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Graicy Cunha – e o poder transformador das tranças

Hoje 20 de novembro, data em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, a revista Matracas conta a história de Graicy Karen da Cunha, 31 anos, mulher, negra, filha adotiva de pais brancos, mãe solo de dois filhos, administradora por formação e trancista por opção.  Em seus relatos ela conta como sua vida foi transformada a partir das tranças afros. Para ela que desde muito pequena foi submetida a tratamentos capilares para alisar os cabelos, poder viver o natural dos seus cabelos foi a maior transformação de sua vida.

“Eu cresci em escola de pessoas brancas e de poder aquisitivo maior. Então até os meus 15 anos eu lembro que eu era ou uma das duas ou a única pessoa negra da sala. Sempre percebi que a sociedade vê como uma mulher bela, aquela que tem a pele branca e os cabelos lisos. Eu me sentia perdida nesse mundo que não era meu e achando que para ser aceita, eu precisava usar produtos químicos no cabelo para que ele ficasse liso”. Declarou.

A história de Graicy começa com o relato de uma vida inteira sendo submetida a tratamentos para alisar os cabelos com o pretexto de ser aceita por uma sociedade racista e preconceituosa. Porém, ainda adolescente, conseguiu virar a mesa, se rebelar e assumir a naturalidade dos seus cabelos crespos. Uma decisão que não mudou apenas a sua imagem, mas segundo ela, promoveu o resgate de sua própria identidade. “Pelo fato de não me reconhecer em um mundo do qual eu não fazia parte e não me identificava, eu era uma pessoa introspecta, tímida. Com 16 anos minha mãe me levava nos salões de beleza para alisar meu cabelo. Eu não aguentava mais, era sempre uma tortura para mim. Hoje eu tenho pavor de salão de beleza”, destacou.

Graicy se refere com muito carinho ao esforço que sua mãe fazia com a intenção que a filha fosse inserida na sociedade, sempre a levando para os salões para manter os cabelos lisos. “Um dia a minha mãe me levou até uma pessoa que ela tinha ficado sabendo que trançava cabelo e foi o dia mais importante e feliz da minha vida. Foi quando me senti livre e encontrei minha verdadeira identidade”, relatou.

A partir de então, Graicy aprendeu e passou a trançar o próprio cabelo e afirma que as tranças para uma mulher, principalmente se ela for negra, não é apenas um penteado, simboliza poder, libertação. “As tranças me deram liberdade e poder, eu me sinto tão forte com minhas tranças que passei a pesquisar sobre a origem das tranças, o que elas significam, foi como um reencontro com minhas raízes”, comentou.

A DESCOBERTA DE UMA PROFISSÃO

Formada em Administração, Grayce foi fazer estágio em uma empresa de comunicação e ao fim do estágio veio a contratação. Em menos de um ano foi convidada a assumir o cargo de produtora e por fim passou a diretora de produção. “Essa foi uma fase profissional pra mim muito importante, porém, difícil. Eu lembro que nos primeiros dois anos diretora de produção eu ia trabalhar chorando. Na ocasião, a maioria das pessoas com quem eu trabalhava eram homens e muitos eram irredutíveis às minhas ordens e isso me deixava muito pra baixo. Porém resisti por muito tempo e sou muito grata pelas oportunidades que me foram dadas porque me renderam grandes aprendizados”, Relata.

Grayce conta que assumir um cargo de liderança e o fato de ter que comandar um grupo composto, em sua maioria, por homens e os problemas com a não aceitação de suas ordens e opiniões a levaram a uma depressão. “Foi muito difícil, mas consegui superar. Eu lembro de casos de pessoas que chegavam para ser entrevistadas e me pediam para eu servir água e cafezinho me confundindo com a profissional que realizava esse serviço, mas nunca me incomodei e trabalhei nessa empresa por 10 anos”, detalhou.

Durante o trabalho na empresa de comunicação Graicy foi incentivada a fazer tranças em outras pessoas, colegas de trabalho. “As pessoas viam que eu tinha habilidade para fazer tranças e me pediam para trançar os cabelos delas e foi lá que consegui minha primeira cliente”, comentou. A partir de então, quando saiu da empresa de comunicação já tinha planos para trabalhar fazendo tranças e montar seu próprio espaço.

