No início, era projeto. Hoje, concretude. Tudo começou no componente curricular História e Psicanálise, no curso de graduação em História, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Certo dia, a turma adentrou em uma discussão (em sala online, no contexto de Pandemia do COVID-19) sobre a “perda da virgindade”.
Depois dessa aula, ficou o assunto reverberando em mim. Paralelamente, estava eu fazendo leituras de textos sobre Feminismos, os quais eram obrigatórios para serem discutidos em sala de aula no Doutorado de Ciências Sociais, na disciplina Seminários Temáticos de Gênero – Conexões entre feminismos clássicos e contemporâneos, no Programa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Tais leituras discutiam sobre o controle dos corpos das mulheres cisgênero no Quênia, país do continente africano, onde ocorre um ritual para realizar a mutilação genital feminina, com o intuito de “purificação dos corpos”. O corpo feminino significa sexo e sexo é algo pecaminoso. E se é pecaminoso, precisa ser corrigido, senão se tornará amaldiçoado. Em sala virtual, debatemos sobre essa forma de “purificar” as mulheres, como se todas nascessem “impuras”; dialogamos sobre como o nosso olhar Ocidental visualiza essa prática e enxerga como contrária aos Direitos Humanos. Percebemos também o quanto as pessoas evitam falar sobre sexo, como se fosse algo ruim, algo prejudicial à moral social. Analisamos como as culturas são diferentes em vários aspectos, mas preservam algo em comum: o tabu em relação aos corpos sexualizados; o tabu em relação ao sexo.
Esses dois debates citados se entrelaçaram em minha mente e advieram alguns questionamentos: por que esse tabu ainda permeia a nossa sociedade, em pleno Século XXI? Por que não dialogar mais sobre isso com as pessoas comuns? Será que as pessoas estariam dispostas a falar e escrever um pouco sobre as suas histórias? Será que a palavra (falada ou escrita) poderia reverberar em algo positivo, caso as pessoas pudessem expor as suas vivências sexuais? Será que as primeiras experiências sexuais estão sendo tão traumáticas que as pessoas estão ocultando no inconsciente, como se um mecanismo de defesa estivesse atuando sobre elas? Como eu posso ajudar para que esse diálogo sobre o referido tabu aconteça? Como fazer para que essa interlocução não se perca?
A partir dessas indagações, me veio o insight: convidar diversas pessoas — independentemente de idade, etnia, origem, credo, identidade de gênero, orientação sexual, etc — a participarem da produção de um livro em formato e-book, o qual seria nomeado com o título “Memórias de Virgindades ‘Perdidas’”, visando possibilitar reflexões acerca do Tabu da Virgindade, que ainda permanece para muitas pessoas como algo a não ser discutido de forma ampla.
Sabemos que algumas instituições — como a escola, a família e a Igreja — preferem que esse assunto continue sendo silenciado para facilitar o controle dos corpos, como bem teorizou Michel Foucault (2009), ao dizer que “O poder disciplinar é invisível, pode vigiar sem ser visto, se expressando pelo olhar e exercendo seu controle sobre os corpos em questão. Mantendo o indivíduo disciplinado”.
Deste modo, unida ao amigo, pesquisador e filósofo Lucas Súllivam Marques Leite, nos reunimos para realizar a tarefa de organizar este e-book, pretendendo escancarar esse debate, trazer à tona o que realmente se passa na vida cotidiana das pessoas em relação à “perda” da virgindade. Desejamos fazer com que os/as leitores/as tentem descobrir o que realmente “se perde”; se é que se “perde” algo.
Queremos igualmente fomentar a discussão, diante das narrativas de pessoas comuns, sobre como os acontecimentos do antes, do durante e do depois dessa “perda” da virgindade ficaram gravadas em suas memórias; alertamos que devemos estar atentos/as/es sobre como a cultura influencia nas Sexualidades dos mais diversos sujeitos. Para isso, contamos com a voluntária participação de 25 pessoas, de variados locais e variadas regiões do país. Divulgamos a nossa Carta-Convite nas nossas redes sociais (Instagram e Whatsapp) e os/as interessados/as/es entraram em contato, informando alguns dados pessoais, além de escolherem um nome fictício para as suas narrativas. Os seus nomes de registros não foram expostos nesta obra, portanto, mantivemos as suas identidades preservadas e substituímos por nomes fictícios, sugeridos pelos/as próprios/as colaboradores/as. Somente a/o organizador/a desse projeto teve acesso ao nome de registro das pessoas envolvidas. Algumas pessoas preferiram enviar áudios, contando um pouco sobre suas histórias e transcrevemos de forma fidedigna ao que fora dito em palavras faladas, tentando preservar ao máximo o modo de falar e escrever dos sujeitos.
A obra contou com a colaboração e análise técnica do historiador e professor-pesquisador mestre e doutorando em História Social da Cultura Regional na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Lucas Gomes de Medeiros, dedicado ao estudo dos marcadores sociais da diferença (gênero e sexualidade) para construção do prefácio.
Cabe destacar que essa produção se insere entre as propostas e ações do Ìgbín Ateliê de Lembranças – uma produtora cultural e educativa – ainda não legalizada – que surge no sertão mossoroense no contexto da pandemia do COVID-19, como dispositivo incentivador da preservação e valorização da história, da cultura e da educação em contextos locais. O Ìgbín se propõe a desenvolver projetos artísticos, pedagógicos, literários, filosóficos, sociais, científicos, musicais e audiovisuais, com destaque nos estudos de Memória, (Auto) Biografia e Diversidade Cultural, iniciativas que revelam perspectivas sobre as histórias do lugar, das pessoas do lugar e dos acontecimentos do lugar.
Essa publicação não teve custo algum para aqueles/as que desejaram colaborar disponibilizando as narrativas publicadas e também não receberam nenhum valor, pois este e-book ficará disponível de forma gratuita na Internet, com o único objetivo de difundir conhecimentos acerca do tema ao público em geral, assim como aos/às literários/as, aos/às escritores/as e aos/às pesquisadores/as que desejarem fomentar os seus trabalhos acadêmicos.
Vamos juntos/as/es romper esse silêncio que gera esse Tabu da Virgindade, o qual, muitas vezes, prejudica a Sexualidade das pessoas, omitindo a importância do diálogo e da Educação Sexual, em todas as fases da vida!
Pedimos aos/às leitores/as que compartilhem este e-book ao máximo de pessoas que você conhece! Quanto mais pessoas envolvidas e unidas a favor desse diálogo, melhor!