Registro de violência doméstica cresce 51% em 2021, comparado com o mesmo período de 2020

A violência contra mulher não sai de pauta. O que já era preocupante vem se agravando desde a pandemia do Covid 19. Notícias de feminicídio estão sempre ocupando as páginas dos jornais, em um país que mata mulheres só por serem mulheres. No Rio Grande do Norte, um dos estados mais violentos para as mulheres, os episódios de violência doméstica continuam em alta.   

Dados referentes ao somatório dos registros de Lei Maria da Penha para os crimes de ameaça, calúnia, descumprimentos de medidas protetivas de urgência, injúria, lesão corporal, vias de fato, estupro, estupro de vulnerável e violência doméstica no ambiente familiar contra a mulher mostram um aumento de 51,1%, num comparativo entre 2020 e 2021. Nesses números estão incluídos casos de violência doméstica praticados contra mulher, não só pelo parceiro, mas, também, pelos familiares.

Os números foram repassados pela Secretaria de Comunicação Social da Polícia Civil (Secoms). Conforme os registros de janeiro a setembro de 2020, foram 2.945 casos de violência doméstica. Nesse mesmo período de 2021 (janeiro a setembro), foram 4.421.

Variação Mensal 2020 2021 Variação
Janeiro 346 495 43,10%
Fevereiro 343 455 32,70%
Março 314 384 22,30%
Abril 296 391 32,10%
Maio 306 419 36,90%
Junho 234 422 80,30%
Julho 330 568 72,10%
Agosto 403 596 47,90%
Setembro 373 691 85,30%
Total Geral 2945 4421 50,10%

Quando afirmamos que o machismo mata, reconhecemos que machismo e feminicídio estão intimamente relacionados. Nos últimos quinze dias, dois feminicídios foram registrados no Rio Grande do Norte. Um em Pedro Velho, interior do RN, no último dia 28 de outubro; e outro mais recente em Parelhas, também no RN, na segunda-feira (07/11). Em ambos, os ex-companheiros não aceitavam o fim do relacionamento. Um fato que já se tornou comum no Brasil: mulheres sendo assassinadas simplesmente porque terminam um relacionamento com um homem que se acha dono dela e não aceita o fim.     

Érica Canuto, promotora de Justiça do RN, em live sobre “A violência contra mulher e os desafios para efetivação da Lei Maria da Penha”, realizada pelo Núcleo de Estudo da Mulher – NEM/UERN (evento disponibilizado no canal do YouTube do NEM), destaca a medida protetiva como o centro da Lei Maria da Penha e uma das principais formas de interromper o feminicídio.

A Lei Maria da Penha veio para evitar o feminicídio. A ordem judicial que determina o afastamento tem uma força grande. Com base na experiência da promotoria em que eu trabalho, 95% dessas medidas protetivas, quando são recebidas pelos homens, elas são voluntariamente cumpridas. Essa medida protetiva tem força, ela funciona. A gente tem que repetir isso. É uma conquista, é uma Lei boa, é uma Lei que funciona, que tem salvado vida de mulheres”, destaca.

Érica explica ainda que para os 5% que não cumprem voluntariamente a ordem judicial, existem outras alternativas como a Patrulha Maria da Penha, a Casa Abrigo Estadual, que fica em Mossoró, a de Natal que atende também Parnamirim. Além disso, tem o botão do pânico, que atua em binário com a tornozeleira eletrônica, e por último tem a prisão, caso o agressor descumpra o afastamento e já tenha sido advertido.

Esse ano a Lei Maria da Penha fez quinze anos. A promotora destaca, nessa mesma live, alguns desafios a serem enfrentados mesmo depois desses quinze anos de aplicação da Lei Maria da Penha. “A gente precisa investir mais na prevenção primária, mais em educação de gênero, a gente precisa falar isso nas escolas, nas fábricas, nos bairros, em todos os recantos. A gente precisa falar sobre gênero, sobre essa desigualdade, sobre todas as facetas da violência que atinge a mulher”, elenca.

A interiorização da Lei também foi uma necessidade apontada pela promotora. Já que os serviços em sua maioria ficam concentrados na capital e em Mossoró, que é a segunda maior cidade do Estado, enquanto as mulheres de cidades do interior ficam desprotegidas. “Eu aposto nos serviços regionalizados. Estamos vivendo um momento em que devemos pensar que nossa aposta não pode ser só em delegacia e justiça, sistema de segurança pública e de justiça. Mas também incluir o sistema de assistência. A mulher precisa ser ouvida, precisa resolver o divórcio, a pensão alimentícia, ela não vai conseguir resolver tudo isso se não tiver assistência. A gente tem que investir nesses serviços como nos centros de referências regionalizados. Essa mulher precisa de apoio para sustentar a denúncia que ela fez.” Érica ressalta ainda que a distância de uma mulher para um serviço de acolhimento é grande, além dos sentimentos de insegurança que acometem essas mulheres nessas situações. A importância de fazê-la confiar nos serviços vai além de só fazer um relatório e encaminhar a denúncia.   

 

Sobre as formas de violência doméstica e familiar contra mulher  

 A Maria da Penha reconhece cinco tipos de violência contra mulher: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. Segundo o texto da Lei, a violência física  é entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; a violência psicológica, como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência sexual está relacionada a qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; a violência moral é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

 

Delegacia Virtual como um dos canais de denúncia

A Delegacia virtual (Devir) da Polícia Civil, disponibilizada desde 2020, permite a realização de boletins de ocorrência pela internet 24h, inclusive é um canal pelo qual pode ser feita a solicitação da Medida Protetiva de Urgência. 

O acesso à Delegacia para registro de Boletim de Ocorrência pela internet é feito pelo site da Polícia Civil. Na Devir, as mulheres fazem o registro inicial e depois são chamadas à delegacia para os esclarecimentos necessários e para serem ouvidas. Apesar de já ter sido trabalhada a divulgação, a Secoms reconhece que ainda é um canal pouco utilizado.

Falta de investimento no momento em que a violência se agrava

O governo Bolsonaro tem sido marcado por sucessivos retrocessos no que diz respeito às políticas públicas voltadas para as mulheres. A falta de investimento em programas e ações, num período em que os casos de violência doméstica e feminicídio mais cresceram, num período em que houve um aumento das dificuldades financeiras, principalmente nas famílias monoparentais chefiadas por mulheres, só tem agravado a situação de violência.

Pesquisas divulgadas recentemente mostram que o governo federal registra o menor investimento em programas voltados para as mulheres desde 2015.  

Com os retrocessos, foram as políticas públicas voltadas para as mulheres as mais impactadas. A redução dos repasses orçamentários afetaram diretamente a segurança, saúde e assistência social. Investimentos que chegariam além das Casas Abrigo, aos Centro de Referência a Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) que, também, atuam no enfrentamento de combate à violência contra mulher.

Para mais informações sobre os impactos sofridos diretamente pelos equipamentos que atuam na violência contra mulher em Mossoró, procuramos informações da Secretaria de Desenvolvimento Social, através da assessoria de comunicação, mas não conseguimos o levantamento que precisávamos.

A reportagem solicitou, via whatsapp da assessoria de comunicação, informações do tipo: se esses cortes que vinham do Governo Federal afetaram as casas abrigo, os CRAS, CREAS e toda a rede de proteção. Se comprometeram o trabalho desses equipamentos e de que forma, mas até o momento não obtivemos respostas. Encaminhamos a demanda dia 21/10, o assessor disse que havia enviado a demanda para o secretário; dia 27 buscamos uma previsão, fomos informados de que não tinha previsão. Novamente buscamos informação dia 29, e não mais responderam.

 

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