VIDAS RESGATADAS ATRAVÉS DAS TRANÇAS

Hoje, Graicy é trancista profissional e montou um espaço para atender as clientes em sua residência. É o “Ébanos Tranças”. Além de trançar o próprio cabelo e de ter conquistado uma lista de clientes, ainda ministra oficinas para mulheres que residem nas periferias, ensinando a elas a fazer tranças e diz ser um trabalho que faz com muito prazer. “Eu descobri essa minha habilidade a partir da minha necessidade de trançar o meu próprio cabelo e hoje esse é o meu trabalho. Eu estou tendo a oportunidade de conhecer histórias de mulheres incríveis, como as mulheres que fazem tratamento de câncer e chegam aqui quase sem cabelo e quando eu tranço o cabelo delas e vejo a reação após o resultado, isso pra mim não tem preço”, comentou emocionada.

O contato com as clientes que fazem tratamento de câncer surgiu a partir de amizades com pessoas que trabalham no AAPCM. Graicy conta que cada história que chega até ela é uma lição de vida. “Eu tenho cliente que chega aqui cheia de marcas e cicatrizes e depositam no meu trabalho a esperança de resgatar a autoestima e isso é uma responsabilidade muito grande e uma experiência muito importante pra mim como profissional e mulher. Quando eu consigo devolver para essa mulher um pouco de dignidade não há nada que pague isso”, detalhou

A trancista conta que ainda existe muito preconceito com as mulheres que decidem trançar os cabelos. “A intolerância com as mulheres que decidem ser o que querem ser é absurda. Tem casos aqui de mulheres que dizem que os maridos não aceitam que elas trancem os cabelos e quando elas decidem fazer mesmo contra a vontade deles sofrem retaliações dentro de casa”, contou.

As histórias entre elas, são repassadas através de um grupo de Whatsapp onde elas compartilham experiências e relatam que o preconceito com quem usa trança afro ainda é muito presente. “Eu conheço uma advogada que já manifestou o desejo de trançar os cabelos, mas não fez por medo de sofrer represália em seu trabalho”, exemplificou.

HISTÓRIA – Manipular o cabelo com tranças é técnica histórica, presente em muitas nações africanas. O princípio é simples, único, entrelaçamento de três mechas de cabelo a partir do couro cabeludo. Mas o simbolismo vai além do movimento e da beleza. Representa poder, luta, resistência ostensiva, informação, sistema de linguagem.

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Márcia Eurico, autora do “Racismo na Infância” receberá o prêmio Benedicto Galvão da OAB

Na próxima terça-feira (16/11) a professora Dra. Márcia Campos Eurico receberá o prêmio Benedicto Galvão, da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB-SP), que chega a sua décima edição.

Márcia é professora, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP e pós doutoranda pela PUC-RJ, no programa de Direito. Além de pesquisadora em Racismo Social na Infância e autora do livro “Racismo Social na Infância”, publicado pela Editora Cortez, ela vem produzindo há mais de 15 anos bibliografias sobre as relações étnicos-raciais e o racismo.

Segundo a organização da premiação a “condecoração foi instituída pela Comissão de Igualdade Racial no ano de 2012, sob a chancela do Conselho Secional, homenageando o primeiro presidente negro da Entidade (1940-1941) e enaltecendo o trabalho daqueles que, como ele, perseveram na luta em favor da equidade e da cidadania, seja com ações afirmativas, seja com políticas públicas ou privadas de inclusão social, e pela manutenção das liberdades, restaurações e preservação dos valores democráticos”.

Neste sentido, Márcia Eurico, mulher preta e periférica, entrou na universidade tardiamente, já tinha dois filhos e dividia o tempo entre os estudos e as demais jornadas tão conhecidas pelas mulheres negras, a partir do destaque que obteve. Já na graduação iniciou a docência e atualmente é professora efetiva na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus da Baixada Santista.

O prêmio Benedicto Galvão dá destaque à brilhante obra o Racismo na Infância, de Márcia. Se não bastasse sua vasta produção, a professora participa ativamente das instituições destinadas a pesquisa e estudos relativos à infância/adolescência e à luta antirracista. Sua atuação junto aos movimentos sociais é destaque em sua trajetória. Além disso, seu afeto e forma de ensinar a torna uma verdadeira educadora.

Em sua conta no Instagram (@marciaeurico) ela externa a alegria pela premiação e sua importância. “Muitas são as vozes que ecoam nesse momento e somadas a minha, traduzem em forma de palavras, a alegria desse encontro. Gostaria de compartilhar com vocês e convidar-lhes para acompanhar virtualmente, a cerimônia de premiação do X Prêmio Benedicto Galvão dá OAB. Serei premiada pelo ativismo e pela minha produção intelectuais antirracista, com destaque para o livro “Racismo na Infância”. Dedico esse prêmio a todas as mulheres negras que vieram antes de mim e aquelas com as quais compartilho a jornada hoje”.

