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Aborto: duas histórias e o que determina a legislação brasileira

Na penúltima semana de junho veio à tona dois fatos que marcaram e impactaram a vida de duas mulheres. Histórias com realidades sociais distintas, mas com alguns elementos semelhantes, principalmente pela ótica do julgamento e de como uma menina ou uma mulher são tratadas diante de um tema ainda bastante polêmico: o aborto.

No dia 20 de junho jornal The Intercep Brasil, divulgou uma matéria com um caso que chamou a atenção de diferentes instituições, pessoas e novamente uma grande polêmica gerada. De acordo com  informações divulgadas pelo jornal, à juíza Joana Ribeiro Zimmer, titular da Comarca de Tijucas, juntamente com um membro do Ministério Público, tentava convencer uma menina de 11 anos a desistir de um procedimento de aborto, que no caso da menina, era legal. A menina,  vítima de estupro, ao procurar o hospital para a realização do aborto, foi informada que, devido ao avanço da gravidez, tempo gestacional de vinte duas semanas,  precisaria de uma autorização judicial para realização do procedimento. Contudo, não existe hoje na legislação, na jurisprudência, ou mesmo doutrina, um tempo gestacional estabelecido para realização do aborto.

O conceito da palavra aborto, o define como a interrupção do processo de gravidez. O aborto (de ab-ortus) transmite a ideia de privação do nascimento, com a morte do produto da concepção. Do ponto de vista médico, aborto é a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou, ainda, segundo alguns, quando o feto mede até 16,5 cm. (A LEGISLAÇÃO SOBRE O ABORTO E SEU IMPACTO NA SAÚDE DA MULHER)

A enciclopédia jurídica determina: “Rigorosamente, malgrado a pragmática linguística consolidada e a terminologia legal adotada, existe distinção entre os vocábulos “aborto” e “abortamento” (“partus abactus, crimen procurati abortus”). Croce e Croce Jr1 esclarecem que “abortamento” corresponde ao ato de abortar, isto é, ao conjunto de meios e manobras empregado para interrupção da gravidez, enquanto que “aborto” (do latim ab + ortus = privação de nascimento; de aboriri = desaparecer) identifica o produto da concepção, morto ou inviável, dali resultante”. (ENCICLOPEDIA JURIDICA).

O penalista Heleno Cláudio Fragoso (1986) diz que “o aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto”. A partir disso, não podemos considerar que a interrupção de uma gravidez que já está com 22 duas semanas é um homicídio, como foi afirmado pela magistrada que conduzia as discussões sobre o caso da garota de 11 anos.

Existe na legislação uma clara definição do que seria o crime de aborto e o homicídio. Bittencourt apresenta a seguinte lição: “A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco aminiótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio.”.

A doutrina define como homicídio, quando em ocasião violenta alguém resolve tirar a vida do outro, será a eliminação da vida extrauterina, ou seja, de forma simplificada, é colocar um fim a vida de quem já nasceu.

No Brasil, em regra, o aborto é crime, tanto o auto-aborto ou aborto provocado por terceiros. Fazer um aborto ilegal pode acarretar em prisão de um a três anos para a mãe ou quem deu permissão para o ato. Contudo, existem três hipóteses em que o aborto é permitido: na gravidez resultante de estupro, essa situação é precedida de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal; quando põe em risco a saúde da gestante e nos casos em que o feto é anencéfalo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, decidiu que em casos de anencefalia, quando o feto tem má formação na calota craniana ou no cérebro, a mulher também pode interromper a gravidez. Na época o entendimento por parte dos os ministros é que um feto com anencefalia é natimorto e, assim sendo, a interrupção da gravidez nessa situação não é considerado aborto.

A pesquisadora Debora Diniz afirma: “O diagnóstico da má formação fetal é, sem sombra de dúvida, uma das experiências mais angustiantes que uma mulher grávida pode experimentar.”.

