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Yáscara Samara

O Tabu da gravidez da mulher com deficiência

Pode-se afirmar que falar sobre sexualidade já é um enorme tabu hoje em dia, ainda mais quando se refere as mulheres com deficiência. Quando engravidam literalmente fere aos preceitos das pessoas ditas normais, posso considerar um triplo tabu a desmistificar e o porque a sociedade sempre vê como surreal uma mulher com deficiência engravidar.

Não faz muito tempo, uns quinze anos, me descobri gravidíssima, positivo em todos os exames, dai tudo e todos acharam um absurdo total; mas por quê? Porque ninguém esta preparado para ver e falar sobre isso. A sociedade tende a infantilizar as pessoas com algum tipo de deficiência e isola de alguma forma para o convívio com tudo e todos, desmerecendo nossa capacidade de viver uma vida ativa e normal de acordo com nossas capacidades, ou seja, uma visão capacitista que somos coitadinhos, que somos apenas dignos de pena e solidariedade dos outros sempre.

Nunca tive problemas com minha sexualidade, sempre fui escancarada a falar sobre e percebi que as pessoas ficavam curiosas. Era uma enciclopédia de perguntas que nunca tive o menor problema em responder, e quando fiquei grávida também não. Apesar de ter sido uma surpresa para mim também, agi com surpresa e alegria, até porque os médicos foram muito taxativos em decretar que eu não podia engravidar, “então estou com o que Doutor? Um tumor que não é!”

Quando andava na rua, pois foi melhor época de saúde que tive, as pessoas grudavam os olhos em mim e não tiravam, além de perceber minha deficiência que, diga-se de passagem, é bem notória, devido a Artrite Reumatoide quando criança, resultando em deformações graves nos braços, mãos, pernas e dificultando minha marcha. Elas não tiravam os olhos do meu barrigão. Logo, ouvia de tudo que muitos jamais escutariam se fossem sem deficiências.

As perguntas eram de certa forma constrangedoras, mas a curiosidade e desinformação das pessoas eram maior ainda, fazendo em todos os lugares que me viam. As perguntas eram: “Oh minha filha, tadinha meu Deus quem foi que fez essa malvadeza com você?”, “você é casada?”, “seu marido é aleijado também?”, “seu filho vai nascer deficiente também né?”, “isso ai é um tumor, não é?”, “ei, já mandou prender o homem que te fez esse mau?”, “mulher, o que foi isso que fizeram com você?”. As vezes eu respondia: “eu quem quis mesmo, transei e aconteceu, normal”. Mas o normal fere, o capacitismo ainda é uma constante em nossa sociedade, ninguém sabe lidar com mulheres com deficiência e como nossas fase de vida são iguais. Gente ser diferente é normal! Temos que ser vistos em todos os lugares, se não, termos sempre voz nos meios e redes sociais. Nossa luta já quebrou muitas barreiras, mas muito ainda precisa ser feito para uma educação inclusiva de qualidade, e preparação de professores nas escolas, assim como palestras de conscientização nessas para uma inclusão verdadeira na prática, e o mais importante, sendo nós, pessoas com deficiências, como protagonistas destas capacitações, pois em muitas ocasiões apenas vejo terceiros falando sobre, sem ter ao menos sentido na pele o que é ser uma pessoa com deficiência e suas especificidades.

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Daniela Neves

VISIBILIDADE IMPORTA: algumas mulheres indígenas que têm sido essenciais para a luta dos povos originários no Brasil

Me recordo bem quando em 2017, nos trabalhos iniciais para organizar um grande evento nacional da área de Serviço Social (16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – 2019), queríamos ter na mesa de abertura representação do movimento social dos povos indígenas do Brasil. Naturalmente, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) foi nossa referência para o convite, e as lideranças do movimento indígena nacional são também grandes mulheres.

Entre as diversas lutas que são travadas pelos povos originários do nosso país, com sua grande diversidade, multiculturalidade e representantes, as mulheres indígenas expressam com riqueza e legitimidade a urgência dessa luta, a partir da força das suas comunidades e dos seus povos. Entre inúmeras mulheres com fala pública, quero indicar aqui três delas para que nós as conheçamos mais: Sônia Guajajara, Célia Xakriabá e Joênia Wapichana. Estas são lideranças indígenas com perspectivas diversas, inserções políticas distintas, mas com uma coisa em comum: a luta da mulher indígena para ser protagonista das suas próprias causas.