Em 2018 a PUC-SP ficou ocupada pelos alunos (as/es) por quase uma semana, no movimento intitulado #MarciaFica! As alunas (os/es) reivindicavam a permanência da professora no Curso de Graduação em Serviço Social, ao denunciar como o racismo institucional está impregnado nas universidades. O movimento trazia à tona a dura realidade e que o Curso de Serviço Social nunca

teve em seu corpo docente uma professora (o/e) efetiva (o/e) negra (o/e) em seus mais de 70 anos de existência. Márcia Ficou, não como professora efetiva da universidade em questão, mas na história da luta contra o racismo e provando a tão famosa afirmação que quando uma mulher negra se movimenta ela movimenta o mundo (Ângela Davis). O prêmio é considerado um reconhecimento que se estende também à uma das maiores escritoras do Brasil, Carolina Maria de Jesus (in memoriam).

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Ekarinny, cientista mossoroense, ministrará palestra em evento nacional

A estudante de biomedicina, Ekarinny Myrela de Medeiros, 21 anos, mostra que ciência é coisa de menina. Uma inspiração para outras jovens cientistas, ela se prepara para, nesta sexta-feira (5), participar do VI Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino em Ciências (CONAPESC) como palestrante. “Eu vou participar do Webinário 02 que acontecerá no primeiro dia do Conapesc com o tema: Jovens na ciência: o futuro é hoje”, explica.

As desigualdades de gênero na ciência brasileira ainda são evidentes. Embora sejam perceptíveis as transformações em relação à posição das mulheres na ciência, com avanços significativos no que diz respeito à inserção e à participação das mulheres no campo científico, é evidente a necessidade de superar as desigualdades.

Graduanda de biomedicina pela FACENE-RN, Ekarinny desenvolve projetos na Iniciação Científica Júnior desde 2016 na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Ela conta que entre 2016 e 2019 participou de diversas feiras de ciências nacionais e internacionais, sendo contemplada com o quarto lugar em medicina translacional na Intel ISEF no ano de 2019. Além disso, possui experiência na produção de polímeros biodegradáveis, atualmente com atividade antimicrobiana frente a patógenos humanos e é voluntária do programa Ciência para Todos.

Desenvolvi três projetos científicos, a Embacaju: embalagem biodegradável produzida a partir do reaproveitamento da folha do caju (Anacardium occidentale); Cashew Bottle: garrafa biodegradável produzida a partir do reaproveitamento de resíduos do cajueiro (Anacardium occidentale L.) e o Desenvolvimento de cateter bioativo, proveniente do aproveitamento do líquido da castanha do caju (Anacardium Occidentale) como alternativa na prevenção de infecção sistêmica”, detalha.

Os desafios enfrentados pela geração de jovens cientistas no Brasil são muitos. Em tempos de retrocessos e da falta de investimentos voltados para ciência e tecnologia, não tem sido fácil para os jovens que optam por essa carreira. Para além dessas dificuldades, quando falamos de mulheres nestes espaços, ampliamos esses desafios. O preconceito e os estereótipos ainda acompanham a trajetória das mulheres no campo científico, lugar que culturalmente é visto como sendo dos homens.

Acredito que estou apenas no começo da minha vida acadêmica e como uma jovem cientista e mulher ainda terei que enfrentar muitos desafios, não somente por falta de recursos financeiros, mas também lutar por respeito na academia. Minha história com a ciência começou desde 2016, quando ainda estava no ensino médio. Descobri que poderia ser uma cientista, mesmo estudando em uma escola pública, sem laboratório e que poderia mudar o mundo com uma boa ideia. Foi com esse querer mudar o mundo que consegui participar da maior feira de ciências do mundo e de diversos eventos científicos nacionais e internacionais”, destaca.

Sobre ser cientista no Brasil, Ekarinny considera que “a principal dificuldade que eu posso destacar é a de existir enquanto cientista no Brasil. Os desmontes na ciência e na educação, que vêm se tornado frequente no nosso país nos últimos cinco anos, estão tornando a produção científica um desafio para além do processo laborioso que normalmente se é pesquisar. Entrei no ensino médio sonhando em me tornar uma cientista numa realidade que hoje praticamente não existe mais.

