Ontem à noite, sobre a longa calçada das praças iluminadas por luzes artificiais a mitigar a escuridão do céu noturno, caminhava um pouco apressadamente a fugir dos dissabores urdidos pela fatalidade do destino.
A longa e irregular estrutura do asfalto me cansava o corpo e o susto de pouco antes me entorpecia os sentidos. Ainda embriagada pelas ocasiões violentas acometidas contra mim, a rapidez de minhas pernas se comparava a velocidade dos heróis caídos em desgraça, minha casa, transformar-se-ia em esconderijo à revolta do aliciamento.
A vista turva e embaçada pelos olhos lacrimejantes, pude observar um homem vir em minha direção. A distância de nossos corpos, ainda bastante significativa, e o isolamento de nós dois provocados pelo instante do segundo, me alimentaram a neurose.
Rapidamente furtei meu próprio caminho, me pus entre os carros ordenadamente estacionados e segui a contramão de meu indesejado companheiro, até que nos cruzarmos e, finalmente, nos distanciarmos.
Olhei para trás, tratava-se de um jovem negro, caminhando e esguicheirando-se dos olhares da depredação e desumanização racistas, tais como o meu.
A culpa que eu sentia em ser algoz no campo do intolerável compete somente a quem a sente. A humilhação em reconhecer à própria violência desperta a dura consciência da realidade narcísica a qual buscamos esconder, evitando a todo custo, seu surgimento fatalmente silencioso. Segui meu percurso enevoada não mais pelo medo e revolta, mas agora acrescido pela penitência, balbuciando justificativas atenuantes a meu crime simbólico.
O destino final do meu curto e torturante trajeto estava ao alcance de minha mão, mas antes de conquistá-lo, ouço passos rápidos a pesar por detrás de minhas costas, meu coração encheu-se de adrenalina, contorci o corpo instintivamente a direção contrária e, quem diria, era o jovem rapaz. Trocamos olhares comunitários onde não cabem sorrisos.
Ele continuou a suar e correr
E eu, nem tanto.