Após essa matéria a respeito da negativa da juíza, outras informações sobre a gravidez da menina vieram a público. De acordo com o inquérito e divulgação em outros portais de notícia, a menina teve relações sexuais de forma consentida com o filho do padrasto, um menino de 13 anos. Nessa circunstancias não se pode falar em crime de estupro, por dois motivos, primeiro pelo consentimento e o segundo ponto é que se o ato entre a criança e o adolescente não fosse consentida, teríamos um ato infracional, não mais um crime de estupro de vulnerável. Contudo, o consentimento e a idade dos envolvidos mudou tudo. Haveria algum impedimento para a realização do procedimento do aborto? Embora não sendo gerado por ato de violência sexual, tinha-se uma situação atípica, um problema familiar que precisava de amparo e uma solução por parte do Estado. Os envolvidos são pessoas em formação, que muito provavelmente não tenha conhecimento das consequências do que estavam fazendo. Em um momento na audiência a magistrada pergunta a menina se ela sabia como engravidava e a resposta foi não.

A segunda personagem dessa semana polêmica é a atriz de 21 anos, Klara Castanho, que teve sua vida íntima violada e com isso veio a público esclarecer especulações em torno de uma gravidez e colocação de criança para adoção. Uma coisa perceptível é que cada vez que uma mulher expõe uma violência sexual sofrida (nesse caso um estupro), percebemos o quanto essa mulher é atacada, julgada e condenada socialmente pelas decisões que em torno da violência sofrida. Para uma parte significativa das pessoas a culpa é sempre da vítima.  Klara Castanho foi obrigada, depois de diversas especulações, a expor que foi vítima de estupro o que resultou em uma gravidez.

A atriz não realizou o procedimento de aborto. De acordo com seu relato, só descobriu a gravidez quando estava próximo do bebê nascer. Por não desejar permanecer com a criança, resultado de uma experiência traumatizante, procurou uma advogada para proceder com os trâmites legais e assim entregá-la para adoção.

Também é relatada pela atriz a falta de empatia do médico que a atendeu que a obrigou a ouvir os batimentos cardíacos da criança e disse no atendimento que ela deveria amá-lo por carregar parte do seu DNA. Como também após o parto, ainda no hospital, foi procurada por jornalistas (buscavam informações sobre o fato), que só chegaram ao hospital após a falta de ética de alguns profissionais.

Quando a notícia de que uma mulher havia entregado uma criança para adoção, mesmo sendo divulgado junto com essa informação o fato de que essa mulher havia sido vítima de uma violência sexual, não foi poupada de julgamentos. Novamente um cenário de discussões foi estabelecido nas redes sociais. Debate sem fundamentação teórica, sociológica ou mesmo jurídico.

A atriz procurou uma advogada e pelos meios legais entregou a criança para adoção. O que diz a nossa legislação sobre a entrega de uma criança para adoção? A atriz cometeu crime ao assim fazer? Houve abandono de incapaz? Como levantando por algumas pessoas.

Na nossa legislação não é crime colocar a criança para adoção, mesmo que a gravidez não tenha sido resultado de um crime de estupro. A previsão legal de entrega voluntária de bebês para adoção foi incluída no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 2017, entrando em vigor assim o artigo 19-A. Trata-se de um mecanismo que procura proteger as crianças e evitar práticas que não são permitidas no Brasil, como aborto fora das hipóteses previstas em lei, abandono de bebês e adoção irregular. Em caso de violência sexual, a lei dispõe que a mulher pode realizar o procedimento de interrupção da gravidez, independentemente de semanas gestacionais.

A mãe que assim manifestar interesse na entrega do filho deve procurar desses lugares, postos de saúde, hospitais, conselhos tutelares ou qualquer órgão da rede de proteção à infância. A mulher será então encaminhada à Vara da Infância e da Juventude, onde será ouvida por profissional da equipe técnica composta de psicólogos, assistentes sociais, que em conjunto analisarão se ela realmente está convicta e em condições de tomar a decisão, considerando-se inclusive eventuais efeitos do estado gestacional ou puerperal.

