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Natalia Santos

Quem foi Colette?

O cinema é responsável por nos ensinar, para além do entretenimento, sobre os mais diversos temas e, sobretudo, perpetuar na história a vida de grandes personalidades que foram importantes em sua época.

Sidonie-Gabrielle Colette foi, no início do século XX, uma escritora e intelectual francesa que não só lutou para ter direito à propriedade intelectual de seus livros, mas também questionou os costumes de sua época, os conceitos de gênero e sexualidade até então considerados normais e aceitáveis.

Em 2018, Gabrielle Colette teve sua vida representada nas telas do cinema, no filme “Colette”, dirigido por Wash Westmoreland e estrelado pela bela e talentosa Keira Knightley.

Keira interpreta com vivacidade a escritora que rompeu com diversos paradigmas que diziam respeito às mulheres de sua época. No início do filme, vemos uma Colette ainda jovem morando no interior da França, até o momento em que conhece um escritor chamado Willy, com quem vem a se casar.

Após o casamento, o marido pede que Gabrielle escreva romances baseados em suas experiências de infância, com a ressalva de que os livros seriam publicados em nome de Willy. Com o passar dos anos e cansada de trabalhar sem ter seu merecido reconhecimento, Colette decide reivindicar a autoria de suas obras.

Pela trama, podemos conhecer um pouco sobre a história do casamento abusivo de Colette, a sua luta pela igualdade e o reconhecimento de seu trabalho, bem como a descoberta de sua sexualidade. Sidonie-Gabrielle Colette foi uma mulher muito à frente do seu tempo, sendo considerada um ícone quanto aos direitos das mulheres. Se você tiver interesse em conhecer mais sobre a vida da escritora, não pode deixar de conferir este filme.

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Daiany Dantas

Casamento às cegas, machismo à vista

Não é de hoje que namoro e casamento são ingredientes do espetáculo televisivo. Quando, no início do século XX, as estrelas de cinema começaram a se tornar celebridades, tendo suas vidas documentadas e invejadas, casamentos e relacionamentos se tornaram objeto de cobertura da mídia.

O casamento como final exemplar de alguns célebres contos de fada data do século XII. Mas a experiência da mística do casamento como clímax foi incorporada pelas narrativas midiáticas com intensidade ainda maior. Deste modo, Branca de Neve, da Disney, se tornou o desenho animado que proporcionalmente mais arrecadou bilheteria na história do cinema. Inaugurando uma série de roteiros com o mesmo ponto alto: a subida da monarquia ao altar.

Mesmo passadas muitas décadas, com debates sociais sobre desigualdade de gênero e monogamia cada vez mais sofisticados, o casamento como sinônimo de final feliz é uma fórmula que, surpreendentemente, mantém o seu fascínio. Basta ter mais de trinta e cinco anos para lembrar do volumoso e interminável véu da princesa Diana Spencer subindo as escadarias da Catedral de São Paulo, em Londres, na sua internacionalmente transmitida boda com o príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica.

Romances impulsionaram a venda de publicações e filmes há mais de um século. E o casamento é o episódio de consagração social que renova a aspiração em torno dos contos de fadas, uma espécie de elo perdido do amor romântico que a cultura da mídia insiste em perseguir.

Mesmo que, após o final apoteótico, os casamentos midiáticos não preservem sua premissa de idílio entre um casal – basta ver o trágico desfecho da história de Charles e Diana –, a narrativa em torno de dois seres supostamente predestinados a serem “felizes para sempre” segue um elemento extremamente mobilizador da audiência.

Um exemplo disso é o reality Casamento às cegas Brasil, versão nacional de mais uma franquia da Endemol (mesma do Big Brother), armazenada no serviço de streaming da Netflix, desde o início de outubro.

