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Caminhos da masturbação feminina: menos tabu, mais prazer

Imagine um ponto específico da anatomia humana, criado unicamente para sentir prazer! Por lá, é possível encontrar cerca de oito mil terminações nervosas, sendo o órgão mais inervado, se comparado a qualquer outra parte do corpo. Prazer! Você está diante do Clitóris! Um presente das deusas, endereçado às mulheres. E dessa vez, acredite, os homens aparecem com certa desvantagem, pois além de concentrar prazer, o pênis ainda precisa desempenhar outras funções, como reproduzir e excretar a urina. Outra boa notícia é que, este pequeno órgão, que não é tão pequeno assim, pode medir cerca de 10 centímetros de cada lado, já que se estende por dentro da vagina e ainda é capaz de dobrar de tamanho quando excitado. Essa excitação ocorre durante carreira solo ou com o estímulo de uma parceria. Sendo assim, diante de uma forma inesgotável de prazer, por que será que a “masturbação feminina” ainda não é uma prática comum?

O tema continua sendo tabu em uma roda de conversa.  Quantas de nós, mulheres, assumem publicamente, mesmo entre amigas, o fato de se masturbar com certa frequência? Quando falamos em igualdade sexual, apesar do homem não ter um ponto x voltado exclusivamente para o prazer, ainda é ele quem goza de mais liberdade, masturbação e orgasmos. Uma pesquisa internacional, divulgada pelo portal inglês Metro, após ouvir 115 mil pessoas, concluiu que os homens se masturbam 2,5 vezes a mais do que as mulheres.

É bem verdade que o cenário está sendo redesenhado. Diferente de parte das mulheres, a Assistente Social Thassila Alves garante o autoprazer e encara a masturbação como um processo de liberdade e conquista, “minhas primeiras experiências vieram logo depois de me identificar como uma mulher feminista (logo, quando entendi que tenho autonomia sobre meu corpo), um processo que levou anos. Imagine que boa parte dos meninos da minha idade muito possivelmente já tinha começado a masturbação com 11/12 anos de idade, e eu com 18/19 tive a primeira experiência sozinha”, revela.

Assim como acontece em outras áreas, a descoberta e independência sexual, muitas vezes, chegam de forma tardia para as mulheres. O fato pode estar ligado a uma série de fatores: família, religião e até falta de informação. Para Thassila, que atualmente usa o próprio perfil no instagram para falar sobre sexualidade e inspirar mulheres no caminho de mais descobertas, a primeira experiência com a masturbação “foi regada a medos, incertezas e convicções religiosas. Sim, eu achava que era errado me masturbar. Foi um processo denso, e que hoje acredito que teve um final feliz, não no sentido poético da coisa, mas como expressão concreta de autonomia sobre meu corpo”.

Dona do próprio prazer

Atualmente, além do prazer proporcionado, Thassila revela que a masturbação ocupa um espaço onde ela pode se reafirmar enquanto mulher que luta não somente pela autonomia do corpo, enquanto espaço subjetivo, mas para que outras mulheres também se reconheçam, e sejam responsáveis e donas do próprio prazer. “Penso que entender o papel da masturbação é mais que um processo de identidade do conhecimento sobre o corpo, é antes, um ato político. Primeiro porque nós mulheres não somos ensinadas ao ato, segundo porque acredito que uma boa parcela de mulheres encontra o prazer no outro (isso quando encontra), e não passa pela experiência do autoconhecimento”, destaca.

Então, por onde começar? Foi pensando nisso que procuramos a fisioterapeuta especialista na região pélvica da mulher, Dayse Bezerra, para falar sobre masturbação feminina. Ela é categórica em dizer que “até hoje existe um grande número de mulheres que não conhecem a região íntima ou nunca se tocaram de forma prazerosa por achar esse ato sujo. Porém a masturbação deve ser vista como uma questão de amor próprio, pois é o primeiro passo para o autoconhecimento”, revela. E para começar, a fisioterapeuta recomenda o uso de um espelhinho para que a mulher conheça calmamente a vagina, crie intimidade com ela, sinta o corpo, fazendo apenas o que tiver vontade no momento.

Segundo Dayse, o desafio é se deixar ser guiada pelo instinto, sem peso, pressa ou preconceito. “Você pode, inclusive, criar um ritual completamente seu, com música, aromas, livros, filmes – existem sites eróticos especializados em mulheres; foque em estar em um ambiente particular para não correr o risco de ser interrompida”, orienta. Ela garante que o exercício valerá a pena, pois se é interessante se apaixonar por outra pessoa, imagine quando essa paixão nasce como forma de poder se dar mais prazer e acolhimento?! O ato torna-se muito mais potente.

