Santos e São Paulo, partida válida pelo campeonato Paulista, não vale nada, mas time grande tem que ganhar e derrota demite técnico.
O que importa nesse texto não é a péssima atuação do Santos por 3×0, tampouco se o campeonato é importante ou não. Apenas quero tecer algumas linhas sobre a arbitragem.
…apitou a partida e errou, errou feio, errou rude. E não adianta, o machismo está lá guardado, pronto a ser destilado. Os xingamentos misóginos e machista ecoaram no campo, nas redes, nos grupos. Vi homens fazendo o de sempre, vi mulheres reproduzindo o que aprenderam. Nenhuma solidariedade, nenhuma identificação, somente o ódio que nos ensinaram a ter de nós.
Poucas linhas para dizer que não se alteram as relações machistas e patriarcais apenas ocupando posições, temos que estar em todos os lugares mas a que preço? As vezes penso que é apenas uma moratória e eles estão a espreita esperando o primeiro erro.
A árbitra em questão já foi punida uma vez por errar. E certamente o será novamente. Porque não se discute arbitragem no Brasil. É fácil resolver o problema de forma individual e sendo uma mulher quem ganha o jogo novamente é o machismo.
Ontem no Estádio do Corinthians, que já possui o nome fantasia, mas aqui vou chamar de Estádio do Corinthians, nem arena, nem arena com nome de indústria farmacêutica, foi realizada a Final Paulista Feminino. Ainda acredito no futebol da alegria, da diversidade, da inclusão, da popularização da FESTA, que não cabe naming rights.
O primeiro jogo da final do Paulistão ocorreu no Estádio do Morumbi e o público foi baixo para uma decisão. Não chegou a 5 mil pessoas, segundo Lucas Lins, que atravessa a cidade pelo seu time do coração. O São Paulo venceu a partida por 1×0 e foi para o segundo jogo com certa vantagem. As duas equipes foram impecáveis no campeonato e o Corinthians, invicto, perdeu apenas o jogo para o São Paulo. A equipe do Morumbi só havia perdido para o Corinthians nas fases classificatórias. É preciso ser dito que não há justiça no futebol, essa justiça abstrata que conhecemos por aí, mas a final se fazia “justa” às duas melhores equipes disputando o título.
A garoa rasgando a carne num verão típico da cidade de São Paulo, mas as crianças se fizeram presentes, famílias inteiras, avós, netas, irmãs, amigas. É impensável numa final de campeonato masculino que esteja presente uma família com dois adultos e três crianças, por exemplo. Sem exageros, a conta seria no mínimo uns 500 reais. Ou seja, ver famílias inteiras no estádio é cena rara no futebol masculino espetacularizado. Imagine no futebol feminino. Mas vi mulheres demostrando amor ao seu time e afeto a suas companheiras, os casais de mulheres eram maioria no setor onde assisti à partida. As tradicionais torcidas fizeram-se presente, davam o tom da festa, incentivavam e não fizeram distinção ao gênero. Era o time do coração, da vida da história daquelas(es) que ocupavam a arquibancada. É preciso ser dito que há tempos estamos vivendo a lei do rei pelado. Isto é, nos jogos entre times da mesma cidade, os famosos derbis, não se permite torcida das duas equipes. É torcida única. E como em todo jogo de torcida única, lá estavam as(os) infiltradas(os), torcedoras(es) do time rival, segurando o grito, a raiva, a alegria, em silêncio, se fazendo invisível, pra que ninguém notasse o que estava estampado na alma.
O jogo começou com as jogadoras do São Paulo apáticas, era o frio, a torcida, a pressão de uma final, não sei, mas só deu Corinthians. Além dos dois gols de Gabi Zanotti, teve bola na trave e uma defesa incrível de Carla. Corinthians dominava a partida, porém estamos falando de uma final de campeonato e, aos 45 minutos do primeiro tempo, o São Paulo marca pelos pés de Naná.
No telão a narradora anuncia, temos na torcida a skatista Rayssa Leal, corintiana. Com sua família no camarote, a adolescente corria entre as cadeiras e uma sala que compõe o camarote. Ninguém havia notado a campeã. Após o anúncio, os pedidos de foto para quem estava próximo foi inevitável. Eu, como uma criança que pede um doce, acenava das cadeiras inferiores. Mas não, ela não me viu. Eu clamei apenas por um aceno, mas não fui notada.
Começa o segundo tempo e o São Paulo voltou imbatível. O gol deu ânimo à equipe, que atacou e chutou mais ao gol e nos lembrou que estávamos num clássico!!! O jogo ganhava ares dramáticos, se terminasse 2×1 teríamos PENALTIS, SIM pênaltis! Aquilo né, não é caixinha de surpresas nem sorte, a galera treina muito, mas na hora de bater são muitas variantes em jogo e aqui não estamos falando de máquinas nem robôs, são seres humanos, então de fato tudo pode acontecer.
Jogo se arrasta, jogadoras exaustas nas duas equipes, cãibras e desgaste físico, estamos em dezembro do segundo ano de pandemia. Mesmo as atletas podem dizer, “fora do storys”, ninguém tá bem. Ponto importante o condicionamento físico das atletas está muuuuuito superior ao de anos atrás, mostra das melhores condições de trabalho, isso não foi opinião somente dessa colunista eufórica, mas das(os) corintianas(os) Rafaela e Henrique. Para não dizer que não falei das desigualdades, certamente isso se aplica a times maiores e com mais estrutura, visto que há equipes que não possuem o mínimo para a prática do futebol.