Como uma boa matraca, primeiro acho necessário fazer alguns alertas para a/o nossa/o leitor/a menos familiarizada/o com a realidade da população indígena no nosso país. Não é adequado chamar uma pessoa de índio. Como já nos é conhecido, esse nome foi atribuído pelos colonizadores brancos às mulheres e homens que já estavam aqui, quando eles invadiram as terras ocupadas pelos povos originários. O correto é chamar de indígena, indivíduo parte de um coletivo dos vários povos indígenas. Inúmeros indígenas já nos explicaram que eles não têm identidade com o nome índio, especialmente porque ele expressa o racismo, o preconceito e a invisibilidade que se tem sobre a vida dos povos indígenas. Um bom exemplo desse preconceito e desconhecimento foi o vídeo que viralizou na semana passada nas redes sociais, de uma professora do estado americano da Califórnia, que ridicularizou os indígenas dos EUA fazendo uma performance discriminatória e cheia de estereótipos preconceituosos.

Pois bem, feito esta indicação, posso voltar a tratar das mulheres que destaquei.

Sônia Guajajara, a que mais me identifico das três, nasceu na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, que é parte de um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil, os Guajajara. Os Guajajara habitam mais de 10 Terras Indígenas na margem oriental da Amazônia, todas situadas no Maranhão. Esse povo foi protagonista da revolta de 1901 contra os missionários capuchinhos, que teve como resposta a “última” guerra contra os indígenas nos registros oficiais da história do Brasil. Sônia Guajajara é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena feminista. Sua atuação como liderança indígena e ambiental lhe levaram a várias lutas e ações políticas, chegando a ser a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos.

Meu destaque em Sônia é a sua perspectiva feminista na luta indígena. Nos termos dela própria, em entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato, em 2020, ela afirma que:

“Ser mulher indígena no Brasil é você viver um eterno desafio, de fazer a luta, de ocupar os espaços, de protagonizar a própria história. Historicamente foi dito para nós que a gente não poderia ocupar determinados espaços. Por muito tempo as mulheres indígenas ficaram na invisibilidade, fazendo somente trabalhos nas aldeias, o que não deixa de ser importante, porque o trabalho que a gente exerce nas aldeias sempre foi esse papel orientador. Só que chega um momento que a gente acredita que pode fazer muito mais do que isso, que a gente pode também estar assumindo a linha de frente de todas as lutas. (…) Então ser mulher indígena é esse desafio permanente de reafirmar a sua cultura, a sua identidade e principalmente o seu gênero” (Sônia Guajajara, 2020).

Romper a prisão do espaço privado e assumir os espaços públicos, e especialmente a luta política para ser mulher indígena, é um traço que unifica a luta das mulheres em várias partes do mundo. E isso Sônia têm feito, e ajudada muito outras mulheres indígenas a experimentá-lo.

Célia Xakriabá também é um exemplo de protagonismo da mulher indígena que deve ser conhecido. Célia é professora militante indígena do povo Xakriabá em Minas Gerais. Foi a primeira indígena a representar seu povo trabalhando na Secretaria de Educação do estado de Minas Gerais (2015-2017) e fez parte da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2013, quando se formou em Ciências Sociais. Sua ação política tem expressiva contribuição na luta pela reestruturação dos sistemas educacionais, que prime por uma educação indígena; apoio às mulheres e à juventude indígenas para ocupar espaços de liderança na organização e representação de seus povos; e na luta pela demarcação das Terras Indígenas no Brasil.

Joênia Wapichana nasceu na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, localizada na etnoregião Murupú e na zona rural do Município de Boa Vista, Roraima. É da etnia Wapixana, um grupo étnico aruaque, que ocupa grandes regiões no norte do Brasil. Depois de concluir o ensino médio, passou a trabalhar enquanto cursava direito à noite. Formou-se em 1997 pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Como a primeira advogada indígena do Brasil, atuou na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, além de trabalhar no departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na defesa de direitos dos povos indígenas à posse de suas terras na Região Norte do Brasil. É a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, representando Roraima, durante as eleições de 2018.