Vibrando no autoamor – Mulheres apostam em vibradores para aumentar o prazer

Falar em potência, o mercado tem investido na diversidade de produtos em prol do prazer feminino, o que por um lado pode indicar uma onda crescente de autonomia do prazer da mulher. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual, (Abeme), apenas em 2020, ano em que as pessoas ficaram em isolamento social devido à pandemia da Covid 19, o Brasil registrou a venda de R$ 2 bilhões em produtos. Já em 2021, no mercado virtual, a Dona Coelha, sex shop voltado para o publico feminino, aumentou as vendas 475% em relação ao ano anterior. Em Mossoró, de forma presencial a busca por produtos que garantem aumentar o prazer não é diferente. A empresária Angélica Gomes, há quinze anos dona do Sex shop Sensual Fetiche, conta que a timidez ainda acompanha as mulheres na hora de escolher sobre quais produtos levar, mas que isso vem mudando ao longo dos anos. Angélica também revela que “a maioria que escolhe um vibrador, por exemplo, conta que é para o autoprazer”. A empresária reforça que tem disponível mais de cinquenta tipos de vibradores, “tentamos identificar o que essa mulher busca, para que possamos indicar o melhor vibrador, se ela procura por velocidade, tamanho, se é para uso interno ou apenas para o clitóris”. E os preços variam, “Os vibradores podem ser encontrados a partir de R$ 18,00 podendo chegar a R$ 699,90”.

Segundo a fisioterapeuta Dayse, a masturbação é uma zona livre, onde é possível usar apenas as mãos ou inserir os vibradores. Sobre esse último surge uma dúvida comum entre as mulheres: será que o vibrador é capaz de diminuir a sensibilidade do clitóris? Dayse responde o seguinte: “O que acontece é que os vibradores possuem intensidades diferentes, e geralmente essa intensidade vai sendo aumentada com uso diário, chegando ao ponto onde a mulher só atinge o orgasmo através de um estímulo muito intenso, sendo inclusive bem difícil o parceiro reproduzir”, revela. Neste caso, a fisioterapeuta recomenda que se faz necessário ressensibilizar o clitóris, “reduzindo a intensidade da vibração aos poucos e associando à terapia comportamental, onde trazemos o sexo para um patamar também cognitivo, o que é de extrema importância, pois o cérebro faz parte do ato sexual,  e assim o corpo volta a se satisfazer com estímulos mais simples”, ou seja, é interessante usar o vibrador escolhendo sempre  o caminho que passa pelo equilíbrio.

Especialista explica porque a prática da masturbação faz bem para o corpo

Com a ajuda de produtos eróticos ou não, a mulher tem disponível a criatividade e o poder da mente para explorar o próprio corpo. Dayse relembra que são várias áreas de prazer e cada mulher tem suas particularidades, por isso algumas de nós sentem orgasmo com penetração, outras com o estímulo do clitóris, toque anal, mamilos, e entender essa individualidade é importante. Para não restar dúvidas, ela ainda reforça os benefícios da masturbação: “autoconhecimento do corpo e sexualidade, aumento da libido, mais produção de anticorpos, sensação de bem-estar, e melhora do desempenho sexual”, tudo isso ao alcance das mãos e de forma gratuita.

Lembra Thássila, lá do início dessa reportagem? Ela também revelou que, nos aspectos gerais, sente-se confortável em dialogar com as pessoas sobre experiências com a masturbação. Pra isso, faz uso do @tassilaalves, “acho um processo necessário a ideia de partilhar as vivências, assim, no final ninguém se sente sozinha e também construímos uma relação acolhedora”, tai um convite para segui-la hoje mesmo.

Já a fisioterapeuta Dayse Bezerra pode ser encontrada em @simplificando_a_pelve. Por lá é possível aprender mais sobre saúde do corpo e o prazer da mulher.

O sex shop que aparece na matéria está lá no @sexyshopsensual. Fale que você conheceu o endereço através da Matracas.

Para referenciar parte das informações usadas aqui, fica a indicação de um curta francês premiado, “Le Clitóris”, que mostra, de maneira didática, mas interessante, o formato e o funcionamento do clitóris. 

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Sexualidade feminina: os tabus que atrapalham o prazer

A sexualidade feminina é baseada em preconceito, tabus, crenças e muita censura. Numa sociedade machista/patriarcal as mulheres aprendem desde cedo que sua função é proporcionar prazer, procriar, que precisam ser comportadas, não podem falar abertamente sobre sexo, sobre seu próprio prazer e seus desejos. Nesse sistema que ainda se sustenta, as mulheres foram e, apesar de alguns avanços que decorrem das lutas em busca da igualdade de gênero, continuam sendo educadas dentro de uma estrutura conservadora, numa sociedade que julga mulheres que falam abertamente sobre sexo.

O fato é que toda essa estrutura atinge diretamente a capacidade da mulher sentir e viver o prazer sexual, livre de culpas, medo, insegurança. Dessa forma, acarretando uma série de outros problemas que chegam a interferir na sua qualidade de vida. Algumas mulheres não tem receio de procurar ajuda de um profissional quando sentem que existe algo de errado com sua vida sexual. Porém, existem as que não conseguem e acabam convivendo com alguns transtornos, as vezes até sem ter consciência de que se trata de um problema de saúde.

