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Na guitarra Hannah Melo, no baixo Laysa Santiago e na bateria Zara Caroline. Três mulheres com gostos incomuns pela música rompem a barreira do som, quebram tabus, normas e regras e decidem formar uma banda. A primeira banda de rock de Mossoró formada totalmente por mulheres. Eu me refiro à Scream Out, denominação que em português significa “gritar”, nome escolhido propositalmente para dizer que uma banda formada só por mulheres estava chegando para ocupar seu espaço e fazer muito barulho.
A denominação da banda se encaixou perfeitamente com a proposta das integrantes, que é mostrar que lugar de mulher também é no palco tocando e cantando rock. O estilo da Scream Out reúne as várias vertentes do rock. Elas uniram os gostos particulares de cada uma e essa junção resultou no trabalho que está sendo apresentado nos palcos da noite mossoroense.
A Scream Out tem pouco tempo de estrada, mas já coleciona fãs e uma agenda bem movimentada. A banda se apresentou pela primeira vez no dia 26 de junho deste ano e de lá pra cá vem traçando um caminho vertical. O repertório, cuidadosamente selecionado, inclui: indie rock, pop rock e heavy metal. Nos shows, que as meninas da Scream Out costumam chamar de “tocadas”, são apresentados covers de nomes nacionais e internacionais como: Artict Monkeys; Autoramas; White Stripes; Supercombo; Two Door Cinema Club; Interpol; The Cramberries; Pitty; Pink Floyd; Katy Perry; Amy Winehouse; Nirvana; Kings of Leon; Bon Jovi; Green Day; Maneskin; Audioslave; Red Hot Chilli Peppers; Foo Fighters; Muse; Cássia Eller; Legião Urbana; Scorpions; Marilyn Manson; Deftones, etc.
O INÍCIO
A ideia de montar uma banda só de mulheres partiu de Hannah, que convidou Laysa e por fim o convite foi feito à Zara que aceitou de imediato. Apesar de cursar veterinária, Zara respira música desde criança e conhece bem vários instrumentos. Segundo ela, o potencial de cada uma das integrantes é suficiente para executar qualquer repertório.
Zara conta que a escolha pelo instrumento bateria foi proposital mesmo. “Eu toco desde os oito anos de idade, tocava na igreja e todos os instrumentos que aprendi a tocar foi sozinha. Eu era sempre o quebra galho na igreja, quando faltava algum instrumentista eles me chamavam para substituir. Mas o meu instrumento por definição é a bateria. Eu comecei a tocar bateria há uns cinco anos na igreja da qual eu faço parte. A banda da igreja precisava de um baterista porque há muito tempo não tinha e me fizeram a proposta para tocar bateria, me deram o repertório para ensaiar e em menos de um mês eu já estava afinada”, detalhou. Ela continua dizendo que tem verdadeira paixão por bateria e inclusive acompanha o trabalho de algumas bateristas mulheres e é fã da baterista Nina Pará, inclusive tem uma tatuagem da artista. “Outra coisa que fez me apegar à bateria é que é um instrumento bem machista, os homens acham que só eles podem tocar bem e nós mulheres bateristas estamos aqui para provar o contrário”, declara Zara.
A guitarrista Hannah teve que enfrentar outros obstáculos para seguir na música e tocar guitarra, instrumento que domina muito bem. Ela explica que o machismo dentro de casa impediu que sua família a apoiasse. Porém, munida de uma característica muito particular das mulheres, a coragem, arregaçou as mangas, foi pra escola de música aprender a tocar guitarra e hoje é um dos destaques da banda Scream Out como guitarrista. “Eu comecei a tocar com 16 anos e na aula de música eu era a única mulher que estava aprendendo a tocar guitarra. A música sempre esteve presente na minha vida, mas ao contrário de Laysa e Zara nunca tive incentivo em casa, o apoio pra seguir fazendo o que gosto vem do meu namorado que também é músico e das meninas da banda”, relata Hannah, que também é fisioterapeuta.
O primeiro ensaio foi dia 23 de fevereiro deste ano. “Nós já tínhamos definido que formaríamos a banda e que o nosso estilo seria rock, então começamos a ensaiar. Logo no primeiro ensaio, já percebemos uma conexão muito boa e vem sendo assim a cada vez que nos reunimos para montar um show”, detalhou Zara.
Desafiar. Essa é uma palavra que faz parte do dia a dia da banda Scream Out. Laysa, que é multi-instrumentista e desde muito criança toca instrumentos como flauta, teclado e violão, sabe muito bem o que significa ser desafiada. Mostrar que é capaz e que não há limites pelo fato de ser mulher é uma tarefa que ela desempenha com o mesmo prazer com que sobe aos palcos. “Eu ainda não tocava baixo e na banda precisava de uma baixista e o que eu ouvi foi que era muito difícil tocar baixo e cantar ao mesmo tempo, que era o que eu estava me propondo a fazer. Disseram até que era impossível. Foi então que decidi provar o contrário, apendi a tocar baixo e na banda eu canto e toco baixo sim”, afirmou Laysa.
