamos cortar para mais uma cena: senhoras da elite francesa moram no Vietnã, que, não tão antigamente assim, no séculos XIX e XX era Indochina, parte do império francês na Ásia. Elas se reuniam para tomar o chá da tarde em uma confeitaria francesa em Saigon. Nessa época, o patriarcado e o protagonismo masculino forjado pelos homens brancos de regiões ditas poderosas do mundo já vigorava com força – mal saberíamos naquela altura que a situação ia piorar, e muito -, mas ainda assim essas mulheres se encontravam, proseavam sobre seus casamentos, sobre o calor da região, sobre maternidade, sobre suas criadas malcriadas. Trocavam receitas, riam, choravam e desabafavam, ainda que frivolidades do próprio cotidiano.
Fofoca, até algum momento, era um ato libertador quando as mulheres se expressavam livremente sobre seus afetos e seus desafetos, sobre seus sentimentos, e também sobre a sociedade em que viviam; traçavam paralelos com a vida dos outros para entender a sua própria. Assim também, elas podiam se ajudar, se empoderar juntas, criar discursos de poder e expandir suas ideias. Uma dava segurança para outra e não se percebia mais só. Essa é a origem da fofoca.
Segundo a autora italiana Silvia Federici, em seu livro “A história oculta da fofoca”, o termo “gossip”, fofoca em inglês, originalmente significava “God parent”, uma espécie de madrinha ou padrinho, alguém com quem você poderia estar e contar. Quando olho agora no dicionário de português a palavra fofoca, lá diz: dito cheio de maldade, mexerico; aquilo que se comenta com o intuito de causar intrigas; conversa sem fundamento, e por aí vai.
Traduzido recentemente por fofoca, gossip é mais um dos conceitos distorcidos ao longo de séculos de patriarcado, que como a própria Silvia diz, narrar a história de palavras como essa que “são frequentemente usadas para definir e degradar as mulheres é um passo necessário para compreender como a opressão de gênero funciona e se reproduz”. Afinal, as mulheres são aquelas, nas piadinhas cínicas machistas, que fofocam, que tramam, que falam da vida dos outros, que se metem em tudo, que conspiram. Os homens, ó pobres seres, são objetivos, éticos, frios, concisos, sintéticos, desinteressados, eficientes. E de que esses rótulos  disfarçados de realidade nos serviu? Para criar separação e guerra entre nós, mulheres, e diminuir nossos grandes atributos.
Já ouvi de algumas pessoas que sou fofoqueira, já até vesti essa carapuça algumas vezes, de maneira inconsciente, entendendo que não fazia sentido, mas sem saber exatamente o porquê. Precisei desconstruir muita coisa dentro de mim para entender que adoro saber das histórias alheias e contar as minhas, bem diferente da fofoca aplicada para enfraquecer os encontros inspiradores e de ajuda mútua de mulheres e suas trocas profundas.
Não tenho nada a ver com a vida das pessoas, mas me interesso genuinamente por elas, até por quem eu não conheço. Perceber isso como uma virtude em mim foi libertador e me liberou de muitos julgamentos internos e autopunição. Isso a partir de muito autoconhecimento, do olhar para dentro, do me permitir ser quem eu sou de verdade e assumir minha identidade real. Quero resgatar o conceito primitivo de fofoca sem culpa. A época de ser reprimida e distorcida passou.
Um salve a todas as mulheres taberneiras, lavadeiras, madames e suas criadas! Vocês abriram os caminhos pra mim.
*Legenda da ilustração: *Ilustração publicada em 1894 em uma revista britânica da época. A arte retrata um tenebroso objeto de tortura colocado em mulheres consideradas “inoportunas”, “rebeldes”, suspeitas de bruxaria. O objeto de ferro travava a língua das mulheres e as impedia de falar. Muitas eram conduzidas em praça pública  para “servir de exemplo” à sociedade (arcaica e misógina).
Categorias
Destaque Gerais

Ekarinny, cientista mossoroense, ministrará palestra em evento nacional

A estudante de biomedicina, Ekarinny Myrela de Medeiros, 21 anos, mostra que ciência é coisa de menina. Uma inspiração para outras jovens cientistas, ela se prepara para, nesta sexta-feira (5), participar do VI Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino em Ciências (CONAPESC) como palestrante. “Eu vou participar do Webinário 02 que acontecerá no primeiro dia do Conapesc com o tema: Jovens na ciência: o futuro é hoje”, explica.

As desigualdades de gênero na ciência brasileira ainda são evidentes. Embora sejam perceptíveis as transformações em relação à posição das mulheres na ciência, com avanços significativos no que diz respeito à inserção e à participação das mulheres no campo científico, é evidente a necessidade de superar as desigualdades.

Graduanda de biomedicina pela FACENE-RN, Ekarinny desenvolve projetos na Iniciação Científica Júnior desde 2016 na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Ela conta que entre 2016 e 2019 participou de diversas feiras de ciências nacionais e internacionais, sendo contemplada com o quarto lugar em medicina translacional na Intel ISEF no ano de 2019. Além disso, possui experiência na produção de polímeros biodegradáveis, atualmente com atividade antimicrobiana frente a patógenos humanos e é voluntária do programa Ciência para Todos.