Conforme explicou, a falta de estrutura para os estudantes de todos os níveis da educação, a falta de investimento em produção científica e hoje, mais do que nunca, a descredibilização da Ciência são as principais dificuldades enfrentadas. “Não que essas dificuldades vão me parar de ser a cientista que venho trabalhando pra ser, as dificuldades não me impedem de construir os sonhos que eu tenho, mas crescer enquanto cientista, num momento como esse, talvez tivesse me impedido de sonhar. Talvez tivesse me privado de existir enquanto cientista”.

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Escola de Formação Feminista e sua contribuição para o conhecimento sobre feminismo

As lutas das mulheres pela igualdade de direitos e condições sociais entre homens e mulheres é constante numa sociedade estruturalmente machista que relativiza a violência contra mulher e sustenta a ideia de que as mulheres são inferiores. Dentro desse contexto, considerando o longo caminho que há pela frente, o feminismo segue discutindo questões que afetam as mulheres de uma forma geral, como a desvalorização do trabalho, assédio, violência em suas variadas formas, entre outros tipos de opressão. O fato é que, o feminismo continua sendo necessário para as mulheres.

Em Mossoró, o Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir (NEM/Uern), iniciou em abril desse ano a Escola de Formação Feminista. Um espaço de formação feminista que vem ampliando a compreensão do feminismo, da cidadania e dos direitos humanos. De acordo com a professora Suamy Soares, do curso de Serviço Social (FASSO), coordenadora do NEM, a ideia era que o curso fosse de uma formação continuada, construindo um espaço dentro do núcleo e que fosse um espaço de formação para discentes, docentes da Uern e para a comunidade em geral.

“Pensamos na escola de formação feminista com sete módulos, bem introdutório, para pensar sobre as pensadoras”, explica. Ao longo do curso, a Escola já trouxe estudos sobre o pensamento da bell hooks, facilitado pela professora Janaiky Alemida (UFRN); Judith Butler, com a professora Cristiane Marinho (UECE); Heleiteth Saffioti, com a professora Fernanda Marques (UERN) e Ilidiana Dinis (Ufersa); Lélia Gonzalez, com a professora Lucélia Pereira (UNB); Nancy Frazer, com a professora Mariana Manzini (UFRN) e Simone de Beauvoir, por Suamy. Ela acrescenta que a Escola de Formação Feminista será fechada esse ano com o módulo das feministas francesas, que será com Verônica Ferreira do Instituto SOS Corpo.

O curso já é considerado um sucesso e atendeu as expectativas das idealizadoras. Foram sete módulos de pensadoras clássicas e cerca de quatrocentas pessoas participaram. A consolidação desse espaço fez com que o Núcleo já projetasse a continuação. Na próxima Escola de Formação Feminista o curso será voltado para as pensadoras negras. “A gente quer focar o pensamento negro na Escola de Formação Feminista. O pensamento do feminismo negro tem grande contribuições para o entendimento do patriarcado brasileiro, machismo brasileiro, até mesmo da nossa formação sócio-histórica, enfim, a ideia é que a gente comece o ano que vem, pensando a partir dessas pensadoras negras, a partir dessa contribuição cientifica que elas estão fazendo para gente”, destaca.

A professora destaca ainda que a ideia para 2022 é que o curso seja presencial e hibrido, considerando a boa receptividade e a participação de pessoas de todo o país nos módulos que foram trabalhados no formato remoto. Dessa forma, a proposta de ser presencial e hibrido é para que continue sendo possível a participação de pessoas de outros estados. “A escola teve como fazer alguns intercâmbios nesse contexto de ensino remoto. Algumas ações foram fortes e potentes e juntou gente do brasil todo”, disse.

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Mossoró tem a primeira mulher comentarista de futebol em rádio e televisão no RN

O pioneirismo é marca registrada na história de mulheres mossoroenses. No esporte, não é diferente. Na época em que futebol ainda era considerado “coisa de homem”, a professora Celina Guimarães liderava a turma do Grupo Escolar 30 de Setembro, ao traduzir as regras do inglês e, literalmente, ensinar a prática da bola em campo. Até o início do século XX, Celina ainda não encontrava-se representada como a primeira mulher a conquistar o direito ao voto, mas já ocupava o título de primeira mulher a arbitrar uma partida de futebol.