A banda Scream Out, em apenas quatro meses no cenário musical de Mossoró, já acumula participações marcantes em shows realizados em vários pubs da cidade. “A primeira vez que subimos no palco como banda foi para fazer uma participação em um show e já nos emocionamos, porque a ideia era cantar apenas três músicas e o público pediu mais e foi muito massa. A partir daí começamos a montar um repertório completo e desde então estamos sempre recebendo convites para tocar em algum lugar e tudo está sendo muito maravilhoso. Estamos amando esse nosso projeto,” completou Hannah.
Em todo o contexto histórico da humanidade a luta das mulheres pela igualdade de gênero nos espaços sociais tem sido constante. Ainda hoje, século XXI, na era da informação, das transformações tecnológicas, as mulheres seguem se mobilizando, não só para obter direitos óbvios, como também para manter os que já foram conquistados. No cenário brasileiro, desde o direito ao voto feminino, em 1932 – concedido apenas às mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para as viúvas com renda própria –, quando a Constituição Federal passou a permitir a participação das mulheres na política, à criação e liberação da pílula anticoncepcional, em 1960, o universo feminino é, sem dúvidas, permeado por exclusão, protestos e desafios. Cada conquista celebrada é resultado de movimentos revolucionários de uma ou de muitas de nós. Não existe romantização no processo. O percurso é mesmo tortuoso. Porém, toda mulher é capaz de abrir os próprios caminhos e de outras companheiras que seguirão o atalho.
Jane kelly Holanda, 41 anos de idade, faz parte de um grupo seleto de mulheres precursoras. Engenheira agronômica por formação, Jane é ciente de que as únicas diferenças entre homens e mulheres são fisiológicas e anatômicas, pois todo o resto é construção social. Logo, o que não é bom pode ser modificado. A cultura está sempre em transformação. Dessa forma, ela lidera grupos e mais grupos formados majoritariamente por homens.
Jane ocupa o cargo de primeira instrutora do curso de operação de tratores no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), em Mossoró, RN. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), ligados ao levantamento estatísticas de gêneros, revelam que, apesar de mais instruídas que os homens, as mulheres ainda enfrentam dificuldades em ocupar funções de liderança e chefia no mercado de trabalho. Somente 37,4% dos cargos de comando, em 2019, pertenciam a elas, além disso, no mesmo ano, as mulheres receberam 77,7% do rendimento dos homens, enquanto ocupavam cargos gerenciais com maior remuneração e responsabilidade. Em meio a uma seara masculina, a instrutora aparece na liderança profissional. “Desde cedo gostei de carros e sempre busquei me especializar naquilo que faço. Quando aceitei o desafio de ministrar o curso, passei por um treinamento de uma semana e hoje conheço o trator como ninguém”, afirma. Ela compartilha que na rua já sofreu preconceito por estar ao volante de um carro sendo mulher, mas nunca se deparou com essa realidade durante a aplicação dos cursos. No entanto, a instrutora reforça: “a área agrícola precisa abrir os horizontes para mais mulheres, valorizar o trabalho dos grupos, de forma que todos possam usufruir da igualdade de direitos e deveres no campo”. Este é, portanto, o desafio das ciências agrárias e da humanidade pelos próximos anos.
Com os pés fincados no presente, Jane planta os olhos no futuro e sonha com mais abertura profissional. “Aos poucos vamos quebrando as barreiras, mostrando que temos as mesmas capacidades”, enfatiza. Ainda segundo ela, o caminho capaz de levar a esse ponto é a capacitação profissional aliada à persistência em relação aos ideais. É exatamente o que temos feito ao longo dos séculos. Cada passo conta. Para se ter uma ideia, quando Jane fala em capacitação/educação, é interessante lembrar que somente em 1879 as portas das universidades foram abertas às mulheres. Muito mais tarde, em 1988, a Constituição Brasileira passou a reconhecer as mulheres como iguais aos homens.
Ainda assim, um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em março de 2020, revela que 90% da população mundial têm algum tipo de preconceito contra mulheres. A análise mostra que o prejulgamento existe por parte de ambos os sexos, homens e mulheres. Entre os entrevistados, em 75 países, 90,6% dos homens e 86,1% das mulheres mostraram ter ao menos um preconceito na questão que envolve igualdade de gêneros. No Brasil, 89,5% revelaram ter ao menos um preconceito contra mulheres. A pergunta que surge é: como utilizar o trator e atingir as raízes de uma questão histórica para adubar a terra?
A força de ser quem somos
A verdade é que as mulheres já avançaram em diversas frentes, sendo que há muito tempo a força física deixou de ser atributo de sobrevivência, já que a Pré-História ficou para trás. Vivemos, agora, um período de transição e de transformações significativas, onde Jane kelly é uma mulher que transforma e abre portas para outras professoras ou tratoristas que devem chegar e, também, revolucionar a área agrícola daqui a alguns anos. Se no passado as coisas não eram favoráveis às mulheres, hoje temos o poder de colher os frutos plantados por nossas ancestrais e o dever de semear o campo em busca de novas colheitas. Nenhuma semente há de se perder neste chão fértil pelo machismo estrutural, ainda que, às vezes, a força mortífera dos fertilizantes e a estiagem desanimem. Estamos no caminho direcionadas a preparar o campo, com pés firmes no acelerador e mãos concentradas na direção.