O programa mistura os rituais de confinamento próprios a outros de seu gênero, que estimulam a competição entre pessoas colocadas em situações restritivas, à semi-infalível estética dos contos de fadas, para promover um “namoro na TV” extremo. Os e as participantes apostam todas as suas fichas numa conquista afetiva que consiste em experimentar as emoções de tentar se apaixonar por um indivíduo com o qual terão contato apenas através da voz, separados pela parede de uma cabine. E decidir, em poucos dias, se querem ou não casar com o tal ou a tal escolhida.

Dentro das cabines, não podem falar de política, nem dar pistas de suas características físicas. E tem o prazo de pouco mais de uma semana para dar match ou descartar as vozes em campo. Num processo de gamificação do amor, usam blocos de anotações para identificar as vantagens dos e das pretendentes, e tentam conquistar pontos buscando afinidade com seus parceiros e parceiras. Como num jogo de tabuleiro, ganha quem tem mais pontos.  Um riso mais alto, uma voz mais estridente, gostar de vinho, de cavalos ou ter morado no exterior se convertem em um cheque mate. Diante de opções pouco diversas e pouco tempo para reconhecer alguma intimidade, é normal que alguns participantes entrem em disputas.

Nas ante salas, mulheres e homens separam-se pelo gênero e interagem entre si. O programa é abertamente heteronormativo, não há casais homo e lesboafetivos ou não binários. No processo de reconhecimento, tornam-se competidores. As mulheres saem de cena magoadas quando dividem o interesse amoroso, os homens se apaixonam perdidamente por aquelas que atraíram a atenção de outro companheiro de jornada.

A atração física suceder o contato restrito, quando se encontram pessoalmente, não chega a surpreender. O aceite do casamento é feito às cegas, a escolha de elenco, não. Todos e todas ali parecem ter saído de um editorial de moda, com algumas raras pinceladas de diversidade. Há participantes negros e um imigrante persa. Mas todos com corpos P, no máximo um M. E visuais bastante instagramáveis.

Entretanto, o que já começa estranho e suspeito torna-se um verdadeiro show de horrores quando os casais, após se conhecerem pessoalmente, passam a dividir intimidade física e experimentar a convivência. As desigualdades começam a se acentuar e o programa assenta numa estrutura machista que é dolorosa de assistir.

A moça espontânea de riso solto que não conhecia muitos países e gastronomia judaica se torna, de repente, “chucra e pegajosa”, além de ter seus hábitos de arrumação enquadrados pelo eventual companheiro. A modelo bonitona e mãe solo que diz que precisa de alguém que goste de crianças é ridicularizada com as câmeras desligadas e assiste sua filha ser quase completamente ignorada pelo pretendente.

A gaúcha que achava ter encontrado um amor de outras vidas porque conheceu um rapaz que também havia morado no exterior, escuta do mesmo cara que dizia ser sua alma gêmea que ela seria “seu eu masculino piorado”, entre outros desaforos sobre seu trabalho, sua autonomia e seu passado, que parecem saídos de um manual de comportamento machista do século XIX.

A espera pelo famigerado dia do casamento é antecedida por ofensas e abuso psicológico. A violência sutil de proibir que a mulher beba ou fume. O aparentemente defasado gesto de se gabar do que fez na cama. Uma cartilha de ressalvas que coloca os personagens masculinos num lugar de controle, depois de exercerem suas conquistas.

A socióloga israelense Eva Illouz diz que o capitalismo colonizou o amor. Para ela, vivemos relações hiperssexualizadas, nas quais a autonomia sexual e financeira das mulheres é repreendida por uma indiferença afetiva masculina, num modo de adequar as desigualdades de gênero a este novo cenário.

Em casamento às cegas, tal revide, como instrumento de dominação e controle dos corpos das mulheres, é evidente. Uma das participantes, possivelmente a mais romântica e idealizadora do grupo de cinco finalistas, lamenta que, enquanto ela tem planos para o futuro, o parceiro age como se estivesse em final de campeonato. Mas, ele está, e seja qual for o desfecho, dificilmente será perdedor.