Sobre o crime de abandono de incapaz se caracteriza quando alguém tem o dever de cuidar de um menor, mas o deixa sozinho, sem a menor capacidade de se defender de eventuais riscos. Recentemente um pai deixou a filha de 6 anos dormindo sozinha em um apartamento que ficava no 12° andar, o que terminou com a morte da criança.  A título de reflexão, houve uma grande repercussão sobre o fato? E se fosse uma mãe que deixasse uma filha de 6 anos sozinha e tivesse saído com o namorado? O nosso Código Penal não tipifica os crimes levando em consideração uma pena maior ou menor pelo critério se foi o pai ou a mãe. A lei seria aplicada da mesma forma independentemente do gênero.  Se você deixou seu filho sozinho, não importa se você é homem ou mulher, será devidamente responsabilizado. Mas e as pessoas, a sociedade, usaria/usam a mesma medida para apontar os erros paternos e maternos?

Conforme o Código Penal, o crime de abandono de incapaz se caracteriza quando uma pessoa que está sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade de terceiros é abandonada e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se de riscos, (Art. 133, CP).

A atriz, como relatado em seu perfil, procurou um profissional e os órgãos responsáveis para realizar a entrega da criança, formalizando assim pelos meios legais e não simplesmente abandonando o incapaz a desconhecidos.

A conclusão tirada a partir dos dois fatos que ganharam destaque nacional é que, as pessoas ainda cobram muito pouco dos reais responsáveis por crimes de abuso ou violência sexual. A mão do julgamento, das ofensas, ainda recai exclusivamente sobre a mulher. Não se percebe tanto interesse em identificar aqueles que violam uma mulher e que esses através do devido processo legal cumpram uma pena. Klara fez o que a maioria das pessoas ligadas a alguma entidade religiosa, apontam como solução para os casos em que a mulher engravida após sofrer violência sexual, ou seja, não fez o aborto e entregou para adoção. Preservou a vida. Mas, quantas páginas, entidades de cunho religioso manifestou apoio a Klara e disse “muito bem, você fez o certo, você poupou uma vida ao não realizar o aborto”, quantas? Eu, pelo menos, não vi nenhuma. O fato é que, uma parte da nossa sociedade permanece com o pensamento medieval de que se existe o DNA da mãe naquele feto, mesmo oriundo de uma violência sexual, essa mulher deve desenvolver o “instituto materno”, deve ter o sentimento de perdão e misericórdia e permanecer em convívio com o fruto da violência que sofreu. Por conta meramente genética a atriz ou qualquer mulher tem por obrigação amar aquela criança em formação.

Temos uma cultura que odeia as mulheres.  Tivemos duas provas essa semana, duas provas que revelaram as duas faces de um mesmo problema. A menina que é estuprada e procura atendimento para realizar o aborto recebe como veredito a condenação. E não muito diferente, a mulher que resolve ter o bebê e disponibilizá-lo, de forma legal, para adoção, recebe da nossa sociedade o mesmo tratamento. Não importa o que a mulher faça, ela na maioria das vezes vai estar errada. Porque para estar certa você precisa apenas, geneticamente, nascer com o cromossomo XY.

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Lei Maria da Penha: Como identificar se já fui vítima de violência doméstica?

A violência doméstica e familiar tem sido responsável pelo fim da vida de muitas mulheres brasileiras.  Esse tipo de violência quando não chega ao extremo, que é o feminicídio, deixa danos, que são os traumas ou marcas que ficam no corpo e na memória de quem vivenciou. Em alguns casos a violência deixa de ser psicológica, evolui para física e, consequentemente, resulta em crime de feminicídio.

O abuso nas relações segue um ciclo, que muitas vezes se inicia com palavras de xingamentos, proibições do uso de uma determinada roupa e de não poder entrar em contato com amigas (os) ou familiares. Parece surreal, mas isso compõe a rotina de quem está inserido no ciclo de violência doméstica e familiar, tendo em vista que o agressor sente a necessidade de manter o controle sobre a companheira, sobre suas escolhas, que vão desde a escolha da cor de um batom ao contato com outras pessoas.

A Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida popularmente pelo nome da mulher que impulsionou a sua criação, a Maria da Penha Fernandes, é sem dúvida um instrumento essencial no combate as práticas de violência contra mulher. Antes da existência dessa Lei algumas das penas eram revertidas em cestas básicas, considerando que a violência doméstica era tratada como crime de menor potencial ofensivo e enquadrada na Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais).

