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Aryanne Queiroz Colunistas

SER FEMINISTA OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO

“Qual é a maior lição que uma mulher
pode aprender? Que desde o primeiro dia,
ela sempre teve tudo o que precisa dentro
de si mesma. Foi o mundo que a
convenceu que ela não tinha”. (Rupi
Kaur)

Por muitos anos me questionei se ser feminista era algo danoso para a minha vida. Essa questão me corroía porque eu nunca tinha estudado sobre o assunto. Quando a pergunta vinha, eu fugia, como quem corre das ondas na beira do mar, com medo daquela imensidão me conduzir para águas profundas e desconhecidas. O que eu conhecia ₋ se é que posso dizer que era conhecimento! ₋ era algo muito raso: “feminismo é coisa de mulher da vida!”; “feminismo é um movimento de ‘sapatão’!”; “feminista é uma mulher mal amada!”. Tais falas eram escutadas por mim com curiosidade, ainda no início da adolescência, mas, confesso, com um certo ar de assombro, posto que na minha infância cresci escutando que “mulher da vida” era algo ruim, algo pecaminoso e como meu berço era católico, as coisas do mundo não podiam pertencer a quem era de Deus. Tanto eu como muitas meninas crescemos com essa ideia deturpada, sem muitas explicações sobre o que era ser “da vida”, sobre o que era ser ‘sapatão’, além de não querermos ser ‘mal amadas’, já que a maioria de nós éramos criadas pensando em casar e sermos cuidadas (nesse ponto, preciso ser justa e
‘dar a César o que é de César’: minha família nunca me incentivou a contrair matrimônio e a ser dependente de nenhum homem).
Diante desses termos distorcidos pelas famílias conservadoras e pela Igreja, como não se questionar: “sou feminista ou não sou?”. E a dúvida surgiu quando, certa vez, em uma reportagem na televisão estava sendo exibida a Marcha das Mulheres em algum lugar do país e lendo os cartazes daquelas jovens, adultas e idosas, teve dois que me chamaram bastante a atenção. Neles, estava escrito: “Lutamos por um
mundo melhor!” e “Homens e mulheres: somos todos iguais!”. Eram frases tão lógicas para mim, mas, ao mesmo tempo, tão distantes da realidade…Representavam exatamente o que eu pensava desde a infância e saber que o movimento feminista fomentava o debate sobre tais questões me fez duvidar do que eu até então sabia e perceber, naquele instante, que me esconderam, por muito tempo, o verdadeiro sentido do Feminismo. Como a Rupi Kaur disse, eu sempre tive tudo que precisei dentro de mim, desde o primeiro dia, mas o mundo me escondeu isso.
A partir dessa percepção, passei a considerar a ideia de me declarar feminista e fui à procura de mais informações, tentando entender o que era “mulher da vida”; “sapatão” e “mal amada”. Descobri: que “mulher da vida” era aquela pessoa que servia/serve ao patriarcado no campo da prostituição e é mal tratada porque não se encaixou no padrão de “recatada e do lar”; que “sapatão” é aquela mulher que não está dependente de um pênis e de um homem para suprir as suas necessidades afetivo-sexuais e que não se enquadrou na heteronormatividade imposta pelo patriarcado; e que “mal amada” é a mulher solteira, provavelmente com independência financeira e que consegue dizer ‘não’ para os homens que a assediam. Ou seja, todos esses estereótipos foram produzidos para as mulheres que não se dobraram às regras do patriarcado; que se declararam donas de tudo que precisavam e que se encontravam dentro delas, e não nas regras ditadas pelos homens.
Após essa revelação, a pergunta “ser feminista ou não ser?” não tinha mais sentido. Foi uma questão que me acompanhou porque eu não estava escutando as vozes das próprias feministas. A voz que eu ouvia, por muitos anos, era a do Catolicismo que defendia a dependência afetiva-moral-econômica-social da mulher perante o varão e das filhas diante do pai ou dos irmãos. Ser feminista, portanto, já fazia parte de mim, desde o primeiro dia, como bem disse Rupi Kaur. A voz do feminismo ecoava dentro do meu ser, mas o mundo tinha me dito para não a escutar. Hoje eu a deixo gritar à vontade, a deixo brincar ao vento, através do som que a minha boca pronuncia, através das minhas mãos e dos meus dedos, ao escrever os meus textos. Não fujo mais das ondas dessa imensidão que é o movimento feminista, o qual me fez reencontrar comigo mesma, depois de tantos anos que o mundo me fez escapar de mim.

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Aryanne Queiroz

Que sejamos “loucas”; loucas por um mundo melhor

Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo. (Angela Davis)

Iniciar com uma citação de Angela Davis é algo simbólico. É deixar registrado que vozes de mulheres, negras, ativistas, devem ser escutadas. Mas não só isso. É revelar que não só mulheres brancas, de classe média, intelectuais, fazem o Feminismo. Ou poderíamos chamar de “Feminismos” (no plural)? Claro que podemos. Podemos tudo. Não só falar, registrar, revelar, vociferar, transformar, radicalizar. Só não gostaríamos de fazer isso o tempo todo, como a Angela Davis assinalou. Sabe por quê? Porque tem horas que cansamos. Aliás, vivemos cansadas de tudo. Somos, muitas vezes, taxadas de “loucas”, de “insanas”, de “malucas”, de “desajustadas”, de “desequilibradas”, de “tantãs”, de “lunáticas”, de “histéricas”, de “destrambelhadas”, entre outros “elogios” similares, simplesmente porque reclamamos, gritamos, afrontamos o que está posto pelo patriarcado e anunciamos o nosso cansaço. E todos esses adjetivos são utilizados em tom pejorativo, com o vil intuito de machucar as nossas almas e desconfigurar a nossa luta por equidade de gênero.

Agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo, como manifestou Angela Davis em sua frase, é o que mais fazemos no cotidiano. Só não somos, na maioria das vezes, legitimadas. Na atual conjuntura socioeconômica e política, muito menos. E é aí que devemos gritar mais, radicalizar, colocar a matraca para funcionar. E aqui estamos, mulheres feministas ₋ de diferentes credos, cores, áreas de atuação, orientação sexual ₋, colocando as nossas bocas no trombone, prontas para conversar, debater, denunciar e protagonizar uma luta que não pára. “Fazer isso o tempo todo”, como enuncia Angela Davis, é o nosso dever como seres humanos, não só de modo individual, em nosso seio familiar, mas de modo coletivo, unindo forças para alcançar um jeito de viver diferente e bom para todas/os/es.

Que sejamos “loucas”; loucas por um mundo melhor. Que sejamos libertárias, ativistas, como a Angela Davis foi. Que sejamos radicais; radicais na força e na coragem de driblar todos os obstáculos que se impõem a nós, mulheres cis, mulheres trans, mulheres negras, mulheres brancas, mulheres indígenas, mulheres cristãs, mulheres de todas as etnias, de todas as idades, de todos os quatro cantos do Universo (sim, podemos lutar por aquelas que vivem em outros planetas, por que não?! Quem sabe elas existam e estão silenciadas, presas, enclausuradas, como muitas de nós estamos, aqui, no Planeta Terra!).