Perdemos, todas as mulheres, ao perceber que o elo perdido do amor romântico é tão facilmente fabricado e manipulado por figurinos e cenários que se constroem em torno de situações absolutamente desprezíveis para nós. As participantes choram ao se verem cobertas com a indumentária dos vestidos de noiva. Sobretudo aquelas que decidem, no altar, dizer um sonoro não – para uma grande parte do público este, sim, o ponto alto do reality.

No “felizes para sempre” do reality brasileiro, 3 casais disseram “sim” na cerimônia roteirizada. Destes, dizem os fofoqueiros de plantão, dois teriam terminado em seguida, um deles por telefone. O reality ganhou fãs e está virando um cult nacional. Ainda que muitos dos participantes polêmicos estejam sendo xingados na internet (não vou mentir que é uma delicinha ler pelo menos os comentários de “chernoboy”, “boy lixo” e “macho escroto” depois de presenciar tanta violência impune), a grande maioria está comemorando as centenas de milhares de seguidores que ganharam com a exposição.

Em muitos perfis nas redes sociais, observamos que eles e elas estão creditados como “ator”, “modelo” ou até mesmo “apresentador de TV”. O que passa a ideia de que o programa, como tantos outros do tipo, foi apenas um trampolim.

Para todos e todas nós, simples mortais, que ainda tentamos (cof, cof) acreditar no amor e sobreviver à decadência dos aplicativos de paquera, Casamento às cegas é uma sacudida. Nos convoca a não construirmos nossa realidade sobre contos de fadas.

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Suamy Soares

Dias mulheres virão!

Quando fui convidada a escrever para uma revista fiquei um pouco assustada e automaticamente pensei: “o que tenho a dizer de tão importante?”. Em seguida, o medo de ser lida pelo olhar do outro me atravessou. Nós, mulheres, somos constantemente questionadas quanto à nossa capacidade intelectual e isso deixa marcas profundas em nossa existência, não é à toa que muitas escritoras e/ou pesquisadoras se sentem tolhidas ou com a síndrome do impostor. Como bem disse Simone de Beauvoir: “a história mostrou-nos que os homens sempre detiveram todos os poderes concretos”, dentre eles o de universalizar a sua própria história, de forma que nós, mulheres, temos como tarefa prioritária tomar parte da elaboração do mundo, já que somos cotidianamente exploradas, oprimidas e apropriadas por uma lógica de mundo patriarcal, racista e capitalista.

Depois da hesitação, enfrentei a folha em branco para escrever e escrever é um ato de exposição pública. É como se você estivesse desnuda e nesta sociedade uma mulher despida nunca será bem lida, interpretada ou aclamada. A escrita continua sendo um ato performático masculino e quando homens leem mulheres elegem suas escritas como perfumarias, não como algo bonito, profundo ou artístico. Quem tem medo das escritas femininas? E por que eu tenho tanto medo de que leiam minhas escritas? Talvez essa pergunta-constatação tenha me feito aceitar o convite para escrever, aqui, minhas narrativas mais íntimas, criando um canal de diálogo com outras mulheres que, assim como eu, são transpassadas pelo silenciamento e apagamento de suas memórias.

Memória é resistência. Uma revista de mulheres e direcionada a mulheres é uma perturbação ao poder dos homens e também uma fagulha de entusiasmo diante de dias tão sombrios. Enquanto escrevo isso o Presidente do Brasil vetou uma proposta, já aprovada na Câmara e no Senado, de distribuição de absorventes em escolas públicas, para pessoas de baixa renda e em situação de rua; e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve sentença de 1ª instância que inocentou um homem acusado de estuprar a influenciadora digital Mari Ferrer, mesmo depois da perícia apontar sêmen do acusado no corpo da vítima. Vivemos num mundo que insiste em nos silenciar e temos muito a lamentar e com o que nos revoltar!!!