Quando falamos dos problemas que afetam a vida sexual das mulheres, não há como não evidenciar a questão das disfunções sexuais que muitas vezes são frutos desse tipo de educação pela qual passam as mulheres. A dispareunia (dor durante o ato sexual), ausência de desejo, falta de lubrificação e anorgasmia (ausência do orgasmo) são algumas das reclamações que chegam ao consultório da fisioterapeuta pélvica, Dayse Bezerra.

“Podemos dizer que as disfunções sexuais femininas são condições que afetam a qualidade da vida sexual da mulher, ou seja, condições que afetam o ciclo da resposta sexual. A grande questão aqui é que a maioria das mulheres não compreende essas queixas como um problema de saúde e acredita ser normal conviver com elas. Isso, por sua vez, só agrava o problema, pois elas não procuram tratamento e passam grande parte da vida insatisfeitas sexualmente, podendo desencadear transtornos físicos e até psicológicos”, explica.

Para Dayse, a sexualidade feminina ainda é um tabu e parte das disfunções tem origem na falta de autoconhecimento. “A maioria das mulheres não conhece o assoalho pélvico, tão pouco sabem a sua função e importância e é impossível falar de disfunções sexuais sem falar desse grupo muscular e educação sexual repressora. Nós crescemos ouvindo: ‘tira a mão daí menina!’ ‘Isso é feio!’. Enquanto os meninos são estimulados a adorarem o pênis como um troféu”, diz.

Dayse ressalta que entre as possíveis causas que contribuem para as disfunções sexuais estão: a educação sexual religiosa quando é repressora. “Quem nunca ouviu que masturbação é pecado?”, questiona. A pressão sexual, ou seja, a mulher não sente vontade de transar, mas se vê obrigada a ter relação para agradar o companheiro; condições ginecológicas (quadros inflamatórios e infecciosos); abuso físico (abuso sexual, estupro, toque não consentido, por exemplo) e psicólogo. “Vale frisar aqui a importância de uma avaliação minuciosa do caso de cada paciente, pois não são apenas causas psicológicas que levam as mulheres a desenvolverem disfunções. Tanto existem casos que decorrem da parte psicológica quanto da parte biológica”, explica.

O ponto de partida para resolver o problema, segundo a fisioterapeuta, é a informação aberta e de qualidade. Quanto mais falarmos sobre o assunto, mais mulheres se sentirão acolhidas e buscarão por ajuda. Ela considera indispensável incentivar a mulher a conhecer o próprio corpo.

“Não podemos identificar uma anormalidade se não entendemos o que é normal. Na minha consulta, uma das primeiras perguntas que faço é se a mulher tem costume de olhar a sua vulva no espelho, e muitas relatam que não, e isso independe da idade. Então a minha primeira sessão é toda voltada para a educação em saúde, durante a qual apresento todos os músculos do assoalho pélvico, suas funções, importância sexual, de continência urinária e fecal, e do outro lado da mesa encontro rostinhos maravilhados entendendo o seu corpo muitas vezes pela primeira vez. É incrível vê-las despertando o amor próprio e acreditem, isso interfere e muito no sucesso do tratamento”, revela.

A necessidade das mulheres serem assistidas por profissionais qualificados é mais uma observação importante. De acordo com Dayse não é raro relatos de mulheres que procuraram ajuda e ouviram algo como “você precisa relaxar mais”.

“O tratamento das disfunções sexuais muitas vezes conta com uma equipe multiprofissional de fisioterapeuta pélvico, ginecologista, psicólogo… e cada um exerce um papel de extrema importância no diagnóstico e condução do tratamento. Então, mulher, leia, pesquise em fontes seguras, converse com outras mulheres e faça uma escolha segura quanto aos profissionais que irão te assistir”, orienta.

As disfunções sexuais apresentam sinais e um deles é a dor na relação, podendo ser relatada como uma dor mais superficial ou profunda, conforme explica. “Vou falar uma frase para vocês que deve se tornar um mantra: dor na relação nunca será normal, nunca! Não importa se a dor ‘é só no comecinho’ como eu costumo ouvir no consultório. Nós fazemos sexo para ter prazer, se ele te gera dor, ardência, desconforto, temos aí um sinal de alerta. Procure ajuda!”, explica.

São muitas as dúvidas que norteiam as mulheres sobre seus corpos e seu prazer. Em sua página @simplificando_a_pelve, espaço através do qual Dayse amplia as discussões para além do espaço físico da sua clínica, abordando vários temas relacionados à fisioterapia pélvica e obstétrica, assim como a saúde da mulher em vários aspectos, ela consegue chegar a muitos questionamentos sobre esse universo que é a sexualidade feminina.