As Mulheres Sempre Dormiram com o inimigo.

Faz menos de duas décadas desde que as mulheres passaram a ter proteção legal1 contra a violência doméstica pela qual sofrem desde sempre, razão pela qual há de se presumir que a problemática não era discutida há vinte anos com tamanha amplitude e publicidade como é atualmente.

Acredito piamente que o cinema, a benefício da humanidade, se antecipa ao abordar muitos temas mesmo antes de se tornarem pautas sociais de grande importância. Assistindo ao clássico suspense Dormindo com o Inimigo (1991) pude refletir sobre a importância das mais diversas formas de expressão e arte.

Sob meu olhar os filmes têm o poder de suscitar, escancarar, antecipar problemáticas mesmo que elas não sejam tão debatidas em sua época. Tratando-se de um filme da década de 90, baseado no romance homônimo da escritora Nancy Price, Dormindo com o Inimigo mostra com detalhes e de maneira sutil (ao menos inicialmente) os traços dos relacionamentos patológicos, abusivos e tóxicos em que grande parte das mulheres estão presas, vivendo para agradar as manias e perversões masculinas.

Para ilustrar o que digo, há uma cena em que o marido sugere que a esposa troque o vestido que está usando, mesmo sabendo que isso vai contra o desejo da mulher objeto de seus caprichos. É uma atitude que pode, ao ser analisada em conjunto com outros comportamentos, dar pistas de que não se trata de uma relação de igualdade entre companheiros.

Percebemos, durante os primeiros momentos, as atitudes calculadas e contidas de uma mulher movida pelo medo. A figura feminina é pura e simplesmente um objeto para realização das birras de seu dono, até que, por se encontrar em uma linha tênue entre a vida e a iminente “morte”, ela se arrisca através de um ato de coragem que, infelizmente, muitas mulheres não sonham em realizar, seja por questões psicológicas ou mesmo pela falta de uma rede de apoio.

Por isso, quero hoje, mais do que nunca, usar esse espaço para frisar a importância de termos espaços livres e democráticos, longe de censura, para que temas tão sensíveis como esse possam ser suscitados, mesmo que a sociedade esteja anos luz de encontrar uma solução para eles.

1 Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de ago. de 2006).

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