Rebelar-se contra as imposições do patriarcado, elaborando estratégias de enfrentamento ou de conciliação, tem sido uma questão de sobrevivência histórica para as mulheres de forma individual ou enquanto sujeitos coletivos. E é sobre isso que quero falar. Sobre o momento em que as mulheres tomam para si a bússola de suas próprias vidas e constroem fissuras no projeto machista e patriarcal de apagamento das mulheres. Nas palavras da feminista e pesquisadora Verônica Ferreira: “roubar a bússola de si das mãos dos outros não é fácil. Fazer uso dela é também um desafio de todos os instantes à nossa consciência, em função de tudo o que ainda é o mundo para nós, e contra nós”.

A tomada de consciência acerca das violências que nos são direcionadas, o reconhecimento que esse problema não é individual, mas coletivo, e a organização de ações concretas no campo dos direitos e da ocupação da esfera pública têm produzido fissuras na condição de subordinação das mulheres. Nosso protagonismo político e o ecoar de nossas vozes apresentaram (e apresentam) ganhos significativos na ampliação de nossa participação política, na entrada no mercado de trabalho, nos processos educativos, no enfrentamento às violências, no exercício da sexualidade e dos direitos sexuais e reprodutivos. Mas ainda há muito a conquistar.

A simples presença das mulheres no espaço público já subverte a lógica machista da nossa sociedade. Quando Simone de Beauvoir, Nísia Floresta, Angela Davis, Margarida Alves, Carolina Maria de Jesus, Laudelina de Campos Melo e tantas outras romperam com o confinamento doméstico a que foram condenadas, elas mudaram o mundo ao seu redor e possibilitaram que, mesmo com todas as angústias de ser mulher no Brasil de Bolsonaro, a gente possa sonhar com um mundo mais justo para nossas filhas, irmãs, amigas e também para os homens que carregam em si toda a toxidade dessa sociedade que os transformam em homens pela metade. bell hooks já nos ensina: “o feminismo é para todo mundo”. E ninguém que pense num mundo mais justo precisa ter medo do feminismo ou das feministas.

Também por isso o feminismo é a força mais urgente de nossa sociedade. Ao denunciar um mundo que se impõe sobre as mulheres, abre caminho para construirmos uma sociedade emancipada. Eu acredito nisso. Acredito que podemos mudar esse mundo machista, racista e elitista, porque as mulheres são constantes inundações e quando se juntam não há como contê-las. A verdadeira mudança é que eu, como muitas outras de nós, mulheres, nunca vou parar de buscar e provocar mudanças e isso é um bom motivo para expor minhas escritas aqui.

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Aryanne Queiroz

Que sejamos “loucas”; loucas por um mundo melhor

Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo. (Angela Davis)

Iniciar com uma citação de Angela Davis é algo simbólico. É deixar registrado que vozes de mulheres, negras, ativistas, devem ser escutadas. Mas não só isso. É revelar que não só mulheres brancas, de classe média, intelectuais, fazem o Feminismo. Ou poderíamos chamar de “Feminismos” (no plural)? Claro que podemos. Podemos tudo. Não só falar, registrar, revelar, vociferar, transformar, radicalizar. Só não gostaríamos de fazer isso o tempo todo, como a Angela Davis assinalou. Sabe por quê? Porque tem horas que cansamos. Aliás, vivemos cansadas de tudo. Somos, muitas vezes, taxadas de “loucas”, de “insanas”, de “malucas”, de “desajustadas”, de “desequilibradas”, de “tantãs”, de “lunáticas”, de “histéricas”, de “destrambelhadas”, entre outros “elogios” similares, simplesmente porque reclamamos, gritamos, afrontamos o que está posto pelo patriarcado e anunciamos o nosso cansaço. E todos esses adjetivos são utilizados em tom pejorativo, com o vil intuito de machucar as nossas almas e desconfigurar a nossa luta por equidade de gênero.

Agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo, como manifestou Angela Davis em sua frase, é o que mais fazemos no cotidiano. Só não somos, na maioria das vezes, legitimadas. Na atual conjuntura socioeconômica e política, muito menos. E é aí que devemos gritar mais, radicalizar, colocar a matraca para funcionar. E aqui estamos, mulheres feministas ₋ de diferentes credos, cores, áreas de atuação, orientação sexual ₋, colocando as nossas bocas no trombone, prontas para conversar, debater, denunciar e protagonizar uma luta que não pára. “Fazer isso o tempo todo”, como enuncia Angela Davis, é o nosso dever como seres humanos, não só de modo individual, em nosso seio familiar, mas de modo coletivo, unindo forças para alcançar um jeito de viver diferente e bom para todas/os/es.

Que sejamos “loucas”; loucas por um mundo melhor. Que sejamos libertárias, ativistas, como a Angela Davis foi. Que sejamos radicais; radicais na força e na coragem de driblar todos os obstáculos que se impõem a nós, mulheres cis, mulheres trans, mulheres negras, mulheres brancas, mulheres indígenas, mulheres cristãs, mulheres de todas as etnias, de todas as idades, de todos os quatro cantos do Universo (sim, podemos lutar por aquelas que vivem em outros planetas, por que não?! Quem sabe elas existam e estão silenciadas, presas, enclausuradas, como muitas de nós estamos, aqui, no Planeta Terra!).

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Ana Flávia

Primeira interventora da UFERSA: motivo de honra?

O Governo Bolsonaro tem imprimido uma série de ataques à educação pública. Dentre eles, o ato de nomear interventores para a Reitoria das nossas universidades e institutos federais. Interventores são, nada mais nada menos, do que aqueles que não foram eleitos pela comunidade acadêmica para assumir o posto máximo de gerência nas nossas instituições federais de ensino. As intervenções, que hoje passam de 20, tem características que devem ser analisadas: são firmadas em um amplo acordo político com o bolsonarismo, os militares e as oligarquias dos nossos estados; são antidemocráticas porque perseguem estudantes e servidores por meio de aberturas de Processo Administrativo Disciplinar ou tratando o movimento estudantil como caso de Polícia Federal; e, por fim, são anti-povo, uma vez que os interventores e interventoras estão nas nossas instituições para aplicar a política de expulsão da classe trabalhadora dentro delas.

Quando a intervenção na Universidade Federal Rural do Semi-Árido se consumou com a nomeação da interventora e ilegítima Ludimilla Serafim, a equipe interventora e o bolsonarismo se vangloriaram de que a UFERSA teria a primeira Reitora da história. Foram além: criticaram a postura do Diretório Central dos Estudantes da UFERSA, que se opôs ferrenhamente contra essa infâmia na história da nossa universidade, alegando que seria uma postura hipócrita, uma vez que criticava a chegada de uma mulher em um espaço de poder.

Ocorre que temos muita clareza no que defendemos: defendemos mais mulheres na política, mas não qualquer mulher. Para nós, não adianta defender uma mulher que representa tudo aquilo que nós, enquanto feministas e socialistas, combatemos: o bolsonarismo; uma sociedade desigual e injusta; e uma universidade para poucos e subserviente ao que há de mais retrógrado na política potiguar, os milicianos e as oligarquias.

Então, não podemos reduzir o enfrentamento ao Golpe na UFERSA ao ataque à “primeira reitora” da universidade, esvaziando o debate sobre o projeto político que ela representa. Primeiro, porque quem foi capaz de aceitar e barganhar o posto de interventora jamais terá a dignidade de ser Reitora. Segundo porque a nossa sororidade tem classe: é para com as mulheres trabalhadoras, que vivem na labuta diariamente, que pegam ônibus, que precisam de uma residência universitária pra morar e que dá duro pra sobreviver. A nossa luta é nesse campo.

