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Violência contra mulher

A violência contra a mulher sob o olhar de Fernanda Marques

A violência contra a mulher em suas mais diferentes faces vem sendo tema de pesquisas realizadas há mais de duas décadas pela professora-doutora Fernanda Marques, pesquisadora apontada como uma referência nessa área. A busca por entender o universo das mulheres que sofrem violências e o que  pode ser feito para mudar esse cenário cada vez mais desigual são também os objetivos que movimentam o Núcleo de Estudos da Mulher (NEM), departamento da Faculdade de Serviço Social (FASSO) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Fernanda Marques, durante entrevista para a revista Matracas, revelou que as suas pesquisas em torno dessa abordagem foi iniciada no final da década de 90 e desde então vem direcionando seu trabalho a essa temática. “Desde o final da década de 70, protagonizado pelos movimentos feministas, quando as mulheres foram às ruas exibindo slogans ‘quem ama não mata’, ‘o silêncio é cúmplice da violência’, a mulher vem lutando contra a violência”, destacou.

“Quem ama não mata…”

A pesquisadora lembra que quando iniciou suas pesquisas, no final dos anos 90, já existiam vários movimentos que cobravam punições mais rígidas para agressores de mulheres. “Naquela época, o que tínhamos a nosso favor era um Juizado Especial pelo qual eram julgados vários outros tipos de agressões e os casos de violência contra a mulher. No Juizado Especial, as punições para os agressores eram: pagar cestas básicas ou prestar serviços comunitários, ou seja, eram punições que na verdade não puniam e acabavam por banalizar a violência contra as mulheres”, explica.

LEI MARIA DA PENHA

A pesquisadora Fernanda Marques ressalta a importância da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) que foi sancionada em 7 de agosto de 2006 e entrou em vigor no dia 21 de setembro de 2006. Ela destaca que se trata de uma das leis mais avançadas do mundo e reforça que a lei é fruto dos movimentos feministas que foram iniciados no final da década de 70. Para a professora, a lei é uma importante ferramenta de combate às violências sofridas por mulheres no Brasil. “As minhas pesquisas são todas voltadas para as violências domésticas que são as violências preconizadas na Lei Maria da Penha”, pontua.

Sobre a Lei Maria da Penha, Fernanda destaca que a violência doméstica se divide em cinco tipos: violência física, sexual, moral, psicológica e patrimonial, mas todas são praticadas, na grande maioria dos casos, no ambiente doméstico. A tese de doutorado de Fernanda Marques foi transformada no livro “Não se Rima Amor e Dor”, obra que está com a 1ª edição esgotada e trata exatamente da violência doméstica.

Outra pesquisa também coordenada por Fernanda foi desenvolvida no espaço do trabalho, onde foram abordados casos de violência moral e sexual sofridos por mulheres comerciárias. O levantamento foi feito em quatro cidades do RN: Natal, Mossoró, Caicó e Pau dos Ferros.

O tema violência contra as mulheres está sempre apontando novos caminhos para pesquisas. A nova pesquisa da professora é voltada para as violências sociais contra as mulheres. O levantamento inclui a abordagem sobre a frágil participação das mulheres na política, as discriminações no mercado de trabalho onde as mulheres ganham menos que os homens, entre outros pontos. “Esse meu novo trabalho está sendo direcionado para as questões étnicos-raciais e de classe, o racismo e a violência estrutural contra as mulheres negras. Nós temos um levantamento que aponta que números de violências contra mulheres brancas diminuiu enquanto que a violência contra as mulheres negras aumentou, então nesse trabalho nós vamos aprofundar nossos estudos para este novo eixo”, adiantou.

NÚMEROS ALARMANTES DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES

As pesquisas da professora Fernanda Marques revelam que o Brasil é o 5º país no mundo que mais mata mulheres e o Rio Grande do Norte é o 5º estado brasileiro que mais pratica violências contra mulheres. Segundo a Agência Patrícia Galvão, a cada 8 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, sendo que em aproximadamente 84% dos casos o crime é cometido por pessoas próximas da vítima, familiares ou pessoas de confianças da família. Os números mostram que, apesar de existir no Brasil uma lei que pune os agressores, as violências cometidas contra mulheres ainda continuam muito presentes e a mulher continua sendo um alvo fácil.

Para a pesquisadora uma das formas de se combater a violência contra as mulheres é denunciando o agressor. Ela acrescenta que quando a vítima se cala, está, de certa forma, contribuindo para que a violência continue. Além disso, segundo ela, estudos mostram que a mulher não consegue sair de um ciclo de violência sozinha e que a seu favor tem a Lei Maria Da Penha que garante a essas mulheres proteção e punição para os agressores. “O que posso dizer para as mulheres é que, ao primeiro sinal de violência, denuncie, pois a denuncia pode evitar que as agressões continue e que mais mulheres sejam vítimas de feminicídio”, reforçou.

