Texto de Luane Fernandes
Escrever sobre uma chacina não é fácil. Escrever sobre a guerra civil brasileira, menos ainda. Sim, vivemos uma guerra. E não é contra às drogas, pois os usuários continuam consumindo, comprando, muitas vezes em espaços públicos ou em seus condomínios fechados. Esse é um tema que perpassa diversos outros assuntos e eu escrevo sobre porque sou atrevida, pois é tão complexo e profundo que daria no mínimo uma monografia.
Na última semana, foram 23 mortos numa chacina na Vila Cruzeiro e a morte de Genivaldo de Jesus, um homem neuroatípico, asfixiado numa câmara de gás improvisada pela PRF de Sergipe.
No primeiro caso, 11 dos 23 mortos não tinham envolvimento em processos criminais. De toda forma, embora a polícia alegue que a “operação” tenha sido um confronto, nenhum policial foi morto. Ainda assim, essa é mais uma ação ineficaz, pois somos o país em que policiais mais morrem e mais matam. E quem é que ganha com isso?
A polícia brasileira é totalmente destreinada para realizar o seu verdadeiro papel, proteger a população. As prisões, em teoria, deveriam ser ambientes de ressocialiazão. Mas, em muitos casos, se configuram como verdadeiros campos de concentração, e os encarcerados se unem de forma política e organizada, como resposta e resistência à esse sistema desumano. É aí que surgem as facções.
A polícia é recrutada e manobrada para ver corpos favelados, pretos e neuroatípicos como alvos que devem morrer. O holocausto brasileiro de Barbacena não acabou. Nos tornamos um campo de concentração a céu aberto, pois no nazismo de Hitler, no século passado, as vítimas morriam da mesma forma que Genivaldo de Jesus morreu: sem ar, em câmaras de gás.
Sem comida, sem vacina, de bala perdida ou muito bem endereçada, sem ar: a população negra, pobre e periférica brasileira está sendo dizimada. Esse é um projeto muito bem calculado da branquitude. Em acordo com a legislação e a constituição, não existe pena de morte no Brasil. Mas as “ações policiais” mostram que existe pena de morte se você for preto, pobre, favelado, marginalizado.
Em espaços elitizados, cenas como essas não ocorrem. Afinal, a colonização ainda reverbera… Deixou resquícios e funcionou muito bem no Brasil, os pretos continuam à margem, os quilombos viraram as favelas. Os navios negreiros viraram os camburões, as senzalas viraram as prisões. Angela Davis já afirmava que as prisões estão obsoletas e são mais uma ferramenta para manter os corpos pretos encarcerados. Nunca tivemos liberdade, nunca houve abolição.
A polícia brasileira virou uma máquina de moer gente, comandada pela lógica racista da burguesia brasileira. Os ataques brutais são mais uma forma de extermínio, querem acabar com a negritude e com tudo o que é negro. Querem embranquecer a população, um projeto elaborado desde 1500.
Os policiais não lucram com essas mortes, quem lucra é a instituição racista, muito bem estabelecida. Voltando ao conceito que trago no título desse artigo, necropolítica, de Achille Mbembe: no Brasil, a desumanização dos corpos negros e periféricos é tanta, que qualquer tipo de violência é legitimada, inclusive a morte.
A política de morte do Estado precisa ter um fim. Precisamos urgentemente combater o terrorismo, a guerra declarada contra pobre e preto instalada pelo sistema capitalista burguês. O policial é o capitão do mato de outros tempos escravocratas, em busca de um inimigo comum. Não é um caso isolado. Em 2019, 75,7% das vítimas de homicídios no Brasil eram negras, mesmo sendo a maior parte da população, representando 56,8%. Os dados são do Atlas da Violência de 2021.
Educação, saúde, emprego, essas são respostas muito mais eficazes para combater a desigualdade social e a criminalidade. Uma guerra civil, na qual apenas corpos subalternizados e pretos morrem, jamais será a resposta. A militarização da polícia não é solução. O genocídio da juventude negra precisa ter fim. Parem de nos matar, parem de nos desumanizar. O Estado não pode mais determinar que as balas encontrem os corpos pretos.