Categorias
Ady Canário Colunistas Destaque

Efeitos de Leitura na Relação Ubuntu/Vida

“[…] a ética ubuntu como uma maneira afroperspectivista de resistência e configuração dos valores humanos em prol de uma comunidade que seja capaz de compartilhar a existência” (Renato Noguera).

A reflexão se faz em torno da noção “ubuntu” que se constitui em diferentes discursividades e relações de sentido de diversidade étnico-racial na atualidade. Qual o sentido de “ubuntu. Em sua materialidade linguística e histórica, o termo “ubuntu” congrega “ubu” que quer dizer “ser” e “ntu” no sentido de “existência”, conforme construção de grupos étnicos e da filosofia africana e afro-brasileira. Essas experiências constituem-se, por exemplo, em descrever modos de subjetividade de viver e existir individual e coletivamente. 

Alguns defendem “ubuntu” como realização que perpassa processos de alteridade, “eu sou porque nós somos”. Ou seja, ser capaz de partilhar, dentro dessa concepção, é extremamente salutar para a existência que se faz coletivamente.  Assim, o sentido do “ubuntu” representa resistência e um modo afroperspectivista, isto é: “[..] a realização de uma pessoa passa pelas outras, significa que a capacidade de partilhar com as outras é fator indispensável na construção individual”, como argumenta Noguera.

Nesse olhar, da linguagem ética do “ubuntu”, “[…] a generosidade é exaltada num sentido cada vez menos convencional, não se trata de ofertar, doar recursos ou fazer das outras pessoas um objeto da caridade individual. Mas, significa trabalhar junto e fazer do resultado dos esforços um campo vasto para circulação e proveito de todas as pessoas”, na discussão de Renato Noguera. 

Nesse sentido, “O ubuntu reconhece a interconexão da vida. Minha humanidade, dizemos, está costurada à sua humanidade. Uma das consequências  do ubuntu é que reconhecemos que todos nós temos de viver nossa vida de forma a garantir que outros possam viver bem. Nossa prosperidade deve melhorar a vida dos outros, não subtrair a vida”, como colocam Desmond Tutu e Mpo Tutu, em “Nascidos para o bem”.

Em razão disso, vemos a importância do “ubuntu” no cotidiano e consciência individual e coletiva visando à transformação social. Reconhecer isso, para além de diversas discursividades que se constituem em experiências, longe de qualquer perspectiva essencializada, bem com nas práticas significativas em redes de atuação que desnaturalizam estereótipos racistas, especialmente para a vida das mulheres negras, pois, lidam diariamente com situações opressoras cujos dados são cada vez mais crescentes sobre essa realidade. Portanto, o “ubuntu” como uma forma de cuidado ético, estético, do nosso corpo e mente, no fortalecimento de práticas discursivas de liberdade, saúde e bem viver.

Feliz 2022, “ubuntu”! Agradecimento pelas vivências. Fica a dica de leitura, podemos aprofundar a reflexão e aprender juntos/as! 

NOGUERA, Renato. UBUNTU COMO MODO DE EXISTIR: ELEMENTOS GERAIS PARA UMA ÉTICA AFROPERSPECTIVA. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 3, n. 6, p. 147-150, fev. 2012. ISSN 2177-2770. Disponível em: <https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/358>. Acesso em: 05 jan. 2022.

Categorias
Destaque Pâmela Rochelle

SOBRE SER NEGRA

“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la” (Djamila Ribeiro).

Quando fui convidada para ter uma coluna na revista, fiquei feliz por poder dar voz às questões que pesquiso no Doutorado de uma maneira mais leve e acessível, mas, sobretudo, fiquei feliz por poder tratar de questões que também me atravessam e constituem enquanto mulher negra, pós-graduanda, jornalista e professora (além de tantas outras, afinal somos vários), vivendo em um país estruturalmente racista, sexista e elitista, que segue boicotando a educação pública. 

Para além das mazelas que nos perpassam nos dias atuais enquanto brasileiros (e especialmente enquanto negras e negros – já que é deste lugar que falo), repouso meu olhar hoje sobre um tema especifico, que para além de um assunto se coloca como uma autoapresentação: O que é ser negra?

Partindo de uma percepção semelhante à de Neusa Souza Santos (1990), pesquisadora e psiquiatra brasileira, acredito que ser negra no Brasil é um processo longo e contínuo de vir a ser, de tornar-se. Digo isso pensando na questão da construção de uma consciência étnico-racial, que para além da cor da pele e dos traços tidos como característicos nos convoca a nos percebermos como sujeitos imersos numa cultura que tende a negar nossa estética, história e identidade. 

Muito embora não exista um “ser mulher negra”, mas mulheres negras no plural, cheias de potencialidades e multiplicidades, as quais são constantemente encapsuladas em estereótipos rasos (“mulata sensação”, barraqueira, mãe preta, macumbeira, entre outros…), é fato que existem questões que unem todas nós, que nos irmanam, entre elas está a mais cruel de todas: o racismo.

É pelo racismo que nossa intelectualidade é desacreditada, nosso valor e palavra são postos a prova e somos obrigadas a reafirmar constantemente nossas capacidades, correndo o risco de sermos “canceladas” ao mínimo deslize. Ser negra é entender o conceito de dororidade (PIEDADE, 2019) antes mesmo de ser apresentada a ele, é ocupar a base da pirâmide social, sofrendo duplamente: pelo machismo por ser mulher e pelo racismo por ser negra.

Se o racismo tende a nos aprisionar socialmente e subjetivamente, é a tomada de consciência racial e a percepção deste racismo enquanto tal que nos coloca num movimento de libertação das amarras colonialistas. A partir disso, ser negra (e saber-se negra) é ter a possibilidade de criar novas narrativas sobre si mesma e sobre os seus, libertando-se dos estereótipos à medida em que se criam novas formas de ser e existir, transgredindo até mesmo os alarmantes índices sociais que nos colocam entre as mais afetadas pela pobreza e violência.

É nesse sentido que o ato de “erguer a voz” pontuado por bell hooks (2019); que recentemente deixou o plano terreno e se uniu aos nossos ancestrais; representa o primeiro passo para que nós mulheres negras (e homens também) sejamos autoras de nossas histórias e líderes na busca por um país/mundo mais igualitário e justo. Ser negra é, pois, uma potência. 

Espero continuar encontrando vocês por aqui, até o próximo texto. Ubuntu.