Da sua aprovação aos dias atuais, algumas alterações importantes já foram feitas. Recentemente os ministros da 6ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam, por unanimidade, que os mecanismos de proteção previstos na legislação devem ser igualmente assegurados, também, as mulheres trans.

O caso analisado pelo STJ era de uma mulher transexual constantemente agredida pelo pai que não aceitava o fato de ela se identificar com outro gênero. A decisão cabe para o caso especifico, mas estende-se para demais situações semelhantes.

Conforme afirmou o relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz: “Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

O fato é que, mesmo completando mais de uma década, mulheres desconhecem os tipos de proteção prevista na lei e essa falta de conhecimento ocasiona a aceitação de determinadas condutas por parte do parceiro sem saber que se trata muitas vezes de crime.

Por meio desse texto, seguem os cinco tipos de violência doméstica e familiar que são previstos na Maria da Penha e alguns exemplos práticos do cotidiano.

A violência física, que compreende qualquer ato de ação ou omissão que coloque em risco a integridade física da mulher. Negligenciar prestar socorro à mulher em situação de risco. Também fica configurado a violência física, neste caso, por ato de omitir assistência ou socorro a vítima. (Lei 11.340/06, art. 7°, I). Quando seu companheiro empurra você ou aperta seu braço, são exemplos de violência física.

A violência psicológica, configura-se como qualquer conduta que viole sua condição emocional, causando-lhe dano. Situações que diminua a autoestima, que prejudique o desenvolvimento pessoal, ou que degrade suas emoções, são exemplos dessa forma de violência. Além disso, qualquer ação que exponha ao constrangimento, humilhe, manipule, insulte, ridicularize ou que tenha como objetivo controlar suas ações ou crenças. (Lei 11.340/06, art. 7°, II). Os exemplos mais comuns são as humilhações, xingamentos, que pode acontecer em ambiente público, como também a vigilância constante ao controlar redes sociais ou com quem a mulher pode falar.

A violência Sexual, quando a mulher é obrigada a manter contato sexual (físico ou verbal) ou a participar de qualquer relação sexual de forma forçada, através de ameaça direta ou indireta, por meio de coerção, chantagem, manipulação, ameaça suborno ou qualquer outro mecanismo que tenha como objetivo a violação da intimidade da mulher (Lei 11.340/06, art. 7°, III).

Alguma vez se sentiu forçada pelo marido ou namorado a manter relação sexual? Entenda que qualquer ato que obriga a mulher a manter relações contra a sua vontade é considerado um estupro. O estupro marital é uma realidade ainda pouco discutida, mas de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), uma em cada três mulheres no mundo, sofreu algum tipo de constrangimento por parte de companheiros. Outro exemplo desse tipo de violência é quando o marido impede a esposa de fazer uso de métodos contraceptivos.

A violência patrimonial ocorre quando acontece a subtração, a perda, a destruição ou a retenção dos bens, objetos de valores, instrumentos pessoais além de documentos. Nessa situação o homem pega objetos de valor patrimonial pertencente ao casal ou somente à mulher e o destrói. Além desses atos, é comum em alguns processos de divórcio a sonegação de bens que são devidos à meação. (Lei 11.340/06, art. 7°, IV).

A violência moral é caracterizada pelas situações que envolvem calúnia, difamação ou injúria, aas quais a mulher foi submetida (Lei 11.340/06, art. 7°, V). Quando o homem realiza atitudes como desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir, expor a vida intima ou acusar a mulher de atos como traição, são algumas das atitudes que caracterizam essa forma de violência.

Não há dúvida de que partes dessas formas de violência estão presentes em muitas casas brasileiras e nas mais diferentes regiões do Brasil. Contudo, entre tantos fatores, a falta da independência financeira tem levado essas mulheres a permanecerem num ciclo de violência.

