O projeto feminista negro desde sua criação, trabalha o marcador racial para superar os estereótipos de gênero, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global (Akotirene, 2019).
Ocupar espaços em todas as áreas e sermos reconhecidas pela nossa competência e profissionalismo, seja no mercado de trabalho, academia ou espaços sociais e políticos que ocupamos, não é uma tarefa fácil, principalmente quando falamos das mulheres, negras de classe socialmente desfavorecida, oriundas da classe trabalhadora, onde convivemos diariamente com o racismo, machismo, sexismo, dentre outras formas de preconceitos e discriminações.
A escritora e Antropóloga Lélia Gonzalez afirmava que “a gente não nasce negro, a gente torna-se negro”, pois diariamente o sistema heteropatriarcal, de origem branca, racista, machista e LGBTfóbico, mostra as diferentes condições de oportunidades e acesso entre brancos e negros, homens e mulheres. Aliás este tem sido o perverso legado da escravidão no Brasil. Onde a população negra foi abandonada a própria sorte sem políticas de inclusão, reparação ou valorização no “pós-escravidão” ou “falsa abolição”, e as mulheres negras foram e continuam sendo as maiores vítimas deste processo de exclusão e marginalização social.
Este ano, completamos 31 anos desde o 1º Encontro de Mulheres Negras ocorrida em Santo Domingo na República Dominicana em 1992, quando a partir daí o 25 de julho passou a ser considerado pela ONU como uma data histórica e de luta, que representa as reivindicações das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas por reparação e superação das desigualdades de gênero e raça. Os dados estatísticos comprovam o fosso da desigualdade social e racial existente no Brasil, seja na área de trabalho, renda, habitação, saúde e educação etc. ou seja, uma população excluída, ignorada e desprovida de políticas públicas e sociais, ao longo de décadas, por vários governos que deixaram no limbo da marginalidade e do descaso a população negra.
Quando analisamos os dados no quesito gênero e raça, esta situação se agrava ainda mais, pois as mulheres negras são mais afetadas em todas as escalas de exclusão e violência, além de conviverem diariamente com o preconceito racial, sexual e institucional que tem resultado na exclusão de direitos e oportunidades, como descreveu a Filosofa Sueli Carneiro. O documento Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça, publicado pelo IPEA em 2015, revela o quanto a vulnerabilidade social e econômica é um componente presente na vida destas mulheres negras. Esta desigualdade de gênero e raça se acentou ainda mais no período da Pandemia de Covid de 2019, onde segundo o Informe 2 da ONU, Diretrizes sobre a Inclusão de Mulheres e Meninas da Resposta à Pandemia Covid-19, publicado em 15 de outubro de 2020, revela que a crise global provocada pela Pandemia ampliou as desigualdades de gênero e raça em todos os níveis da vida social, causando o empobrecimento e exclusão desta população, além de serem as mais atingidas pela pandemia.
Na área econômica, as mulheres negras estão em sua maioria na condição de vulnerabilidade e pobreza, pois representam o maior quantitativo de trabalhadoras no mercado informal e precarizado, sem carteira assinada e com precárias ou nenhumas relações ou vínculo trabalhista. Além de representarem o maior contingente da população em extrema pobreza, que corresponde a mais de 38% deste percentual, de mulheres na extrema pobreza, dados acentuando no pós- pandemia. Inclusive que no período da pandemia continuaram na base da pirâmide sendo as que auferiram 44% a menos da metade dos salários recebidos pelos homens brancos, conforme destacada no Informe 02 da ONU.
Nossos melhores resultados estão na área da educação, em relação ao nível de escolaridade, donde saímos de (5,65%) em 1999 para um crescimento (7,8%) em 2009. Inclusive estamos a frente dos homens negros (6,8%), mais que comparado aos anos de escolaridade de homens (8,8%) e mulheres brancas (9,7%), ainda estamos em desvantagens. Mas importante ressaltar que estes indicadores positivos se devem as políticas de Cotas e de Ações Afirmativas implementadas no Brasil em 2012.
O Relatório da UNIFEM e IPEA, destacam que a população negra é a maioria da população brasileira e que a metade desta, são compostas pelas mulheres negras, que representam mais de 23,4% do total da população no Brasil. Porém, são elas que sofrem com o fenômeno da discriminação em conjunção do racismo e do sexismo que como aponta o documento” resultam em uma espécie de asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas as dimensões da vida”. Desta forma pensar, formular e propor políticas públicas pelo estado brasileiro para reparação dos direitos e a superação das desigualdades de gênero e raça, o que nos motiva a continuar em Marcha.
Lélia Gonzalez, (1988), já nos dizia que era necessário caracterizar o racismo como um componente político e ideológico, pois suas práticas se materializam através das suas ações de discriminação racial. E que neste sentido nós mulheres negras sofremos com as várias discriminações de (raça, sexo, classe, orientação sexual), e ainda etarismo e discapacidade, são múltiplas discriminações e muitos desafios que temos que superar diariamente e de forma coletiva.
Por isso, promover o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, no dia 25 de julho e o Julho das Pretas, ressignifica nossa luta e fortalece a nossa pauta por direitos e reparação, além de evidenciar o protagonismo das mulheres negras em todas as áreas, porque sim, fazemos parte destas conquistas e avanços nas lutas por reparação, dignidade e bem viver.
#Viva a luta das Mulheres Negras
#Viva Tereza de Benguela
#Viva Tereza Maria da Conceição