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Cordelistas de todo o país se mobilizam contra o machismo na literatura de cordel

A invisibilização de escritoras e poetas mulheres na literatura brasileira atravessa a história. No mundo da escrita, universo que por séculos foi de dominação masculina, muitas escritoras tiveram que lutar para garantir seus espaços, algumas tiveram que recorrer ao anonimato, pseudônimo masculino, para terem suas obras publicadas.

A escrita literária feminina tem ascendido ao longo da história, mas a literatura continua sendo, também, um espaço de resistência das mulheres.  Para as mulheres que atuam na Literatura de Cordel, por exemplo, a luta contra o machismo continua e levantou uma grande mobilização. Através do Movimento Nacional das Mulheres Cordelistas Unidas em Combate ao Machismo, as mulheres tentam denunciar as variadas formas de violência sofridas nesse espaço.

De acordo com a cordelista Izabel Nascimento, o movimento foi uma resposta aos ataques históricos que todas as mulheres sofrem individual e coletivamente no cordel. “Ele teve início durante um encontro virtual da Feira Literária de Campina Grande, em 27 de junho de 2020, onde participei de uma Mesa ao lado dos cordelistas e amigos Aderaldo Luciano (RJ) e Nando Poeta (RN), ressaltei a presença da mulher no cordel. Ainda durante a live, mais precisamente no chat, sofri ataques, que se multiplicaram em grupos de WhatsApp. Deste evento, surgiu o Movimento Nacional das Mulheres Cordelistas contra o Machismo”, explica.

A mobilização ganhou força a partir da nota de repúdio que foi feita na ocasião e compartilhada nas redes sociais. Atualmente dezenas de coletivos de mulheres, dentro e fora do universo da poesia, estão engajados nas ações. Izabel confirma que até o momento mais de 1500 nomes já integram a luta, inclusive nomes que chegaram potencializando a luta como o de Maria da Penha, Monja Cohen, Socorro Lira, Camila Mendes e outras.

O machismo sofrido pelas cordelistas não difere do machismo que ocorre dentro da sociedade, conforme constata Izabel. “Não se trata apenas de um problema isolado, ou de uma lista com itens que afetam somente as mulheres cordelistas. O machismo que está estruturado e profundamente enraizado na sociedade também se manifesta no cordel. Este é o ponto principal da nossa denúncia: dizer que há machismo no cordel, ao contrário do que se imagina. A tentativa de apagamento, o assédio, o desrespeito, a objetificação da mulher são pés através dos quais o machismo caminha também no universo poético cordelista.

Izabel defende que o cordel tem um potencial gigantesco no diálogo com a sociedade, inclusive, atuando em outras bandeiras de lutas sociais como a homofobia e racismo. “Historicamente, o cordel tem narrativas do cotidiano que levantam importantes discussões. Quando o movimento nacional das mulheres cordelistas denuncia o preconceito e promove um debate sério e profundo dentro de uma sociedade ainda fechada para nós, estamos também fazendo outras denúncias de apagamento, preconceito e exclusão. Desse modo, nossa luta está sim, engajada às lutas contra o racismo e a homofobia, que também são marcados no cordel brasileiro.

A hashtag Cordel sem Machismo ganha força e adesão

O movimento vem se fortalecendo a cada dia e tem contado, também, com o apoio de parte dos cordelistas homens.  “A luta tem sido articulada através das redes sociais, canais de comunicação, no YouTube e Instagram. Dentro das ações vem sendo realizadas palestras, encontros e vídeos informativos. Acessando a Hashtag #cordelsemmachismo é possível acessar muito do que foi produzido e divulgado nas redes. O coletivo também formou um grupo de estudos chamado Estante Feminista para estudar, compreender e valorizar a produção acadêmica feminina sobre o cordel. Temos um planejamento para as próximas ações, que divulgaremos em momento oportuno”, destaca.

O “Cordel sem Machismo” certamente já colhe bons resultados. Ainda segundo Izabel após o movimento, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) elegeu como Presidenta a cordelista e médica Paola Torres. “Uma ação que, mesmo não estando diretamente ligada ao movimento, faz parte, certamente, dos desdobramentos das lutas das mulheres na sociedade. Para mim, a Academia tem muito a ganhar com a presença feminina liderando a instituição, tanto pela capacidade, responsabilidade, talento e respeito com o qual a Dra. Paola conduz o cordel, quanto pelo que significa neste momento da História, uma mulher nos espaços de liderança, até que não seja mais uma novidade liderarmos”, diz.