Desenvolvi três projetos científicos, a Embacaju: embalagem biodegradável produzida a partir do reaproveitamento da folha do caju (Anacardium occidentale); Cashew Bottle: garrafa biodegradável produzida a partir do reaproveitamento de resíduos do cajueiro (Anacardium occidentale L.) e o Desenvolvimento de cateter bioativo, proveniente do aproveitamento do líquido da castanha do caju (Anacardium Occidentale) como alternativa na prevenção de infecção sistêmica”, detalha.

Os desafios enfrentados pela geração de jovens cientistas no Brasil são muitos. Em tempos de retrocessos e da falta de investimentos voltados para ciência e tecnologia, não tem sido fácil para os jovens que optam por essa carreira. Para além dessas dificuldades, quando falamos de mulheres nestes espaços, ampliamos esses desafios. O preconceito e os estereótipos ainda acompanham a trajetória das mulheres no campo científico, lugar que culturalmente é visto como sendo dos homens.

Acredito que estou apenas no começo da minha vida acadêmica e como uma jovem cientista e mulher ainda terei que enfrentar muitos desafios, não somente por falta de recursos financeiros, mas também lutar por respeito na academia. Minha história com a ciência começou desde 2016, quando ainda estava no ensino médio. Descobri que poderia ser uma cientista, mesmo estudando em uma escola pública, sem laboratório e que poderia mudar o mundo com uma boa ideia. Foi com esse querer mudar o mundo que consegui participar da maior feira de ciências do mundo e de diversos eventos científicos nacionais e internacionais”, destaca.

Sobre ser cientista no Brasil, Ekarinny considera que “a principal dificuldade que eu posso destacar é a de existir enquanto cientista no Brasil. Os desmontes na ciência e na educação, que vêm se tornado frequente no nosso país nos últimos cinco anos, estão tornando a produção científica um desafio para além do processo laborioso que normalmente se é pesquisar. Entrei no ensino médio sonhando em me tornar uma cientista numa realidade que hoje praticamente não existe mais.

Conforme explicou, a falta de estrutura para os estudantes de todos os níveis da educação, a falta de investimento em produção científica e hoje, mais do que nunca, a descredibilização da Ciência são as principais dificuldades enfrentadas. “Não que essas dificuldades vão me parar de ser a cientista que venho trabalhando pra ser, as dificuldades não me impedem de construir os sonhos que eu tenho, mas crescer enquanto cientista, num momento como esse, talvez tivesse me impedido de sonhar. Talvez tivesse me privado de existir enquanto cientista”.

Categorias
Destaque Espaços Matracas Sugere

Mad Men: uma obra-prima que mostra as revoluções individuais e coletivas nos anos 50/60

Texto de Nathalia Rebouças

Parece uma série sobre publicidade nos anos 50 e 60. Apesar do tema ocupar de forma primorosa o pano de fundo dessa série, não é esse o foco principal de Mad Men. É uma história sobre pessoas. E como cada uma delas reage às transformações políticas e sociais, dessas duas décadas tão significativas para a história mundial.

Mad Men utiliza a publicidade para falar da história de Don Draper. O diretor de criação de uma agência publicitária. Admirado, invejado, criativo, cheio de conflitos. É um personagem contraditório, forte, fraco, impetuoso, resiliente. Com defeitos e qualidades que o aproximam de perfis comuns, que fazem parte da nossa rotina.

Mas o protagonismo da série é dividido com outra personagem marcante. Peggy Olson é a típica menina tímida que chega na agência para ser secretária, única função ocupada por mulheres naquela época. Aos poucos ela vai sendo descoberta. Em uma sessão de prova para um cliente ela faz um comentário que chama a atenção. Don te dá a grande chance: se tornar redatora da agência.

Em uma frase marcante, um dos clientes diz:” – uma mulher redigindo?! É como ver um cachorro tocando piano”

Peggy cresce. Ocupa o seu espaço. E vivencia diversas transformações na agência.
Na verdade, há quem diga que ela é a grande protagonista da história. Feminista nata. Sem precisar se dizer feminista. Uma mulher altiva, autônoma, corajosa e cheia de si. “Eu não preciso que um homem diga o que é melhor pra mim.”

Peggy vive a ascensão da mulher, a conquista dos direitos civis, a discussão sobre liberdade sexual e política. Um furacão de mudanças naquele momento, todas retratados na série.

A publicidade aparece em peças famosas. Slogans que até hoje não saem da cabeça da população.

Nesse processo, briga com Don, vira chefe dele e se reconcilia, ao som de Frank Sinatra, com o clássico “My Way”, a cena mais linda que já pude presenciar em se tratando de produção para as telas.

Mad Men aborda o feminismo, o machismo, o American Way of Life, os conflitos humanos, o existencialismo, a homossexualidade. Tudo isso em uma perspectiva que parece que você está assistindo uma série sobre publicidade. Ou que está assistindo uma ode ao machismo. Retratar a opressão masculina é apenas óbvio diante daquele contexto social e histórico. É a melhor série sobre pessoas e transformações que existe. Ou sobre as nossas contradições. Uma verdadeira obra-prima. A melhor de todos os tempos.