Leituras da vida: a indevida apropriação do termo liberdade de expressão na disseminação do ódio

Quando foi que adquirimos o direito de ofender o outro com o entendimento de que a opinião umbilical está resguardada sob a proteção da liberdade de expressão? Eu mesma respondo: nunca. Não vou aqui citar os casos recorrentes de crimes de ódio que se acham protegidos na aba deste direito constitucional para evitar dar palco aos protagonistas e reverberar tais  discursos.
 
Tendo a curiosidade de saber de que episódios da vida real estamos falando, procure os casos do jogador de vôlei, Maurício Souza, e tudo o que rolou na internet após o anúncio da bissexualidade do personagem Superman. Vou dar um spoiler aos desavisados, Superman não existe.
 
A Constituição Brasileira, no artigo V, considerado o mais importante da nossa Carta Magna, em se tratando dos Direitos e Garantias Fundamentais, diz que “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente da censura ou licença;”
 
No entanto, não existe nenhum direito irrestrito, embora alguns nunca tenham atingido tais restrições. Um dia ou outro, os deveres e responsabilidades de cada um podem ser acionados, basta que o indivíduo em exercício dos seus direitos interpele nos dos outros, é o que o diz o inciso X, em outras palavras, claro, do mesmo artigo. “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
 
 Não quero entrar na complexidade deste limítrofe, porque não sou da área do Direito, e o assunto de que vamos refletir já deveria ter, há tempos, ter ultrapassado a complexidade da polêmica e ter o seu significado consensual: liberdade de expressão! No entanto, uma interpretação equivocada do termo, ou mesmo, mal-intencionada, o usa indevidamente na prática disseminativa do ódio. Os ecos desse sentimento contaminam ou tiram da dormência pensamentos semelhantes, e, aos poucos, uma legião de odiadores da mesma causa se juntam em propagação ainda maior e perigosa.
 
Portanto, o direito à opinião é garantido desde que ela não cause um dano moral, material ao outro,  está aqui o limite. Mas é ainda pior quando ela ultrapassa a característica opinativa e recai dentro da criminalidade. Racismo e homofobia podem dar entre 2 a 5 anos de reclusão segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). O Senado também já aprovou o Projeto de Lei que torna a homofobia um crime.
 
Apesar disso, a sociedade ainda insiste em se manter conservadora. Após comentários homofóbicos, o jogador já citado ganhou milhares de novos seguidores e até mesmo já foi cogitado a concorrer às eleições representativas do Legislativo. Sabemos: qualquer discurso é uma prática social de persuasão mental, alguns exercem maior influência (para usar um termo da moda) que outros. E sobre o exercício e uso dessa persuasão devemos refletir criticamente, pois a receita do caos está pronta: um odiador com voz agrupa semelhantes e alguém se aproveita da legião em uso político, local simbólico e também atuante de tomadas de decisões que interferem na sociedade.
 
Não é por acaso que, desde 2001, temos um projeto que torna a homofobia crime tramitando na Câmara Federal, esperando ser colocado em andamento. Todo esse tempo de espera vai inclusive na contramão tradicional da Casa que já formou várias leis em proteção às minorias, mas devemos lembrar da representatividade congressista feita por homens héteros, conservadores e defensores de uma família tradicional como única, dificultando as discussões dessas pautas.
 
Por isso, quando discurso e poder se casam para prejuízos da dignidade humana dos cidadãos, precisamos levantar a voz e acionar o que de direito temos para impedir.  Um pedido de desculpas é muito leve para o prejuízo de uma ação criminosa discursiva. É como dito popular diz: palavras soltas, são como penas de galinhas ao vento, não dá para recuperar.
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