“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la” (Djamila Ribeiro).
Quando fui convidada para ter uma coluna na revista, fiquei feliz por poder dar voz às questões que pesquiso no Doutorado de uma maneira mais leve e acessível, mas, sobretudo, fiquei feliz por poder tratar de questões que também me atravessam e constituem enquanto mulher negra, pós-graduanda, jornalista e professora (além de tantas outras, afinal somos vários), vivendo em um país estruturalmente racista, sexista e elitista, que segue boicotando a educação pública.
Para além das mazelas que nos perpassam nos dias atuais enquanto brasileiros (e especialmente enquanto negras e negros – já que é deste lugar que falo), repouso meu olhar hoje sobre um tema especifico, que para além de um assunto se coloca como uma autoapresentação: O que é ser negra?
Partindo de uma percepção semelhante à de Neusa Souza Santos (1990), pesquisadora e psiquiatra brasileira, acredito que ser negra no Brasil é um processo longo e contínuo de vir a ser, de tornar-se. Digo isso pensando na questão da construção de uma consciência étnico-racial, que para além da cor da pele e dos traços tidos como característicos nos convoca a nos percebermos como sujeitos imersos numa cultura que tende a negar nossa estética, história e identidade.
Muito embora não exista um “ser mulher negra”, mas mulheres negras no plural, cheias de potencialidades e multiplicidades, as quais são constantemente encapsuladas em estereótipos rasos (“mulata sensação”, barraqueira, mãe preta, macumbeira, entre outros…), é fato que existem questões que unem todas nós, que nos irmanam, entre elas está a mais cruel de todas: o racismo.
É pelo racismo que nossa intelectualidade é desacreditada, nosso valor e palavra são postos a prova e somos obrigadas a reafirmar constantemente nossas capacidades, correndo o risco de sermos “canceladas” ao mínimo deslize. Ser negra é entender o conceito de dororidade (PIEDADE, 2019) antes mesmo de ser apresentada a ele, é ocupar a base da pirâmide social, sofrendo duplamente: pelo machismo por ser mulher e pelo racismo por ser negra.
Se o racismo tende a nos aprisionar socialmente e subjetivamente, é a tomada de consciência racial e a percepção deste racismo enquanto tal que nos coloca num movimento de libertação das amarras colonialistas. A partir disso, ser negra (e saber-se negra) é ter a possibilidade de criar novas narrativas sobre si mesma e sobre os seus, libertando-se dos estereótipos à medida em que se criam novas formas de ser e existir, transgredindo até mesmo os alarmantes índices sociais que nos colocam entre as mais afetadas pela pobreza e violência.
É nesse sentido que o ato de “erguer a voz” pontuado por bell hooks (2019); que recentemente deixou o plano terreno e se uniu aos nossos ancestrais; representa o primeiro passo para que nós mulheres negras (e homens também) sejamos autoras de nossas histórias e líderes na busca por um país/mundo mais igualitário e justo. Ser negra é, pois, uma potência.
Espero continuar encontrando vocês por aqui, até o próximo texto. Ubuntu.