É necessário levar conhecimento sobre práticas e condutas que são tipificadas como crime de violência doméstica. A falta de conhecimento básico transforma atitudes criminosas (de violência doméstica) em mera conduta comum. Para que esse conhecimento chegue a todas as mulheres, é fundamental a promoção de politicas públicas de enfrentamento a violência domestica e que essas politicas, que em parte já são aplicadas, não fiquem apenas no campo da repressão, mas que possam ganhar cada vez mais força no campo educacional.

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Caso Givaldo Alves e uma análise sobre o sentimento de ódio à figura feminina

Que estamos inseridos numa cultura machista, misógina e sexista, isso boa parte das mulheres sabem, por que de uma forma ou outra, um desses elementos vai chegar à sua vida. Mas para que fique claro o significado real de cada termo, vamos às definições de cada um, acompanhados de alguns exemplos para que fique clara nossa percepção. 

O machismo pode ser definido como um sistema de representação e comportamentos que diferencia as relações entre homens e mulheres, ou seja, tem ligação com gênero, sendo caracterizado por um sistema de dominação que se confirma nas relações, onde um comporta-se de forma superior ao outro. O machismo nem sempre se apresenta de forma tão explicita, em grande parte, mostra-se sutil nas relações cotidianas, principalmente naquelas em que homem está ocupando uma posição mais favorável que as mulheres. Algumas atitudes como tentar justificar a roupa de uma vítima de assédio, acreditar que homens precisam colaborar com serviços em casa, quando na verdade também é obrigação deles, são alguns exemplos que revelam o machismo presente diariamente em nossas casas. 

E qual mulher nunca ouviu as seguintes frases: “mulher só serve para pilotar fogão”, “azul é para meninos e rosa para meninas”, essas frases compõem o que chamamos de sexismo, que pode ser definido como o conjunto de ideias ou ações que discriminam ou privilegiam um indivíduo em relação ao outro pelo sexo, gênero ou ainda também pela orientação sexual. Através do sexismo, delimitam-se papéis que devem ser assumidos por homens e mulheres levando em consideração unicamente o gênero. Dirigir um carro é para homens. Mulher deve cuidar de atividades relacionadas ao lar. Parece estranho essa afirmação, principalmente porque a mulher já conquistou diversos espaços, contudo essas mulheres ainda ganham menos que os homens e sofrem assédio muitas vezes no ambiente de trabalho. 

O sentimento de ódio, juntamente com o desprezo e repulsa, é definido como misoginia. A palavra misoginia, que tem sua origem no grego e significa ódio à mulher, surgiu a partir do termo misogynia​, ou seja, a união das partículas miseó, que significa “ódio”, e gyné, que se traduz para “mulher”.

E por que da necessidade de apresentar a definição desses termos? A explicação dos conceitos se faz necessária para entender um fato que recentemente ganhou repercussão na internet e chegou a virar notícia em diversos veículos de comunicação. Givaldo Alves, até pouco tempo atrás, era uma pessoa completamente anônima, mas em poucas semanas se tornou uma espécie de subcelebridade. Há alguns dias, ele estava morando na rua, assim como vários outros brasileiros que ficaram sem trabalho, renda e consequentemente sem um lar, porém a realidade da sua vida mudou e hoje frequenta festas, recebe beijo, atenção por onde passa, convite para se tornar candidato a deputado, conta no instagram com mais de 300 (trezentos) mil seguidores e até mesmo proposta de publicidade.

Mas o que aconteceu para em tão pouco tempo ganhar notoriedade e tanto espaço na mídia? A resposta é simples e também absurda, de acordo com o ponto de vista de muitas pessoas que se indignaram com as declarações polêmicas. O Givaldo manteve relações sexuais com uma mulher e expôs detalhes sobre os fatos. Especificou como era o corpo, deu detalhes sobre a relação, entre outras informações, que expuseram a mulher que se encontrava em surto e teria o conhecido na rua.