Ora, uma interventora que toma como primeira ação a criminalização do movimento estudantil, fazendo com que a Polícia Federal bata à porta da casa de uma estudante, representante do DCE, nada mais deixa evidente que estamos numa batalha em que nos dois polos existem mulheres, mas que essas mulheres representam interesses antagônicos e que uma delas, junto com todo seu projeto político, precisa sofrer uma grande derrota. Essa derrota, caras leitoras e leitores, precisa ser liderada por todos nós e nós, mulheres estudantes da classe trabalhadora, cumprimos um papel fundamental nesse enfrentamento. Vejamos adiante porquê.

Estamos em um contexto de diversos ataques do atual governo, que nós, mulheres estudantes, nos vemos diante de condições mais acirradas, que dificultam a manutenção do nosso vínculo com as instituições de ensino. Afinal de contas, frente aos cortes orçamentários, as bolsas, que nos garantiam permanecer na UFERSA, podem ser cortadas a qualquer momento. As vagas para o auxílio creche, que há tempos não aumentam, correm o risco de diminuir frente ao número de novas ingressantes na nossa instituição. O trabalho remoto aliado ao trabalho doméstico tem nos tirado mais ainda o tempo livre.

Para nós, que há pouco tempo estávamos discutindo como ter segurança nas nossas vilas acadêmicas, como acabar com a política de assédio sexual institucional, como garantir políticas institucionais de saúde para as mulheres residentes em parceria com o Ambulatório de Ginecologia da universidade, nos vemos em uma situação ainda mais emblemática com essa pandemia.

A primeira interventora da UFERSA se apresenta como representante fiel da política de morte e de destruição dos nossos direitos. Representante fiel do bolsonarismo. Ludimilla, portanto, jamais representará a luta das mulheres do nosso povo. Quem se vende a um projeto que vem destruindo a educação pública e os direitos das mulheres jamais representará as mulheres estudantes da nossa universidade.

Nós, mulheres estudantes da UFERSA, lutamos por uma universidade democrática, popular, sem violência contra a mulher, que garanta a permanência das mulheres trabalhadoras na nossa instituição. Pelas nossas vidas, lutamos pelo FORA BOLSANARO e pelo FORA LUDIMILLA JÁ!

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Roberta Pereira

O gol vale mais que sua vida!

Sejam bem vindes! A partir de hoje estaremos juntes nessa coluna destinada ao esporte. Já confesso a vocês que meus estudos e minha paixão são dedicados ao futebol, principalmente ao futebol de várzea, e aos diversos tipos de futebol praticados na praia, nos campos de terra, na rua. Um futebol verdadeiramente coletivo, onde a sociabilidade é mais importante que a vitória. Dito isso, espero trazer a vocês discussões variadas sobre outros esportes, mas já peço desculpas se me ocupar muito tempo com o futebol!!! Além disso, ao ler meus textos você, talvez, se pergunte: mas, afinal, o tema não era esporte? Pois é, pra mim não há separação, esporte e política se misturam, o esporte é realizado por homens/mulheres/pessoas não binárias vivas e ativas, logo suas determinações não estão separadas do cotidiano.

Tanto não estão que repito o título – O gol vale mais que sua vida! O futebol espetacularizado jogado por homens “declarados” heterossexuais, esse futebol que passa na TV e que mobiliza dinheiro e multidões, finge que não existe violência contra as mulheres. Seus praticantes (jogadores, técnicos, jornalistas, entre outros) possuem uma espécie de blindagem e estão imunes a qualquer tipo de julgamento, ou seja, há uma distinção entre a carreira de jogador e a vida “privada”.  Isso quer dizer que hoje temos jogadores que cometeram algum tipo de violência contra mulher e estão firmes nas suas equipes. Recentemente o jogador Robinho seria (re) integrado a equipe do Santos F.C., a euforia tomou conta da torcida masculina, e de alguma parte da feminina, a lembrança dos feitos realizados pelo jogador na equipe praiana fez esquecer a condenação por estupro coletivo, quando era jogador no Milan na Itália. “Especialistas” em direito italiano, eufóricos, diziam que não era bem assim, que o processo estava em andamento, que a moça (vítima) era interesseira etc., etc., etc. A verdade é que o jogador havia sido condenado em primeira instância e havia recorrido da sentença. Vozes isoladas contrarias a contratação foram silenciadas e somente após a divulgação dos áudios entre os acusados que as empresas que patrocinavam o time pressionaram para romper o contrato. Alguns torcedores argumentavam que a emissora que divulgou os áudios queria derrubar o Santos F.C. e boa parte finalmente percebeu a gravidade da situação. O Santos F.C. recuou na contratação e aguardou o julgamento do recurso para romper o contrato. A condenação de 09 anos de prisão se manteve e o contrato com a equipe foi rompido. Na ocasião escrevi um poema que apresento a vocês, infelizmente um poema que se reatualiza todos os dias, são Maris, Marias, Mulheres violadas todos os dias, com seus agressores sem qualquer tipo de responsabilização.

