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Mulheres na política e o pioneirismo potiguar

Entender todo o processo histórico, que por anos excluiu a mulher da vida pública, é necessário para compreender a conjuntura atual das relações de gênero dentro e fora da política. Predominantemente, desde revolução industrial, com o surgimento da classe burguesa, a mulher foi direcionada a assumir papéis dentro da vida privada com quase nenhuma participação em espaços de poder.

As funções de cuidado com a casa, filhos e marido, atribuições da vida privada, se tornaram a base do modelo social a ser seguido por gerações. As mulheres ao longo dos anos foram submetidas a funções que atenderiam ao interesse do Estado, da igreja e ao interesse capitalista.

Os primeiros questionamentos feminino a respeito das funções que exerciam surgiram em publicações durante o século XIX, entre tais, algumas exibidas pelo “O Jornal das Senhoras”, que tinha entre uma de suas finalidades a reflexão sobre o tratamento que era dado as esposas por seus maridos, no aspecto de valorização a mãe e esposa.

Incialmente a participação feminina em demandas de ordem política, começou exercendo funções auxiliares, de financiamento as bases de movimentos. A consagração feminina vai ganhar poder mais efetivo na política, com a Constituição de 1988, que tem como marco e base a igualdade entre as pessoas (gêneros) e demais características, homens e mulheres tem igualdade nas relações civis e sociais. Menciona o texto da Constituição Federal de 1988: 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). 

Na prática, foi necessário muita luta para que a igualdade, de fato, acontecesse. De acordo com a editora “O Sexo Feminino” apontava e defendia que o exercício de ensinar era de responsabilidade da mulher como uma forma de extensão das funções de nutrição e mesmo maternal. Contudo, outra editora que chegou a defender questões relacionadas ao divórcio e ao voto feminino, foi a Josefina Azevedo.

Inicialmente em 1910, a Deolinda Dalho, professora e feminista, fundou o partido Republicano feminino e também promoveu uma passeata com quase 100 mulheres com objetivo de reivindicar o voto feminino.

No ano de 1918, a Berta Lutz, ativista e bióloga brasileira, que no futuro se tornou a segunda parlamentar eleita, criou no Rio de Janeiro a organização chamada Liga para Emancipação Intelectual da Mulher. Também em 1922 a Berta Lutz, organizou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, ampliando as discussões a respeito da participação da mulher na vida pública. 

A primeira prefeita eleita no Brasil foi Alzira Soriano de Souza, na cidade de Lajes, no estado do Rio Grande do Norte. Sua participação na politica, mesmo antes da promulgação do Código Eleitoral de 1932 pelo presidente Getúlio Vargas, só foi possível porque o estado permitia a participação da mulher na politica potiguar. 

Após aprovação da Lei n°660, em 25 de outubro de 1927, o mesmo que permitiu a participação de Alzira nas eleições municipais de Lajes, a professora Celina Guimarães Vianna, entraria para história como a primeira mulher a se alistar e a votar, tornando não somente a primeira no Brasil, mas em toda América Latina. A trajetória profissional de Celina revela o pioneirismo na ocupação de espaço público e na influencia que o seu feminismo exerceu na expansão da participação feminina na política.

Em 1933, Carlota de Queirós, é eleita a primeira deputada federal do país pelo Partido Constitucionalista de São Paulo. Na constituinte integrou a Comissão de Saúde e Educação, dedicando-se a alfabetização e ao serviço social. Sua história, como médica e professora, são marcados pelo serviço prestado a mulheres e fez voz aos anseios femininos ao chegar ao congresso.

A primeira mulher negra a conquistar uma vaga na Assembleia de Santa Catarina,  Antonieta de Barros, marcou a história da passagem feminina na politica brasileira, por se tornar a primeira parlamentar negra.  Tinha entre suas bandeiras a educação para todos. Dentro da experiência como professora, acreditava que era preciso combater o analfabetismo, pois a educação seria um instrumento capaz de libertar os menos favorecidos. 