O tempo passa e, 79 anos depois, Michelline Maciel e Edgar Pereira trazem ao mundo, na mesma Mossoró de Celina, uma menininha chamada Larissa Maciel. O gosto por futebol acompanhou o crescimento de Larissa. Ela explica como tudo começou: “a minha história com o esporte surgiu desde muito pequena, quando eu era criança. A minha família sempre foi muito ligada, principalmente ao futebol, a maioria é flamenguista. Meu avô incentivava a assistir aos jogos com ele, assim como meu tio por parte de pai. As minhas primas, que eram como irmãs e cresceram comigo, também gostavam de futebol. Eu possuía um laço familiar forte com o esporte e todo domingo tinha algo pra assistir. Então, fui crescendo com base nisso, pegando gosto e já notava que o esporte seria uma tradição na minha vida”, afirma.

O placar: 1×0 pra quem já consegue acompanhar ou imaginar a figura emblemática na qual Larissa se tornou. Primeira mulher comentarista de futebol em rádio e televisão no Rio Grande do Norte, apresentadora e repórter da área esportiva, atuante de frente no universo virtual, dona de um conteúdo todo voltado para essa área. E olha que esporte vai muito além do futebol. O universo é vasto. Larissa estudou, cresceu, construiu memórias em família, escolheu o jornalismo esportivo para seguir carreira e hoje entra em campo para jogar a partida que empresta sentido à vida.

Assim como toda boa disputa esportiva tem emoção e às vezes o atleta precisa lidar com as contrariedades, Larissa faz um aquecimento, se prepara e vai. Ser mulher em uma sociedade patriarcal é desafiador e exige preparo mental para administrar os absurdos que chegam: “Já senti o assédio por parte de jogadores, técnicos, dirigentes. Infelizmente, o caso mais atual foi agora, durante a segunda divisão do Campeonato Potiguar, quando fui ameaçada por uma pessoa que não gosta dos meus comentários. Neste mesmo campeonato, outra figura ligada ao futebol também me enviou áudios com falas tentando diminuir o meu trabalho e apuração de notícias por eu ser mulher”, revela. Engana-se quem pensa que ela abandona o jogo. A mulher de 1,56m é gigante em ousadia e aposta no conhecimento capaz de conquistar diariamente, afinal, o conhecimento é o bem que nenhuma pessoa pode nos tirar.

Subir ao pódio e trabalhar abrindo caminhos para que outras mulheres possam dominar a área esportiva no que diz respeito ao jornalismo é mais um desafio de Larissa. Ela revela que a representatividade feminina no esporte ainda é muito complexa, seja nos meios de comunicação ou na prática de atividades esportivas: “como é que em Mossoró não existe um fomento ao futebol feminino por parte das equipes profissionais? Temos equipes amadoras que precisam desse incentivo”. E quanto às mulheres na cobertura esportiva, é hora de avançar. “Se depender de mim, eu vou batalhar pra que eu possa crescer e abrir portas para outras mulheres, porque de outra forma, se formos depender do mundo masculino, não conseguiremos”, afirma.

Além de jornalista, comentarista de esporte, Larissa também adota o feminismo como movimento de vida. Se é preciso seguir regras no esporte, fora das quadras funciona da mesma forma: “feminismo pra mim está presente todos os dias, quando abro o meu blog e faço uma publicação, ou estou ao vivo na TV e posso incentivar outras meninas a buscarem espaço. E se eu puder estender a mão pra essas pessoas, me sinto dentro da causa feminista. É onde, também, entra a sororidade, quando você vê que existem outras mulheres que estão na cobertura pela imprensa, e você ajuda com uma informação”. Ela ainda destaca que abraça o feminismo, principalmente dentro do jornalismo esportivo, pois ele é uma peça importante para combater o assédio que pode acontecer.

Certamente, Celina Guimarães gostaria de ter conhecido a destemida e preparada Larissa Maciel. Taí, uma pergunta que faltou em meu roteiro, mas que deixo no ar, voltada para essa personagem inspiradora: quais projetos ligados à área esportiva você, Larissa, tocaria ao lado de Celina? A resposta servirá para um segundo momento.  Por hora, continue jogando com todo brilho! A história adaptada de Celina para Larissa não é linear, mas é construída de avanços e conquistas e é isso que verdadeiramente conta. Um Gol de placa para cada mulher que decide fazer revolução em seus espaços.