Título pra Que?

A camisa se confundia com a pele.
Esqueciam seu nome, só sabiam Santista.
O coração com defeito aprendeu a bater pênalti.
Seu corpo acostumou com o suor escorrendo na virilha na hora do gol.

Xingava baixinho porque mora entre muitos.
Ateia, fazia promessa pro santo,
pedia pra Deus iluminista
e ainda implorava a Exu pra aparecer
um menino ou um milagre
que salvasse da vergonha e da segunda.

Vibrou paulista,
foi louca por tri em 2011
e em 2002 finalmente acabava a gozação.
A viúva do Pelé agora era a rainha do seu tempo.

Porém em terra que arqueiro alimenta cães com mulheres,
o príncipe pelado custará 10 reais.
Condenado na terra da pizza,
pedala rumo à baixada
para ter proteção na terra das laranjas.

A bancada perderá os pés daquela que alucinava
mesmo cansada da serra.
O rosto acostumado com a brisa da Vila entrará numa eterna
negação da negação.

Desligará a caixa de cores,
para evitar os dribles.
Será incapaz de olhar no campo
pois a cada lance
retornará
o toque que rasgou sua imagem.

Oxalá o gol não saia da bicicleta
que um dia aplaudiu.
Não há ópio que curará sua dor.
Porque a cada menina-mulher violada
é parte dela que
cai.

 

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Rafaela Gurgel

Relato sobre mãe de autista

Essa parte de minha história começa a partir do ano de 2011, ano que conheci meu esposo. Como qualquer casal apaixonado tínhamos planos a longo prazo, namoramos um ano, noivamos e nos casamos no ano de 2013. As expectativas eram as mesmas, pretendíamos ter filhos logo, o desejo eram dois; essa parte da história vocês entenderão mais à frente. Nosso primeiro sonho se concretizou 1 ano e três meses após nosso casamento, tudo era muito novo, estávamos felizes e encantados a cada etapa e descoberta que a vinda do nosso bebê nos proporcionava. Mês a mês levávamos nosso filho às consultas de rotina, sessão de fotos, aniversário de crianças, idas ao parque, etc. O tempo passava e nada de anormal me chamava atenção, o desenvolvimento acontecia dentro do esperado: firmou o pescocinho, sentou, engatinhou, nos olhava, sorria, chorava, balbuciava… falou sua primeira palavrinha faltando dias para o primeiro aninho: “mama!”. Meu coração explodiu de gratidão e felicidade. Andou aos exatos 1 ano e dois meses, estava tudo dentro da normalidade até que algumas situações começaram a me inquietar, ele ficava grande parte do dia com minha mãe para que eu pudesse estudar e trabalhar; nas minhas idas e vindas em casa para refeições fui surpreendida com relatos da minha mãe, onde também pude presenciar. Gabriel havia enfileirado vários carrinhos pequenos por forma e cor, ficava extremamente irritado e choroso se alguém desmanchava o que havia feito, também começou a andar na ponta dos pés, brincar de forma disfuncional e regrediu também no comportamento vocal, pois antes apontava e verbalizava algumas poucas palavras e, a partir daquele momento, só emitia estereotipias vocais sem função.

