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Carta aberta ao Presidente da Câmara Municipal de Mossoró, excelentíssimo senhor vereador Lawrence Amorim

A revista Matracas lança Carta Aberta, direcionada ao presidente da Câmara Municipal de Mossoró, sobre a postura machista, misógina e homofóbica do vereador Raério Araújo, em seu discurso na sessão da Câmara na manhã desta terça-feira (14/12).

Senhor presidente,

O Brasil é marcadamente um país violento. Lamentavelmente, as maiores vítimas da violência são pobres, negros, população LGBTQUIA+ e mulheres, não necessariamente nessa ordem. Esse fato mostra, inegavelmente, que grande parte dos atos violentos são perpetrados tendo como motivadores a discriminação e o preconceito.

A partir da mobilização de setores progressistas da sociedade, o país deu um importante passo para tentar coibir a violência contra as mulheres. O advento da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, qualificou o crime de feminicídio, sendo aquele cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. 

A despeito dessa grande conquista, começamos a ter retrocessos, representados no aumento do número de feminicídios e de casos de violência doméstica. O crescimento da violência contra a população LGBTQUIA+ também assusta.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, foram registrados nada menos que 1.350 feminicídios no país, aumento de quase 1% em relação a 2019. Já a violência letal contra a população LGBTQUIA+ cresceu quase 25% em relação ao ano anterior. 

São crimes que ocorrem potencializados pelo discurso machista, misógino, discriminatório e preconceituoso, como o proferido hoje pelo vereador Raério Araújo (PSD).

É assustador, senhor presidente, que de onde se espera que venham projetos, ações e proposições que contribuam para minimizar esse grave problema, se originem comentários maldosos, com discriminação de gênero, que colocam as mulheres inferiorizadas, indignas de legitimidade na fala pública. 

Observe, senhor presidente, que a própria lei afirma que o crime de feminicídio é caracterizado quando “envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Existe algo mais nauseante de que um representante do povo se referir à postura de um adversário utilizando uma expressão retrógrada, ultrapassada e ultrajante como “mulher ruim”?

Não menos chocante foi o vereador ter utilizado o termo “baitola”, clara afronta à população LGBTQUIA+ e com o inegável propósito de desqualificar, menoscabar e marginalizar essa importante parcela da sociedade.

O discurso de hoje do vereador Raério Araújo, senhor presidente, precisa e deve ser repreendido. Não apenas porque já se tornou corriqueiro o seu destempero verbal carregado de preconceito e discriminação, mas principalmente porque ultrapassou todos os limites de civilidade. 

Deixar passar tamanho disparate equivale a dizer que a Câmara Municipal de Mossoró concorda com a postura do parlamentar.

Entre todos os agravantes da conduta preconceituosa do vereador em comento está o fato de ser ele presidente da mais importante comissão do Legislativo, sem nenhum demérito às demais.

A Comissão de Redação, Constituição e Justiça, presidida por Raério Araújo, tem, entre outras funções, a de garantir que as matérias a ela chegadas não firam a Constituição Federal da República do Brasil (CFRB). 

Nossa Carta Magna, digno presidente, nos alerta, em seu artigo 5º, “que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Absurdo que os comentários mais desairosos, as falas mais estapafúrdias, os discursos mais violentos venham sendo proferidos por aquele que deveria ser, na Câmara Municipal de Mossoró, guardião da “Constituição Cidadã”.

Se é absurdo que o presidente da Comissão de Redação, Constituição e Justiça tenha se constituído em contumaz maculador de um dos mais importantes princípios constitucionais, ainda pior será se o Legislativo mossoroense quedar silente aos arroubos nefastos e desproporcionais do vereador Raério Araújo. Ele não está acima da Constituição. Mesmo que a desrespeite reiteradamente.

Por todas as mulheres que sofrem diariamente com a violência sexista, com a discriminação, com o preconceito, pagando com suas vidas o descaso das autoridades;

Por toda a população LGBTQUIA+, agredida diariamente em sua existência e profanada em sua dignidade, exigimos do Poder Legislativo Municipal de Mossoró a adoção de medidas legais que punam o agressor e contribuam para que atos e fatos tão lamentáveis jamais voltem a acontecer.

 

 

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Colunistas Destaque Natalia Santos

MAID: A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA

Lançada em 1 de outubro desse ano, Maid superou a marca de O Gambito da Rainha e tornou-se a minissérie mais vista da Netflix até o momento. Para além de números e audiência, trata-se de uma história indispensável para todos. Inspirada no livro autobiográfico de Stephanie Land (Superação: trabalho duro, salário baixo e o dever de uma mãe solo) a série nos apresenta Alex, interpretada pela jovem e promissora atriz Margaret Qualley, uma mulher que trabalha como faxineira para pagar suas contas e sustentar a filha Maddy.

A jovem mãe solo lida diariamente com problemas financeiros e familiares, um relacionamento abusivo com o pai de Maddy e demonstra, apesar de tudo, um desejo latente por desenvolver sua escrita como maneira não só de produzir arte, mas de enfrentar os próprios demônios. Embora tenhamos uma história ambientada nos Estados Unidos, a semelhança com a vida das mulheres brasileiras é escandalosa, ao ponto de ter conquistado o público do nosso país e ter alcançado por semanas o top 10 na Netflix.

Maid mostra as diversas camadas e ciclos da violência doméstica que vemos ser perpetuada por séculos de uma maneira que é quase impossível não sofrer junto com Alex todas as suas dores. Torcemos por ela, nos enxergamos nas situações pelas quais ela passa e entendemos suas falhas e quedas. Durante os 10 episódios da minissérie, experimentamos viver um pouco do drama pessoal de uma mulher que poderia muito bem ser alguém próximo de nós e enxergamos como a violência pode aparecer sob as mais diversas facetas. 

É incrível e doloroso acompanhar a jornada de crescimento e libertação de Alex, e uma das frases que mais ficou na minha cabeça após terminar a série é quando a protagnista, em certo momento, fala sobre o ex-companheiro: “quero que ele veja que eu não tenho mais medo dele”. A série aborda de maneira incisiva a violência doméstica psicológica, tão nociva e ao mesmo tempo difícil de ser provada nos tribunais ou mesmo fora deles, uma realidade que, infelizmente, sabemos não estar assim tão longe de nós.

 É uma forma de violência doméstica muito comum, mas que infelizmente tem pouca visibilidade. Para se ter uma ideia, somente em 2021 foi sancionada a lei que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra mulher: A Lei nº 14.188, de 29 de julho de 2021, que adiciona o artigo 147–B ao Código Penal. 

Maid conta com um roteiro esplêndido, uma direção certeira e um elenco que rende atuações magníficas, sendo, talvez, uma das melhores produções da Netflix nesse ano. A mensagem, para mim, é clara: mulheres são muito mais do que um dia os homens disseram que elas poderiam ser.

¹SILVA, Mateus Rocha da. Maid: minissérie da Netflix supera audiência de O Gambito da Rainha. Techmundo, 2021. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/227265-maid-minisserie-netflix-supera-audiencia-gambito-da-rainha.htm>. Acesso em 9 de dez. de 2021.

²BRASIL. Lei 14188 de 29 de julho de 2021, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm>. Acesso em 13 de dez. de 2021.