O (S/s)er mulher

“Eu sou lúcida na minha loucura”.

(Cláudia Letti)

 

Finalizamos o mês de setembro, o qual se denominou de “Setembro Amarelo”, para discutir as questões de saúde mental e promoção da vida. Venho conversar sobre como a nossa imagem de “mulher louca” tem sido moldada e reescrita. Provavelmente o movimento Feminista é o “culpado” por essa tentativa de ressignificação, durante todas as suas “ondas”, lutando para lapidar esse conceito tão múltiplo que é o conceito de “Mulher”.

Pelo olhar do Patriarcado, fomos taxadas como um ser incognoscível para muitos, fonte de mistério e de loucura para a maioria deles. Ou seja, sempre definidas, de algum modo, como um problema a ser resolvido (ou extirpado). Se a mulher é tida como louca, fica mais fácil de impor a cultura masculinista racional; se é histérica, vamos de “dar lições” com um “pau” (porque é assim que eles acham que resolvem todos os seus problemas, vide o atual presidente do Brasil como exemplo, com o seu discurso insano, se autodeclarando “imbrochável” e puxando um coro para tentar acreditar naquilo que dizia – porque ele é daqueles que acredita que uma mentira dita várias vezes pode se tornar verdade).

O Feminismo contesta esse lugar imposto a nós, mulheres (independentemente de cor de pele, classe social ou origem étnica), de pessoas insanas e desajustadas. Geralmente, quando se fala em Setembro Amarelo, se fala do “louco” (no masculino), pois a maioria das pessoas que cometem suicídio são do gênero masculino. Sabemos que o índice é altíssimo entre esse grupo, há estudos sérios comprovando esse fato, não há dúvidas. No entanto, o que quero discutir aqui é a imagem que ainda se impõe sobre as mulheres que contestam o seu lugar de fala, expõem o seu cansaço físico e, principalmente, mental e não são tão reparadas como os homens. Na realidade, estamos todos/as/és cansados/as/es dessa estrutura patriarcal que nos adoece como um todo e muitas vezes nos fazem desistir da nossa própria vida.

A saúde mental é pauta urgente, há a necessidade de perceber o principal vetor (mas, não o único) de tanto adoecimento psíquico, principalmente das mulheres: a opressão do patriarcado, direcionado a toda e qualquer mulher que não se encaixa nos padrões e se depara com tantas regras inalcançáveis, como o estereótipo de “mulher nova, bonita e carinhosa”, no qual a mulher deve se referenciar a todo instante para alcançar a perfeição desejada pelos homens, para  fazê-los “gemer, sem sentir dor”. Desta forma, o mito da beleza é imposto de formas sutis e escancaradas, exigindo que não devemos envelhecer, ser feia ou insensível (pra não dizer louca). E eu pergunto: como não enlouquecer diante de tantas cobranças? Como escapar de algo que nos é cobrado em todos os lugares, por todas as pessoas, a todo instante? Como ter sanidade mental se não há a proposta de cura dessa doença social chamada patriarcado, tão hostil e opressora? 

Clarice Lispector disse que “a loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente”. Precisamos pensar em conjunto sobre isso, porque o “Ser Mulher” é um modelo que nos faz sermos mulheres, todos os dias, em uma histeria contínua e desenfreada. Nos faz sermos loucas, com lucidez. E parafraseando a frase de Clarice, temos que engolir a loucura, senão ela nos engole…

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