Daquele momento em diante eu não tinha a dimensão do giro que a minha vida iria dar, uma tempestade se aproximava e exigiria de mim uma força e resiliência emocional que me faria sair do casulo definitivamente. Hoje percebo a grandeza que aquele período me trouxe, dos ensinamentos e transformações pessoais e profissionais jamais sentidos em toda minha vida. Meu menininho se aproximava dos dois anos de idade quando foi levantada a hipótese do autismo, sendo indicada uma ida a um neuropediatra para uma investigação. Esta possibilidade diagnóstica mexeu muito com as estruturas familiares pois havia divergências e impacto com o que iria acontecer. Mesmo com todo o caos e temor, meu marido e eu decidimos encarar e o levamos. A primeira experiência com o médico neuropediatra não foi das melhores, ao ponto de não mais retornarmos a ele; ficamos frustrados e desmotivados diante a conduta abordada pelo profissional e isso nos fez adiar por mais alguns meses uma nova consulta.

Passado um curto período, após algumas pesquisas, encontramos uma nova possibilidade para consulta, dessa vez em Natal. Um adendo: é importante ressaltar que a nossa realidade local nos desampara quanto ao atendimento clínico, pois temos pouquíssimos médicos com essa especialidade para um público que só cresce. Quanto à nova médica da capital, gostamos bastante, fomos acolhidos e bem direcionados a quais caminhos deveríamos percorrer. Ali começava a batalha, ou saga, de conseguir uma disputada vaga para terapias no plano de saúde para atender a demanda do que Gabriel necessitava: fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. Considero este o caminho mais doloroso e penoso a se cumprir, pois é o momento em que você está de luto e precisa seguir, fora que o meu processo de luto foi dobrado – minha mãe acabava de falecer também naquela oportunidade de maneira repentina e tive que agir em meio ao caos. O meu tempo foi de dois meses, chorei, me desesperei, questionei até Deus diante tantas provações, mas lambi as feridas e enfrentei o combate. Consegui a primeira profissional para intervenção, uma psicóloga, que me acolheu, direcionou e avaliou que meu filho necessitaria de acompanhamento por tempo indeterminado. Não sei explicar com propriedade o sentimento que me acometeu naquele instante: medo, tristeza, insegurança… foram muitos… Me sentia despedaçada, perdida, sem perspectiva. O que fiz naquele momento foi orar a Deus, chorar e entregar e, acima de tudo, confiar meu filho aos cuidados da equipe que estava começando, a fonoaudióloga também entrou. Era o que poderia ser feito. Percebia que quando o medo e agonia me tomavam, internalizava aquela frase: “vai com medo mesmo!”.

Ao iniciar com as primeiras intervenções, ouvi da psicóloga e fonoaudióloga a mesma frase: “seu filho está em zona de risco para autismo!”. Para quem não sabe o que isso significa, isto quer dizer que a criança será observada e avaliada por um tempo por uma equipe multidisciplinar até que se feche ou não um laudo diagnóstico. Este protocolo é necessário para que se tenha certeza sobre qual distúrbio do neurodesenvolvimento a criança está, se realmente é autismo, TDAH ou qualquer outro transtorno de aprendizagem. Como o diagnóstico é clínico, ou seja, a partir de observações e acompanhamentos, nenhum tipo de exame de sangue ou de imagem é capaz de pontuar se o indivíduo tem TEA ou não.

Passados quase 4 anos de acompanhamentos médicos semestrais e de horas de intervenção semanal com a equipe multiprofissional, em março de 2020, fomos a neuropediatra que o acompanha e de lá saímos com o laudo definitivo: Transtorno do Espectro do Autismo, nível 1.  Ao se constatar o que antes pairava como suspeita tem seu lado confortador, surgem novos patamares, perspectivas, expectativas… enfim, novos horizontes e desafios. Ah, estes são inúmeros. Então aguardo vocês para os próximos relatos, até lá!