As mulheres de Marighella

Bonita de ver a representação do feminino em Marighella – O Filme, que estreou no Brasil no início deste mês, após repetidas tentativas de censura por parte do governo federal.

As mulheres, presentes em quase todos os momentos, retratam com muita verdade, não só a realidade da mulher brasileira no final dos anos 60, mas a força revolucionária feminina que sempre existiu, mesmo em meio aos piores cenários.

Enquanto a personagem nordestina esposa de um dos membros da ALN (Ação Libertadora Nacional) fica em casa, tendo filhos e à espera angustiada por condições de criá-los sem a presença do pai, Bella – integrante da luta armada, atua em igualdade entre os companheiros durante assaltos, sequestros, e movimentos estratégicos do movimento – incluindo a preparação de grupo de resistência no campo.

À frente ou não dos atos revolucionários, uma característica marcante da maioria das personagens feminina é a consciência social, tão bem retratada em cenas como os momentos de despedida e reencontro de Clara com Marighella; e na assertividade da médica Gorete, mãe de Bella, em cena dramática que expõe todo o risco e loucura que envolvia o enfrentamento à ditadura.

Essas mulheres reais, dignamente resgatadas pelo diretor Wagner Moura, deram nos anos de chumbo mais do que o próprio sangue. Elas entregaram toda a sua dor e vulnerabilidade enquanto exerciam o direito de lutar; ofereceram todo o seu medo e zelo pelos que amavam, ao respeitarem a decisão dos companheiros em seguir a guerrilha urbana; e já silenciadas pela sociedade e pela vida, suportaram silenciar ainda mais, em lealdade e apoio à revolução.

Cinicamente ‘protegidas’ pelo regime militar (contanto que aceitassem ser objetos decorativos de uma sociedade sordidamente “boa”, “moral” e “próspera”), muitas foram as que atuaram em calabouços existenciais – com as ferramentas que tinham – para a manutenção da esperança de dias diferentes. Nem que isso se traduzisse em resistir e viver após tortura e morte de seus filhos, companheiros e amigos.

Ser mulher nessa época já era própria tortura – ao lado dos opressores ou cara a cara com eles. Mesmo com essa realidade, sinto que as insubordinadas experimentaram a absoluta liberdade de quem abre um caminho para nunca mais ser fechado.

Cabe a nós, hoje, continuarmos. Em honra a todas elas, no combate à opressão sob todos os seus nomes e apelidos.

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