Para o cargo de senadora, o destaque de conquistar e o pioneirismo ficou para a Eunice Michiles. Como mulher que ingressava em um espaço totalmente ocupado homens, enfrentou diversos desafios, entre entre estes, na própria estrutura do local, que precisou construir um banheiro para a senadora. Além dos desafios relacionados ao machismo, que enfrentou por parte dos colegas. Os projetos apresentados por Eunice tinham como principal objetivo garantir proteção aos direitos das mulheres

A primeira mulher ministra no Brasil, tinha por responsabilidade a pasta da educação. Entre os anos de 1982 a 1985, Esther de Figueiredo Ferraz, como professora e advogada abriu as portas para uma geração de mulheres não somente na politica, mas em seu trabalho de lecionar. 

Foi em 1985 que ocorreu a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, órgão atualmente vinculado ao Ministério da Justiça e que tem entre seus objetivos a promoção de políticas para eliminar as formas de discriminação contra a mulher, bem como assegurar a participação das mulheres nas atividades políticas, econômicas e culturais. 

No ano de 1989, ocorreu a primeira candidatura de uma mulher para presidência da republica e teve como candidata Maria Pio de Abreu, pelo Partido Nacional.

Através do voto popular, Roseana Sarney, foi à primeira mulher escolhida para ser governadora de um estado durante quatro mandatos no Maranhão. 

Uma das maiores consagrações da história e dos movimentos populares que buscaram a inserção da mulher na política, veio com a chegada da mulher na presidência da República. Em 2011 Dilma Rousseff torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo político mais importante da nação

Embora a história comprove os avanços que já aconteceram em relação a participação da mulher na política, ao longo dos anos, ainda há uma sub-representação e é necessário que sejam adotados mecanismos legais para que a mulher continue a seguir na vida pública e que essa participação possa aumentar ao longo dos anos.

Mesmo com a afirmação da Constituição Federal de 1988 trazendo em seu texto a clara igualdade entre homens e mulheres, outros mecanismos legais foram necessários para dar continuidade e crescimento a participação de mulheres no maior símbolo do sistema democrático que é as eleições. 

Um dos primeiros movimentos sufragistas, realizado em 25 de outubro de 1927, tinha como pauta o alistamento eleitoral feminino no Estado do Rio Grande do Norte. Foi então que através da Lei n°660, artigo 77, sancionada pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros, determinando assim que qualquer pessoa que cumprisse as condições necessárias exigidas, sem haver para isso a distinção de sexo, poderia então votar e ser votado. Esse fato contou com a participação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

No ano de 1995, a Lei 9.100/95 foi criada como forma de atender a participação do Brasil na Plataforma de Ação Mundial IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim. No qual estabeleceu 20% (vinte por cento), no mínimo da lista de cada partido ou coligação a serem preenchidas com candidatas. 

Art. 11. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara Municipal até cento e vinte por cento do número de lugares a preencher.

  • 1º Os partidos ou coligações poderão acrescer, ao total estabelecido no caput, candidatos em proporção que corresponda ao número de seus Deputados Federais, na forma seguinte:

I – de zero a vinte Deputados, mais vinte por cento dos lugares a preencher;

II – de vinte e um a quarenta Deputados, mais quarenta por cento;

III – de quarenta e um a sessenta Deputados, mais sessenta por cento;

IV – de sessenta e um a oitenta Deputados, mais oitenta por cento;

V – acima de oitenta Deputados, mais cem por cento.

  • 2º Para os efeitos do parágrafo anterior, tratando-se de coligação, serão somados os Deputados Federais dos partidos que a integram; se desta soma não resultar mudança de faixa, será garantido à coligação o acréscimo de dez por cento dos lugares a preencher.
  • 3º Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres.
  • 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior à meio, e igualada a um, se igual ou superior.