Foi a partir dessas e outras mulheres indígenas que eu conheci um pouco mais a importância da luta dos povos originários no nosso país. São lutas para defender suas culturas, seus territórios, suas ancestralidades, enfim, suas existências, que precisam ser vividas sem tutela, racismo, genocídio e com preservação dos seus territórios. Mas as lutas dessas mulheres são também para a sobrevivência de todo o povo brasileiro e mundial, pois são os povos indígenas os maiores responsáveis pela preservação das nossas florestas e de vários biomas nativos que vêm sendo destruídos pelo agronegócio e pela mineração capitalista.

O lugar social e político das mulheres indígenas tem sido essencial para fortalecer as lutas dos seus povos no Brasil e em várias partes da américa latina. Vale destacar as duas marchas que elas já construíram. A última, a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas realizada em setembro desse ano em Brasília, contou com mais de 5 mil mulheres de 172 povos indígenas de todo país, e teve como tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. A violência, a violação de direitos e o genocídio que eles têm vivido nos últimos 521 anos, por essas bandas, tem que cessar. Por isso, acredito que dar visibilidade a estas histórias, além de ouvir e reverberar as falas públicas (matracas) dessas mulheres, muito importa para as lutas dos povos indígenas, mas também para construir a igualdade de gênero e fortalecer a todas nós mulheres.

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Escola de Formação Feminista e sua contribuição para o conhecimento sobre feminismo

As lutas das mulheres pela igualdade de direitos e condições sociais entre homens e mulheres é constante numa sociedade estruturalmente machista que relativiza a violência contra mulher e sustenta a ideia de que as mulheres são inferiores. Dentro desse contexto, considerando o longo caminho que há pela frente, o feminismo segue discutindo questões que afetam as mulheres de uma forma geral, como a desvalorização do trabalho, assédio, violência em suas variadas formas, entre outros tipos de opressão. O fato é que, o feminismo continua sendo necessário para as mulheres.

Em Mossoró, o Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir (NEM/Uern), iniciou em abril desse ano a Escola de Formação Feminista. Um espaço de formação feminista que vem ampliando a compreensão do feminismo, da cidadania e dos direitos humanos. De acordo com a professora Suamy Soares, do curso de Serviço Social (FASSO), coordenadora do NEM, a ideia era que o curso fosse de uma formação continuada, construindo um espaço dentro do núcleo e que fosse um espaço de formação para discentes, docentes da Uern e para a comunidade em geral.

“Pensamos na escola de formação feminista com sete módulos, bem introdutório, para pensar sobre as pensadoras”, explica. Ao longo do curso, a Escola já trouxe estudos sobre o pensamento da bell hooks, facilitado pela professora Janaiky Alemida (UFRN); Judith Butler, com a professora Cristiane Marinho (UECE); Heleiteth Saffioti, com a professora Fernanda Marques (UERN) e Ilidiana Dinis (Ufersa); Lélia Gonzalez, com a professora Lucélia Pereira (UNB); Nancy Frazer, com a professora Mariana Manzini (UFRN) e Simone de Beauvoir, por Suamy. Ela acrescenta que a Escola de Formação Feminista será fechada esse ano com o módulo das feministas francesas, que será com Verônica Ferreira do Instituto SOS Corpo.

O curso já é considerado um sucesso e atendeu as expectativas das idealizadoras. Foram sete módulos de pensadoras clássicas e cerca de quatrocentas pessoas participaram. A consolidação desse espaço fez com que o Núcleo já projetasse a continuação. Na próxima Escola de Formação Feminista o curso será voltado para as pensadoras negras. “A gente quer focar o pensamento negro na Escola de Formação Feminista. O pensamento do feminismo negro tem grande contribuições para o entendimento do patriarcado brasileiro, machismo brasileiro, até mesmo da nossa formação sócio-histórica, enfim, a ideia é que a gente comece o ano que vem, pensando a partir dessas pensadoras negras, a partir dessa contribuição cientifica que elas estão fazendo para gente”, destaca.

A professora destaca ainda que a ideia para 2022 é que o curso seja presencial e hibrido, considerando a boa receptividade e a participação de pessoas de todo o país nos módulos que foram trabalhados no formato remoto. Dessa forma, a proposta de ser presencial e hibrido é para que continue sendo possível a participação de pessoas de outros estados. “A escola teve como fazer alguns intercâmbios nesse contexto de ensino remoto. Algumas ações foram fortes e potentes e juntou gente do brasil todo”, disse.