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Engenheira agrônoma quebra preconceito e assume a cabine do trator

Em todo o contexto histórico da humanidade a luta das mulheres pela  igualdade de gênero nos espaços sociais tem sido constante. Ainda hoje, século XXI, na era da informação, das transformações tecnológicas, as  mulheres seguem se mobilizando, não só para obter direitos óbvios, como também para manter os que já foram conquistados. No cenário brasileiro, desde o direito ao voto feminino, em 1932 – concedido apenas às mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para as viúvas com renda própria –, quando a Constituição Federal passou a permitir a participação das mulheres na política, à criação e liberação da pílula anticoncepcional, em 1960, o universo feminino é, sem dúvidas, permeado por exclusão, protestos e desafios. Cada conquista celebrada é resultado de movimentos revolucionários de uma ou de muitas de nós. Não existe romantização no processo. O percurso é mesmo tortuoso. Porém, toda mulher é capaz de abrir os próprios caminhos e de outras companheiras que seguirão o atalho.

Jane kelly Holanda, 41 anos de idade, faz parte de um grupo seleto de mulheres precursoras. Engenheira agronômica por formação, Jane é ciente de que as únicas diferenças entre homens e mulheres são fisiológicas e anatômicas, pois todo o resto é construção social. Logo, o que não é bom pode ser modificado. A cultura está sempre em transformação. Dessa forma, ela lidera grupos e mais grupos formados majoritariamente por homens.

Jane ocupa o cargo de primeira instrutora do curso de operação de tratores no  Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), em Mossoró, RN.  Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), ligados ao levantamento estatísticas de gêneros, revelam que, apesar de mais instruídas que os homens, as mulheres ainda enfrentam dificuldades em ocupar funções de liderança e chefia no mercado de trabalho. Somente 37,4% dos cargos de comando, em 2019, pertenciam a elas, além disso, no mesmo ano, as mulheres receberam 77,7% do rendimento dos homens, enquanto ocupavam cargos gerenciais com maior remuneração e responsabilidade. Em meio a uma seara masculina, a instrutora aparece na liderança profissional. “Desde cedo gostei de carros e sempre busquei me especializar naquilo que faço. Quando aceitei o desafio de ministrar o curso, passei por um treinamento de uma semana e hoje conheço o trator como ninguém”, afirma.  Ela compartilha que na rua já sofreu preconceito por estar ao volante de um carro sendo mulher, mas nunca se deparou com essa realidade durante a aplicação dos cursos. No entanto, a instrutora reforça: “a área agrícola precisa abrir os horizontes para mais mulheres, valorizar o trabalho dos grupos, de forma que todos possam usufruir da igualdade de direitos e deveres no campo”. Este é, portanto, o desafio das ciências agrárias e da humanidade pelos próximos anos.

Com os pés fincados no presente, Jane planta os olhos no futuro e sonha com mais abertura profissional. “Aos poucos vamos quebrando as barreiras, mostrando que temos as mesmas capacidades”, enfatiza. Ainda segundo ela, o caminho capaz de levar a esse ponto é a capacitação profissional aliada à persistência em relação aos ideais. É exatamente o que temos feito ao longo dos séculos. Cada passo conta. Para se ter uma ideia, quando Jane fala em capacitação/educação, é interessante lembrar que somente em 1879 as portas das universidades foram abertas às mulheres. Muito mais tarde, em 1988, a Constituição Brasileira passou a reconhecer as mulheres como iguais aos homens.

Ainda assim, um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em março de 2020, revela que 90% da população mundial têm algum tipo de preconceito contra mulheres. A análise mostra que o prejulgamento existe por parte de ambos os sexos, homens e mulheres. Entre os entrevistados, em 75 países, 90,6% dos homens e 86,1% das mulheres mostraram ter ao menos um preconceito na questão que envolve igualdade de gêneros. No Brasil, 89,5% revelaram ter ao menos um preconceito contra mulheres. A pergunta que surge é: como utilizar o trator e atingir as raízes de uma questão histórica para adubar a terra?

A força de ser quem somos

A verdade é que as mulheres já avançaram em diversas frentes, sendo que há muito tempo a força física deixou de ser atributo de sobrevivência, já que a Pré-História ficou para trás. Vivemos, agora, um período de transição e de transformações significativas, onde Jane kelly é uma mulher que transforma e abre portas para outras professoras ou tratoristas que devem chegar e, também, revolucionar a área agrícola daqui a alguns anos. Se no passado as coisas não eram favoráveis às mulheres, hoje temos o poder de colher os frutos plantados por nossas ancestrais e o dever de semear o campo em busca de novas colheitas. Nenhuma semente há de se perder neste chão fértil pelo machismo estrutural, ainda que, às vezes, a força mortífera dos fertilizantes e a estiagem desanimem. Estamos no caminho direcionadas a preparar o campo, com pés firmes no acelerador e mãos concentradas na direção.