Em 1997, outra importante Lei Eleitoral é aprovada: a n° 9.504, que institui percentual de cotas proporcionais para mulheres aos cargos de Deputadas Estaduais e Federais. 

Lei N.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (DOU 01/10/97)

Artigo 10. Do Registro de Candidatos – “Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher.”.

  • 1º No caso de coligação para as eleições proporcionais, independentemente do número de partidos que a integrarem, poderão ser registrados candidatos até o dobro do número de lugares a preencher.
  • 2º Nas unidades da Federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder de vinte, cada partido poderá registrar candidatos a Deputado Federal e a Deputado Estadual ou Distrital até o dobro do das respectivas vagas; havendo coligação, estes números poderão ser acrescidos de até mais cinquenta por cento.
  • 3º, Do Registro de Candidatos – “Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar no mínimo trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”. 

Artigo 80 Das Disposições Transitórias – “Nas eleições a serem realizadas no ano de 1998, cada partido ou coligação deverá reservar, para candidatos de cada sexo, no mínimo, 25% por cento e, no máximo, 75% por cento do número de candidaturas que puder registrar”.

(grifo nosso)

Desde a aprovação da Lei n° 9.504/97, e as eleições que se seguiram a partir de 1998, partidos têm lançado mulheres a cargos na esfera municipal, estadual e federal, contudo, em eleições mais recentes, candidatas se queixaram da falta de recursos direcionados a elas durante pleitos, ocorrendo uma desproporcionalidade entre recursos fornecidos pelo partido, direcionados a mulheres e homens que concorreram a cargos públicos em 2022. Esses atos foram considerados como uma forma de violência e desrespeito às candidatas. 

A mais recente Lei aprovada que tem por objetivo reprimir e combater a violência politica de gênero, altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), nos mais diversificados espaços onde aconteçam atividades relacionadas ao exercício dos direitos políticos. Os mecanismos de defesa as mulheres apresentadas por essa Lei, não se restringem apenas aos períodos de pleitos eleitorais, mas busca resguardar o respeito e a proteção das mulheres no exercício de suas funções públicas, além de proteção para fora e dentro do campo virtual, incluindo assim:

LEI Nº 14.192, DE 4 DE AGOSTO DE 2021

Art. 1º Esta Lei estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.

Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.

Parágrafo único. As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários.

Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.

Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.

“Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

(grifo nosso)

 

Embora exista uma ideia de progresso e avanço com as leis que já foram aprovadas antes e após Constituição de 1988, com os percentuais de cotas estabelecidas e com um percentual de 53% do eleitorado do Brasil, todas essas ações afirmativas que representam apenas o início da ampliação da participação da mulher na politica brasileira, não colocaram o país em índice mais elevado. Em comparação com outras nações, a tardia entrada da mulher na política garantiu ao Brasil, segundo a ONU, em 142º lugar no ranking de representação feminina entre 191 nações citadas no mapa Global de Mulheres na Política da Organização das Nações Unidas. E em termos de América Latina, ficou em 9° lugar de 11 países. 

As ações afirmativas realizadas até os dias presentes podem ser consideradas o início de uma mudança que vai ocorrer com gerações futuras. As mulheres representam mais de 50% (cinquenta por cento) dos eleitores do Brasil, contudo, ainda falta representatividade expressiva nos cargos públicos, o que demonstram que mulheres ainda estão votando, em grande parte, em homens. É necessário um trabalho educacional e social de conscientização das mulheres que exercem o poder de votar. 

As pautas femininas sobre questões reprodutivas, os avanços no combate as expressivas formas de violência que ainda marca a vida da mulher brasileira, em casa e no trabalho, as reivindicações sobre creches, escolas e tantas outras que impactam diretamente a vida das mulheres, só entraram em evidência em Comissões, Câmaras, Assembleias ou Congresso Nacional se outras mulheres estiverem ocupando esses espaços