O jogo em campo e o coração na chuteira deixavam as(os) torcedoras(es) em agonia. Entre insultos, a juíza era xingada no masculino, e gritos de é Jogo da Vida é Sangue no Olho é Tapa na Orelha, o jogo ia chegando ao final. E de novo aos 45 minutos Adriana marca para o time do Povo. No telão a hasteg #respeitaasminas.
41 mil ingressos trocados, a entrada era gratuita, os ingressos encerraram três dias antes da partida. Público presente: 30 mil pessoas numa quarta-feira fria. Em campo juízas. No jornalismo mulheres (repórteres), não sei como foi a transmissão, mas imagino que foi narrado e comentado por uma mulher. Mas na direção, dois técnicos à beira do campo. Eu quero festa, quero gol e quero mulheres em todos os espaços e funções. Posto isso, o Futebol Feminino foi Campeão, um jogo histórico com recorde de público. Eu, que sou de arquibancada, afirmo: um recorde de público diverso, de público inclusivo.
Em tempo, sim o Corinthians foi campeão e levou a tríplice coroa. Em 2021 a equipe feminina foi Campeã Paulista, Brasileira e da Libertadores.
Sejam bem vindes! A partir de hoje estaremos juntes nessa coluna destinada ao esporte. Já confesso a vocês que meus estudos e minha paixão são dedicados ao futebol, principalmente ao futebol de várzea, e aos diversos tipos de futebol praticados na praia, nos campos de terra, na rua. Um futebol verdadeiramente coletivo, onde a sociabilidade é mais importante que a vitória. Dito isso, espero trazer a vocês discussões variadas sobre outros esportes, mas já peço desculpas se me ocupar muito tempo com o futebol!!! Além disso, ao ler meus textos você, talvez, se pergunte: mas, afinal, o tema não era esporte? Pois é, pra mim não há separação, esporte e política se misturam, o esporte é realizado por homens/mulheres/pessoas não binárias vivas e ativas, logo suas determinações não estão separadas do cotidiano.
Tanto não estão que repito o título – O gol vale mais que sua vida! O futebol espetacularizado jogado por homens “declarados” heterossexuais, esse futebol que passa na TV e que mobiliza dinheiro e multidões, finge que não existe violência contra as mulheres. Seus praticantes (jogadores, técnicos, jornalistas, entre outros) possuem uma espécie de blindagem e estão imunes a qualquer tipo de julgamento, ou seja, há uma distinção entre a carreira de jogador e a vida “privada”. Isso quer dizer que hoje temos jogadores que cometeram algum tipo de violência contra mulher e estão firmes nas suas equipes. Recentemente o jogador Robinho seria (re) integrado a equipe do Santos F.C., a euforia tomou conta da torcida masculina, e de alguma parte da feminina, a lembrança dos feitos realizados pelo jogador na equipe praiana fez esquecer a condenação por estupro coletivo, quando era jogador no Milan na Itália. “Especialistas” em direito italiano, eufóricos, diziam que não era bem assim, que o processo estava em andamento, que a moça (vítima) era interesseira etc., etc., etc. A verdade é que o jogador havia sido condenado em primeira instância e havia recorrido da sentença. Vozes isoladas contrarias a contratação foram silenciadas e somente após a divulgação dos áudios entre os acusados que as empresas que patrocinavam o time pressionaram para romper o contrato. Alguns torcedores argumentavam que a emissora que divulgou os áudios queria derrubar o Santos F.C. e boa parte finalmente percebeu a gravidade da situação. O Santos F.C. recuou na contratação e aguardou o julgamento do recurso para romper o contrato. A condenação de 09 anos de prisão se manteve e o contrato com a equipe foi rompido. Na ocasião escrevi um poema que apresento a vocês, infelizmente um poema que se reatualiza todos os dias, são Maris, Marias, Mulheres violadas todos os dias, com seus agressores sem qualquer tipo de responsabilização.
Título pra Que?
A camisa se confundia com a pele.
Esqueciam seu nome, só sabiam Santista.
O coração com defeito aprendeu a bater pênalti.
Seu corpo acostumou com o suor escorrendo na virilha na hora do gol.
Xingava baixinho porque mora entre muitos.
Ateia, fazia promessa pro santo,
pedia pra Deus iluminista
e ainda implorava a Exu pra aparecer
um menino ou um milagre
que salvasse da vergonha e da segunda.
Vibrou paulista,
foi louca por tri em 2011
e em 2002 finalmente acabava a gozação.
A viúva do Pelé agora era a rainha do seu tempo.
Porém em terra que arqueiro alimenta cães com mulheres,
o príncipe pelado custará 10 reais.
Condenado na terra da pizza,
pedala rumo à baixada
para ter proteção na terra das laranjas.
A bancada perderá os pés daquela que alucinava
mesmo cansada da serra.
O rosto acostumado com a brisa da Vila entrará numa eterna
negação da negação.
Desligará a caixa de cores,
para evitar os dribles.
Será incapaz de olhar no campo
pois a cada lance
retornará
o toque que rasgou sua imagem.
Oxalá o gol não saia da bicicleta
que um dia aplaudiu.
Não há ópio que curará sua dor.
Porque a cada menina-mulher violada
é parte dela que
cai.