Ao verificar todos os holofotes que foram dados ao Givaldo, nos vem a pergunta: “qual valor nossa imagem tem para outras pessoas?”. Todos esses elementos, suas declarações, alimentaram uma população que em grande maioria despreza, menospreza, subjuga a mulher em todas as suas formas. Esse fato não é exclusivo em termos de depreciação à mulher, nossa cultura está cheia de exemplos de ações que expõem, sensualiza ou até mesmo ridiculariza a imagem da mulher. Veja as diversas músicas nos mais diversos ritmos, veja os comerciais de cerveja. Você já entrou numa feira de carros, qual a imagem é mais utilizada nessas exposições? Diariamente, devemos praticar o exercício  da reflexão de tudo que é feito quando o assunto é uma mulher, principalmente se buscamos reconhecimento. 

Não há dúvida que depois de muitos anos de reivindicações e lutas, temos conquistado direitos e a própria sociedade vem mudando a postura em relação à valorização e respeito a nossa imagem. Vejo meninas, adolescentes, que não se calam diante de atitudes machistas por parte de colegas da mesma escola ou bairro. Temos uma geração saindo do forno, cada vez mais consciente do seu papel e que não vai se calar e nem apoiar um homem que usa da exposição de detalhes íntimos de uma relação como meio de promoção pessoal. Em contrapartida, gerações de outras épocas insistem em continuar reproduzindo atitudes consideradas machistas, sexistas e misóginas. Uma mudança de postura sempre é possível, afinal todo dia é dia de se desconstruir o machismo estrutural.

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Por que a violência doméstica e outros tipos de violência contra a mulher ainda são temas discutidos?

Um tema recorrente em publicações científicas e também em diversos meios midiáticos, a violência contra mulher, segue em destaque na atualidade. Essa forma de violência, que é fruto de uma construção de décadas, continua deixando suas marcas no século XXI. O ciclo  parece não ter  fim, e mesmo quando o país avança, através de leis e políticas públicas voltadas ao combate desse tipo de violência, os números de vítimas só aumentam, principalmente, nos dois últimos anos, período da pandemia do Covid 19. Um contexto que levou as mulheres a permanecerem mais tempo em casa com seus agressores. 

A figura feminina sempre sofreu restrições, como a falta de poder de decisão sobre casamento, trabalho, sobre seu próprio corpo, entre outros tipos de liberdade.  A mulher foi historicamente oprimida por questões relacionadas à sexualidade, privadas do direito a herança em algumas sociedades antigas e, sobretudo, de outros direitos como o voto, por exemplo. Em diversas culturas, considerada incapaz de tomar decisões pessoais. E foi dentro desse contexto de desigualdade que homens e mulheres foram assumindo papéis diferentes dentro de uma sociedade em que a mulher deveria se preparar para cuidar da casa e dos filhos, e o trabalho externo seria de responsabilidade masculina.  Essa desigualdade de gênero, construída há séculos, e que perpetuada por gerações, tornou-se o principal combustível que alimenta a violência doméstica. Alguns homens, criados dentro da visão patriarcal e machista, ignora direitos e liberdade adquiridos pelas mulheres ao longo de muitas lutas. A liberdade de se vestir, de saírem de casa e exercerem uma atividade profissional, de tomarem decisões individualmente e de forma coletiva. 

A temática da violência doméstica continua sendo pauta de destaque, sobretudo, devido a uma série de fatores ligados principalmente à cultura na qual toda a sociedade está inserida. Uma cultura de opressão às escolhas das mulheres, a liberdade, ao poder de decidir. Poder este conquistado ao longo de muitas lutas.

As Leis existentes em nosso ordenamento jurídico, como a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) e Lei  do Feminicídio (13.104/2015) são instrumentos, assim como os outros, que desde sua origem buscam combater a impunidade as práticas de violência que ainda são disseminadas em nossa sociedade. 

Para que o tema violência doméstica deixe de ser pauta central em muitas discussões é preciso construir hoje o alicerce entre as atuais e futuras gerações, para que cresçam respeitando as mulheres como sujeitos históricos e detentores de direitos individuais e coletivos.   É preciso a formação de uma cultura que não reproduza mais o machismo, e tem que iniciar em casa, nas escolas, nas instituições públicas e privadas, e nos mais diversos espaços coletivos. E é preciso que a sociedade seja capaz de entender a importância dessa transformação. 

Por aqui vou encerando o papo e até a próxima coluna.