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Clarissa Paiva Destaque

Dilemas à porta dos 40 – O peso de uma coroa

Se foi para homenagear a experiência da mulher madura, o termo coroa acabou tendo um peso extra sobre nossas cabeças.
A temida curva chega para todos; e se os ‘coroas’ ganham ares de galãs, no feminino é aquele ‘Deus nos acuda’.
Sabe a música tosca do mais tosco ainda Sérgio Reis? “Não me interessa se ela é coroa…panela velha é que faz comida boa”. Fiz o esforço de escrever isso aqui porque, enfim, há leitoras mais jovens que podem não conhecer o sucesso nacional amplamente tocado e dançado por aí. Pois é… A gente perde o colágeno, a cor dos cabelos, mas não perde o posto de ‘objeto’.
Pra não cair na mesmice da reclamação e das explicações óbvias de que não há graça alguma em ser assediada, vou mudar o tom aqui. Deixo um recado para as manas de vinte e poucos anos:
Amores, vocês estarão prontas; não temam envelhecer. Seus pescoços e ombros já estarão fortes para o peso da coroa. É possível que vocês já tenham carregado, até lá, muitas circunstâncias, pessoas e projetos que te deram o tônus e a experiência necessária. Comemorem! Vistam a coroa com toda alegria, e elevem suas cabeças. Certamente seu caminhar estará mais suave, seu sorriso mais fácil, e seu olhar mais confiante. Seus passos serão mais seguros; e mesmo em meio a caminhos escorregadios, habilidades intrínsecas surgirão como mágica.
Se você resolver recomeçar, saiba que as voltas da vida são espirais, e ainda que pareça estar no mesmo lugar, haverá sempre a experiência, te fazendo ver a partir de um novo ângulo.
O tempo já não passará despercebido; e isso é ótimo. Mesmo assim, haverá dias (espero que sejam muitos) em que você voltará a ser criança. Essa é outra vantagem: a gente descobre que nunca estará pronta; que sempre haverá novos sonhos, e que se você não encontrar ‘roupa’ para a ocasião especial, poderá ir de qualquer jeito; já que o som da opinião alheia tem menos volume, a cada ano que passa, enquanto a vontade de viver simplesmente aumenta.
Outro dia uma amiga querida exemplificou as fases da mulher como uma matrioska (boneca russa que guarda várias outras dentro de si, como em camadas). A gente deixa de ser uma, mas mantém a anterior dentro da gente. Achei muito sábia essa analogia. É assim com todo mundo. Vamos nos preenchendo de nós mesmos, e não é má ideia nos abrirmos vez ou outra para brincar com todos os nossos outros eus.
Voltando à coroa… não hesite em arremessá-la no engraçadinho que te importunar. Use força suficiente para derrubá-lo.
Cate a coroa.
Siga em frente.
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Ady Canário Colunistas Destaque

Sementes da memória e linguagem social inclusiva: “Glossário Antirracista”

 “[…] no varal de um novo tempo/escorrem as nossas lágrimas/fertilizando toda a terra/onde negras sementes resistem/reamanhecendo esperanças em nós” (Conceição Evaristo). 

 

O verso acima sintetiza parte do nosso sentimento e nos inspira, pois dessa forma nos sentimos ao ler o “Glossário Antirracista” (SESC/SP). Ficamos na esperança, sonhos e conquistas das ondas negras de resistência, em cada palavra no caminhar da geração negra. Uma obra importante para a construção da linguagem antirracista e o enfrentamento à discriminação linguística. O glossário nasce a partir do Projeto Do 13 ao 20 (Re)Existência do Povo Negro”, do Sesc São Paulo, cuja ação visa ao fortalecimento da identidade cultural e diversidade das pessoas negras, além do enfrentamento ao racismo e todas as formas de dominação.   

No contexto da discussão sobre racismo, discriminação, preconceito e desigualdades raciais em nosso país, o “Glossário Antirracista” é um marco histórico e colabora para a ampliação da linguagem social, inclusiva e antirracista que enaltece o povo negro, seu legado extremamente importante na sociedade brasileira, incluindo todos os grupos. Sabemos que, um dos modos de produção de racismo no Brasil se dá por meio do vocabulário, uso de expressões e discurso odiosos racistas, termos usados no cotidiano, sobretudo contra mulheres negras e a juventude negra, principais alvos de opressões combinadas. Ademais, são esses grupos que estão no alto do número da violência racista em suas dimensões de classe, raça e gênero.

O “Glossário Antirracista”, em síntese, analisa a linguagem e verbetes com um rico referencial bibliográfico, conceitual e histórico, tais como: “antirracismo”, “branquitude”, “consciência negra”, “diáspora africana”, “estética negra”, “genocídio”, “movimento negro”, entre outros termos de forma objetiva e didática. Entendendo, então, que essa produção antirracista reconhece as pessoas negras no campo da linguagem e no viés inclusivo, sendo um gênero relevante para a arena discursiva, pois em cada enunciado pronunciado vemos um espaço singular para a existência negra e resistência ao longo da história na cultura brasileira. Isso representa a valorização humana e cidadã.

Assim, compreendemos que a linguagem antirracista também é inclusão. Esta acontece associada a diversas formas de relações de poder e de ações humanas, de modo subjetivo, objetivo e dinâmico nas interações verbais. Consideramos o “Glossário Antirracista” a grande possibilidade de empoderar, diariamente, as pessoas que desejam contribuir com o enriquecimento de práticas antirracistas, na esperança de ampliar as formas de superação ao racismo. É importante destacarmos que outras pesquisas existem sobre o tema na perspectiva de práticas antirracistas e antipatriarcais e igualmente importantes, além da afirmação positiva das identidades negras. 

Nesse sentido, compartilhamos o link, a quem interessar ler a obra, nos desafios de estimular a leitura reafirmando o antirracismo na memória do passado, presente e futuro. Parabéns aos que fazem o “Glossário Antirracista” e pela disponibilização em ambiente digital a fim do alcance público, bem como a ampliação da linguagem antirracista e inclusiva no que diz respeito ao protagonismo negro.

https://www.sescsp.org.br/online/artigo/15462_GLOSSARIO+ANTIRRACISTA