Desafios de criar filhos sozinhas e a cobrança da sociedade pela “mãe maravilha”

Independentemente do contexto familiar em que a mulher exerça a maternidade, ser mãe, por si só, já é um grande desafio. Ser mãe solo, enfrentar a responsabilidade de educar, cuidar e, muitas vezes, assumir sozinha as obrigações financeira da casa, tendo até que enfrentar o desemprego, a missão se torna ainda mais desafiadora. Medo, insegurança, sobrecarga, julgamentos fazem parte da vida de mulheres que criam filhos sozinhas e que, não raro, precisam administrar tudo isso enquanto sofrem com os impactos psicológicos que inevitavelmente surgem.

Vanessa Dantas cuida de dois filhos: Suilly de 13 anos e Samuel de 5 meses. Sem rede de apoio e sem ter com quem dividir os cuidados, o cansaço físico e psicológico já interferem na saúde mental dela. Estresse, cansaço, ansiedade, medo de não conseguir arcar com a responsabilidade são sentimentos que ela carrega enquanto precisa lidar com a sobrecarga de maternar. “São muitas as dificuldades. Acaba que as tarefas são sempre da gente. Não temos com quem contar no dia a dia em casa e isso deixa a gente muito sobrecarregada, exausta”, desabafa.

Sabemos que a criação de um filho vai além de amar, cuidar e educar. Mães que arcam sozinhas com essa responsabilidade também sofrem por outras questões. Numa sociedade patriarcal, machista, essas mulheres também enfrentam o preconceito social. Vanessa conta que as perguntas invasivas são comuns. “Sempre tem alguém questionando o porquê do pai do meu filho não está comigo. E quando essas pessoas que perguntam sobre minha vida não têm minhas respostas elas deduzem a resposta que gostariam de ouvir e descrevem a minha vida a partir de uma realidade que elas não conhecem e quase sempre de forma depreciativa”, frisa.

Além dos comentários invasivos, outros tipos de preconceitos são enfrentados. Ela conta que quando esteve à procura de uma casa para alugar, a pergunta que foi feita como requisito para que ela pudesse alugar o imóvel foi se ela não tinha marido. “Inclusive perdi a preferência da casa por não ter um companheiro”, conta.

Vanessa teve duas gravidezes difíceis. Durante a primeira, aos 15 anos, ela perdeu o pai da filha, vítima de assassinato. A segunda, e recente gravidez, veio sem ser planejada, no momento crítico da pandemia, e um fator ainda mais difícil é que o pai não reconheceu o filho. “Meu filho não foi registrado com o nome do pai. Em meio a toda essa situação difícil, veio o medo de não conseguir administrar a situação sozinha, principalmente, pela instabilidade financeira”, frisa. A rede de apoio ela não teve, o acolhimento também não, mas comentários invasivos e desrespeitosos sobre sua última gravidez foi o que não faltou. Uma sociedade em que exige a perfeição das mães, mesmo quando estas não têm tempo nem para viver, o resultado não poderia ser outro: mães adoecidas. Vanessa diz que toda a situação em que se viu inserida veio como um gatilho para as sucessivas crises de ansiedade e pânico.

Mulheres que criam filhos sozinhas têm muitos desafios em comum. A sobrecarga de trabalho, a insegurança em relação à instabilidade financeira, falta de apoio, preconceitos e julgamentos são coisas que elas enfrentam mesmo que estejam em realidades de vida diferentes. São cobradas constantemente, enfrentam dificuldades financeiras na maioria dos casos e ficam lá, carregando suas dores e frustrações, enquanto maternam silenciosamente como se fosse leve e tranquilo, sempre.

Cristiane Ferreira, mãe de três filhos: Kaio de 13 anos, Christian, 4, e Cayron, 5 meses, trabalha nove horas por dia numa fábrica de roupa. Sai de casa todos os dias às 5h, pois ainda tem que deixar as crianças na casa de uma prima. Dos três filhos, o pai dos dois primeiros chega junto na responsabilidade financeira, porém, nenhum deles é presente no dia a dia das crianças e na divisão de responsabilidades.

“Tudo fica mais difícil ser mãe sozinha e ter que arcar com a responsabilidade que também é do pai. Tento proporcionar o melhor que posso. Todos os dias fico pedindo a Deus força e determinação para que nunca falte nada para eles”, diz.

Com uma rotina puxada, pois trabalha o dia todo e à noite tem que ter disposição para cuida das crianças e da casa, Cristiane aproveita o fim de semana para se dedicar às crianças e oferecer algo diferente do estresse diário. “Fico com eles assistindo televisão e brincando quando tenho tempo. O meu tempo é corrido e cansativo porque quando consigo colocá-los para dormir já é meia-noite e já estou exausta”, conta.

Da solidão das mães solo, quem fala?

Para além do amor incondicional pelos filhos, existe a exaustão e a necessidade de também sentir que tem vida e que precisa de momentos só para si. Além das questões de ordem financeira e da sobrecarga de trabalho, Vanessa e Cristiane têm muitas coisas em comum: enfrentam o julgamento da sociedade, a falta de uma vida social e a falta de tempo para elas. As duas deixam claro que quando falam de solidão elas não se referem à falta de um homem, de relacionamento amoroso, mas a falta da companhia de amigas e amigos, falta de um momento de lazer, de uma viagem, de um passeio ou qualquer situação que não seja apenas maternar.

“Tenho poucas amigas que me dão a mão. Família sei que posso contar com poucos, mas sou grata aos que ainda tentam me ajudar. Afinal, todos têm seus problemas. O que posso dizer é que ser mãe é um misto de sofrimento e dor que temos que conciliar com o amor que sentimos pelos nossos filhos”, destacou Vanessa.

“A sociedade julga muito, as pessoas falam o que não devem. É horrível ter que ouvir coisas desagradáveis de quem não conhece a nossa realidade. Ninguém chega para apoiar, a maioria chega para apontar o dedo. A maioria das mães solo não conta com a acolhida da sociedade. Na maioria das vezes, quem se aproxima é para fazer comentários indiscretos e nos deixar mal, julgar nosso formato de vida. Ser mulher numa sociedade machista é difícil e ser mulher e mãe solo o desafio é maior ainda”, acrescenta Cristiane.

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